DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º Processo n.º 502/2014-T
Tema: IVA – ilegalidade da liquidação; juros indemnizatórios.
1. Relatório
O A, NIPC … , apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 28-07-2014.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 12-09-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 29-09-2014.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, suscitando as excepções de incompetência do Tribunal Arbitral.
Por despacho de 06-11-2014, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.
O Requerente apresentou alegações em que concluiu da seguinte forma:
1. Conforme acima demonstrado, na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Autoridade Tributária procede, de facto, à análise da (i)legalidade dos actos de liquidação em causa.
2. Acresce que, no pedido de pronúncia arbitral, o A solicitou que fosse apreciada a ilegalidade dos actos de liquidação em causa (objecto mediato), e a ilegalidade da decisão da Autoridade Tributária de indeferimento da reclamação graciosa apresentada (objecto imediato).
3. A fundamentação apresentada pela Autoridade Tributária é vaga e contraditória.
4. Aplica-se ao caso o prazo geral de 4 anos previsto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, sendo este o prazo legal para o A deduzir o IVA a que tem direito.
5. O Requerente deduziu o imposto em causa nos termos do n.º 2 do artigo 22.º de acordo com o qual a dedução deve ser feita na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas.
6. Efectivamente, o ora Requerente deduziu o imposto em causa, incorrido nos meses de Maio de 2003 a Dezembro de 2007 – reflectido na declaração periódica de Março de 2008 – e o imposto incorrido no ano de 2008 – reflectido na declaração periódica de Abril de 2009 –, em momento posterior ao da emissão das facturas e dentro do prazo limite para o exercício do direito à dedução, que é de 4 anos, cumprindo integralmente o previsto nos artigos 22.º e 98.º do Código do IVA.
NESTES TERMOS, e nos demais de Direito que V. as Ex.as doutamente suprirão, deverá este Ilustre Tribunal Arbitral:
Declarar improcedente, por não provada, a excepção deduzida pela Autoridade Tributária;
Anular o Despacho de indeferimento parcial aqui em crise, por ilegal;
e, concludentemente,
Anular as liquidações adicionais de IVA no valor total de € 391.474,35 (€ 320.863,60 referente ao ano de 2008 e € 70.610,75 referente ao ano de 2009) e de juros compensatórios no valor total de € 69.459,77, por ilegais;
E, bem assim,
Condenar a Autoridade Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, acrescida dos juros indemnizatórios devidos, nos termos e a para os efeitos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou alegações com as seguintes conclusões:
I. A presente instância arbitral é materialmente incompetente para conhecer dos presentes autos.
II. Ao contrário do que a Requerente insiste, o despacho de indeferimento parcial, proferido na sequência da conclusão do procedimento inspectivo e aqui sindicado, não contém um juízo de apreciação da legalidade das liquidações adicionais efectuadas pela Requerida.
III. Efectivamente, a parte das referidas liquidações adicionais que eram susceptíveis de apreciação através de um juízo de legalidade foram-no através da apreciação da reclamação graciosa, a qual foi parcialmente deferida.
IV. Assim, o que está pendente de apreciação no âmbito da presente instância arbitral são as tais "correcções aritméticas" a que alude o Requerente au longo de todo o pedido e que se traduzem na não aceitação de regularizações do direito à dedução, inscritas nas declarações periódicas de Março de 2008 e Abril de 2009, relativamente a imposto incorrido desde Maio de 2004 a Dezembro de 2007.
V. Por assim ser, importa referir que não houve, nem há, pois, no acto ora sindicado qualquer juízo sobre a legalidade dos referidos actos de liquidação, já que o indeferimento parcial da reclamação graciosa, não apreciou a legalidade de qualquer acto de liquidação de imposto, traduzindo-se tão só na "não aceitação da dedução de IVA" pela aplicação indevida do método de dedução enquanto sujeito passivo misto,
VI. O acto em questão está devidamente fundamentado, na medida em que refere qual o montante do IVA, objecto das liquidações adicionais, que não foi anulado, bem como as disposições legais aplicáveis e que não permitiram a regularização pretendida pelo ora Requerente.
VII. Na verdade, o Requerente enquanto destinatário do acto pôde conhecer o seu itinerário cognoscitivo e valorativo, permitindo-lhe ficar a saber quais os motivos que levaram a Administração ã sua prática, não se verificando, assim, a falta de fundamentação alegada.
VIII. O ora Requerente assume a qualidade de sujeito passivo misto nos termos e para os efeitos previstos no artigo 23º do Código do IVA.
IX. Até 2008 - altura em que efectua uma revisão dos seus procedimentos - o ora Requerente limitava o exercício do seu direito à dedução, relativamente ao IVA incorrido com recursos directamente afectos à exploração dos parques de estacionamento, actividade sujeita e não isenta de imposto, à percentagem apurada segundo o método do pró rata de dedução.
X. Posteriormente, o ora Requerente, na sequência dessa revisão de procedimentos, veio inscrever nas declarações periódicas de Março de 2008 e Abril de 2009, respectivamente, imposto incorrido desde Maio de 2004 a Dezembro de 2007, por considerar que lhe assiste o direito à dedução mercê dessa alteração.
XI. O que está em causa nos presentes autos é a alteração do método por que opera o direito à dedução, aplicável aos sujeitos passivos como é o caso do A, que pretende que aquela alteração no método por que optou tenha efeitos retroactivos.
XII. E essa alteração não se enquadra no conceito de erro previsto no art.78º nº6 do Código do IVA, pelo que não pode agora o Requerente pretender que a alteração efectuada tenha efeitos retroactivos.
XIII. Independentemente de se considerar o prazo previsto no nº 2 do artigo 98º do Código do IVA como prazo geral ou especial, o que verdadeiramente está em causa nos presentes autos não é o exercício do direito à dedução e qualquer prazo a ele inerente mas, tão só, o método utilizado para se exercer esse direito, relativamente a um sujeito passivo misto, como o é o caso do Requerente.
XIV. E, quanto a este facto, o que se constata é que o Requerente efectuou correctamente, ao longo dos anos de 2004 a 2008, a dedução do IVA relativo aos inputs em que havia incorrido, utilizando o método por que havia optado nos termos do artigo 23º do Código do IVA - o método do pro rata de dedução.
XV. Ao ter alterado a sua opção a partir do ano de 2009, não pode, sob pena da subversão das normas legais aplicáveis, querer que o novo método possa ser aplicado com efeitos retroactivos, regularizando a dedução do imposto então efectuada.
XVI. O artigo 19.º do Código do IVA refere que, para apuramento do imposto devido (autoliquidação), os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis num determinado período, o imposto que lhes foi facturado na aquisição de bens e serviços por outros sujeitos passivos, mencionado em facturas ou documentes equivalentes passados em forma legal, no mesmo período, situação que deverá ser reflectida na declaração periódica a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA.
XVII. De igual modo devem ser tidos em consideração os números 1, 2 e 3 do artigo 22.º do Código do IVA, dos quais resulta que as deduções de imposto efectuadas por um sujeito passivo de IVA apresentam em princípio carácter definitivo, podendo, contudo, em certos casos expressamente previstos no artigo 78.º do Código do IVA, ser objecto de alteração.
XVIII. Este Tribunal, no âmbito do processo n.º 91/2013-T, de 30-10-2013, e o STA, no decurso do processo n.º 0966/2010, cujo Acórdão foi proferido a 18-05-2011, entenderam que "(...) a dedução do imposto não pode ser efectuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto.º
XIX. E ainda que " O n.º 2 do art. 92.º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não tem o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efectuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efectuar em momentos diferentes dos indicados naquele art. 22.º.”
XX. Assim, face à legislação aplicável ao caso concreto, não pode deixar de se entender que, quer o prazo de dois anos estabelecido no nº6 do artigo 78º, quer o de quatro anos estatuído no n.º 2 do artigo 98º, ambos do Código do IVA, não podem ser aplicáveis no caso dos presentes autos, uma vez que não estamos perante uma qualquer rectificação em concreto, nem num erro de direito quanto ao exercício do direito à dedução.
Termos pelos quais e com o douto suprimento de V. Exas. deve ser julgada procedente a excepção suscitada, absolvendo-se em conformidade a entidade Requerida da instância, ou caso assim não se entenda, ser julgado improcedente, o presente pedido de pronúncia arbitrai, por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos com as legais consequências.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
a) A é uma pessoa colectiva de direito público local, cuja actividade consiste na prossecução das atribuições municipais nas mais diversas áreas de actividade, encontrando-se enquadrado, para efeitos de IVA, no regime normal mensal;
b) No decorrer do ano de 2012, o A foi alvo de um procedimento de inspecção externa aos anos de 2008 e 2009;
c) No dia 11 de Outubro de 2012, foi o Requerente notificado, através do Ofício n.º …, de 9 de Outubro, do projecto Relatório da Inspecção Tributária com correcções aritméticas em sede de IVA no valor total de Euro 439.255,44 (Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
d) As correções aritméticas propostas em sede de IVA resultaram das seguintes situações:
i. Não aceitação da dedução de IVA efectuada nos anos de 2008 e 2009, no valor de, respectivamente, Euro 320.863,60 (trezentos e vinte mil oitocentos e sessenta e três euros e sessenta cêntimos) e Euro 70.610,75 (setenta mil seiscentos e dez euros e setenta e cinco cêntimos), relacionado com a aquisição de bens e serviços afectos à exploração de parques de estacionamento (tendo tais bens e serviços sido adquiridos em anos anteriores); o imposto em causa foi incorrido nos meses de Maio de 2004 a Dezembro de 2007 e reflectido na declaração periódica de Março de 2008, bem como durante o ano de 2008, desta feita, reflectido na declaração periódica de Abril de 2009;
ii. Não aceitação da dedução (pelo método do por rata) do IVA contido em facturas emitidas pelas sociedades B, S.A. (adiante B) e C, S.A. (adiante C) em 2008 (no valor de Euro 2.456,26 – dois mil quatrocentos e cinquenta e seis euros e vinte e seis cêntimos) e 2009 (no valor de Euro 15.612,49 – quinze mil e seiscentos e doze euros e quarenta e seis cêntimos); e
iii. Não aceitação da dedução do IVA de facturas emitidas em 2008, pela D, E.M. e E, E.M., no valor de Euro 29.712,34 (vinte e nove mil setecentos e doze euros e trinta e quatro cêntimos).
e) No Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, fundamentou-se a primeira correcção referida nos seguintes termos:
A dedução efetuada resultante da alteração retroativa do método de dedução contido na aquisição de bens e serviços (inicialmente do período de 2004 a 2007 e, posteriormente, de 2008) referentes à atividade de exploração dos parques de estacionamento foi efetuada, de acordo com o sujeito passivo, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 98 do CIVA que consagra "o direito à dedução (...) só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução (...)".
Ora, o prazo de quatro anos estabelecido no n.º 2 do art.º 98 do CIVA não tem aplicação nestas situações, uma vez que esta norma regulamenta o prazo durante o qual os sujeitos passivos poderão, no limite, exercer o direito à dedução, devendo entrar em linha de conta com os prazos previstos no art.º 22 do mesmo diploma para o exercício desse direito. Assim sendo, o prazo do n.º 2 do art.º 98 do CIVA apenas tem aplicação nos casos de registo contabilístico para lá dos prazos consignados no art.º 22 do CIVA, mas dentro do prazo de quatro anos a contar do nascimento o direito a dedução.
Na verdade, o n.º 2 do art.º 22 do CIVA estabelece que "sem prejuízo do disposto no art.º 78, a dedução deve ser efectuada na declaração do período ou do período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento do IVA”.
No caso concreto, os documentos foram registados e foi exercido o direito à dedução por parte de A (tendo por base a aplicação do pro rata) aquando da contabilização das operações.
É ainda de referir que o prazo de dois anos previsto no n.º 6 do art.º 78 do CIVA também não tem aplicação nesta situação, sendo apenas aplicável nas situações de correção de erros materiais ou de cálculo efetuados nos registos ou nas declarações periódicas; situações resultantes da ratificação ou substituição de faturas já registadas ou situações de anulação ou redução da base tributável de IVA. Na verdade, o Ofício-circulado n.º 30082/2005, de 17 de Novembro da DSIVA "IVA - Regularizações nos termos do artigo 71º do CIVA", no seu ponto 8 estabelece que os mecanismos do art. 78 do CIVA não poderão ser utilizados na "alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos".
Pelo exposto, não existe base legal que sustente a alteração retroativa do método de dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços associados à atividade de exploração de parques de estacionamento. Neste sentido, a recuperação do IVA efetuada pelo A, nas declarações dos períodos de 2008 e 2009, no valor total de € 320.863,50 e € 70.610,75, respetivamente, não é aceite fiscalmente, não sendo o imposto dedutível. Pelo facto, efetua-se uma correção meramente aritmética, em sede de IVA, no período de 2008 no montante de 6 320.863,60 e no período de 2009 no valor de € 70.610,75.
f) O Requerente, por concordar com as correções propostas e descritas no ponto iii. supra, procedeu, de imediato, à regularização do IVA a favor do Estado no montante de Euro 29.712,34 (vinte e nove mil setecentos e doze euros e trinta e quatro cêntimos), reflectindo o montante em causa no campo 41 (IVA regularizações) da declaração de substituição entregue para o período de Março de 2008;
g) No dia 7 de Novembro de 2012, o A foi notificado, através do Ofício n.º…, de 6 de Novembro de 2012, do relatório final de inspecção tributária, no qual foram mantidas as correções descritas nos pontos i. e ii. do artigo 8.º supra (Documento nº 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
h) Nessa sequência, em 4 de Dezembro de 2012, foi o A notificado das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios (Documentos n.º 5 a 8) e que ascendem, respectivamente, a € 409.543,10 (quatrocentos e nove mil quinhentos e quarenta e três euros e dez cêntimos) e € 69.459,77 (sessenta e nove mil quatrocentos e cinquenta nove euros e setenta e sete cêntimos), designadamente:
– liquidação adicional de IVA n.º …, no valor de € 323.319,86, relativa ao período …, com data limite de pagamento de 31-01-2013;
– liquidação adicional de IVA n.º …, no valor de € 86.223,24, relativa ao período …, com data limite de pagamento de 31-01-2013;
– liquidação de juros compensatórios n.º …, no valor de € 57.790,10, relativa ao período 0803, com data limite de pagamento de 31-01-2013;
– liquidação de juros compensatórios n.º …, no valor de € 11.669,67, relativa ao período 0904, com data limite de pagamento de 31-01-2013;
i) O Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas na alínea anterior (Documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
j) No dia 28 de Março de 2014, foi notificado do projecto de decisão de indeferimento total da aludida reclamação graciosa apresentada (Documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
k) Em sede de exercício do seu direito de audição prévia, o Requerente manifestou a sua discordância, nos termos do Documento n.º 11, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
l) Aderindo a parte dos argumentos do Requerente, o Senhor Chefe da Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças, em regime de subdelegação de competências do Senhor Director de Finanças, proferiu Despacho de deferimento parcial, em que anulou as correções descritas no ponto ii da alínea d) supra, mantendo as correcções referentes ao IVA deduzido, relacionado com os recursos adquiridos pelo A para a actividade desenvolvida nos parques de estacionamento, no valor de Euro 391.474,35 (trezentos e noventa e um mil quatrocentos e setenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos), sendo € 320.863,60 relativos à liquidação referente ao período 0803 e € 70.610,75 relativos à liquidação referente ao período … , e indeferindo, nesta matéria, a pretensão do aqui Requerente;
m) O despacho referido na alínea anterior manifesta concordância com um parecer de que consta, além do mais, o seguinte:
No que concerne ao prazo para o exercício de dedução do IVA suportado por sujeitos passivos mistos, vamos analisar se é aplicável o regime consignado no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, ou o regime geral sobre esta matéria, que se encontra estatuído no artigo 98.º do CIVA.
O artigo 98.º do CIVA prevê o regime regra de revisão oficiosa e exercício de direito à dedução, estabelecendo que "sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente".
Por outro lado o n.º 6 do artigo 78.º do CIVA prescreve que, "a correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44º a 51º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 67º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de 2 anos, que, no caso do exercício do direito á dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22º sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado".
O n.º 6 do artigo 78.º ao prever um prazo de dois anos contados a partir do nascimento do direito à dedução, para exercício do respetivo direito, é uma disposição especial, a que alude a parte inicial do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, em que não é aplicável o prazo máximo de quatro anos após o nascimento do direito á dedução, mas sim de dois anos.
O teor literal do n.º 6 do artigo 78.º é que ele é aplicável apenas a correções de erros materiais ou de cálculo, inclusivamente nas declarações periódicas.
O erro quanto à aplicação de determinados regimes jurídicos não constitui um erro material nem erro de cálculo, sendo manifesto que não poderá ser aplicado o regime previsto no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA. O erro de cálculo do prorata não é um erro de cálculo enquadrável nesta norma porquanto consubstancia um erro de direito sobre o regime jurídico aplicável e não um erro de natureza aritmética.
Remetemos também para o Ofício-Circulado de 17-11 do DSIVA, relativamente às regularizações nos termos do artigo 71.º do CIVA, atual 78.º, cujo entendimento relativamente ao âmbito de aplicação do artigo 78.º, é de que os mecanismos previstos neste artigo não poderão ser utilizados nas situações de alteração do método de dedução do Imposto nos sujeitos passivos mistos, no apuramento do prorata, bem como nas regularizações de IVA sobre imóveis e outros bens do ativo imobilizado ou relativas à afetação de imóveis a fins distintos daqueles a que se destinam.
Não sendo aplicável o regime do n.º 6 do artigo 78.º pelos motivos supra referidos, nem existindo qualquer limite temporal especial para o exercício do direito à dedução com fundamento em erro de direito, será aplicável o regime geral sobre esta matéria ínsito no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.
Ora “O n.º 2 do citado diploma legal, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não poderá ter o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efetuar a dedução, mas sim, de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efetuar-se em momentos diferentes dos indicados no artigo 22º, limite máximo este que, como resulta da parte inicial daquele nº 2, será aplicável quando não existir norma especial que fixe um limite inferior ou superior".
Assim sendo, não assiste razão à reclamante, porquanto não poderá ser aplicado o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, ao caso sub judice.
No que concerne à cópia do RIT, apresentado em sede de direito de audição, a fls. 226 a 230, no qual a AT admitiu a dedução do imposto suportado há menos de dois anos, com fundamento no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, a reclamante considera que se verifica uma clara contradição entre situações similares.
O princípio da igualdade impõe à AT que, nas suas relações com os particulares, os trate de forma igualitária, não os privilegiando, beneficiando, prejudicando. Isto quer dizer que, a AT está obrigada a tratar de forma idêntica os administrados que estejam em situações semelhantes e a aplicar tratamentos diferentes aos que se encontrem em situações substancialmente distintas.
Este princípio exige apenas que a AT não leve a cabo uma atuação discriminatória e não que mantenha indefinidamente uma mesma interpretação das normas tributária.
No caso sub judice não se verifica uma clara violação a este princípio, porquanto entendemos que o n.º 6 do artigo 78.º CIVA não é aplicável, conforme demonstramos supra, mas o n.º 2 do artigo 98.º do referido diploma legal.
Para comprovar a tributação das prestações de serviços no âmbito da sua atividade de recolha de resíduos urbanos e de limpeza urbana, disponibiliza a guia de recebimento n.º … de 2008-10-23, a fls. 392, onde consta a menção, de IVA incluído à taxa legal, e relevadas contabilisticamente a fls. 396 e 398, com lançamento nas respetivas contas. Conseguimos aferir que foi liquidado IVA, da análise que efetuamos às referidas contas. Os contratos celebrados entre a reclamante e a B e C, junto aos autos a fls.232 a 251, contém a menção que acresce IVA à taxa legal em vigor, vide fls. 249.
O artigo 39.º do CIVA prevê as situações em que o sujeito passivo pode apenas mencionar nas faturas o preço com inclusão do imposto e as taxas aplicáveis.
Face ao exposto, entendemos que deverá ser deferido parcialmente o pedido, no montante de € 2.456,26, para o ano de 2008 e € 15.055,12, para o ano de 2009 mantendo-se as seguintes liquidações adicionais, dos anos de 2008 e 2009, conforme se demonstra infra.
n) O despacho referido na alínea anterior foi notificado ao Requerente por Ofício n.º … , de 30-06-2014 (Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
o) Apesar do deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada, que se consubstanciará na anulação parcial das liquidações adicionais, no valor de Euro 18.068,75, correspondente às correcções descritas no ponto ii. da alínea d) supra, a Autoridade Tributária não anulou os respetivos juros compensatórios e que haviam sido calculados sobre o valor anulado;
p) O Requerente explora parques de estacionamento situados … , encontrando-se a liquidar o IVA devido sobre os valores cobrados pela locação de lugares de estacionamento (artigo 22.º do pedido de pronúncia arbitral);
q) Até ao ano de 2008 (inclusive), o Requerente utilizava apenas o método do pro rata na dedução do IVA incorrido nas aquisições de bens e serviços necessários à sua actividade (incluindo o IVA dos recursos directamente associados à actividade desenvolvida nos parques de estacionamento que explorou);
r) Em resultado de uma revisão que efectuou aos seus procedimentos em matéria de IVA, o Requerente entendeu que estava a suportar IVA em excesso nas aquisições referidas no alínea anterior, na medida em que, tratando-se de recursos exclusivamente afectos à realização de operações tributadas (em concreto, a locação de lugares de estacionamento), teria direito a deduzir a totalidade do IVA incorrido na aquisição de tais recursos (e.g. obras, equipamentos e outras despesas de funcionamento) e não apenas na percentagem do pro rata;
s) Neste contexto, o Requerente efectuou, relativamente aos anos de 2008 e 2009, a dedução do valor do IVA incorrido, e que não havia ainda sido deduzido, nas aquisições de bens e serviços utilizados na actividade desenvolvida nos parques de estacionamento (Euro 320.863,60 – trezentos e vinte mil oitocentos e sessenta e três euros e sessenta cêntimos – em 2008 e Euro 70.610,75 – setenta mil seiscentos e dez euros e setenta e cinco cêntimos – em 2009);
t) Para efeitos da dedução referida no artigo anterior, o Requerente teve ainda em consideração o prazo limite de 4 (quatro) anos (cf. Documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) para a recuperação do IVA previsto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA (maxime, as aquisições que originaram a dedução em causa ocorreram no período compreendido entre Maio de 2004 e Dezembro de 2008);
u) Em 21-07-2014, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.1. Factos não provados
Não há factos potencialmente relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.
2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos dados como provados constam do processo administrativo junto com a Resposta e são alegados pela Requerente sem impugnação pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. Questão da incompetência do Tribunal Arbitral
A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita excepção da incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de regularização de IVA, para conhecimento do pedido de pronúncia arbitral.
Uma vez que as questões de incompetência são logicamente de conhecimento prioritário, como está reconhecido no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, começar-se-á pela apreciação da questão de incompetência colocada.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma:
– as "correcções aritméticas" objecto do acto de indeferimento parcial da reclamação graciosa não comportam a apreciação da legalidade de qualquer acto de liquidação de imposto;
– essas "correcções aritméticas" radicam no facto de a Requerida pretender regularizar o seu direito à dedução num momento que tal lhe não é permitido;.
– assim, e tendo em conta a mais recente jurisprudência deste Tribunal, a presente instância arbitral é materialmente incompetente para conhecer dos presentes autos;
– o despacho de indeferimento parcial, em causa nos presentes autos, não contém um juízo de apreciação da legalidade das liquidações adicionais efectuadas pela Requerida, na sequência da conclusão do procedimento inspectivo, a que o Requerente foi sujeito.
– a parte das referidas liquidações adicionais que eram susceptíveis de apreciação através de um juízo de legalidade foram-no através da apreciação da reclamação graciosa, então apresentada pelo Requerente, tendo essa sido parcialmente deferida, procedendo-se à revogação parcial das referidas liquidações adicionais;
– o que está pendente de apreciação no âmbito da presente instância arbitral são as tais "correcções aritméticas" a que alude o Requerente ao longo de todo o pedido e se traduzem na não aceitação de regularizações do direito à dedução, inscritas nas declarações periódicas de Março de 2008 e Abril de 2009, relativamente a imposto incorrido desde Maio de 2004 a Dezembro de 2007;
– veja-se, ainda, em jeito de conclusão, o que refere o Requerente a final da sua petição quando, no artigo 83º, vem dizer que: "Assim, e em plena conformidade com o referido artigo 22º (norma que suporta o momento em que os sujeitos passivos podem exercer o seu direito à dedução), não restam dúvidas quanto à legitimidade e tempestividade da dedução efectuada pelo A, nos anos de 2008 e 2009, e aqui em discussão, relativa a IVA suportado em excesso nos anos de 2004 a 2008.º
– por assim ser, importa referir que não houve, nem há, pois, no acto ora impugnado qualquer juízo sobre a legalidade dos referidos actos de liquidação adicional - objecto mediato do presente pedido de pronúncia arbitral - que tão só operaram "correcções aritméticas" relativas a um incorrecto exercício do direito à dedução por parte do Requerente.
– veja-se o que se decidiu, no recente acórdão arbitrai, proferido no âmbito do processo n.º 299/2013-T, em que, curiosamente, o Requerente é o mesmo, mas estava em causa o indeferimento de pedido de revisão oficiosa, onde se pode ler:
"Assim, é manifesto que não se insere no âmbito destas competências emitir autorizações nem apreciar a legalidade ou ilegalidade de decisões de indeferimento de pedidos de autorização para dedução de IVA ou sua regularização.º
Assim, é manifesta a incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de autorização a regularização formulado pela Requerente, pelo que procede a incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos artigos 25º e 26º da sua Resposta, quanto a esta pretensão.º
– assim, no caso em apreço, após minuciosa análise dos fundamentos que sustentam a decisão arbitral atrás referida, procedem as mesmas razões que levaram este Tribunal a declarar-se materialmente incompetente, já que o indeferimento parcial da reclamação graciosa, ora sindicado, não apreciou a legalidade de qualquer acto de liquidação de imposto, traduzindo-se tão só na "não aceitação da dedução de IVA" pela aplicação indevida do método de dedução enquanto sujeito passivo misto.
O Requerente pronunciou-se sobre esta excepção nas suas alegações, dizendo, em suma o seguinte:
– o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo A comporta, efectivamente, a apreciação da (i)legalidade de actos de liquidação realizados pela Autoridade Tributária, conforme expressamente formulado na petição inicial deduzida;
– o Requerente pretende que sejam declarados ilegais os actos de liquidação adicionais de IVA e de juros compensatórios (objecto mediato do pedido) identificadas no pedido apresentado e que foram praticados pela Autoridade Tributária;
– o pedido de pronúncia arbitral em causa foi motivado pelo indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações em causa, indeferimento esse que constitui um acto administrativo em matéria tributária, o qual é sindicável através de impugnação judicial bem como pela via arbitral, na medida em que comporta a apreciação da (i)legalidade de actos de liquidação;
– no seguimento do indeferimento da reclamação graciosa, o Requerente optou por apresentar um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e dos artigos 2.º, n.º 1 e 3º, ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
–o pedido de pronúncia arbitral pode ser apresentado relativamente aos actos susceptíveis de impugnação autónoma (cfr. artigo 10.º do RJAT, instituído pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro);
– a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa determina, necessariamente, a apreciação prévia da legalidade das liquidações em causa;
– de facto, a decisão da Autoridade Tributária em sede de reclamação graciosa impunha, necessariamente, a análise da legalidade das liquidações adicionais em causa, uma vez que foram tais liquidações que, por seu turno, motivaram a apresentação da referida reclamação.
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).
Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
Para além da apreciação directa da legalidade de actos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências para apreciar actos de segundo ou terceiro grau que tenham por objecto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, designadamente de actos que decidam reclamações graciosas e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas) e à «decisão do recurso hierárquico».
No caso em apreço, foram praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira actos de liquidação, a reclamação graciosa tem por objecto a apreciação da legalidade desse actos e o Requerente pede que sejam declarados ilegais esses actos de liquidação e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que apreciou a sua legalidade, pelo que não se vislumbra que fundamento para a suscitada incompetência.
Nem se vê como pode confundir-se esta situação com a que foi objecto do processo n.º 299/2013-T em que não tinha sido praticado qualquer acto de liquidação pela Autoridade Tributária e Aduaneira e tinha sido formulado um pedido de revisão oficiosa de actos de autoliquidação que foi indeferido por intempestividade e o aí sujeito passivo formulava um pedido de autorização de dedução de IVA.
No caso em apreço, foram praticados actos de liquidação e o Requerente pretende ver apreciada a sua legalidade pelo que a situação enquadra-se linearmente na alínea a)
do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
Por outro lado, em face da referência feita na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT é inquestionável que, quando é apresentada reclamação graciosa, o prazo para formular pedido de pronúncia arbitral se conta a partir da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
Neste contexto, é indiferente que a reclamação graciosa tenha ou não conhecido da legalidade dos actos de liquidação, pois é pedida directamente a declaração de ilegalidade de actos de liquidação.
De resto, atenta a relação de alternatividade entre o processo arbitral tributário e o processo de impugnação judicial, pretendida pelo n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a aprovar o RJAT, nem se vê como é que o conteúdo da decisão da reclamação graciosa (diferentemente do que sucede a decisão do pedido de revisão oficiosa) pode influenciar a arbitrabilidade dos litígios, pois o processo de impugnação judicial é sempre o meio processual adequado para impugnação de decisões de reclamação graciosa nos tribunais tributários, como decorre textualmente do n.º 2 do artigo 102.º do CPPT ( ), pelo que nem se vislumbra como o seu conteúdo pode ter algum relevo para afastar a arbitrabilidade.
Tanto basta para concluir que não há obstáculo a que seja apreciada a legalidade dos actos de liquidação que são objecto do pedido de pronúncia arbitral.
Termos em que improcede a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
4. Ordem de conhecimento de vícios
De harmonia com o disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, não sendo imputados aos actos cuja anulação é pedida vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade, nem indicada uma relação de subsidiariedade, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
No caso em apreço, o Requerente imputa aos actos vício de falta e deficiência de fundamentação e vício de violação do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com o n.º 2 do artigo 22.º e o n.º 6 do artigo 78.º do mesmo Código.
O vício de falta de fundamentação, sendo de natureza formal, fornece tutela menos estável e eficaz que o vício de violação de lei substantiva, pelo que é de começar por apreciar este vício, deixando para o final, se necessário, a apreciação do vício de falta de fundamentação.
5. Vício de violação do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA
5.1. Termos em que a questão é colocada
Até ao ano de 2008 (inclusive), o Requerente utilizava apenas o método do pro rata na dedução do IVA incorrido nas aquisições de bens e serviços necessários à sua actividade (incluindo o IVA dos recursos directamente associados à actividade desenvolvida nos parques de estacionamento que explora, sendo esta uma actividade tributada em sede de IVA).
Em 2008, o Requerente entendeu que tinha direito a deduzir todo o IVA (e não apenas uma percentagem) incorrido na aquisição de recursos relacionados com a sua actividade de exploração de parques de estacionamento (obras, equipamentos e outras despesas de funcionamento), pelo que, na declaração periódica de Março de 2008 deduziu do imposto que suportara entre Maio de 2004 e Dezembro de 2007 e, na declaração periódica de Abril de 2009, deduziu todo o IVA suportado durante o ano de 2008.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que o prazo de quatro anos estabelecido no n.º 2 do art. 98.º do CIVA «não tem aplicação nestas situações, uma vez que esta norma regulamenta o prazo durante o qual os sujeitos passivos poderão, no limite, exercer o direito à dedução, devendo entrar em linha de conta com os prazos previstos no art.º 22 do mesmo diploma para o exercício desse direito. Assim sendo, o prazo do n.º 2 do art.º 98 do CIVA apenas tem aplicação nos casos de registo contabilístico para lá dos prazos consignados no art.º 22 do CIVA, mas dentro do prazo de quatro anos a contar do nascimento o direito a dedução» e «no caso concreto, os documentos foram registados e foi exercido o direito à dedução por parte do A (tendo por base a aplicação do por rata) aquando da contabilização das operações» (Relatório da Inspecção Tributária).
Nas suas alegações, a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém essencialmente esta tese, invocando em seu abono o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-05-2011, proferido no processo n.º 0966/10.
O Requerente defende, em suma, que da conjugação do artigo 98.º, n.º 2, do IVA com os artigos 22.º, n.º 2, e 78.º, n.º 6, do mesmo Código resulta a possibilidade de deduzir IVA até ao termo do prazo de 4 anos a contar do nascimento do direito.
5.2. A alteração do regime legal de exercício do direito à dedução
A invocação pela Autoridade Tributária e Aduaneira do referido acórdão do STA proferido no processo n.º 0966/10 não se justifica, pois, embora o acórdão seja de 2011, fez-se nele aplicação do regime do IVA vigente em 2003, como nele expressamente se refere.
Ora, o regime vigente em 2003 era substancialmente diferente do posterior a 01-01-2004, no que concerne à possibilidade de exercício do direito à dedução, em face da alteração introduzida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, no artigo 22.º, n.º 2, do CIVA.
Na verdade, na redacção vigente até esta alteração legislativa, o artigo 22.º, n.º 2, do CIVA, estabelecia que «Sem prejuízo da possibilidade de correcção prevista no artigo 71.º, a dedução deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação» (redacção do Decreto-Lei n.º 166/94, de 9 de Junho).
À face desta redacção de 1994, não havia qualquer suporte legal para afirmar que, fora dos casos previstos em normas especiais, o sujeito passivo de IVA pudesse exercer o direito à dedução em declarações de períodos posteriores, c0mo se entendeu no acórdão do STA de 18-05-2011, proferido no processo n.º 0966/10, que fez aplicação da legislação vigente em 2003, como nele expressamente se refere.
Na redacção dada àquele n.º 2 do artigo 22.º pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro), passou a estabelecer-se o seguinte: «Sem prejuízo do disposto no artigo 71.º, a dedução deverá ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação».
A enorme diferença está na possibilidade de dedução do IVA não só na declaração do período de recepção dos documentos, mas também em declaração «de período posterior», sem qualquer restrição.
Com efeito, no pressuposto de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como se tem de presumir, por força do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, o uso da expressão «de período posterior», sem artigo definido, e não «do período posterior» revela que não se exige sequer que o IVA seja deduzido na declaração do período imediatamente seguinte ao da recepção dos documentos, sendo permitida na declaração de qualquer período posterior, sem prejuízo, naturalmente, dos limites especiais e geral, designadamente os que constam dos artigos 78.º e 92.º, n.º 2.
O artigo 98.º, n.º 2, do CIVA estabelece que «sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente».
No caso em apreço, não se está perante uma situação enquadrável o artigo 78.º, n.º 6, do CIVA, em que se prevê um prazo especial de dois anos para regularização de «correcção de erros materiais ou de cálculo», inclusivamente nas declarações periódicas, nos seguintes termos: «a correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado».
O artigo 95.º-A, n.º 2, do CPPT ( ) fornece um conceito de «erros materiais ou manifestos» indicando que nele se integram, «designadamente os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexactidão ou lapso».
A associação do erro de cálculo ao erro material que se faz neste n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, à semelhança do que sucede noutras normas (como o artigo 249.º do Código Civil, o artigo 667.º do CPC de 1961 e o artigo 614.º do CPC de 2013) revela que os erros de cálculo a que se pretende aludir serão deste tipo, designadamente erros aritméticos nas operações de cálculo do montante a deduzir.
Assim, estar-se-á perante um erro material no preenchimento do montante de IVA dedutível numa declaração quando se pretendia escrever um determinado montante e, por descuido ou lapso, acabou por se escrever montante diferente ou quando o erro do preenchimento da declaração resulta de um erro anterior do mesmo tipo que exista na contabilidade ou em algum documento que sirva de base ao exercício do direito à dedução
Estar-se-á perante um erro de cálculo, quando as operações aritméticas para determinar o montante do IVA dedutível foram mal efectuadas, na própria declaração ou em algum dos documentos em que ela se baseou.
O erro quanto à aplicação de determinados regimes jurídicos não constitui nem erro material nem erro de cálculo, pelo que é manifesto que não pode ser-lhe aplicado o regime do referido n.º 6 do artigo 78.º do CIVA. Designadamente, o erro de cálculo do pro rata não é um erro de cálculo enquadrável nesta norma porque consubstancia um erro de direito sobre o regime jurídico aplicável e não um erro de natureza aritmética.
Assim, não sendo aplicável o regime do referido artigo 78.º, n.º 6, nem existindo qualquer regime limite temporal especial para exercício do direito à dedução com fundamento em erro de direito, será aplicável o regime geral sobre esta matéria que consta do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA que, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-5-2011, proferido no processo n.º 966/10 (neste ponto com plena actualidade), fixa um limite máximo de quatro anos que não pode ser excedido em nenhum caso.
Termos em que se conclui que as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que as manteve enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, por erro de interpretação do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com os artigos 22.º, n.º 2, e 78.º, n.º 6, do mesmo Código, vício esse que justifica a sua anulação [artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força do disposto no artigo 2.º alínea c), da LGT], na parte em que as liquidações não foram revogadas.
6. Vício de conhecimento prejudicado
Sendo de anular com fundamento em vício de violação de lei as liquidações e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que são objecto do presente processo fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento do vício de falta de fundamentação.
7. Anulação da liquidação de juros compensatórios relativa às correcções revogadas
O Requerente pede também a anulação da liquidação de juros compensatórios.
Relativamente às liquidações de juros compensatórios respeitantes às liquidações que são objecto do presente processo, na parte em que não foram revogadas, integram-se na dívida de imposto (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que se justifica a sua anulação, pois são afectadas pelos vícios que afectam as liquidações de IVA, que têm como pressuposto.
No que concerne à parte das liquidações de juros compensatórios relativas à parte das liquidações de IVA que foram revogadas, estão afectadas de nulidade, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alínea i), do Código do Procedimento Administrativo.
8. Juros indemnizatórios
O Requerente pede a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios devidos, nos termos a para os efeitos dos artigos 43.º e 61.º do CPPT.
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Nos termos do artigo 43.º da LGT, na parte aqui aplicável, «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IVA e juros compensatórios, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pois a ilegalidade daqueles actos é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.
Está-se perante violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.
Consequentemente, a Requerente têm direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, actualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT).
9. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar improcedente a excepção de incompetência material deste Tribunal Arbitral;
– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o despacho de indeferimento da reclamação graciosa e as liquidações de IVA, nas partes que não foram revogadas, nos montantes de € 391.474,35 (€ 320.863,60 referente ao ano de 2008 e € 70.610,75 referente ao ano de 2009) e de juros compensatórios no montante total de € 69.459,77;
– condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar ao Requerente juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
10. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 460.934,12.
11. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.344,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 19-12-2014
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(Paulo Lourenço)
(António Martins)