Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 444/2023-T
Data da decisão: 2024-01-25  IRS  
Valor do pedido: € 24.295,23
Tema: IRS – Revogação/Reforma do ato tributário – Inutilidade ou Impossibilidade Superveniente da Lide – Direito a Juros Indemnizatórios –
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SUMÁRIO:

 

I – A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide no que concerne à pretensão anulatória do ato tributário controvertido não se comunica à pretensão de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

II – Se a remoção dos atos de liquidação (ou da parte inquinada), não for acompanhada da regulação da situação que existiria se não tivessem sido praticados, isto é, da atribuição de juros indemnizatórios (ou de indemnização por prestação de garantia indevida se for o caso), então, nessa medida o processo pode prosseguir para acautelar a pretensão acessória suscitada pela emissão de tais atos ilegais, que, apesar de anulados, existiram e produziram efeitos lesivos.

 

DECISÃO ARBITRAL

A árbitra, Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído a 30.08.2023, decide o seguinte:

  1. RELATÓRIO
  1. A..., com o número de identificação fiscal ... e, B..., com o número de identificação fiscal..., casados entre si, ambos residentes em Rua..., ..., ..., ..., ...-... Portimão (doravante “Requerentes”), vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante “IRS”) n.º 2022..., na parte respeitante aos juros compensatórios, no valor de €24.295,53 (vinte e quatro mil duzentos e noventa e cinco euros e cinquenta e três cêntimos), referente ao ano de 2018, bem como da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2202..., que teve como objeto o dito ato.
  2. Invocam, para tanto, que a liquidação de juros compensatórios, por retardamento na liquidação, foi calculada em excesso, dado que a data de início da contagem dos juros deveria ser 30.06.2019 e não 30.05.2019, e a base de incidência deveria ser o imposto em falta, ou seja, €125.475,23 (cento e vinte cinco mil quatrocentos e setenta e cinco euros e vinte e três cêntimos), e não €300.000,00 (trezentos mil euros), valor resultante da correção à matéria coletável, pelo que peticionam pela condenação da AT a restituir a quantia de €24.295,53 (vinte e quatro mil duzentos e noventa e cinco euros e cinquenta e três cêntimos) paga (alegadamente) em excesso, acrescida de juros indemnizatórios.
  3. Os Requerentes juntaram 8 (oito) documentos e arrolaram uma testemunha.
  4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Requerida em 21.06.2023.
  5. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º e da alínea a), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitra do Tribunal Arbitral Singular, a qual comunicou a aceitação do cargo no prazo aplicável.
  6. Em 09.08.2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação de árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
  7. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 30.08.2023.
  8. Por despacho do Sr. Diretor de Finanças, de 21.07.2023, com o seguinte teor – “concordo, proceda-se conforme vem proposto” – foi declarada a sua concordância relativamente à proposta do Sr. Chefe de Divisão da AT, de 20.07.2023, que concluiu da seguinte forma: “Verifica-se a existência de erro imputável aos serviços, propondo-se que seja alterado o ato tributário em consonância. À consideração do superior”, o que foi comunicado ao CAAD, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13.º, do RJAT, a 31.07.2023. 
  9. Em 31.07.2023, foram os Requerentes notificados do despacho do Senhor Presidente do CAAD para nos termos do artigo 13.º, n.º 2, do RJAT, informar o CAAD, querendo, sobre o não prosseguimento do procedimento, não tendo aqueles emitido qualquer pronúncia.
  10. No dia 04.10.2023, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta, em que requer que sejam julgadas procedentes as exceções por si invocadas (impossibilidade superveniente da lide; inexistência na ordem jurídica do ato tributário na parte em que foi impugnado; incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de juros indemnizatórios) e seja dispensada do pagamento de custas por ter revogado em tempo o ato na parte impugnada.
  11. Na mesma data a AT juntou aos autos o processo administrativo.
  12. Por despacho de 06.10.2023, foram os Requerentes notificados para se pronunciarem, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, sobre a matéria de exceção contida na resposta da AT.
  13. Em 16.10.2023, os Requerentes apresentaram requerimento de resposta às exceções invocadas pela AT, no qual juntaram um documento (novo ato de liquidação, emitido após prolação do despacho referido em 8.), concluíram que ocorre atualmente inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido principal, determinante da extinção parcial da presente instância, mas, com custas exclusivamente a cargo da AT, e peticionaram que o presente processo prosseguisse os seus ulteriores termos para apreciação e decisão do pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.  
  14.   Por despacho de 17.10.2023, foi decidido dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, bem como a apresentação de alegações finais, tendo as partes sido notificadas do prazo limite para prolação da decisão arbitral e os Requerentes para efetuarem, no prazo de 10 (dez) dias, o pagamento da taxa arbitral subsequente.
  15. No dia 25.10.2023, os Requerentes juntaram aos autos o comprovativo de pagamento da taxa de justiça subsequente.
  16. Em 31.10.2023, os Requerentes apresentaram requerimento, no qual invocaram que a “sua resposta de 16.10.2023 assentou em pressupostos inexatos, todos exclusivamente causados pela AT, pois só em 16.10.2023, esta entidade procedeu à revogação do ato de liquidação que integra o objeto do processo”, juntaram a notificação recebida em 30.10.2023 (Ofício n.º ..., com o assunto CAAD 444/2023 – REVOGAÇÃO PARCIAL DO ATO), e efetuaram as seguintes alterações (sublinhadas) à sua resposta de 16.10.2023: “Em consequência do despacho de revogação do acto impugnado na presente acção, proferido em 2023.10.16, que só foi notificado aos ora requerentes, em 2023.10.30, ou seja, cerca de quatro meses após a instauração do presente processo e muito depois de nele ter sido apresentada resposta pela ATA (...)”.
  17. Por despacho de 02.11.2023, foi a Requerida notificada para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 (dez) dias, sobre o requerimento junto aos autos pelos Requerentes, em 31.10.2023.
  18. Em 07.11.2023, a Requerida em resposta ao requerimento dos Requerentes de 31.10.2023, referiu que: “o despacho em menção não produz qualquer efeito jurídico útil uma vez que procedeu à suposta revogação parcial de um ato de liquidação que se manifesta inexistente na parte em que foi aí revogado, em virtude da precedente revogação operacionalizada pelo Ex.mo Diretor de Finanças de Faro, ao abrigo do artigo 74.º, n.s 1 e 4, do CPTT, no âmbito da reclamação n.º ...2023... e na sequência de pedido de pronúncia e disponibilização de PA, da qual se deu oportuno conhecimento aos autos. Nessa conformidade, reitera-se tudo o quanto se disse quanto à impossibilidade originaria da lide e para as consequências daí advenientes”.
  19. Por despacho de 09.11.2023, foi admitido a junção aos autos do requerimento e documento, apresentados pelos Requerentes, em 31.10.2023, por não ter sido possível a sua apresentação em momento anterior e ser relevante para a boa decisão da causa.
  1. SANEAMENTO
  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
  2. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
  3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  4. O processo não enferma de nulidades.
  5. As exceções suscitadas pela Requerida serão apreciadas após determinada a matéria de facto.

III. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

  1. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
  1. No primeiro semestre de 2019, os Requerentes apresentaram declaração de rendimentos para efeitos de IRS, relativa ao ano de 2018, da qual resultou um rendimento global no valor de € 4.509,39 (quatro mil quinhentos e nove euros e trinta e nove cêntimos), e uma liquidação tributária que deu origem ao reembolso da quantia de € 156,00 (cento e cinquenta e seis euros) (Cf. Documento n.º 5 junto ao PPA).
  2. Na aludida declaração de rendimentos, os ora requerentes omitiram a indicação do (i) valor de € 300.000,00 (trezentos mil euros), que lhes foi pago durante o ano de 2018 pela promitente vendedora no contrato promessa de compra e venda celebrado, em 23.08.2014, a titulo de indemnização ou sinal em dobro, juntamente com a (ii) simples restituição das quantias que os ora requerentes tinham entregue no mesmo montante, à promitente vendedora e a título de sinal e princípio de pagamento (Cf. Documento n.º 6 junto ao PPA).
  3. A AT qualificou o referido montante indemnizatório, no valor de €300.000,00 (trezentos mil euros), e correspondente ao dobro do sinal que os ora requerentes tinham pago à promitente vendedora, como incremento patrimonial tributável em sede de IRS, nos termos do artigo 9º, n.º 1, alínea b), do CIRS (Cf. Documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos ao PPA), pelo que, no ato de liquidação de IRS e juros compensatórios n.º 2022...:
  1. Fixaram o rendimento global dos ora Requerentes, em € 304.509,39 (trezentos e quatro mil quinhentos e nove euros e trinta e nove cêntimos);
  2. Liquidaram o valor do imposto apurado – e cuja liquidação foi retardada pelos ora Requerentes –, em €124.475,23 (cento e vinte e quatro mil quatrocentos e setenta e cinco euros e vinte e três cêntimos);
  3. Liquidaram os correspondentes juros compensatórios no valor de € 41.051,25 (quarenta e um mil e cinquenta e um euros e vinte cinco cêntimos) (Cf. Documento n.º 1 junto ao PPA).

 

  1. Resulta da respetiva “demonstração de liquidação de juros” que o apuramento dos juros compensatórios liquidados por “retardamento da liquidação (artº.s 91º do CIRS e 35º a LGT)” foi fixado, considerando os seguintes critérios (Cf. Documento n.º 3 junto ao PPA):

Valor base

Período de Cálculo

Taxa

Valor

300.000,00

2019.05.30 a 2022.10.28

4,000

41,030,13

 

 

 

  1. Não se conformando com a referida liquidação, em 02.01.2023, os ora Requerentes deduziram reclamação graciosa contra a liquidação aqui sindicada (Cf. Documento n.º 4 junto ao PPA).
  2. Em 12.01.2023, os Requerentes efetuaram o pagamento do aludido imposto, no total de €166.526,48 (cento e sessenta e seis mil quinhentos e vinte e seis euros e quarenta e oito cêntimos) (Cf. Documento n.º 7 junto ao PPA).
  3. A AT não emitiu qualquer pronúncia quanto à reclamação graciosa deduzida pelos Requerentes, encontrando-se aquela indeferida tacitamente.
  4. Os Requerentes apresentaram, em 19.06.2023, o presente pedido de pronúncia arbitral (Cfr. Sistema informático do CAAD).
  5. Por despacho do Sr. Diretor de Finanças, de 21.07.2023, com o seguinte teor – “concordo, proceda-se conforme vem proposto” – foi declarada a sua concordância relativamente à proposta do Sr. Chefe de Divisão da AT, de 20.07.2023, que concluiu da seguinte forma: “Verifica-se a existência de erro imputável aos serviços, propondo-se que seja alterado o ato tributário em consonância. À consideração do superior”, o que foi comunicado ao CAAD, a 31.07.2023. 
  6. Nesse mesmo dia (31.07.2023), foram os Requerentes notificados do despacho referido em I., através do Sistema de Gestão Processual do CAAD.
  7. Em 29.08.2023, foram os Requerentes notificados da liquidação corretiva, emitida após a prolação do despacho referido em I., no qual foram liquidados os respetivos juros compensatórios, agora, no valor de €15.065,39 (quinze mil e sessenta e cinco euros e trinta e nove cêntimos) (Cf. Documento junto ao PPA, em 16.10.2023).
  8. Em 30.10.2023, foram os Requerentes notificados, na pessoa do seu mandatário, do Ofício n.º ... 27.10.23, com o assunto CAAD 444/2023 – REVOGAÇÃO PARCIAL DO ATO): “Fica V.Exa. notificado(a) que, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 13.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, por despacho da Subdiretora-Geral da área de Gestão Tributária – Impostos sobre o Rendimento, foi revogado parcialmente o ato tributário que constitui o objeto do pedido de constituição do tribunal arbitral supra referido, apresentado por A..., NIF ..., conforme fundamentação anexo.”.

III.2 FACTOS NÃO PROVADOS

  1. Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar, se for o caso, a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante “CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

O Tribunal arbitral considera provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados e dados como assentes, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e, a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

  1. MATÉRIA DE DIREITO

Atendendo à factualidade exposta, bem como às pretensões dos Requerentes e da Requerida constantes das suas peças processuais, as questões que cumpre apreciar no presente processo são as seguintes:

  1. Saber se o tribunal arbitral é materialmente incompetente para apreciar o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
  2. Saber se se verifica a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide e a falta de objeto da lide;
  3. Saber se há lugar a juros indemnizatórios e ao reembolso do imposto pago em excesso pelos Requerentes;
  4. Saber sobre quem recai a responsabilidade pelas custas processuais.

Vejamos, então.

IV.1. DA IMCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL PARA APRECIAR O PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

A Requerida, em sede de Resposta, invocou a exceção dilatória de “incompetência material do tribunal arbitral, para apreciar o pedido acessório de juros indemnizatórios autonomamente”, nos termos do disposto no artigo 578.º, do CPC, aplicável ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT, a qual, sendo de conhecimento oficioso, deve, segundo as regras processuais implementadas no artigo 608.º do CPC, ser apreciada em primeiro lugar, uma vez que “obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar a absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal” (Cf. artigo 576.º, n.º 2, do CPC).

Sustenta, assim, a Requerida que, havendo impossibilidade de apreciar o pedido principal, todo o pedido que seja acessório, não pode ser aqui apreciado. Isto porque tal pedido acessório não pode subsistir autonomamente nesta ação, ou seja, desligado da liquidação.

Com efeito, segundo a Requerida, com a reforma do ato tributário, este já não existe na ordem jurídica na parte em que é contestado, logo, nunca poderiam ser analisados os pressupostos legais para aferir da eventual condenação em pagamento de quaisquer juros, sendo o Tribunal Arbitral incompetente para tal, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 2.º, do RJAT.

Nestes termos considera a Requerida que se verifica a incompetência material do Tribunal Arbitral, o que constitui uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito e implica a absolvição da instância da Requerida, conforme estabelecido nas disposições conjugadas dos artigos 576.º, 577.º e 578.º, do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do artigo 29.º, do RJAT.

Os Requerentes, por seu turno, refutam a posição da Requerida, invocando variada jurisprudência e alegando, em síntese, que a eliminação apenas parcial do objeto do processo não deverá ser obstáculo ao seu prosseguimento para apreciação dos pedidos formulados que não foram satisfeitos pelo ato revogatório, pelo que, no caso em análise, nunca seria sequer configurável qualquer questão de incompetência deste CAAD para apreciar agora o pedido deduzido quanto a juros indemnizatórios.

Isto posto. Constitui nosso entendimento que a questão suscitada pela Requerida não se insere no âmbito da análise da competência material do Tribunal Arbitral, reconduzindo-se, isso sim, a uma questão de procedência, ou não, do pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Neste conspecto, fazemos nossas as considerações vertidas na decisão arbitral proferida no processo do CAAD n.º 40/2019-T, a propósito de idêntica questão, que transcrevemos, por com ela concordar: 

(...) afigura-se que a questão suscitada não é qualificável como incompetência material, respeitando, antes, à amplitude da extinção da instância como efeito da anulação (...) dos atos impugnados. I.e., está em causa avaliar se esta extinção se projeta sobre os pedidos acessórios ou dependentes da pretensão anulatória entretanto satisfeita por via administrativa, sem, contudo, os regular (os juros indemnizatórios ou a indemnização por prestação de garantia).

Não se suscitam dúvidas a este Tribunal que a matéria dos juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que sejam impugnados é passível de conhecimento pelos Tribunais Arbitrais Tributários. Com efeito, este tem competência para proferir pronúncias condenatórias em moldes idênticos aos que são admitidos no processo de impugnação judicial, incluindo, portanto, as que derivam do reconhecimento do direito àqueles juros, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT, conforme reiteradamente afirmado pela jurisprudência arbitral do CAAD.

O direito a juros indemnizatórios alicerça-se no princípio da responsabilidade das entidades públicas (artigo 22.º da CRP) e é regido pelo artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida. Dispõe esta norma que “são devidos juros indemnizatórios quando se determina, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. (...)

Deste modo, independentemente de se verificarem, no caso em concreto, os pressupostos de que depende o nascimento da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, afigura-se inegável que o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar tal questão, que objetivamente se enquadra nos seus poderes de cognição, pelas razões acima enunciadas.

Face ao supra exposto, improcede a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer e decidir do pedido referente a juros indemnizatórios.

IV.2. DA IMPOSSIBILIDADE OU INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE E DA FALTA DE OBJETO

Quanto a esta matéria, vem a Requerida, na sua resposta, sustentar que, conforme documento junto aos autos em 31.07.2023, já procedeu à revogação do ato tributário objeto da presente lide na parte contestada, reformando-o no que concerne aos juros compensatórios legalmente devidos, pelo que existe uma impossibilidade originaria da lide, nos termos da alínea e), do artigo 277.º, do CPC, aplicável ex vi alínea e), do 29.º, do RJAT.

Mais referindo que a presente ação carece de objeto, tendo em conta que na ordem jurídica já não existe o ato tributário na parte em que é impugnado, pelo que o procedimento arbitral não pode subsistir, ainda que só quanto a juros indemnizatórios, porque este pedido é acessório do pedido principal e não pode ser apreciado autonomamente.

Conclui, assim, a Requerida, no sentido de que a reforma da liquidação impugnada veio extinguir o efeito jurídico dos factos articulados pelos Requerentes, impossibilitando qualquer pronúncia sobre o peticionado na PI, implicando a absolvição total do pedido, nos termos do n.º 3, do artigo 576.º, do CPC, aplicável ex vi alínea e), do 29.º, do RJAT.

Por sua vez, contra argumentam os Requerentes que o facto de se verificar a inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido principal, não obsta ao conhecimento pelo Tribunal quanto ao pedido de juros indemnizatórios, devendo nessa medida o processo prosseguir os seus ulteriores termos para apreciação dos pedidos formulados que não foram satisfeitos pelo ato revogatório, in casu, para apreciação e decisão do pedido de condenação da requerida no pagamento de juros indemnizatórios, com as legais consequências.  

Ora, na sequência da notificação do pedido de constituição de Tribunal Arbitral à AT (Cf. artigo 10.º, n.º 3, do RJAT), esta juntou aos autos, em 31.07.2023, um despacho emitido pelo Sr. Diretor de Finanças, de 21.07.2023, o qual manifestou a sua concordância com a proposta do Sr. Chefe de Divisão da AT, de 20.07.2023, que, ao admitir a existência de erro imputável aos serviços, propôs que o ato tributário fosse alterado em conformidade, sem que tenha emitido qualquer pronúncia no que tange ao pedido de juros indemnizatórios (Cf. facto provado I.).

Tal despacho foi notificado aos Requerentes nesse mesmo dia (31.07.2023), através do Sistema de Gestão Processual do CAAD (Cf. facto provado J.).

Também resultou provado, que, pese embora, os Requerentes tenham sido notificados, em 29.08.2023, da liquidação corretiva de IRS, emitida pela ATque também não refletiu qualquer valor a título de juros indemnizatórios – (Cf. facto provado K.), o despacho de  revogação/reforma parcial do ato de liquidação de IRS aqui sindicado, datado de 16.10.2023, só foi notificado pela AT ao ilustre mandatário dos Requerentes, em 30.10.2023, através do Ofício n.º ... 27.10.23, da DSIRS (Cf. facto provado L.). 

Ficou, ainda, demonstrado, que, não obstante, a AT tenha reconhecido “serem devidos juros indemnizatórios em relação à parte da liquidação de juros compensatórios indevidamente cobrada”, através do Ofício n.º ... 27.10.23, com o assunto CAAD 444/2023 – REVOGAÇÃO PARCIAL DO ATO), da DSIRS, aquela omitiu qualquer pronúncia, quanto aos referidos juros, no despacho junto aos autos em 31.07.2023 (Cf. facto provado I.); “negou” tal direito aos Requerentes, em sede de resposta, e; não fez refletir tais juros na liquidação corretiva notificada aos Requerentes, em 29.09.2023 (Campo 29 Juros Indemnizatórios 0,00) (Cf. facto provado K.).

Aqui chegados, e atento o quadro factual aqui descrito, apreciemos, então, se se verifica a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide e, se sim, em que termos.

O artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, estatui que “a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção dos interesses em conflito.

A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.

A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.

Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

Volvendo ao caso dos autos, temos que o ato tributário controvertido na parte em que foi contestado foi objeto de anulação, pelo que a pretensão formulada pelos Requerentes, quanto à declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de IRS na parte impugnada, ficou prejudicada por aquela atuação administrativa.

Ou seja, o pedido de anulação da liquidação controvertida ficou sem objeto, pois com a anulação administrativa, os efeitos jurídicos constitutivos (referimo-nos sempre à parte anulada) são destruídos com eficácia retroativa, de acordo com o artigo 171.º, n.º 3, do Código de Procedimento Administrativo (doravante “CPA”), porquanto, conforme consabido, o conceito de revogação (a que se reporta o artigo 79.º da Lei Geral Tributária), corresponde, hoje, à luz do CPA, à “anulação administrativa”.

Nestes termos, verifica-se a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de IRS na parte impugnada, o que implica a respetiva extinção da instância nessa parte (Cf. artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Contudo, a causa de dissenso entre as partes reside na pretensão dos Requerentes em ver reconhecido o seu direito a juros indemnizatórios, sobre a qual não foi junta aos autos qualquer decisão expressa, emitida pela AT, nesse sentido.

Quanto a esta questão, e ainda que a posição por nós adotada não seja unânime, somos do entendimento de que a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide no que concerne à pretensão anulatória do ato tributário controvertido não se comunica à pretensão de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Ou seja, se a remoção dos atos de liquidação (ou da parte inquinada), não for acompanhada da regulação da situação que existiria se não tivessem sido praticados, isto é, da atribuição de juros indemnizatórios (ou de indemnização por prestação de garantia indevida se for o caso), então, nessa medida o processo pode prosseguir para acautelar a pretensão acessória suscitada pela emissão de tais atos ilegais, que, apesar de anulados, existiram e produziram efeitos lesivos.

Entendimento contrário, segundo o qual não é de conhecer a pretensão de juros indemnizatórios em caso de inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, não se afigura de harmonia com a jurisprudência constante do STA que preconiza que não existindo pronúncia administrativa (decisão) sobre os juros indemnizatórios (e, mutatis mutandis, sobre a indemnização por prestação de garantia indevida se for o caso), não está integralmente regulada a relação tributária gerada pelo ato ilegal, nem satisfeita de forma integral a pretensão deduzida no processo, pelo que o Tribunal, tendo sido deduzido pedido nesse sentido, pode apreciar e, caso se verifiquem os respetivos pressupostos, condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, ou seja, nessa exata medida mantém-se a utilidade e interesse da pronúncia jurisdicional. Jurisprudência com a qual se concorda.

É certo que a anulação administrativa faz recair sobre a AT o dever (“ope legis”) de restabelecer a situação que existiria se o ato tributário não tivesse sido praticado. Todavia, no caso, a AT não reconheceu expressamente esse direito (omitiu a regulação administrativa dessa parte no despacho que juntou aos autos, em 31.07.2023, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13.º, do RJAT; não refletiu qualquer valor a título de juros indemnizatório na liquidação corretiva notificada aos Requerentes, em 29.09.2023 e; não fez constar expressamente o direito a juros indemnizatórios na decisão contida na notificação recebida pelos Requerentes, em 30.10.2023 – Ofício n.º ... 27.10.23, com o assunto: CAAD 444/2023 – REVOGAÇÃO PARCIAL DO ATO). Assim, a pretensão (acessória) deduzida pelos Requerentes em juízo – de juros indemnizatórios – não foi expressamente acolhida (ou decidida favoravelmente) pela AT.

Assim, estamos confrontados com uma anulação apenas parcial do objeto deste processo, o que justifica o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido que não foi satisfeito pelo aludido ato anulatório, ou seja, a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, se verificados os seus pressupostos.

Neste sentido, ao contrário do que sustenta a Requerida, não se vê em que medida o facto de estar previsto na lei o dever de pagamento de tais juros por parte da AT, desde que preenchidos os respetivos requisitos, prejudica a utilidade de uma pronúncia deste tribunal quanto a esta questão com efeito de caso julgado material, dispensando-se os Requerentes de recorrerem a um contencioso dispensável, moroso e dispendioso, em caso de incumprimento dos deveres impostos à AT (reconstituição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado), o que se compagina com o princípio constitucionalmente consagrado – princípio da tutela jurisdicional efetiva –.

Mais, o facto de eventualmente a revogação do ato tributário ter ocorrido no prazo estatuído pelo artigo 13.º, do RJAT (o que se questiona, pois, o despacho junto aos autos, em 31.07.2020, não consubstancia uma efetiva revogação/anulação do ato aqui sindicado, mas, sim, uma mera proposta de alteração do ato (em fase de direito de audição), a qual mereceu a concordância do Sr. Diretor de Finanças, tendo a liquidação corretiva sido notificada aos Requerentes, em 29.08.2023, e o concreto despacho de revogação (datado de 16.10.2023), ao ilustre mandatário daqueles, apenas em 30.10.2023), mas após o pedido de constituição do mesmo (19.06.2023), em nada contende com a possibilidade do presente Tribunal se pronunciar quanto aos juros indemnizatórios, na medida em que só se verifica a inutilidade superveniente da lide se a pretensão do Requerente tiver sido integralmente satisfeita, o que, claramente, não sucedeu.

Face a todo o exposto, resulta inequivocamente demonstrado que não assiste razão à AT quanto à alegada inexistência de objeto processual que justifique a constituição do Tribunal Arbitral e o subsequente prosseguimento dos autos, pelo que improcede a exceção de falta de objeto da lide.

IV.3. DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Apreciando a situação concreta dos autos relativamente à pretensão de juros indemnizatórios que este Tribunal Arbitral considera ser de conhecer, é aplicável o disposto no artigo 43.º, da Lei Geral Tributária: “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Resulta do citado artigo que o direito a juros indemnizatórios depende de três pressupostos fundamentais.

O primeiro prende-se com a verificação de erro imputável aos Serviços, considerando-se, em linha com a esmagadora maioria da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que a anulação dos atos tributários pela AT, in casu por desconformidade material com a lei, é, por si só, demonstrativa de erro imputável aos Serviços determinando o pagamento de juros, de acordo com o artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (Cf. Acórdãos do STA nos processos n.ºs 574/14, de 7 de janeiro de 2016 e 1101/16, de 3 de maio de 2017).

O segundo reside no facto da verificação de tal erro ocorrer no âmbito de um processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, o que sucedeu.  

Por fim, o terceiro pressuposto respeita ao pagamento da prestação, o qual foi efetuado pelos Requerentes em montante superior ao legalmente devido (Cf. facto provado F.).

Com efeito, determinando o n.º 5, do artigo 24º, do RJAT que "é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário", deverá o mesmo ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário.

Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efetuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

Dito isto, procede o pedido de juros indemnizatórios, contados à taxa legal, de acordo com o previsto no artigo 43.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária, entre a data em que foi efetuado o pagamento indevido e até integral reembolso.

Prevê ainda o artigo 100º do indicado compêndio normativo que "A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei." Isto é, a anulação judicial do ato implica a destruição dos seus efeitos ex tunc, ou seja, tudo se deve passar como se este não tivesse sido praticado.

Ora, a reconstituição da situação hipotética atual alicerça, também, a obrigação de reembolso do imposto que foi pago. Razão pela qual, no caso concreto, perante a ilegalidade da liquidação (na parte impugnada), há indiscutivelmente lugar a reembolso do montante de IRS pago em excesso pelos Requerentes, no montante de €25.985,86 (que resulta da diferença entre o valor liquidado, a título de juros compensatórios (€41.051,25), na liquidação controvertida e o valor liquidado, a título de juros compensatórios (€15.065,39), na liquidação corretiva notificada aos Requerentes em 29.08.2023).

À face do exposto, não restarão dívidas quanto à imputabilidade do erro, determinativo do pagamento de juros indemnizatórios, e quanto ao dever de proceder ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago.

IV.4. DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS PROCESSUAIS

Sustenta a Requerida que não poderá ser responsabilizada em custas, por ter revogado em tempo o ato na parte impugnada, não sendo responsável pela constituição do Tribunal Arbitral, invocando para o efeito o artigo 527.º, do CPC. 

Por sua vez, referem os Requerentes que as custas devem ficar a cargo da AT, que forçou aqueles a instaurar o presente processo para obter a satisfação dos direitos e interesses legalmente protegidos, só revogando aqueles atos em momento posterior.

A matéria das custas processuais encontra a sua regulamentação no CPC, dispondo, sob a epígrafe “Repartição das Custas”, o n.º 3, do artigo 536.º, do CPC, aplicável ex vi alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT que nos “(...) casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.

Prevendo o n.º 4 do mesmo preceito legal, no que aqui interessa, “Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas.

No caso dos autos, tal como supra demonstrado, a anulação do ato de liquidação de IRS na parte impugnada, proveio de um ato revogatório (quer se considere o despacho junto aos autos pela AT, em 31.07.2023, quer se considere a liquidação corretiva notificada aos Requerentes em 29.08.2023 ou, até, a notificação do concreto despacho de revogação/reforma efetuada ao mandatário dos Requerentes em 30.10.2023), praticado na pendência da presente instância – após a apresentação e aceitação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral –, o qual determinou a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido principal, sendo, assim, a responsabilidade das custas processuais imputadas à Requerida, quanto a este.

É também da responsabilidade da Requerida, nos termos do n.º 1 e 2, do artigo 527.º, do CPC, as custas referentes ao pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, formulado pelos Requerentes, por ter sido o mesmo julgado procedente. 

Deste modo, a responsabilidade pelas custas ficará a cargo da Requerida em 100%.

V. DECISÃO

Termos em que se decide:

  1. Julgar improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral na apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
  2. Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato silente de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada e da liquidação de IRS e respetivos juros compensatórios (tudo na parte impugnada);
  3.  Julgar improcedente a exceção de falta de objeto da lide;
  4. Julgar procedente o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios e ao reembolso do imposto pago em excesso aos Requerentes, no valor de €25.985,86 (vinte cinco mil e novecentos e oitenta e cinco euros e oitenta e seis cêntimos).
  5. Condenar a Requerida ao pagamento das custas do presente processo.

VI. VALOR DA CAUSA

Fixa-se ao processo o valor de €25.985,86 (vinte cinco mil e novecentos e oitenta e cinco euros e oitenta e seis cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VII. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €1.530,00 (mil e quinhentos e trinta euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de janeiro de 2024

 

(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT)

 

A Árbitra,

Susana Mercês de Carvalho