Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 462/2023-T
Data da decisão: 2024-01-08  IVA  
Valor do pedido: € 184.903,66
Tema: IVA. Dedução em serviços de construção civil. Art. 19.º, n.º 8 CIVA. Cálculo “por dentro” de IVA não cobrado.
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Sumário:

 

  1. Não é dedutível o IVA incorrido em serviços de construção civil sujeitos ao regime de autoliquidação pelo adquirente, quando este imposto tenha sido erradamente liquidado pelos prestadores desses serviços.
  2. Nestas circunstâncias, a indedutibilidade do IVA não configura duplicação de coleta, nem viola o princípio da neutralidade, pois o exercício do direito à dedução apenas respeita aos impostos pagos na medida em que sejam devidos e o IVA assim liquidado pelos prestadores de serviços de construção civil não é devido. 
  3. Nas correções ao IVA liquidado, se o preço de um bem foi determinado pelas partes sem menção ao IVA ou com IVA inferior ao devido, deve ser efetuado o cálculo “por dentro”, considerando-se que o preço já inclui o IVA (v. artigo 49.º do respetivo Código), caso o prestador não tenha a possibilidade de recuperar junto dos adquirentes, no caso turistas, o IVA reclamado pela AT.  

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 30 de agosto de 2023, Alexandra Coelho Martins (presidente), Ricardo Jorge Rodrigues Pereira e Raquel Franco, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

 

A... Unipessoal, Lda., adiante “Requerente”, titular do número único de matrícula e de pessoa coletiva..., com sede na Rua..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, na redação vigente.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, de seguida identificada por “AT” ou Requerida.

 

A Requerente pretende a anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), em resultado do procedimento inspetivo relativo aos exercícios de 2017, 2018, 2019 e 2020, bem como a anulação das próprias liquidações, no valor global de € 184.903,66.

 

Em 28 de junho de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e, de seguida, notificado à AT.

 

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 30 de agosto de 2023.

 

            Em 4 de outubro de 2023, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por impugnação, e juntou ulteriormente o processo administrativo (“PA”).

 

Não havendo prova testemunhal a produzir, nem tendo sido suscitada ou identificada matéria de exceção, o Tribunal Arbitral determinou a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (v. artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT).

 

As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas facultativas, tendo optado por não alegar.

 

            Posição da Requerente

 

A Requerente opõe-se às três correções efetuadas pela AT, na sequência da ação inspetiva realizada ao período assinalado [de 2017 a 2020], com fundamento em erro de direito por violação do princípio da neutralidade e do disposto nos artigos 205.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e 49.º do Código do IVA.

 

A primeira correção refere-se a IVA deduzido incorrido na aquisição de serviços de construção civil em que não se verificou a inversão do sujeito passivo [tendo o imposto sido mencionado (repercutido) na fatura emitida pelos prestadores dos serviços], nos anos 2017 e 2018. A Requerente considera que a não dedutibilidade deste imposto consubstancia vício de duplicação de coleta, nos termos previstos no artigo 205.º do CPPT, tendo em conta que o IVA deduzido foi liquidado pelos prestadores dos serviços emitentes das faturas e, ainda, que é contrária ao princípio da neutralidade, para o que invoca a jurisprudência do Tribunal de Justiça.   

 

As restantes correções prendem-se com IVA não liquidado, seja por indevida aplicação da taxa reduzida a clientes nacionais (ao invés da taxa normal), seja pela não liquidação de qualquer IVA em relação a serviços localizados em Portugal, mas erradamente considerados como localizados fora do território nacional.

 

No que se refere à errada aplicação pela Requerente da taxa reduzida no âmbito da prestação de serviços de circuitos turísticos e de transporte de passageiros a clientes nacionais, aquela invoca que o valor da diferença de taxa [da reduzida para a taxa normal] não foi cobrado / repercutido aos clientes, nem agora é exequível fazê-lo, dada a natureza das operações e o tempo em que as mesmas foram realizadas.

 

Conclui, assim, que a liquidação de IVA pela AT deveria ter sido calculada “por dentro”, presumindo-se que os valores foram faturados aos clientes com IVA incluído. Deste modo, defende que o cálculo do IVA “por fora” efetuado pela inspeção tributária viola o disposto no artigo 49.º do Código do IVA e o princípio da neutralidade.

 

Por fim, no tocante à errada aplicação pela Requerente das regras de localização das operações efetuadas com clientes da União Europeia e de países terceiros – que conduziu à sua não tributação e consequente falta de liquidação de IVA à taxa normal –, a Requerente invoca, de igual modo, a ilegalidade do cálculo do IVA “por fora” efetuado pela AT.

 

Posição da Requerida

 

De acordo com a Requerida, o sujeito passivo das operações qualificadas como serviços de construção civil é o sujeito passivo adquirente (v. artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA), apenas sendo dedutível o imposto autoliquidado pelo adquirente, como estipula o artigo 19.º, n.º 8 do mesmo diploma. Não tendo a Requerente autoliquidado o IVA nos serviços de construção civil adquiridos, o imposto não é dedutível. A Requerida sustenta que tal não configura uma duplicação de coleta, como esclarecido pelo Supremo Tribunal Administrativo (v. Acórdão n.º 1079/12) e também em jurisprudência arbitral.

 

Relativamente ao invocado erro no apuramento do IVA devido, quer quanto aos clientes nacionais, quer quanto aos clientes da União Europeia[1] e de países terceiros, a Requerida afirma que foi expurgado do valor total da fatura o valor da base tributável e o valor do imposto que a Requerente liquidou à taxa reduzida, pelo que o IVA foi calculado “por dentro”, ao abrigo do preceituado no artigo 49.º do Código do IVA. Argui que a Requerente não pode considerar que devesse ter sido expurgado do total das faturas um valor de IVA à taxa normal, quando essa não foi a taxa aplicada nas faturas.

 

Conclui pela improcedência dos pedidos.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, relativa a atos de liquidação de IVA e juros compensatórios inerentes, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, a contar da data de notificação do indeferimento expresso da reclamação graciosa, ocorrida em 30 de março de 2023 (conforme aviso de receção assinado), tendo em conta que a presente ação foi deduzida em 26 de junho de 2023.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não foram identificadas questões prévias a apreciar, nem nulidades.

 

 

 

  1. Fundamentação de Facto

 

  1. Factos Provados

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

  1. A..., Unipessoal, Lda., aqui Requerente, iniciou a sua atividade em 2013 e encontra-se registada para o exercício da atividade principal de “Organização de Atividades de Animação Turística” – CAE 93293 e, entre outras, a título secundário, de “Alojamento Mobilado para Turistas” – CAE 55201 e de “Transporte Ocasional de Passageiros em Veículos Ligeiros” – CAE 49320 – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) constante do PA.
  2. A Requerente está enquadrada no regime normal de IVA, com periodicidade trimestral até 31 de dezembro de 2020 e mensal a partir de 1 de janeiro de 2021 – cf. RIT.
  3. No decurso dos anos 2017 e 2018 a Requerente adquiriu diversos serviços de construção civil, tendo os respetivos prestadores dos serviços liquidado IVA, o qual foi deduzido pela Requerente, no campo 24 das declarações de IVA dos períodos e nos valores indicados no quadro seguinte – cf. RIT:

Período

IVA*

2017-12T

 125,95

2018-03T

74,09

2018-06-T

131,32

2018-09-T

937,45

2018-12T

99,05

Total

1.367,86

                                           * Valores em euros

  1. Nos anos 2017, 2018, 2019 e 2020, a Requerente faturou aos seus clientes nacionais serviços prestados de passeios turísticos, de percursos variados, e vendas de bilhetes de acesso ao ..., em Sintra, nos quais liquidou IVA à taxa de 6%, conforme detalhado no quadro seguinte, cuja informação foi extraída do RIT e não contestada pela Requerente: 

Ano

Base Tributável

IVA liquidado

taxa de 6%

Total Faturado

Serviços de Passeios Turísticos

2017

136.700,72

8.202,04

144.902,76

2018

107.320,22

6.439,21

113.759,43

2019

103.517,84

6.211,07

109.728,91

2020

15.277,74

916,66

16.194,40

SUBTOTAL

362.816,52

21.768,98

384.585,50

Transmissão de bilhetes de acesso ao ...

2018

6,13

0,74

6,87

2019

1.379,44

82,77

1.462,21

2020

1.442,26

21,56[2]

1.463,82

SUBTOTAL

2.827,83

105,07

2.932,90

TOTAL

365.644,35

21.874,05

387.518,40

* Valores em euros

  1. Nos anos 2017, 2018, 2019 e 2020, a Requerente prestou serviços de transporte de passageiros e de passeios turísticos a clientes da União Europeia, nomeadamente originários de Espanha e da Alemanha, e de países terceiros, como os Estados Unidos da América, nos quais não liquidou qualquer IVA, por ter aplicado erradamente a norma de localização das prestações de serviços prevista no artigo 6.º, n.º 6 do Código do IVA – cf. RIT.
  2. No quadro infra, sintetizam-se os valores, por anos, das prestações de serviços de transporte de passageiros e de passeios turísticos realizadas a clientes da União Europeia e de países terceiros, sem tributação em IVA – cf. RIT:

 

Ano

Base Tributável

Total Faturado

Serviços de Transporte de Passageiros

2017

24.318,91

24.318,91

2018

25.989,17

25.989,17

2019

121.349,22

121.349,22

2020

23,271,92

23,271,92

SUBTOTAL

194.929,22

194.929,22

Serviços de Passeios Turísticos

2017

92.748,40

92.748,40

2018

138.251,64

138.251,64

2019

475.526,49

475.526,49

2020

52.042,60

52.042,60

SUBTOTAL

758.569,13

758.569,13

TOTAL

953.498,35

953.498,35

* Valores em euros

  1. A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo de âmbito parcial – IVA, na sequência de um pedido de reembolso do imposto, no montante de € 81.220,02, efetuado na declaração periódica de 202012T, ao abrigo das Ordens de Serviço OI2021..., OI2021..., OI2021... e OI2021..., abrangendo os anos 2020, 2017, 2018 e 2019, respetivamente – cf. RIT.
  2. A referida ação inspetiva foi concluída com correções efetuadas pela AT a IVA indevidamente deduzido pela Requerente nos serviços de construção civil adquiridos a prestadores que os faturaram com liquidação de IVA, não tendo a Requerente aplicado a regra de inversão do sujeito passivo prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código deste imposto (i.e., autoliquidação pelo adquirente), no valor de € 1.367,86 – cf. RIT.
  3. Em relação ao IVA liquidado, a AT concluiu por correções fundadas:
  1. Em erro na aplicação da taxa reduzida aos serviços de passeios turísticos e de transmissão de bilhetes de acesso ao ..., que foram tributados pela Requerente à taxa de 6% e, de acordo com a Requerida, deveriam tê-lo sido à taxa normal, de 23%; bem como,
  2. Em erro na (des)localização das prestações de serviços de transporte de passageiros e de passeios turísticos efetuadas a clientes da União Europeia e de países terceiros, que a Requerente, por essa razão, não tributou e que, segundo a Requerida, são localizados em território nacional e sujeitos a IVA à taxa reduzida de 6%, no caso dos serviços de transporte de passageiros, e à taxa normal de 23%, no caso dos passeios turísticos,

tudo de acordo com os pressupostos e valores constantes dos quadros infra[3] cuja informação foi extraída do RIT:

Quadro de IVA liquidado a clientes nacionais

Ano

Base Tributável

IVA liquidado

taxa de 6%

Total Faturado

IVA a Liquidar à Taxa de 23%

IVA

em Falta

Serviços de Passeios Turísticos

2017

136.700,72

8.202,04

144.902,76

31.441,17

23.239,12

2018

107.320,22

6.439,21

113.759,43

24.683,65

18.244,44

2019

103.517,84

6.211,07

109.728,91

23.809,10

17.598,03

2020

15.277,74

916,66

16.194,40

3.513,88

2.597,22

SUBTOTAL

362.816,52

21.768,98

384.585,50

83.447,80

61.678,81

Transmissão de bilhetes de acesso ao ...

2018

6,13

0,74

6,87

2,82**

2,08

2019

1.379,44

82,77

1.462,21

317,27

234,50

2020

1.442,26

21,56[4]

1.463,82

331,72

310,16

SUBTOTAL

2.827,83

105,07

2.932,90

651,81

546,74

TOTAL

365.644,35

21.874,05

387.518,40

84.099,61

62.225,55

* Valores em euros

** Este valor não corresponde à aplicação da taxa de 23% à base tributável

 

Quadro de IVA liquidado a clientes da União Europeia e de países terceiros

Serviços de Transporte de Passageiros

Ano

Base Tributável

Total Faturado

IVA a Liquidar à Taxa de 6%

IVA em Falta

2017

24.318,91

24.318,91

1.459,13

1.459,13

2018

25.989,17

25.989,17

1.559,35

1.559,35

2019

121.349,22

121.349,22

7.280,95

7.280,95

2020

23.271,92

23.271,92

1.396,32

1.396,32

SUBTOTAL

194.929,22

194.929,22

11.695,75

11.695,75

Serviços de Passeios Turísticos

Ano

Base Tributável

Total Faturado

IVA a Liquidar à taxa de 23%

IVA em Falta

2017

92.748,40

92.748,40

21.332,13

21.332,13

2018

138.251,64

138.251,64

31.797,88

31.797,88

2019

475.526,49

475.526,49

109.371,09

109.371,09

2020

52.042,60

52.042,60

11.969,80

11.969,80

SUBTOTAL

758.569,13

758.569,13

174.470,90

174.470,90

TOTAL

953.498,35

953.498,35

186.166,65

186.166,65

* Valores em euros

 

  1. Em síntese, as correções propostas no RIT perfazem o valor total de IVA de € 249.760,06, correspondente à soma das seguintes componentes:
    1. € 1.367,86 de IVA indevidamente deduzido por ter sido liquidado pelos prestadores de serviços de construção civil, em vez de autoliquidado pela Requerente;
    2. € 62.225,55 de IVA não liquidado em serviços de passeios turísticos e de transmissão de bilhetes de acesso ao ... a clientes nacionais, por ter sido aplicada erradamente a taxa de 6%, quando devia ter sido a taxa de 23% (diferencial de taxa);
    3. € 186.166,65 de IVA não liquidado em serviços de transporte de passageiros e de passeios turísticos efetuadas a clientes da União Europeia e de países terceiros, nos quais devia ter sido aplicada a taxa de 6% no primeiro caso e de 23% no segundo.
  2. Na sequência da notificação do RIT, foi anulado o crédito de IVA da Requerente de € 81.220,02 (cujo reembolso havia sido solicitado) e esta foi notificada das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios a seguir discriminadas:
  • liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2017-03T, no valor de € 3.773,83;
  • liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2017-03T, no valor de € 665,67;
  • liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2017-06T, no valor de € 9.657,89;
  • liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2017-06T, no valor de € 1.610,88;
  • liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2017-09T, no valor de € 18.835,42;
  • liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2017-09T, no valor de € 2.938,90;
  • liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2017-12T, no valor de € 11.815,22;
  • liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2017-12T, no valor de € 1.735,05;
  • liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2018-03T, no valor de € 5.012,67;
  • liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2018-03T, no valor de € 687,16;
  • liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2018-09T, no valor de € 3.728,73;
  • liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2018-09T, no valor de € 436,41;
  • liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2018-12T, no valor de € 10.521,78;
  • liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2018-12T, no valor de € 1.125,39;
  • liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2019-03T, no valor de € 699,09;
  • liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2019-03T, no valor de € 67,95;
  • liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2019-06T, no valor de € 23.542,53;
  • liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2019-06T, no valor de € 2.048,52;
  • liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2019 -09T, no valor de € 63.835,23;
  • liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2019-09T, no valor de € 4.882,95;
  • liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2019-12T, no valor de € 7.498,09;
  • liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2019-12T, no valor de € 497,95;
  • liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2020-03T, no valor de € 7.193,76;
  • liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2020-03T, no valor de € 237,29;
  • liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2020-09T, no valor de € 1.330,53;
  • liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2020-09T, no valor de € 46,65;
  • liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2020-12T, no valor de € 1.233,80;
  • liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2020-12T, no valor de € 34,65.

perfazendo o total de € 185.693,99, sendo € 168.678,57 de IVA e € 17.015,42 de juros – cf. procedimento de reclamação graciosa constante do PA.

  1. Inconformada com as correções efetuadas e o IVA e juros compensatórios liquidados adicionalmente pela AT, em 4 de março de 2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa – cf. procedimento de reclamação graciosa constante do PA.
  2. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 22 de março de 2023, do que a Requerente foi notificada em 30 de março de 2023 – cf. documento junto pela Requerente e procedimento de reclamação graciosa constante do PA.
  3. Em discordância da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que manteve as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios controvertidas, referentes aos anos de 2017 a 2020, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 26 de junho de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.

 

2.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto e Factos não Provados

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica e das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes que assumiram uma posição consensual em relação à matéria de facto, sendo a dissensão essencialmente de direito.

 

Relativamente aos factos não provados, a Requerente não demonstrou a alegação de que o imposto liquidado pelos prestadores de serviços de construção civil nas faturas emitidas foi efetivamente pago ao Estado (v.g. artigos 15.º, 17.º e 21.º do ppa).

 

            Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

 

  1. Do Direito
  1. Não Dedução de IVA Liquidado pelos Prestadores em Serviços de Construção Civil

 

A primeira ilegalidade suscitada na presente ação respeita à correção efetuada pela AT ao IVA deduzido pela Requerente em serviços de construção civil[5].

            Reúne o consenso das Partes que a Requerente adquiriu serviços de construção civil a diversos prestadores de serviços, que lhe liquidaram IVA, no valor de € 1.367,86, nas faturas emitidas, tendo a Requerente procedido à dedução deste imposto.

 

            No entanto, o IVA dos serviços de construção civil deve ser autoliquidado pelo adquirente, in casu, a própria Requerente, em observância do regime de inversão do sujeito passivo estabelecido pelo artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código deste imposto. Trata-se de uma exceção ao regime-regra de liquidação do IVA que consta do artigo 199.º [6] da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro de 2006).

 

            Esta disciplina específica foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, e, como salienta o respetivo preâmbulo, insere-se num “conjunto de medidas destinado a combater algumas situações de fraude, evasão e abuso que se vêm verificando na realização das operações imobiliárias sujeitas a tributação”, visando acautelar “algumas situações que redundam em prejuízo do erário público, atualmente decorrentes do nascimento do direito à dedução do IVA suportado, sem que esse imposto chegue a ser entregue nos cofres do Estado.”

 

            Susana Claro & Catarina Mendonça Medeiros salientam a este respeito que o Estado Português aplicou o mecanismo de reverse charge a “vários setores de atividade identificados como tendencialmente fraudulentos, entre os quais o setor da construção civil” – Cadernos IVA 2016, “A Regra de Inversão do Sujeito Passivo nos Serviços de Construção Civil”, Coord. Sérgio Vasques, Almedina pp. 389-408 (cit. p. 393). 

 

            Resulta do probatório que foi incumprida a obrigação de autoliquidação pelo adquirente [a aqui Requerente] estabelecida pela citada alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA. Nestas circunstâncias, o artigo 19.º, n.º 8 deste diploma, introduzido pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro[7], determina que o direito à dedução não pode ser exercido, pois apenas confere direito à dedução o imposto que tenha sido autoliquidado. O que não sucedeu, pois a Requerente não autoliquidou o IVA destes serviços, tendo o imposto sido liquidado nas faturas pelos prestadores.

 

            De sublinhar que a norma em análise [artigo 19.º, n.º 8 do Código do IVA] não sujeita a indedutibilidade do imposto à condição negativa de os prestadores não entregarem o IVA ao Estado. A indedutibilidade opera e é independente do pagamento do IVA ao Estado pelo prestador que o liquidou incorretamente. O que constitui, segundo entendemos, uma forma de promover a efetiva aplicação do regime de autoliquidação pelo adquirente (inversão do sujeito passivo), a que alguns prestadores tendem a ser menos recetivos, nomeadamente para evitarem entrar em situação de reembolso de IVA que, em regra, suscita ações inspetivas por parte da AT.

 

            Contrariamente ao alegado pela Requerente, esta não dedutibilidade não configura duplicação de coleta, como declara o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de fevereiro de 2013, processo n.º 01079/12, de que se transcreve o seguinte segmento relevante:

 

            “A duplicação da colecta, prevista no art. 205º do CPPT, resulta da aplicação do mesmo preceito legal mais do que uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária concreta, sendo que a não exigência de segundo pagamento, a que a invocação da duplicação de colecta se reconduz, apenas se pode justificar se o primeiro era devido, pois, se não o foi, o que foi pago poderá ser ulteriormente reembolsado, através dos meios adequados de impugnação e revisão do acto tributário e, numa situação desse tipo, não se justifica que se prescinda do segundo pagamento, que é efectivamente devido.

            […] há que separar a situação decorrente da reparação do erro em que a recorrente e a prestadora de serviço incorram e que foi da sua inteira responsabilidade e que terá de ser resolvido entre as mesmas.

O mencionado erro não pode, porém, impedir a Fazenda Pública de fazer cumprir a lei. Se a Administração Tributária não pudesse, nestes casos, regularizar a situação, impondo a liquidação adicional ao verdadeiro sujeito passivo, estava encontrada a forma de contornar o regime legal denominado de reversão de sujeitos passivos instituído para prevenir, como ficou dito, a fraude fiscal.”

 

            Com efeito, como se argumenta neste aresto, a eventual correção do erro na liquidação do IVA pelos prestadores de serviços é uma questão distinta que não pode comprometer a aplicação do regime de não dedução estabelecido no artigo 19.º, n.º 8 do Código do IVA. A remoção desse erro pode ser alcançada pelos meios próprios, a empregar pelos prestadores que tenham liquidado e pago o IVA indevidamente, como sejam a retificação/substituição das faturas e a entrega de declarações periódicas de substituição dentro do prazo de 2 anos (v. artigo 78.º do Código do IVA), ou a submissão de pedido de revisão oficiosa (v. artigos 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 98.º do Código do IVA). No mesmo sentido, v. as decisões arbitrais dos processos 122/2018-T e 246/2021-T.

 

            Deste modo, em linha com a Requerida, não se constata qualquer ilegalidade por duplicação de coleta.

 

            Em relação à alegada violação do princípio da neutralidade, que impregna o sistema comum do IVA, o Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre a questão no processo de reenvio prejudicial C-424/12, SC Factorie, com acórdão de 6 de fevereiro de 2014, no sentido de que no âmbito de uma operação sujeita ao regime da autoliquidação, a Diretiva IVA e o princípio da neutralidade fiscal não se opõem a que o beneficiário dos serviços fique privado do direito à “dedução do IVA que pagou indevidamente ao prestador de serviços com base numa fatura mal passada, incluindo quando for impossível corrigir esse erro, devido à falência do referido prestador.”

 

            Não se trata apenas de um mero formalismo, mas de uma medida que faz incorrer o Estado num risco de perda efetiva de receitas fiscais. O referido aresto acrescenta que “o exercício do direito a dedução está limitado apenas aos impostos devidos, isto é, aos impostos correspondentes a uma operação sujeita ao IVA, ou pagos na medida em que sejam devidos (acórdãos de 13 de dezembro de 1989, Genius, C‑342/87, Colet., p. 4227, n.° 13, e de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C‑454/98, Colet., p. I‑6973, n.° 53). Assim, visto que o IVA pago pela Fatorie à Megasal não era devido e que esse pagamento não preenchia um requisito substantivo do regime da autoliquidação, a Fatorie não pode invocar o direito a dedução desse IVA.” [pontos 39 e 40]

 

            Por fim, importa notar que a Requerente não prova que o IVA liquidado pelo prestador de serviços de construção civil foi entregue nos cofres do Estado.

 

            Conclui-se, neste segmento, que os atos tributários de liquidação de IVA não enfermam do vício de violação de lei suscitado pela Requerente, mantendo a sua validade.

 

  1. IVA não Cobrado. Cálculo “por Dentro”

 

A Requerente não questiona o fundamento das correções efetuadas pela AT, exprimindo apenas discordância em relação à forma de cálculo do imposto, que se repercute na quantificação das correções de IVA.

 

Esta questão é idêntica, quer para as operações realizadas com clientes nacionais, quer para aquelas cujos destinatários eram da União Europeia ou de países terceiros, pelo que será abordada conjuntamente, sem prejuízo das diferentes taxas de IVA que tenham sido e devam ser aplicadas às diversas operações.

 

Como atrás referido, em relação aos clientes nacionais, as liquidações impugnadas refletem a diferença de aplicação de taxa reduzida para a taxa normal em virtude de os serviços não se enquadrarem na Lista I anexa ao Código do IVA e no artigo 18.º, n.º 1, alínea a) deste diploma. Em relação aos clientes estrangeiros, refletem a liquidação de IVA, à taxa de 6% ou de 23%, consoante os casos, sobre as operações erradamente enquadradas pela Requerente no  artigo 6.º, n.º 6, alínea a) do Código do IVA, quando deveria ter sido aplicado o n.º 8, alíneas b) e e) do mesmo artigo, com a consequente localização e tributação das operações em Portugal.

 

            Interessa notar que, dada a atividade da Requerente, de prestação de serviços de animação turística, uma vez que estes sejam prestados e decorridos anos sobre os mesmos, não é exequível (ao menos na generalidade dos casos) repercutir o valor do IVA que, por erro, de facto ou de direito, tenha sido liquidado a mais ou a menos.

 

            Acresce que, quando estamos perante clientes particulares, consumidores finais, os preços indicados pelos fornecedores/prestadores contêm o IVA.

 

A resposta à questão de saber se numa situação em que sejam realizadas correções pela AT ao IVA liquidado pelo sujeito passivo este deve ser calculado “por dentro” da contraprestação convencionada e cobrada, ao invés de sobre essa contraprestação, foi já clarificada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, no quadro do direito da União Europeia e da Diretiva IVA. 

 

No processo C-249/12, Tulică, com acórdão de 7 de novembro de 2013, sobre a questão (idêntica à dos autos) de saber se “no caso de o preço de um bem ter sido determinado pelas partes sem menção do IVA e de o fornecedor do referido bem ser o devedor do IVA sobre a operação tributada, o preço convencionado dever[] ser considerado um preço que inclui já o IVA ou como um preço sem IVA, a que deve acrescer esse imposto”, o Tribunal de Justiça, conclui que se deve considerar que o preço já inclui o IVA, pelo que o cálculo deve ser efetuado “por dentro”, na condição de o fornecedor não ter a possibilidade de recuperar junto do adquirente o IVA reclamado pela AT (v. pontos 40 e 43 do acórdão), como sucede na situação em exame[8].

 

Para o Tribunal de Justiça esta conclusão deriva do princípio de que o sistema comum do IVA tem por objetivo onerar unicamente o consumidor final (ponto 34) e consiste em aplicar aos bens e aos serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço destes (ponto 32) e, bem assim, do princípio da contraprestação efetiva (enunciado no artigo 73.° da Diretiva IVA), segundo o qual o valor tributável é constituído pela contraprestação realmente recebida para esse efeito pelo sujeito passivo (ponto 33) e não inclui o próprio IVA (v. artigo 78.º da Diretiva IVA).

 

Assim, “quando um contrato de compra e venda tiver sido celebrado sem menção do IVA, na hipótese de o fornecedor, segundo o direito nacional, não poder recuperar junto do adquirente o IVA posteriormente exigido pela administração fiscal, considerar que a totalidade do preço, sem dedução do IVA, constitui a base a que o IVA se aplica teria a consequência de o IVA onerar esse fornecedor e colidir, portanto, com o princípio de que o IVA é um imposto sobre o consumo, que deve ser suportado pelo consumidor final.” (ponto 35 do acórdão Tulică).

 

Entendimento que foi reforçado no processo C-846/19, EQ, com acórdão de 15 de abril de 2021, onde se afirma o seguinte: “No que respeita, por outro lado, à hipótese, evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de o prestador ter realizado prestações de serviços sem cobrança do IVA de que era devedor, e de não estar em condições de recuperar junto de quem pagou essas prestações o IVA posteriormente exigido pela administração tributária, há que considerar, se essa hipótese se concretizar, que as remunerações recebidas a esse título pelo prestador de serviços incluem já o IVA devido, pelo que a cobrança do IVA é compatível com o princípio de base da Diretiva IVA segundo o qual o sistema do IVA tem como objetivo onerar unicamente o consumidor final (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2013, Tulică e Plavoşin, C-249/12 e C-250/12, EU:C:2013:722, n.ºs 34, 42 e 43) (ponto 93 do acórdão EQ).

 

Mais recentemente, o Tribunal de Justiça decidiu, no processo C-521/19, MEO, com acórdão de 1 de julho de 2021, aplicar esse regime mesmo nos casos de fraude, se os sujeitos passivos não tiverem a possibilidade de fazer repercutir e deduzir ulteriormente o IVA em causa.

 

Na situação dos autos é manifesto que não vai ser possível à Requerente recuperar o IVA em falta – que não liquidou por errada localização das prestações de serviços, ou que liquidou a menos, por diferenças de taxas – aos turistas que anos antes recorreram aos seus serviços, muitos, aliás, estrangeiros. Tem, desta forma, pleno cabimento a jurisprudência do Tribunal de Justiça acima descrita, devendo a quantificação do IVA em falta ser o resultado de uma fórmula de cálculo de IVA incluído no preço final faturado e cobrado aos clientes.  Conclusão a que também chega, numa situação similar, a decisão do processo arbitral 521/2021-T, de 17 de janeiro de 2022.

 

Sobre a alegação da Requerida, na Resposta, de que no RIT o cálculo foi feito “por dentro”, por ter sido expurgado o valor do IVA liquidado à taxa reduzida, antes de aplicar a taxa de 23%, a mesma não pode acolher-se, pois enferma de erro nos pressupostos aritméticos, desconsiderando a fórmula de cálculo “por dentro” explicitada no artigo 49.º do Código do IVA.

 

Exemplificando, para a Requerida, no caso em que tenham sido prestados serviços no valor convencionado de € 106,00, sendo € 100,00 de base e € 6,00 de IVA (à taxa de 6%), o recálculo pela AT do IVA devido à taxa de 23%, considera-se efetuado “por dentro” se a AT aplicar os 23% ao valor da base, de € 100,00. Assim, teríamos IVA devido no valor de € 23,00 que, deduzidos dos € 6,00 já pagos, se cifraria no valor a liquidar adicionalmente de € 17,00.

 

Porém, o procedimento descrito, que foi o aplicado pela AT no procedimento inspetivo e no cálculo do IVA a liquidar adicionalmente, não corresponde à fórmula de cálculo “por dentro”. Esta, obtém-se partindo do preço convencionado, no exemplo supra de € 106,00, do qual se retira proporcionalmente a base (77%) e o IVA (23%). Neste caso, a base é de € 86,18 e o IVA, à taxa de 23%, de € 19,82. Deduzindo ao IVA assim calculado os € 6,00 já liquidados e pagos pela Requerente ao Estado, o valor a liquidar adicionalmente cifra-se em € 13,82.

 

À face do exposto, constata-se que o valor de IVA devido apurado no RIT, que subjaz às liquidações de IVA contestadas, enferma de erro de quantificação, pelo que estas devem ser parcialmente anuladas, na medida do excesso, por enfermarem de erro de direito, em concreto de violação dos princípios da contraprestação efetiva (artigos 16.º, n.º 1 do Código do IVA e 73.º da Diretiva IVA) e da neutralidade, que justifica a sua anulação nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), preceito subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c) da LGT.

 

A aplicação da fórmula de cálculo “por dentro” enunciada no artigo 49.º do Código do IVA redunda numa correção global de IVA no montante de € 204.836,59, por oposição ao valor de € 249.760,06 constante do RIT, traduzindo-se no valor de imposto liquidado a mais pela AT de € 44.923,47, com o correspondente impacto no apuramento de juros compensatórios a efetuar pela Requerida em sede de execução de julgado.

 

Tendo a Requerente atribuído à ação arbitral o valor de € 184.903,66, o qual inclui juros compensatórios (v. ponto K da matéria de facto provada), e cifrando-se o ganho de causa em € 44.923,47, adicionado dos juros compensatórios inerentes, estima-se, para efeitos da conta de custas, que este representa aproximadamente 26,7% do valor impugnado.

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. De notar que em relação às alegações constantes nos artigos 28.º a 32.º e 39.º da Resposta, as mesmas não foram tidas em consideração por este Tribunal Arbitral, por não se reportarem à causa de pedir e ao pedido formulados pela Requerente na presente ação.

 

 

  1. Decisão

 

            Atento o exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar parcialmente procedente a ação arbitral, no valor de IVA de € 44.923,47, adicionado dos juros compensatórios inerentes, a calcular em sede de execução de sentença, com a consequente anulação parcial, nessa exata medida, dos atos de liquidação de imposto e juros referentes aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, e, bem assim, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que os manteve.

 

 

  1. Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 184.903,66, indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, respeitante ao montante de IVA liquidado cuja anulação pretende, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

VII.     Custas

 

            Custas no montante de € 3.672,00, sendo € 2.691,58 (73,30%) a cargo da Requerente e € 980,42 (26,7%) a cargo da Requerida, em razão da sucumbência, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

            Lisboa, 8 de janeiro de 2024

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins, relatora

 

Ricardo Jorge Rodrigues Pereira

 

 

Raquel Franco

 

 



[1] Excetuando os portugueses, que foram considerados na categoria anterior de clientes nacionais.

[2] Este valor não corresponde à aplicação da taxa de 6% sobre o valor de 1.442,26, que seria de 86,54, não conseguindo este Tribunal identificar/explicar a origem da divergência.

[3] Podem verificar-se algumas diferenças de cêntimos derivadas de arredondamentos.

[4] Este valor não corresponde à aplicação da taxa de 6% sobre o valor de 1.442,26, que seria de 86,54, não conseguindo este Tribunal identificar/explicar a origem da divergência.

[5] As ilegalidades suscitadas pela Requerente são conhecidas pela ordem por esta indicada no ppa (v. artigo 124.º, n.º 2 do CPPT).

[6] Norma que determina, no seu n.º 1, alínea a), que os Estados-Membros podem prever que o devedor do imposto seja o sujeito passivo destinatário (ou seja, o adquirente), em operações de “Prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis”, prerrogativa que foi exercida pelo legislador nacional, em relação aos serviços de construção civil, com a alteração ao artigo 2.º do Código do IVA resultante do Decreto-lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 45.º, n.º 3 da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro. O regime-regra de liquidação do IVA pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços está previsto no artigo 193.º da Diretiva IVA.

[7] Dispõe o artigo 19.º, n.º 8 do Código do IVA nos seguintes termos: “Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação.”

[8] Assinala-se que a questão é essencialmente a mesma, quer o preço não tenha incluído qualquer IVA, quer tenha incluído IVA, mas inferior àquele que seria devido. Ponto é saber se o IVA em falta deve ser retirado do preço convencionado (cálculo “por dentro”), ou deve acrescer a este preço, superando-o.