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Sumário:
I – O conceito de «facto gerador» deve estar em estreita relação com o princípio da não discriminação constante do artigo 110.º do TFUE e que prevê, que nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.
II – De acordo com esta premissa e seguindo a jurisprudência do TJUE, nomeadamente a vertida no recente Acórdão de 16-11-2023, proferido no processo nº C-349/22, por reenvio prejudicial suscitado no âmbito de processo arbitral nº 700/2021-T, em apreciação no âmbito do CAAD, é com base no conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União, que devemos aplicar corretamente no tempo a taxa intermédia constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, a saber: (a) entre 2015 e 2020 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-membro da União Europeia; (b) a partir de 2021 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-membro da União Europeia.
III – No caso dos autos, a liquidação de ISV impugnada é ilegal, porquanto, tendo o veículo a sua primeira matrícula em 2019, no Estado membro da EU de origem e introduzido no mercado nacional em 2021, devia ter sido aplicada a versão da lei em vigor na data da primeira matrícula, como bem resulta do supramencionado Acórdão do TJUE ao decidir que: «Tendo em conta os fundamentos acima expostos, há que responder à questão submetida que o artigo 110º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num Estado‑Membro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado‑Membro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro Estado‑Membro, se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o mesmo veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto que é incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional dos veículos usados.»
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
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A..., LDA. Pessoa coletiva, com o número de identificação fiscal..., com sede Rua ..., Espinho, (doravante designada por “Requerente”), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), com as alterações subsequentes, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, para impugnação do ato de liquidação de Imposto sobre Veículos, resultante da introdução no consumo de veículo ligeiro de passageiros equipado com motor híbrido plug-in através da DAV 2021/..., praticado pela Alfândega de Braga, no valor de €2.610,71, requerendo a sua declaração de ilegalidade e anulação.
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O pedido arbitral foi apresentado no dia 22/06/2023, aceite a 23-06-2023 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, automaticamente, notificado à Requerida AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, no dia 11/08/2022, designou a ora signatária como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação, que aceitaram.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 31/08/2022. Na mesma data, foi proferido despacho arbitral, notificado à requerida, para apresentar a sua resposta, nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT.
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No dia 29/09/2022, a Requerida apresentou a sua Resposta e a junção do respetivo Processo Administrativo (PA). Na sua resposta, veio a AT pugnar pela legalidade dos atos tributários impugnados e, considerando que a questão em apreciação é exclusivamente de direito, veio requerer a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.
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Em 03/10/2022, foi proferido despacho arbitral no qual o tribunal, fundamentadamente, dispensa a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, considerando a ausência de prova testemunhal a produzir, que a questão a decidir se afigura como sendo exclusivamente de direito e, assim sendo, propôs a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT e a promoção da tramitação subsequente do processo para alegações escritas, podendo as partes exercer aí o contraditório sobre todas as questões suscitadas nos autos. Foi, ainda, fixado o prazo de dez dias para alegações facultativas.
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As partes juntaram as suas alegações escritas. Considerando, os elementos constantes dos autos, nomeadamente a informação da Requerida AT, quanto à alegada violação do artigo 110º do TFUE, do reenvio prejudicial ao TJUE, operado no âmbito no processo 700/2022.T, no qual se discute a mesma questão suscitada nos presentes autos, em tudo idêntica à suscitada no processo arbitral a correr termos com o nº 700/2022-T, o Tribunal arbitral, proferiu o seguinte despacho arbitral:
«DESPACHO ARBITRAL - Suspensão da Instância
Considerando que se encontra pendente decisão do TJUE em reenvio prejudicial suscitado no Processo n.º 700/2021-T, em que se colocam as mesmas questões que constituem objeto do presente litígio, e considerando a alegação da AT no item 61 das suas alegações, salientando que, por força daquele reenvio, se decidiu suspender a instância dos processos arbitrais nºs 597/2021-T, 636/2021-T, 693/2021- T, 824/2021-T, 140/2022-T e 346/2022-T, determina-se a suspensão da instância no presente processo, nos termos previstos nos artigos 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º, n.º 1, do CPC, até à decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça sobre as questões prejudiciais.
Quanto à alegada exceção de incompetência do Tribunal arbitral, remete-se para a decisão final a fundamentação da decisão do Tribunal que, desde já antecipa, que se considera competente para proferir a decisão, face à configuração do pedido e da causa de pedir, tal qual se encontra descrita no pedido arbitral.
Fica notificada a AT para vir aos autos informar a decisão do TJUE, logo que seja notificada da mesma no âmbito do processo 700/2021 - T.
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Em 19-12-2023, após informação da prolação da decisão do TJUE, proferida no processo arbitral 700/2022-T, foi proferido o seguinte de despacho arbitral:
«Considerando que foi proferido Acórdão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no âmbito do Processo prejudicial C-349/22, no seguimento do reenvio prejudicial apresentado pelo Tribunal Arbitral no Processo arbitral n.o 700/2021-T, fundamento para a suspensão dos presentes autos, determina-se a cessação da suspensão e o prosseguimento dos autos para decisão, a qual será proferida até 31/01/2024, nos termos do disposto no art.21º do RJAT.»
Cumpre decidir.
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Em síntese, no seu pedido a Requerente pretende a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre Veículos, resultante da DAV junta aos autos, referente à da introdução no consumo de veículo ligeiro de passageiros equipado com motor híbrido plug-in através da DAV 2021/..., praticado pela Alfândega de Braga, relativo a trata de um veículo da marca Mercedes Benz, modelo R1ES, equipado com motor híbrido plug-in, elétrico e combustível (gasóleo), com um valor de emissão de gases CO2, de 42 g/km, com autonomia no modo elétrico, de acordo com o certificado de conformidade da marca, de 46 Km e de 48 Km, ao qual foi atribuída a matrícula nacional ... .
Como fundamento do seu pedido alega a Requerente que para a determinação do ISV foi aplicada a tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, e calculado o ISV atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos do artigo 7º do CISV, tendo sido, igualmente, aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D do nº1 do artigo 11º CISV, para os veículos usados, em função do número de anos do veículo para a componente cilindrada e para a componente ambiental.
A Requerente considera a liquidação do ISV ilegal por violação do Direito da União Europeia (DUE) e alega que «é com base no conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente da União que devemos aplicar corretamente no tempo a taxa intermédia constante da alínea d) do nº1 do artigo 8º do CISV (,,,) e que o conceito de facto gerador constante no artigo 5º do CISV deve estar em estreita relação com o princípio da não discriminação constante do artigo 110º do TFUE e que prevê, que nenhum Estado-membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-membros. E é com base no conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente da União que devemos aplicar corretamente no tempo a taxa intermédia constante da alínea d) do nº1 do artigo 8º do CISV:
a) entre 2015 e 2020 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-membro da União Europeia;
b) a partir de 2021 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-membro da União Europeia.»
Quanto às taxas do imposto, alega a Requerente que o artigo 7º (taxas normais – automóveis) do CISV, que, nas alíneas a) e b) do nº1, consagra a aplicação das taxas previstas na Tabela A, tendo em conta as componentes cilindrada e ambiental, aos veículos automóveis de passageiros, e aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas nem pela taxa intermédia. No caso concreto está em causa a taxa intermédia.
Alega, ainda que estão em causa duas redações do artigo 8º, nº1, alínea d), do CISV: a introduzida pela Lei nº 82-D/2014 de 31 de dezembro e a posterior à Lei nº 75-B/2020 de 31 de dezembro. Estes veículos eram tributados a 25% (entre 2015 e 2020) desde que a bateria pudesse ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros e caso reunissem apenas um destes requisitos, seriam tributados a 100%. Em 2021, para serem tributados a 25% passou a exigir-se uma autonomia em modo elétrico de pelo menos 50Km e emissões de CO2 menores que 50 g/Km. Caso reúnam apenas um destes requisitos, serão tributados a 100%. Ora, entende a Requerente que o direito aos benefícios fiscais previstos para a aquisição deste tipo de veículos, deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal. Por isso, alega que a liquidação de ISV é ilegal por entender que deveria ter sido aplicada ao veículo a versão em vigor em 2019, por se tratar de um veículo híbrido que foi matriculado pela primeira vez, no país de origem, em 2019.
E sendo assim, a redação da alínea d), do nº1, do artigo 8º do CISV, em vigor nessa data, previa a aplicação de uma taxa de 25% para automóveis com motores híbridos plug-in, com bateria carregada através de ligação à rede elétrica, com uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros. Alega, pois, que a versão da lei ao abrigo da qual se procedeu à liquidação do ISV (versão introduzida pela Lei nº 75 B/2020, não é a correta e viola o direito da União Europeia (DUE), mais concretamente os artigos 26º e 28º a 37º e 110º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que consagram o direto à livre circulação de mercadorias e a proibição de discriminação. Invoca diversa jurisprudência do TJUE em defesa deste entendimento. Entende, ainda, que o conceito de facto gerador constante do artigo 5º do CISV deve estar em estreita relação com o princípio da não discriminação constante do artigo 110º do TFUE e que prevê, que nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares. No caso concreto, se a primeira matrícula do veículo é datada de 29-10-2019, é esta a data relevante para a aplicação do conceito de facto gerador, peticionando a anulação do ato de liquidação de ISV e pela restituição do montante de 2.610,71€.
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Por sua vez, na resposta apresentada veio a Requerida AT alegar exceção de incompetência do Tribunal Arbitral e, caso assim não se entenda, pugnar pela legalidade dos atos impugnados.
Quanto à exceção de incompetência do Tribunal, alega a Requerida AT, em síntese, que: «segundo o artigo 10.º, n.º 2, alíneas b) e c) do RJAT, o pedido de constituição do tribunal arbitral deve identificar o ato ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral, e o pedido de pronúncia arbitral, constituindo fundamentos deste pedido os previstos no artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, bem assim, a exposição das questões de facto e de direito objecto do referido pedido de pronúncia arbitral. Ora, decorre do Pedido de pronúncia arbitral (PPA) que a Requerente requer a constituição do Tribunal Arbitral com vista à aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código de Imposto sobre Veículos na redação que vigorava antes da versão atual, introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2021 – Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. Sendo expressamente referido que a Requerente pretende a restituição de quantia a que alegadamente teria direito por beneficiar da taxa prevista na redação anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código de Imposto sobre Veículos (CISV). Sucedendo que o artigo 8.º do CISV, incluindo a alínea d) do n.º 1, se refere a um benefício fiscal, consagrando as designadas “Taxas intermédias”, conforme epígrafe do artigo, isenções parciais ou “reduções de taxas” nos termos do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Pelo que, resulta clara a pretensão da Requerente, conforme formulado no PPA, já que visa unicamente o reconhecimento do direito à aplicação de taxa reduzida, ao invés da liquidação efetuada nos termos gerais, não sendo o ato decorrente da aplicação das taxas normais, que a Requerente quer, efetivamente, impugnar, antes pretendendo usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 8.º do CISV, com o objetivo de afastar a tributação regra. Ora, tal pedido não pode, face à lei, ser submetido à presente instância arbitral pois o processo arbitral apenas abrange os atos suscetíveis de impugnação judicial, isto é, os abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT. De facto, no âmbito da competência dos tribunais arbitrais, constituídos ao abrigo do RJAT, não se inclui a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros atos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação (…)”
Conclui a Requerida que o âmbito da jurisdição arbitral tributária ficou, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, pelo que, o peticionado nos presentes autos não pode ter como causa de pedir e objeto a apreciação do não reconhecimento da aplicação de uma taxa reduzida ao ato de liquidação resultante da aplicação das taxas normais (tributação regra), sob pena de ocorrer a exceção (dilatória) de incompetência material do Tribunal Arbitral. (…)»
Assim, defende a Requerida que se verifica a existência de exceção (dilatória) consubstanciada na incompetência material deste tribunal. Acrescenta, ainda, que caso não se entenda que o Tribunal arbitral é incompetente em razão da matéria, sempre teria que ser considerada a incompetência material absoluta da instância arbitral por outra via, uma vez que como resulta do pedido formulado, pretende o Requerente que a liquidação efetuada nos termos do artigo 7.º e do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, seja parcialmente anulada sem, contudo, invocar qualquer ilegalidade que resulte da não aplicação da lei em vigor, visando, outrossim, uma nova liquidação que aplique um benefício (redução de taxa/taxa intermédia) que nem sequer está consagrado no CISV para o veículo do Requerente, visto não preencher os requisitos previstos para o efeito. Tal pedido, independentemente, de tal benefício, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, não abranger o veículo em questão, consubstancia uma exigência para que a administração tributária adote uma nova atuação em sede de liquidação do imposto, procedendo à realização de uma nova liquidação, que não a resultante da tributação regra. Sendo que a tributação regra, aplicável ao facto gerador em presença, consistente na admissão de veículo usado, de outro Estado-membro, é efetuada nos termos dos artigos 7.º e 11.º do CISV, cuja ilegalidade não vem impugnada, não obstante o Requerente pretenda a correção da liquidação, o que resulta numa contradição, pois não pode impugnar uma liquidação que pretende ver substituída. Nesse caso, o meio processual próprio face à omissão do dever de proceder à liquidação substitutiva, seria o “reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”, em conformidade com o previsto no artigo 145.º do CPPT, atribuição que não cabe no elenco das competências do tribunal arbitral, descrito no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, o qual se restringe, como se referiu, à declaração de ilegalidade de atos de liquidação previstos nas alíneas a) e b), isto é, à mera apreciação de legalidade.
Por último, em sede de impugnação, caso não procedam as exceções invocadas, alega a Requerida que não existe ilegalidade do ato de liquidação, nem existe qualquer violação do Direito da União Europeia, pelo que vem em defesa do ato de liquidação impugnado, concluir pela improcedência do pedido arbitral, porquanto a Requerente assenta a sua pretensão em pressupostos erróneos, que desenvolve na sua Resposta e que se dão por reproduzidos.
II – Saneamento do Processo
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do artigo 5.º e da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º, todos do RJAT.
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e no artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo é o próprio e as partes são legítimas e têm personalidade e capacidade jurídicas e judiciárias.
O processo não enferma de nulidades.
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Posto isto, revisitadas as posições das partes cumpre decidir.
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Considerando tudo o que vem exposto, impõe-se conhecer, em primeiro lugar, da matéria de exceção invocada pela Requerida, dado que esta precede a decisão sobra a matéria de facto e de direito, podendo esta ficar prejudicada pela apreciação da primeira. Assim, passa a conhecer-se da matéria da referida exceção dilatória, uma vez que, a ser esta julgada procedente, o Tribunal terá de decidir pela absolvição da instância, como decorre da aplicação do estatuído no n.º 2 do artigo 89.º do CPPT, ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
III – Decisão da Questão da Incompetência Material do Tribunal
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Há que ressaltar em primeiro lugar que, analisado o pedido arbitral, não há dúvida quanto à causa de pedir e ao pedido formulado pela Requerente, o qual se configura como um pedido de declaração de ilegalidade de um ato de liquidação de imposto, concretamente, de ISV. Coisa diferente é saber se lhe assiste ou não razão quanto à questão de fundo e ao seu enquadramento. Na tese da Requerida AT, o Tribunal Arbitral é incompetente para conhecer do pedido porque a pretensão da Requerente visa, na verdade, o reconhecimento do direito à aplicação de uma taxa reduzida, ou seja, a Requerente no seu pedido arbitral visa obter a aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8° do CISV, na redação que vigorava antes da versão atual, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. No entendimento da AT o artigo 8° do CISV, incluindo a alínea d) do n.º 1, refere-se a um benefício fiscal, consagrando ‘taxas intermédias” (conforme epígrafe, isenções parciais ou “reduções de taxas” nos termos do Estatuto dos Benefícios Fiscais), pelo que não pretende impugnar a liquidação, mas antes usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 8° do CISV. Porém, o processo arbitral apenas abrange os atos suscetíveis de impugnação judicial, isto é, os abrangidos pelo artigo 2°, nº 1, do RJAT.
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Ora, não assiste razão à Requerida nesta alegação. Na verdade, o âmbito da competência dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do RJAT não se inclui a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros atos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação. Porém, ao contrário do que alega a AT, o peticionado nos autos não tem como causa de pedir e objeto a apreciação do direito a uma taxa reduzida, mas sim, com manifesta clareza, a apreciação da ilegalidade da liquidação de ISV por aplicação errónea dos pressupostos referentes ao momento relevante em que ocorreu o facto tributário. Estamos, sem margem de dúvida, no âmbito de apreciação da (i)legalidade de uma liquidação.
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Mas, alega ainda a Requerida que a Requerente pretende que a liquidação efetuada nos termos do artigo 7° e do artigo 11°, nº 1, do CISV, seja parcialmente anulada, sem invocar qualquer ilegalidade que resulte da não aplicação da lei em vigor. O que pretende, afinal, é uma nova liquidação que aplique um benefício (redução de taxa/taxa intermédia) que nem sequer está previsto no CISV para o veículo do Requerente, visto não preencher os requisitos previstos para o efeito. Tal pedido consubstancia uma exigência para que a AT promova uma nova liquidação do imposto, que não a resultante da tributação-regra, aplicável ao facto gerador em presença, consistente na admissão de veículo usado, de outro Estado-membro, «que é efetuada nos termos dos artigos 7.° e 11.° do CISV, cuja ilegalidade não vem impugnada, não obstante o Requerente afirme pretender a retificação da liquidação, o que resulta numa contradição, pois não pode impugnar uma liquidação que pretende ver substituída.» A liquidação é sempre efetuada de acordo com o preceituado naqueles dispositivos legais, sendo que uma liquidação em que há lugar à aplicação de taxas intermédias, taxas reduzidas ou isenções totais, implica nova liquidação, com o processamento de outra DAV, revestindo a natureza de liquidação substitutiva. Nesta medida, pugnando o Requerente pela realização de segunda liquidação, que viria substituir a anterior, a qual sendo válida, visa que a Requerida adote um comportamento consistente na realização de novo ato de liquidação, resultando, deste modo, evidente que o que está em causa não é a correção da liquidação impugnada, mas sim a pretensão do Requerente de que seja emitida outra liquidação, em substituição da ora impugnada. O meio processual próprio seria, neste caso, o “reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”, em conformidade com o previsto no artigo 145.º do CPPT, sendo que tal atribuição não cabe no elenco das competências do tribunal arbitral, descrito no nº 1 do artigo 2° do RJAT, o qual se restringe à declaração de ilegalidade de atos de liquidação previstos nas alíneas a) e b), isto é, à mera apreciação de legalidade.
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Ora, também quanto a esta alegação não assiste razão à Requerida. A correta interpretação do pedido formulado pela Requerente não suscita qualquer dúvida: pretende anular a liquidação que entende ser ilegal, peticionando, inclusivamente, o reembolso do valor pago. O facto de mencionar a anulação parcial e possível substituição por outra liquidação corretamente processada, não altera a natureza do pedido nem coloca a pretensão da Requerente fora de órbitra de aferoição da legalidade da liquidação. Apensa e só menciona o que entende que a AT deveria fazer após e em consequência da anulação da liquidação impugnada.
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Assim, não colhem as alegações da Requerida para fundamentar a alegada exceção de incompetência material. Ora, como resulta do que vem exposto ao longo do articulado, e que já se resumiu supra, no pedido formulado a Requerente alega que a taxa aplicada pela AT sobre a componente cilindrada e ambiental do imposto foi de 100%, não tendo sido considerado qualquer abatimento pelo facto de a viatura estar equipada com motor híbrido plug-in, cuja bateria pode ser carregada através de ligação à rede elétrica, facto que leva o Impugnante a considerar que a liquidação de ISV foi ilegal, por violação do direito europeu, mais propriamente do artigo 110.º do TFUE. Alega, ainda, que a disposição aplicada foi a alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, pela qual a “taxa intermédia” de 25% passou a aplicar-se “aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação a rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 quilómetros e emissões oficiais inferiores a 50g C02/Km". A viatura adquirida pelo Impugnante não preenchia estes dois requisitos, pelo que o ISV foi liquidado pela taxa de 100%, ou seja, como se se tratasse de viatura nova, matriculada pela primeira vez em 2021, ignorando a AT a legislação em vigor à data da primeira matrícula da viatura (2019) impunha decisão diferente desta, desde logo porque a data relevante para a introdução no mercado único é a da primeira matrícula e introdução no mercado único, o que sucedeu em 2019, e não a data da sua entrada em Portugal. Na verdade, a questão a decidir é a de saber se a liquidação do ISV, efetuada ao abrigo da nova redação do artigo 8.º do CISV, na versão introduzida pela Lei nº 75 B /2020, tratou de forma desigual uma viatura matriculada originalmente noutro Estado-Membro da UE e posteriormente introduzida em Portugal, relativamente a qualquer outra, adquirida e matriculada originalmente em Portugal, onerando de forma mais gravosa a viatura adquirida noutro Estado-Membro da EU, em desrespeito pelo artigo 110.º do TFUE.
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Posto isto, considerando a forma como a Requerente articula a causa de pedir e a construção do seu pedido arbitral, não temos dúvida que a questão tal qual é configurada pela Requerente consubstancia uma questão de apreciação da legalidade da liquidação de ISV. Na ótica da Requerente o ISV liquidado deveria ter tido em consideração a alínea d) do n° 1 do artigo 8.º do CISV, na versão que vigorava à data da primeira matrícula do veículo no seu país de origem, o que determinaria a aplicação da percentagem de 25% sobre a taxa intermédia, e não de 100%, como efetivamente ocorreu. Bem assim como a consideração da desvalorização decorrente dos anos de uso do veículo, que a Requerente reputa, igualmente, de indevidamente processada. Veja-se, aliás, a formulação do pedido arbitral: “a) julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação de Imposto sobre Veículos nº 2021/..., resultante da introdução no consumo de veículo ligeiro de passageiros equipado com motor híbrido plug-in, através da Declaração Aduaneira de Veículo nº 2021/.... b) – ser anulada parcialmente a liquidação de ISV; c) - ser a liquidação de ISV retificada, devendo ser a Autoridade tributária condenada a restituir o montante de 2.610,71€ que foi pago pela requerente na totalidade; d) – ser a Requerida condenada no pagamento de custas.”.
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Ora, face ao que vem exposto, considerando a causa de pedir e o pedido que consta dos presentes autos, é perfeitamente claro o que a Requerente impugna e o que pretende, a saber: impugna a liquidação de ISV e pretende a sua anulação, a devolução do valor pago. Assim, não há dúvida que a Requerente impugna a legalidade da liquidação de ISV feita pela AT, por ter a mesmo sido feita por aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, numa versão atual e posterior à data de introdução do veículo no mercado europeu, o que considera traduzir uma violação do artigo 110.º do TFUE. A circunstância do Requerente assumir a defesa de uma posição assente na aplicação do referido preceito da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV na redação em vigor à data da primeira matrícula da viatura, com o corolário que extrai do reconhecimento do direito à restituição da diferença de coleta, não altera a natureza do seu pedido. Dito de outro modo, continua a pugnar pela ilegalidade do ato de liquidação, ao contrário do que alega a AT, em nenhum momento alega ou fundamenta o seu pedido no reconhecimento de um benefício fiscal ou no reconhecimento de um direito. Alega, isso sim, que a liquidação de ISV é ilegal, por todos os fundamentos que já se sintetizaram supra e que convergem para a alegação da ilegalidade assente na violação do DUE, concretamente, do disposto no artigo 110º do TFUE.
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Esclarecido este tópico, há que concluir que no caso em apreço pela competência do Tribunal Arbitral, a qual resulta diretamente da norma contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT. Assim, configurada a causa de pedir e o pedido formulado nos autos, podemos dizer que está em causa estritamente aferir da legalidade de um tributo, matéria que é expressamente atribuída competência a estes Tribunais arbitrais (verificação da legalidade / ilegalidade da liquidação de imposto). Não cabe, seguramente, ao Tribunal Arbitral pronunciar-se para além disso, nem o pedido formulado pela Requerente o sugere, ainda que remotamente.
Nesta conformidade, a pronúncia deste Tribunal em nada afeta o cabimento legal na competência material do Tribunal Arbitral. Por último, ainda que possam existir algumas dúvidas ou imprecisões na formulação do pedido, mormente quanto à eventual substituição da liquidação, isso não afeta a qualificação e enquadramento jurídico da apreciação do pedido, tal como vem formulado.
Conclui-se, pois, pela competência do Tribunal arbitral e pela improcedência da alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral.
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Chegados aqui, improcedendo a exceção de incompetência do Tribunal há que decidir sobre a matéria de facto assente e, em conformidade, sobre a matéria de direito cuja apreciação foi suscitada no pedido arbitral.
IV - Decisão sobre a matéria de facto
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Factos Provados:
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Como matéria de facto relevante, o Tribunal arbitral dá por provados os seguintes factos:
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A Requerente procedeu, por transmissão eletrónica de dados, ao processamento da Declaração Aduaneira V (DAV), pela qual declarou um veículo automóvel ligeiro de passageiros, híbrido plug-in, com as características seguintes:
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A liquidação do Imposto sobre Veículos (ISV) foi efetuada com base na DAV, da qual resulta tratar-se de um veículo da marca Mercedes Benz, modelo R1ES, equipado com motor híbrido plug-in, elétrico e combustível (gasóleo), com um valor de emissão de gases CO2, de 42 g/km, com autonomia no modo elétrico de 46 Km e de 48 Km, em meio unicamente urbano;
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Por se tratar de um veículo proveniente de outro Estado-membro, foi objeto de atribuição de matrícula nacional ...;
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O cálculo do imposto foi efetuado com recurso a tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, e calculado o ISV atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos do artigo 7º do CISV, tendo sido, igualmente, aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D do nº1 do artigo 11º do Código de imposto sobre Veículos (CISV), para os veículos usados, em função do número de anos do veículo para a componente cilindrada e a componente ambiental;
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Para efeitos de aplicação da tabela D prevista no nº1 do artigo 11º do CISV, foi aplicada uma redução de 20% na componente cilindrada e de 10% na componente ambiental, correspondentes a “Mais de 1 a 2 anos” de uso e de “Até 2 anos de uso”, respetivamente;
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Em 05-02-2021 foi emitida a liquidação nº 2021..., junta aos autos e que se dá por integralmente reproduzida;
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Em 01/03/2022 apresentou junto da Alfândega de Braga a sua audição prévia, manifestando discordância com o projeto de decisão, enviado à Requerente em 15/02/2022, sob o ofício ..., junto aos autos como documento nº3 em anexo ao pedido arbitral;
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Por ofício nº ..., de 05/04/2022, a Alfândega de Braga proferiu a decisão de improceder os argumentos da requerente propondo o pagamento de uma liquidação adicional de ISV pelo montante de 2.610,71€.
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A Requente a 21/04/2022 procedeu ao respetivo pagamento deste montante.
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A Requerente apresentou, em 22.06.2022, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, peticionando a declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação do Imposto sobre Veículos (ISV) resultante da introdução no consumo de um veículo ligeiro de passageiros, equipado com motor híbrido “plug-in”, através da declaração aduaneira de veículos (DAV) nº2021/..., praticado pela Alfândega de Braga, devendo ser a Autoridade Tributária condenada a restituir o montante de 2.610,71€ que foi pago pela requerente na totalidade;
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Em 22-06-2023 a Requerente apresentou pedido arbitral.
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FACTOS NÃO PROVADOS
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Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
C) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
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Os factos descritos foram dados como provados com base na prova documental que a requerente juntou ao pedido arbitral, não impugnados pela AT, bem assim como no reconhecimento expresso ou tácito como verdadeiros, pela posição assumida pelas partes nos respetivos articulados.
Concretamente, todos factos que foram considerados provados têm por base os documentos juntos aos autos com o pedido arbitral, corroborados pelos documentos que constam no processo administrativo junto aos autos pela AT.
De resto, as partes convergem quanto à matéria de facto considerada provada, resultando a sua divergência apenas e só quanto à matéria de direito, sobre a qual cumpre decidir.
Importa referir que, relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e nºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º do CPPT. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta a prova documental junta aos autos reconhecida pelas partes como verdadeira.
V – DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO
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Fixada a matéria de facto, importa conhecer das questões de direito suscitadas pela Requerente, a saber:
A) Da ilegalidade da liquidação de ISV;
B) Direito ao reembolso do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.
Vejamos, pois, se assiste razão à Requerente.
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Alega a Requerente que o ato de liquidação de ISV é ilegal por entender que a nova redação do artigo 8.º do Código do Imposto sobre Veículos trata de forma desigual um veículo matriculado originalmente noutro Estado-Membro, e que, por essa razão se verifica o desrespeito pelo artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia. E pretende que o Tribunal esclareça se a liquidação do Imposto sobre Veículos viola ou não o disposto no artigo 110.º do Tratado, por discriminar negativamente os veículos usados admitidos no espaço português, provenientes de outro Estado-membro, relativamente aos que são matriculados e comercializados em Portugal.
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Para análise e compreensão da questão em discussão nos autos importa começar por revisitar as normas jurídicas que constituem o regime aplicável à situação de facto descrita nos autos. Assim, de acordo com o disposto no artigo 2º, n.º 1, alínea a) e 3º, n.º 1, do CISV estão sujeitos a imposto, designadamente, «os veículos automóveis ligeiros de passageiros», sendo «sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando -se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos».
Por sua vez estabelece o artigo 5º do mesmo código que «constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal», sendo que, para este efeito, de acordo com o n.º 3 alínea a) do mesmo artigo, entende por «admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional».
A DAV é o documento que formaliza a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV). Assim, no que concerne às formalidades relativas à Introdução no consumo é de realçar o n.º 1 do artigo 17.º, nos termos do qual, a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV). Acresce que, nos termos do n.º 3 do artigo 27.º do CISV, os veículos não podem ser matriculados sem que a AT tenha comunicado ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I. P. ou às direções regionais de transportes terrestres das regiões autónomas, informação comprovativa de que o imposto sobre veículos e, se for o caso, os direitos aduaneiros e o imposto sobre o valor acrescentado, se encontram pagos ou garantidos, ou de que foi reconhecida a sua isenção ou a não sujeição ao imposto sobre veículos.
Quanto às taxas do imposto, releva o artigo 7.º (Taxas normais – automóveis) do CISV, que, nas alíneas a) e b) do n.º 1, consagra a aplicação das taxas previstas na Tabela A, tendo em conta as componentes cilindrada e ambiental, aos veículos automóveis de passageiros, e aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas nem pela taxa intermédia. No caso concreto está em causa a aplicação da taxa intermédia, de acordo com pedido do Requerente.
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Assim, em causa estão duas redações do artigo 8.º, n.º 1, alínea d) do CISV, a saber:
a) Versão introduzida pela Lei n.º 82-D/2014, de 31/12, que dispunha que «É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos: (…) d) 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plugin, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros.(…)»
b) A versão posterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que dispõe:
«1 – É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos: (…)
d) 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plugin, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km. (…)»
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O cerne do problema resulta da divergência entre estas duas versões do artigo 8º do CISV, ao que acresce a questão de saber qual a data relevante para a determinação da versão aplicável, já que a viatura em causa foi introduzida pela primeira vez no mercado interno na data da sua primeira matrícula, em 2019, na Alemanha, e só em 2021 em Portugal. Significa isto que, estes veículos, entre 2015 e 2020, eram tributados a 25%, desde que a bateria pudesse ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tivesse uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros. Caso não reunissem um destes requisitos, seriam tributados a 100%. Com a alteração introduzida pela Lei nº 75 B/ 2020, para serem tributados a 25% passou a exigir-se uma autonomia em modo elétrico de, pelo menos, 50km (quando antes era de 25km) e emissões de CO2 menores que 50 g/km. Caso não reúnam um destes requisitos, serão tributados a 100%. Ota, no caso dos autos faz toda a diferença, já que a viatura cumpria os requisitos para beneficiar do regime de tributação em 25% pela versão da lei anterior e deixa de cumprir esses requisitos à luz da versão introduzida em 2020. Assim, importa saber qual a data relevante para determinação da versão de lei aplicável.
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A este respeito dispõe o artigo 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo. As reduções de taxas, como é o caso das previstas no artigo 8.º do CISV, são tipicamente benefícios fiscais. A data relevante para a verificação dos pressupostos há-de ser a data em que a viatura foi matriculada pela primeira vez, no país de origem, ou seja, em 2019. E sendo assim, a determinação do valor de imposto deve seguir a norma jurídica em vigor em 2019, isto é, a redação anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, que previa a aplicação de uma taxa de 25% para os automóveis com motores híbridos plug-in, com bateria carregada através de ligação à rede elétrica, com uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros. Esta é, pois, a questão essencial em discussão nos presentes autos, sintetizada no artigo 21º do pedido arbitral nos seguintes termos: «Deste modo, a liquidação de ISV é ilegal por se entender que deveria ter sido aplicada ao veículo, por se tratar de um veículo híbrido que foi matriculado pela primeira vez, no país de origem, em 2019, a redação anterior da alínea d) do nº1 do art. 8º do CISV, que previa a aplicação de uma taxa de 25% para automóveis com motores híbridos plug-in, com bateria carregada através de ligação à rede elétrica, com uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros.»
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Esta questão foi submetida à apreciação do TJUE, por reenvio prejudicial decidido no processo arbitral nº 700/2021-T, entre outros nos quais a mesma questão a decidir aguardava a pronuncia pelo TJUE. A Requerida veio dar conhecimento de todos os processos que se encontravam a aguardar a decisão do TJUE, o que determinou a suspensão da instância nos presentes autos. Posto isto, a questão colocada em sede de reenvio é precisamente a que se coloca a este Tribunal.
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A Autoridade Tributária sublinha que o facto gerador do imposto é a admissão no território português de um veículo que aí esteja obrigado à matrícula e que o imposto em causa se torna exigível no momento da introdução desse veículo no consumo em Portugal, e a questão relevante é a de saber se um determinado veículo preenche, ou não, os critérios que lhe permitem beneficiar da aplicação da taxa reduzida de imposto igual a 25 % apenas deve ser apreciada nessa data. Além disso, a Autoridade Tributária sustenta que não há violação do artigo 110ºTFUE se o montante do imposto cobrado, no momento da admissão no território português de um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, não exceder o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados em território nacional, como é o caso do montante do imposto que foi cobrado no caso do veículo em causa no processo principal. Porém, não lhe assiste razão quanto a tal entendimento, como aliás resulta claro na apreciação recente do TJUE, da questão em preço nos presentes autos, em sede de reenvio prejudicial, como se demonstrará.
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Em 16/11/2023, foi proferido Acórdão pelo TJUE, no processo C-349/22, correspondente ao Reenvio operado no âmbito do Processo arbitral tributário nº 700/2021-T, no qual se firmou a seguinte jurisprudência:
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«Tendo em conta os fundamentos acima expostos, há que responder à questão submetida que o artigo 110.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num Estado‑Membro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado‑Membro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro Estado‑Membro, se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o mesmo veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto que é incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional dos veículos usados.»
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Desta forma, não resta dúvida que a tese alegada pela Requerente é a que fez vencimento junto do TJUE, que de forma clara e objetiva respondeu às dúvidas colocadas pelo Tribunal de reenvio, no caso, o Tribunal arbitral tributário constituído sob a égide do CAAD.
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Retornando ao caso dos presentes autos, a similitude com o caso discutido no processo que deu origem ao reenvio é total, verificando-se, pois, que assiste razão à Requerente no que alega nos presentes autos. Acresce que, a jurisprudência arbitral já produzida sobre a mesma questão é coerente e dominante quanto ao entendimento a seguir para decisão da questão. A este propósito, veja-se a decisão arbitral nº 136/2021 - T, à qual se adere inteiramente, na qual se afirmou o seguinte:
«Na verdade, o que está em causa é uma questão de aplicação de lei no tempo conjugada com o conceito de facto gerador constante do artigo 5.º do CISV. Ora, um dos princípios gerais da interpretação das normas jurídicas e “critério de interpretação” é o da interpretação conforme à Constituição (cfr. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3ª.ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p. 480). Segundo este critério, no caso de o intérprete, mediante a aplicação dos elementos interpretativos, chegar a mais do que um sentido possível a atribuir a um preceito normativo, deve preferir aquele que mais se adeque à Constituição. No caso concreto, tal regra hermenêutica, mediada por uma interpretação atualista, aponta decisivamente para a interpretação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV, tendo em conta a evolução temporal identificada entre a Lei n.º 82-D/2014, de 31/12 e a Lei n.º 75- B/2020, de 31 de dezembro e por base o conceito de facto gerador constante do artigo 5.º do CISV. Assim, numa perspetiva atual, à luz da evolução dos conceitos técnicos operados nas duas normas, assentes na evolução tecnológica dos veículos híbridos, só uma interpretação assente num critério teleológico-objetivo, e em conformidade com a Constituição evita uma contradição de valoração insanável, que não encontra qualquer fundamento razoável e é contrária à unidade do sistema jurídico. Tudo o que tendo direta aplicação no caso concreto, conduz, necessariamente, a uma interpretação atualista do artigo 5.º, respeitante ao facto gerador do imposto com reflexos na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, de que decorre que se retire do preceito o sentido interpretativo de que o mesmo acolhe que a alteração legislativa efetuada na Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro: a) apenas se aplica aos factos geradores verificados na data posterior a 1 de janeiro de 2021; b) sendo que o conceito de facto gerador de imposto constante do artigo 5.º do CISV abrange todo o veículo abrangido pela norma de incidência que tenha sido adquirido em espaço europeu.
Se atentarmos ao conceito de facto gerador constante do artigo 5.º do CISV e articularmos com o direito da União, mais concretamente os artigos 26.º e 28.º a 37.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que consagram o direito à livre circulação de mercadorias. Ora, o direito à livre circulação de mercadorias originárias dos Estados-Membros, e de produtos provenientes de países terceiros que se encontrem em livre prática nos Estados-Membros, é um dos princípios fundamentais do Tratado (artigo 28.º do TFUE). Inicialmente, a liberdade de circulação de mercadorias foi considerada um elemento de uma união aduaneira entre os Estados-Membros, envolvendo a eliminação de direitos aduaneiros, restrições quantitativas nas trocas comerciais e medidas de efeito equivalente, bem como o estabelecimento de uma pauta aduaneira comum para a União. Mais tarde, a tónica foi colocada na eliminação de todos os obstáculos subsistentes à livre circulação de mercadorias, tendo em vista a criação do mercado interno. No caso concreto, a introdução no consumo do veículo na Alemanha deve ser entendida como o facto gerador relevante para efeitos do artigo 5.º do CISV português, no sentido aí constante de «constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal», sob pena de entendimento contrário, tal como a Requerida assumiu, no sentido de considerar o facto gerador o momento do registo da matrícula em Portugal ser discriminatório. Assim, o conceito de facto gerador constante do artigo 5.º do CISV deve estar em estreita relação com o princípio da não discriminação constante do artigo 110.º do TFUE e que prevê, que nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares. Este princípio da não discriminação é reforçado pela liberdade de circulação de mercadorias, que encerra igualmente uma dupla proibição: a) Proibição dos encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros: artigo 28.º, n.º 1, e artigo 30.º do TFUE – O Tribunal de Justiça da União Europeia considera que qualquer imposição, independentemente da sua designação ou meio de aplicação, «que, incindindo especificamente sobre o produto importado de um país membro o produto nacional similar, [tenha] como resultado, ao alterar o seu preço, ter sobre a livre circulação de produtos a mesma incidência que um direito aduaneiro», pode ser considerada um encargo de efeito equivalente, independentemente da sua forma ou natureza. b) Proibição das medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas: artigos 34.º e 35.º do TFUE – O Tribunal de Justiça da União Europeia4 considera que qualquer regulamentação comercial aplicada pelos Estados-Membros que seja suscetível de entravar, direta ou indiretamente, efetiva ou potencialmente, o comércio intracomunitário deve ser considerado uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa. E é com base no conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União, que devemos aplicar corretamente no tempo a taxa intermédia constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV. (Ver acórdão Dassonville (EUR-Lex - 61974CJ0008 - EN - EUR-Lex; vd. processo 8/74 de 11 de julho de 1974 e pontos 63 a 67 do processo C-320/03 de 15 de novembro de 2005). A argumentação do Tribunal de Justiça foi mais desenvolvida no acórdão Cassis de Dijon, que estabelece o princípio segundo o qual qualquer produto legalmente fabricado e comercializado num Estado-Membro, em observância das suas normas justas e tradicionalmente aceites, e dos processos de fabrico desse país, deve ser admitido no mercado de qualquer outro Estado-Membro. Esta foi a argumentação fundamental subjacente ao debate sobre a definição do princípio de reconhecimento mútuo, aplicável na ausência de harmonização. Por conseguinte, e mesmo na ausência de medidas de harmonização europeias (direito derivado da UE), os EstadosMembros são obrigados a permitir que mercadorias que são legalmente produzidas e comercializadas num EstadoMembro circulem e sejam colocadas nos seus mercados. Um aspeto importante a sublinhar é o facto de o âmbito de aplicação do artigo 34.º do TFUE ser limitado pelo acórdão Keck, nos termos do qual certas modalidades de venda não são abrangidas pelo âmbito de aplicação desse artigo, desde que sejam de caráter não-discriminatório (isto é, se são aplicáveis a todos os operadores que exercem a atividade no território nacional, e afetam da mesma maneira, de direito e de facto, a comercialização de produtos nacionais e de produtos provenientes de outros Estados-Membros). Entre 2015 e 2020 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-membro da União Europeia; b) A partir de 2021 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-membro da União Europeia.» (…)
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Ora, o recente Acórdão do TJUE, de 16-11-2023, veio confirmar de forma categórica este entendimento.
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Posto isto, e face ao que vem exposto, no caso concreto, se a primeira matrícula do veículo é datada de 27-11-2019, conforme DAV junta, é esta a data relevante para aplicação do conceito de facto gerador constante do artigo 5.º do CISV e que faz aplicar a taxa intermédia em vigor à data da primeira matrícula constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV em vigor à data (2019), com a redação acima transcrita.
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Diga-se, aliás, que este entendimento alargado de facto gerador decorrente do princípio da não discriminação europeia vem confirmar, por estarmos perante uma taxa intermédia e especial em vigor à data da primeira matrícula da viatura e inserção no mercado único. Concluindo-se assim que a liquidação de ISV efetuada pela AT, que aplicou o artigo 8.º do CISV na versão de 2021, e não na versão em vigor entre 2015 e 2020, foi efetuada em desconformidade com o direito nacional e o direito comunitário, incumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º do TFUE e o artigo 103.º da Constituição.
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Ao decidir em sentido contrário a AT incorreu, desta forma, em ilegalidade, devendo a liquidação ser anulada conforme peticionado e reconhecido o direito à taxa intermédia de 25% constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV na redação dada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31/12, com as legais consequências.
Quanto ao Direito a Juros Indemnizatórios:
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Tendo a Requerente pago a totalidade do imposto liquidado nos atos aqui impugnados, pede ao Tribunal que condene a Demandada, em caso de procedência do seu pedido, à devolução do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios.
De acordo com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se afirma que o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.
O processo de impugnação judicial, no âmbito do qual se qualificam os presentes autos, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT, que dispõe que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea». Por sua vez, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Na sequência da anulação parcial do ato impugnado, a Demandante terá direito a ser reembolsada do imposto indevidamente pago, o que é efeito da própria anulação parcial, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.
Quanto ao direito a juros indemnizatórios, dispõe o artigo 43º nº 3 LGT que são também «devidos juros indemnizatórios em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução». É o caso dos presentes autos, em que se julga o artigo 11º do ISV, no qual se basearam os atos de liquidação impugnados, incompatível com o artigo 110º do Tratado da União Europeia.
Assim, transitada a presente decisão arbitral em julgado, a Demandada terá direito a ser ressarcida nos termos do artigo 43º, nº 3, al. d), através do pagamento de juros indemnizatórios.
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Em conclusão, atendendo a tudo o que vem exposto decide-se pela improcedência das razões apontadas pela Requerida como fundamento da invocada exceção de incompetência material do Tribunal arbitral e pela procedência de todos os pedidos formulados pela Requerente.
VI - DECISÃO
Termos em que decide este Tribunal Arbitral:
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Julgar improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal arbitral;
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Julgar procedente o pedido de o pedido declaração de ilegalidade parcial e anulação do ato de liquidação impugnada, com as devidas consequências legais, nomeadamente o reembolso do valor pago pela Requerente, nos termos peticionados, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde o seu pagamento até integral reembolso;
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Condenar a parte vencida no pagamento das custas processuais.
VII. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor da causa em €2.610,71 (dois mil, seiscentos e dez euros e setenta e um cêntimos) nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VIII. CUSTAS
Ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da parte vencida.
Notifique-se.
Lisboa, 30/01/ 2024
O Árbitro,
(Maria do Rosário Anjos)
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