|
|
Versão em PDF |
SUMÁRIO:
As sociedades gestoras de participações sociais que exercem como atividade principal a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas e que, neste âmbito, adquirem e detêm com carácter duradouro essas participações em sociedades que não exercem atividade no setor financeiro, não preenchem o tipo de “Instituição Financeira” previsto na legislação europeia, pelo que não lhes é aplicável a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Carla Castelo Trindade, João Taborda da Gama e Jorge Belchior de Campos Laires, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, decidem o seguinte:
I. RELATÓRIO
-
A...– SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS SA., com o NIPC ... e sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Carnaxide, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), com vista à declaração de ilegalidade de diversos atos de liquidação de Imposto do Selo operados por instituições bancárias, no montante global de € 60.939,65, ocorridos entre novembro de 2020 e outubro de 2022, conforme discriminado no artigo 18.º do Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”), bem como a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa proferido em 28 de fevereiro de 2023.
-
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 29 de maio de 2023 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
-
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 13 de julho de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
-
Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 31 de julho de 2023.
-
A Requerente sustenta a procedência do seu pedido, alegando em síntese que, enquanto SGPS, recorreu a financiamentos junto de diversas das instituições de crédito. Tais instituições de crédito, entre novembro de 2020 e outubro de 2022, na qualidade de sujeito passivo, liquidaram e entregaram ao Estado, nos termos da Verba n.º 17 da Tabela Geral de Imposto do Selo (“TGIS”), o Imposto do Selo incidente sobre as operações de crédito decorrentes de tais contratos de financiamento, que fizeram repercutir sobre a Requerente, no montante global de € 60.939,65. A Requerente alega ser-lhe aplicável a isenção prevista no artigo 7.º do Código do Imposto do Selo (“CIS”), uma vez que, quanto ao requisito subjetivo, esta norma se aplica a operações que sejam realizadas por “instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras”, tendo como destinatários “sociedades de capital de risco, bem como sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”. Conforme defende a Requerente, atenta a sua natureza jurídica de SGPS, subsume-se no tipo “instituição financeira prevista na legislação comunitária”, devendo, portanto, ser-lhe aplicável a isenção e, em consequência, ser anulados os atos de liquidação do Imposto do Selo.
-
A Requerida, tendo sido devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta em 2 de outubro de 2023, tendo concluído pela improcedência da presente ação e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido. A Requerida sustentou a sua defesa no facto de a qualificação jurídica a fazer do sujeito que suportou o encargo do imposto, neste caso a Requerente, não caber na previsão da norma de isenção e, consequentemente, dela não aproveitando, por a Requerente não poder ser considerada uma instituição financeira. Adicionalmente, e a título de pontos prévios à referida alegação principal, alega ainda o seguinte: (i) falta de prova de diversos atos de liquidação que perfazem o total de € 4.712,41; (ii) que deve ser expurgado o montante peticionado que excede a quantia entregue nos cofres do Estado e declaradas na DMIS, num valor total de € 5.419,66 e (iii) alguns dos factos sujeitos a Imposto do Selo indicados pela Requerente respeitam a comissões que não têm direta ligação a operações de crédito, pelo que, mesmo que a Requerente qualificasse com instituição financeira, tais factos não aproveitariam da isenção da alínea e), n.º 1, do artigo 7.º do CIS, conjugado com o n.º 7, do mesmo preceito, representando um valor a expurgar adicional de € 10.442,07.
-
Em 27 de novembro de 2023, a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT foi dispensada, uma vez que as posições das partes já se encontravam devidamente fixadas, dispensando-se também a apresentação de alegações finais escritas, tudo ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais, previstos nos artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT.
II. SANEAMENTO
-
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.
-
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
-
O processo não enferma de nulidades.
III. DO MÉRITO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
III.1.1. Factos provados
-
Analisada a prova produzida nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa:
-
A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais (“SGPS”), que se encontra regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro.
-
A Requerente detém participações em várias sociedades dos setores do comércio e serviços.
-
No âmbito da atividade que desenvolve e na prossecução do respetivo objeto, a Requerente contratou operações financeiras junto de diversas instituições de crédito.
-
Tais instituições de crédito, entre novembro de 2020 e outubro de 2022, na qualidade de sujeito passivo, liquidaram e entregaram ao Estado o Imposto do Selo incidente sobre operações de utilização de crédito, bem como sobre juros e comissões, no valor total de € 60.939,65.
-
A Requerente, enquanto titular do interesse económico, suportou o encargo relativo ao Imposto do Selo que a instituição de crédito sobre ela repercutiu
-
Em 7 de dezembro de 2022 a Requerente apresentou reclamação graciosa que teve como objeto os atos de liquidação identificados, tendo solicitado a sua anulação e a consequente restituição das quantias por si pagas.
-
Por despacho de 28 de fevereiro de 2023 do Chefe de Divisão da Justiça Tributária a referida reclamação graciosa foi indeferida.
-
Em 26 de maio de 2023 a Requerente apresentou o pedido arbitral que deu origem ao presente processo.
-
III.1.2. Factos não provados
-
Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que se tenham considerado como não provados.
III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
-
A AT põe em causa o valor global de liquidação de Imposto do Selo indicado pela Requerente, que é de € 60.939,65, alegando falta de prova de diversos atos de liquidação que perfazem o total de € 4.712,41, e ainda que deve ser expurgado o montante peticionado que excede a quantia entregue nos cofres do Estado e declaradas na DMIS, num valor total de € 5.419,66. Porém, a Requerente juntou as faturas e notas de débito emitidas pelas respetivas instituições bancárias, o que, no entender do Tribunal, constitui prova suficiente de que a Requerente suportou efetivamente o Imposto do Selo, não lhe cabendo o ónus de efetuar diligências adicionais no sentido de que tais valores foram efetivamente entregues nos cofres do Estado.
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
-
Discute-se no presente processo a aplicabilidade da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS às operações de financiamento realizadas pela Requerente, entre novembro de 2020 e outubro de 2022, junto de diversas instituições de crédito.
-
Em concreto, é controvertido o enquadramento da natureza jurídica da Requerente para efeitos da referida norma de isenção. Enquanto a Requerente alega que preenche o conceito de “Instituição Financeira” previsto nas normas de Direito Europeu aplicáveis, a Requerida defende que as SGPS não se subsumem a tal conceito.
-
Fixa-se, antes de mais, o quadro legal aplicável ao caso aqui em apreciação:
Código do Imposto do Selo
“Capítulo I - Incidência
Artigo 1.º
Incidência objectiva
1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”
Capítulo II
Isenções
(…)
Artigo 7.º
Outras isenções
1 – São também isentos do imposto:
(…)
e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;
(…)
7 – O disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”
Tabela Geral do Imposto do Selo
“17 Operações financeiras
17.1 Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título excepto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo:
17.1.1 Crédito de prazo inferior a um ano - por cada mês ou fracção 0,04%
17.1.2 Crédito de prazo igual ou superior a um ano 0,50%
17.1.3 Crédito de prazo igual ou superior a cinco anos 0,60%
17.1.4 Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 0,04%
(…)
17.3 Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado:
17.3.1 Juros por, designadamente, desconto de letras e bilhetes do Tesouro, por empréstimos, por contas de crédito e por crédito sem liquidação 4%
17.3.2 Prémios e juros por letras tomadas, de letras a receber por conta alheia, de saques emitidos sobre praças nacionais ou de quaisquer transferências 4%
17.3.3 Comissões por garantias prestadas 3%
17.3.4 Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões 4%”
Regulamento n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013
“Artigo 4.º - Definições
1. Para efeitos do presente regulamento, aplicam-se as seguintes definições:
(…)
3) “Instituição”: uma instituição de crédito autorizada nos termos do artigo 8.º da Diretiva 2013/36/UE, ou uma empresa a que se refere o artigo 8.º‐A, n.º 3;
26) “Instituição financeira”: uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE;”.
Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013
“Artigo 3.º
Definições
1. Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:
(…)
22) “Instituição financeira”: uma instituição financeira na aceção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013;”.
-
Relativamente à aplicação deste conjunto de normas, maxime, no que respeita à interpretação e aplicação das normas jurídicas de Direito Europeu aqui convocadas, pronunciou-se recentemente o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) no acórdão Lineas – Concessões de Transportes, SGPS, S.A., Global Roads Investimentos SGPS, Lda e NOS SGPS, S.A, de 26.10.2023, proferido no âmbito dos processos apensos n.ºs C‑207/22, C‑267/22 e C‑290/22. Ao que importa aos presentes autos, entendeu o TJUE o seguinte:
-
Com as questões submetidas, que importa examinar em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.
-
Segundo jurisprudência constante, decorre das exigências da aplicação uniforme do direito da União e do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme, tendo em conta não só os seus termos mas também o contexto desta disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa [v., neste sentido, Acórdão de 30 de março de 2023, M. Ya. M. (Repúdio da sucessão por um co‑herdeiro), C‑651/21, EU:C:2023:277, n.º 41 e jurisprudência referida].
-
Em primeiro lugar, no que diz respeito à redação do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36, esta disposição refere que, para efeitos desta diretiva, se deve entender por «instituição financeira» uma instituição financeira na aceção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013.
-
O artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, deste regulamento, lido em conjugação com o seu artigo 4.º, n.º 1, ponto 3, enuncia que, na aceção do referido regulamento, entende‑se por «instituição financeira» uma empresa que não seja uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento e uma sociedade de gestão de ativos. Este artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, exclui, em contrapartida, do conceito de «instituição financeira» as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas.
-
Esta disposição menciona, assim, de maneira geral, que as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações estão abrangidas pelo conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, e, na sua versão aplicável às datas pertinentes dos processos principais, exclui deste conceito unicamente as instituições de crédito, as empresas de investimento e algumas sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.
-
A este respeito, importa especificar que, embora o artigo 1.º, ponto 2, alínea a), iii), do Regulamento 2019/876 preveja uma nova redação do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013, que também exclui do conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, as sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial, resulta da decisão de reenvio no processo C‑290/22 que esta nova redação não é aplicável ratione temporis aos processos principais.
-
Além disso, embora a redação do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 vise as empresas cuja atividade principal é o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, atividades essas que integram o setor financeiro, a utilização da conjunção coordenativa «ou» indica que o legislador da União não quis que o exercício direto de uma ou mais dessas atividades fosse um critério de definição do conceito de «instituição financeira», na aceção do Regulamento n.º 575/2013.
-
Não obstante, importa também sublinhar que resulta da redação do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas devem ser consideradas «instituições financeiras», na aceção deste regulamento.
-
Ora, por um lado, o artigo 4.º, n.º 1, ponto 20, do referido regulamento enuncia que, na aceção deste, se entende por «companhia financeira» uma instituição financeira que não seja uma companhia financeira mista e cujas filiais sejam exclusiva ou principalmente instituições de crédito, empresas de investimento ou instituições financeiras, sendo pelo menos uma destas filiais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento.
-
Por outro lado, resulta do artigo 4.º, n.º 1, ponto 21, do Regulamento n.º 575/2013, lido em conjugação com o artigo 2.º, ponto 15, da Diretiva 2002/87, que deve ser considerada uma «companhia financeira mista», na aceção deste regulamento, uma empresa‑mãe, que não é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, a qual em conjunto com as suas filiais, de que pelo menos uma é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, e com quaisquer outras entidades, constitui um conglomerado financeiro.
-
Afigura‑se assim que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas constituem tipos de sociedades concretamente definidas que se caracterizam simultaneamente pelo facto de a sua atividade principal consistir na aquisição de participações e pela existência de relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento.
-
Daqui resulta que a referência expressa, no artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não teria nenhuma utilidade se esta disposição devesse ser entendida, pelo simples facto de visar as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações, como integrando sistematicamente no conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, todas as sociedades que exercem essa atividade principal.
-
No entanto, como a advogada‑geral salientou no n.º 41 das suas conclusões, resulta dos próprios termos do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 que a lista das instituições financeiras enunciada nesta disposição não é exaustiva. Por conseguinte, da referência, nesta disposição, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não se pode deduzir que a inexistência de certas relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento obsta necessariamente à qualificação de «instituição financeira», na aceção deste regulamento.
-
Em segundo lugar, o contexto em que o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 se inserem demonstra que o legislador da União definiu o regime aplicável às instituições financeiras com base na existência de uma relação entre estas e o exercício de determinadas atividades do setor financeiro.
-
Antes de mais, o principal elemento do regime aplicável às instituições financeiras definido pela Diretiva 2013/36 diz respeito à possibilidade de estas exercerem, no âmbito da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, atividades do setor financeiro noutro Estado‑Membro.
-
Com efeito, o artigo 34.º desta diretiva, sob a epígrafe «Instituições financeiras» e que constitui o único artigo da diretiva que se refere unicamente às instituições financeiras, autoriza essas instituições, em certas condições, a exercerem noutro Estado‑Membro as atividades constantes do anexo I da referida diretiva. Este artigo concretiza, assim, o princípio, enunciado no considerando 20 da mesma diretiva, segundo o qual é conveniente alargar, em certas condições, o benefício do reconhecimento mútuo a determinadas operações financeiras quando as mesmas sejam exercidas por uma instituição financeira filial de uma instituição de crédito.
-
Por conseguinte, o facto de uma empresa ser qualificada de «instituição financeira», na aceção da Diretiva 2013/36, é desprovido de interesse, para efeitos da aplicação do seu artigo 34.º, se essa empresa não pretender exercer atividades do setor financeiro.
-
Em seguida, o Regulamento n.º 575/2013 prevê, para efeitos da aplicação dos requisitos prudenciais impostos por este regulamento, uma série de consequências para a atribuição, a uma determinada empresa, da qualificação de «instituição financeira».
-
Mais precisamente, resulta do artigo 18.º, n.º 1, do referido regulamento que as instituições de crédito e as empresas de investimento que sejam obrigadas a cumprir os requisitos do mesmo regulamento com base na sua situação consolidada procedem, em princípio, a uma consolidação integral, nomeadamente, de todas as instituições financeiras que são suas filiais ou, se for caso disso, filiais da mesma companhia financeira‑mãe ou da companhia financeira mista‑mãe.
-
Em contrapartida, esta disposição não impõe que se realize uma consolidação prudencial que inclua todas as filiais das instituições e das empresas de investimento.
-
Além disso, decorre do artigo 4.º, n.º 1, ponto 27, do Regulamento n.º 575/2013 que as instituições financeiras constituem «entidades do setor financeiro», à semelhança, nomeadamente, das instituições de crédito, das empresas de investimento e das empresas de seguros.
-
Ora, resulta do artigo 36.º, n.º 1, alíneas g) a i), do artigo 56.º, alíneas c) e d), e do artigo 66.º, alíneas b) a d), deste regulamento que os investimentos, realizados pelas instituições de crédito e pelas empresas de investimento, nas entidades do setor financeiro estão sujeitos a um regime específico que implica, em particular, determinadas deduções no cálculo dos fundos próprios dessas instituições e dessas empresas.
-
As participações qualificadas das instituições de crédito e das empresas de investimento fora do setor financeiro são, em contrapartida, regidas por regras diferentes, previstas, nomeadamente, no artigo 36.º, n.º 1, alínea k), e nos artigos 89.º e 90.º do referido regulamento, regras que podem, em especial, implicar uma ponderação dessas participações no cálculo dos requisitos de fundos próprios ou uma proibição dessas participações, quando estas excedam determinadas percentagens de fundos próprios da instituição de crédito ou da empresa de investimento em causa.
-
Decorre do exposto que o Regulamento n.º 575/2013 define as regras relativas à consolidação e aos requisitos prudenciais das instituições de crédito e das empresas de investimento que, na medida em que sejam próprias das participações nas instituições financeiras ou noutras entidades do setor financeiro e que difiram das regras aplicáveis às participações fora do setor financeiro, podem ser vistas como estando baseadas na tomada em consideração da especificidade das atividades desse setor.
-
Ora, tal lógica seria posta em causa em caso de aplicação das regras próprias das participações nas entidades do setor financeiro a uma participação fora desse setor de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento, pelo simples facto de esta última participação ser gerida por intermédio de uma filial dessa instituição ou dessa empresa cuja atividade consista na aquisição de participações.
-
Por último, o artigo 5.º da Diretiva 2013/36 prevê a coordenação interna das atividades das autoridades competentes para a supervisão não só das instituições de crédito e das empresas de investimento mas também das instituições financeiras, estabelecendo assim uma relação entre, por um lado, a supervisão prudencial do setor financeiro e, por outro, o controlo das instituições financeiras.
-
Do mesmo modo, o artigo 117.º, n.º 1, e o artigo 118.º desta diretiva enunciam as obrigações de cooperação entre as autoridades competentes dos Estados‑Membros aplicáveis às instituições financeiras, sem alargar esse regime às entidades não pertencentes ao setor financeiro nas quais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento detenha participações.
-
Em terceiro lugar, resulta do artigo 1.º da Diretiva 2013/36 e do artigo 1.º do Regulamento n.º 575/2013 que estes atos têm por objeto definir as regras relativas ao acesso à atividade, à supervisão e a diversos requisitos aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento. Também decorre do considerando 5 desta diretiva e do considerando 14 deste regulamento que os referidos atos têm, nomeadamente, por objetivo contribuir para a realização do mercado interno no setor das instituições de crédito.
-
Resulta de todos os elementos precedentes que uma empresa cuja atividade principal não esteja relacionada com o setor financeiro, por não exercer, nem diretamente nem por intermédio de participações, uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I da Diretiva 2013/36, não pode ser considerada uma instituição financeira, na aceção da Diretiva 2013/36 e do Regulamento n.º 575/2013.
-
Por conseguinte, há que responder às questões submetidas que o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.”.
-
Portanto, considerou o TJUE que o conceito de “Instituição Financeira” previsto na legislação de Direito Europeu deve ser interpretado no sentido de não incluir as entidades que não pertençam ao setor financeiro, independentemente de as suas participações sociais serem detidas por instituições de crédito ou empresas de investimento. E assim é porque, de acordo com aquele Tribunal, o referido conceito de “Instituição Financeira” apenas pretende abranger as entidades que pratiquem atividades específicas do setor financeiro, que constam do anexo I da Diretiva 2013/36 /UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013, e que para exercerem atividade são objeto da aplicação de requisitos prudenciais cujo controlo é efetuado pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros pela específica supervisão daquelas entidades.
-
Ora, a Requerente é uma SGPS que no exercício da sua atividade detém participações em sociedades dos setores do comércio e serviços, que não pertençam ao setor financeiro. Nem a Requerente nem as sociedades por si detidas praticam o conjunto de operações constantes do anexo I da mencionada Diretiva 2013/36 /UE. Nem a Requerente nem as sociedades por si detidas são objeto de supervisão prudencial pelo Banco de Portugal, que é a entidade competente para o efeito no ordenamento jurídico português. Consequentemente, a Requerente não é uma “Instituição Financeira” para efeitos do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento UE n.º 575/2013.
-
Esta interpretação, que é conforme ao efeito orientador e persuasivo do acórdão do TJUE referido supra, deve ser tida aqui em consideração em cumprimento do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil que determina que “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”. Acresce que este Tribunal, enquanto órgão jurisdicional de um Estado-Membro da União Europeia, e por força do princípio do primado consagrado no 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, está obrigado a interpretar e aplicar o direito nacional em conformidade com o Direito Europeu tendo presente o concreto sentido interpretativo estabelecido pelo TJUE, tal como registou o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido em 18.12.2013, no âmbito do processo n.º 0568/13.
-
Em conclusão, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, conclui este Tribunal que não era aplicável à Requerente a norma prevista na alínea e), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS, por aquela não se subsumir ao conceito de “Instituição Financeira” ali previsto, de tal modo que as operações de financiamento realizadas pela Requerente, entre novembro de 2020 e outubro de 2022, junto de diversas das instituições de crédito, incluindo os juros e comissões por estas cobradas nesse âmbito, não estavam isentas de Imposto do Selo, que foi legalmente liquidado por aplicação da Verba n.º 17 da TGIS.
-
Pelo exposto, julga-se improcedente o pedido formulado pela Requerente, ficando prejudicada a apreciação – porque inútil e proibida em face do artigo 130.º do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT –, da questão de saber se alguns dos factos sujeitos a Imposto do Selo, conforme alegado pela Requerida, tinham ou não uma direta ligação a operações de crédito conforme exigido nos termos do n.º 7 do artigo 7.º do CIS.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide:
-
Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente, absolvendo a Requerida de todos os pedidos;
-
Condenar a Requerente nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 64.716,86.
VI. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 2.448,00, a cargo da Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2024
Os Árbitros,
Carla Castelo Trindade
João Taborda da Gama
Jorge Belchior de Campos Laires
|
|