Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 355/2023-T
Data da decisão: 2024-01-23  IRS  
Valor do pedido: € 18.474,48
Tema: IRS. Isenção das remunerações de tripulantes de navios e embarcações residentes noutro Estado Membro da UE ao abrigo do DL n.º 92/2018, de 13 de Novembro.
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SUMÁRIO:

A isenção de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares prevista no nº 1 do art.º 4º do Decreto Lei n.º 92/2018, de 13 de Novembro, que institui o Regime do Registo de navios e embarcações simplificado e de determinação da matéria coletável é aplicável a um sujeito passivo que prestou atividade de marinheiro a bordo de uma embarcação registada na Dinamarca e explorada por entidade residente no mesmo país, estando reunidos todos os restantes requisitos para a aplicação do regime.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I. RELATÓRIO

A..., contribuinte nº..., residente na Rua ..., nº ..., ..., Vila do Conde, doravante designado por “Requerente”, apresentou, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, da alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º, da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à anulação das liquidações de IRS:

  1. Liquidação de IRS nº 2022..., respeitante ao ano de 2018, da qual resultou um valor a pagar de 3.386,20 euros;
  2. Liquidação de IRS nº 2022..., respeitante ao ano de 2019, da qual resultou um valor a pagar de 5.409,93 euros;
  3. Liquidação de IRS nº 2022..., respeitante ao ano de 2020, da qual resultou um valor a pagar de 4.589,12 euros;
  4. Liquidação de IRS nº 2022..., respeitante ao ano de 2021, da qual resultou um valor a pagar de 5.089,23 euros.

 

É requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “Requerida”, “Autoridade Tributária” ou simplesmente “AT”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 15-05-2023.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 05-07-2023, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 25-07-2023.

O Requerente baseia a sua pretensão nos seguintes argumentos, sinteticamente apresentados:

  • Tendo provado que i) trabalhou, nos anos em causa, como marinheiro, ao serviço de uma entidade empregadora com sede na Dinamarca, ii) que a embarcação onde trabalhou era, à data dos factos tributários, elegível para efeitos do regime especial de determinação da matéria coletável designado “Tonnage tax schemes” e iii) que permaneceu a bordo pelo período mínimo de 90 dias, encontram-se preenchidos os requisitos para que o Requerente possa usufruir do regime fiscal estabelecido no art.º. 4º do DL 92/2018, de 13/11;
  • Além disso, noutras situações iguais à do Requerente, a Autoridade Tributária aplicou o regime fiscal em causa, pelo que, por força do princípio da igualdade, que também se realiza na aplicação da lei por parte da administração tributária, esta está obrigada a conceder ao Requerente o mesmo tratamento fiscal.

Notificada para o efeito, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta no prazo estabelecido, contestando o pedido apresentado pela Requerente por impugnação, com base, em síntese, nos seguintes argumentos:

  • O regime especial de determinação da matéria coletável com base na tonelagem de navios (tonnage tax) aplica-se, exclusivamente, a empresas sujeitas a tributação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), e, consequentemente, a isenção de pagamento do IRS, aproveita, somente, a tripulantes de navios pertencentes a entidades a que se aplica o citado regime especial de tributação.

 

II. SANEAMENTO

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é materialmente competente, à luz do disposto no nº 1, al. a) do art.º 2.º do RJAT, uma vez que está em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

A cumulação de pedidos é admissível à luz do art.º 104º, nºs 1 e 2 do CPPT, aplicável ao processo tributário por força do art.º 29º, nº 1, al. a) do RJAT.

O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito do pedido.

 

 

III. QUESTÕES A APRECIAR

A única questão a apreciar no presente processo é a de saber se o regime fiscal instituído pelo art.º 4º do Decreto Lei n.º 92/2018, de 13 de Novembro, que institui o Regime do Registo de navios e embarcações simplificado e de determinação da matéria coletável é aplicável a um sujeito passivo que prestou atividade de marinheiro a bordo de uma embarcação registada na Dinamarca e explorada por uma entidade residente na Dinamarca, portanto não sujeita a IRC em Portugal, estando reunidos todos os restantes requisitos para a aplicação do regime.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

Factos considerados provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. O Requerente, durante os anos de 2018, 2019, 2020 e 2021 prestou a atividade profissional de marinheiro de primeira classe, ao abrigo de um contrato individual de trabalho ao serviço da entidade empregadora denominada B... A/S;
  2. A entidade denominada B.../Scom tinha, às datas dos factos tributários, residência fiscal na Dinamarca;
  3. A sociedade B... A/S encontrava-se abrangida pelo regime especial de determinação designado Tonnage Tax, em todos os períodos relevantes para as liquidações em causa;
  4. O Requerente exerceu a sua atividade profissional a bordo do navio “...”, “...”, com pelo menos 50% da tripulação europeia ou do Espaço Económico Europeu, por um período superior a 90 dias;
  5. O Requerente apresentou as declarações de rendimentos para os anos de 2018, 2019, 2020 e 2021, tendo dessas declarações de rendimentos resultados as liquidações de IRS impugnadas;
  6. O Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação nº 2022..., respeitante ao ano de 2018, em 29.12.2022, a qual foi tramitada com o nº de processo ...2023...;
  7. Por despacho do chefe de finanças de Vila do Conde de 15.02.2023 foi indeferida a reclamação graciosa referente à liquidação nº 2022 ...;
  8. O Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação nº 2022..., respeitante ao ano de 2019, a qual foi tramitada com o nº de processo ...2023...;
  9. Por despacho do chefe de finanças de Vila do Conde de 15.02.2023 foi indeferida a reclamação graciosa referente à liquidação nº 2022...;
  10. O Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação nº 2022..., respeitante ao ano de 2020, a qual foi tramitada com o nº de processo...2023...;
  11. Por despacho do chefe de finanças de Vila do Conde de 15.02.2023 foi indeferida a reclamação graciosa referente à liquidação nº 2022...;
  12. O Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação nº 2022..., respeitante ao ano de 2021, a qual foi tramitada com o nº de processo...2023...;
  13. Por despacho do chefe de finanças de Vila do Conde de 15.02.2023 foi indeferida a reclamação graciosa referente à liquidação nº 2022...;
  14. Na decisão das quatro reclamações graciosas lê-se:

“Daqui se infere que o regime de determinação da matéria coletável com base na tonelagem de navios (tonnage tax) se aplica exclusivamente a empresas sujeitas a tributação do imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e consequentemente, a isenção do pagamento de IRS aproveita somente a tripulantes de navios pertencentes a entidades que se aplica o citado regime especial de tributação, quer estas entidades tenham as embarcações registadas no registo convencional português ou num outro estado membro da União europeia ou do Espaço Económico Europeu.

Assim, a condição essencial para que sejam enquadrados os sujeitos passivos no Decreto-lei nº 92/2018, de 13/11 é a tributação em sede de IRC, independentemente onde são registadas as embarcações (Portugal, União Europeia ou Espaço Económico Europeu), só assim fazendo sentido o referido no preâmbulo do referido decreto-lei que conclui que com esta nova regulamentação pretendeu-se promover a marinha mercante nacional, com vista a potenciar o alargamento do mercado português de transporte marítimo e o desenvolvimento dos portos nacionais e da indústria naval, a criação de emprego, a inovação e o aumento da frota de navios que arvoram a bandeira portuguesa com o consequente aumento da receita fiscal.”

  1. O Requerente tenha efetuou o pagamento das quantias de imposto liquidadas.

 

Os factos considerados provados foram-no com base na prova documental constante do processo, e ainda na omissão de contestação por cada uma das Partes dos factos invocados pela Parte contrária.

 

V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

  1. Questão da legalidade das liquidações

 

O art.º 1º do DL Decreto Lei n.º 92/2018, de 13 de Novembro, enuncia que o diploma institui um regime especial determinação da matéria coletável com base na tonelagem dos navios e embarcações, um regime fiscal e contributivo aplicável aos tripulantes e um registo simplificado de navios e embarcações.

O art.º 2º, nº 2 estipula que “o capítulo III é aplicável aos tripulantes de navios e embarcações registadas no registo convencional português ou num outro Estado Membro da União Europeia ou do espaço Económico Europeu utilizados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime especial de determinação da matéria coletável e afetos às atividades previstas neste regime.

O “capítulo III”, a que se refere o citado art.º 2º nº 2, diz respeito e tem por epígrafe os “benefícios fiscais e contributivos dos tripulantes.”

No art.º 4º, inserido no “capítulo III”, o nº 1 dispõe:

“Estão isentas do pagamento de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS) as remunerações auferidas, nessa qualidade, pelos tripulantes dos navios ou embarcações considerados para efeitos do regime especial de determinação da matéria coletável.”

Com base nestas disposições, o que se conclui é que o regime de isenção estipulado no nº 1 do art.º 4º do DL 92/2018 se aplica, por força do nº 2 do art.º 2º, tanto a navios e embarcações registadas no registo convencional português como num outro Estado Membro da União Europeia ou do espaço Económico Europeu. A Dinamarca é um Estado Membro da União Europeia, logo, neste tocante, a situação fática é qualificável para a aplicação do regime.

É certo que a mesma disposição acrescenta que é necessário que os navios ou embarcações sejam “utilizados por pessoas coletivas que exerçam a opção pelo regime especial de determinação da matéria coletável” e estejam “afetos às atividades previstas neste regime”.

Mas tendo em atenção que os navios e embarcações podem ficar abrangidos pelo regime quer estejam registadas em Portugal, quer estejam registadas noutro país que seja estado membro da União Europeia ou que se situe no Espaço Económico Europeu, tendo ainda em atenção que o regime fiscal designado “tonnage tax” foi criado, como se diz no preâmbulo do diploma para as empresas detentoras de navios que sejam estratégica e comercialmente geridos a partir de um Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, o que leva a concluir que o regime fiscal “tonnage tax” tem origem e dimensão europeias, o propósito do regime, ao nível europeu, ficaria desvirtuado se apenas os residentes do país proprietário da embarcação pudessem auferir do regime fiscal de isenção sobre as remunerações.

É assim de acolher a tese do Requerente de que basta que a empresa proprietária da embarcação, sendo residente num país da EU ou do EEE em que vigora um regime de “tonnage tax”, se tenha acolhido a essa forma de tributação, para que os tripulantes, verificados que sejam todos os outros requisitos, possam beneficiar da isenção prevista no art.º 4º, nº 1.

Assim sendo, há que considerar verificados todos os requisitos legais para a aplicação do regime de isenção previsto no art.º 4, nº 1 do DL 92/2018 às remunerações auferidas pelo Requerente na sua atividade de marinheiro nos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021, pelo que são desconforme com a lei as liquidações impugnadas e, reflexamente, as decisões recaídas sobre as reclamações graciosas apresentadas contra as mesmas.

 

  1. Juros indemnizatórios

 

Concomitantemente com o seu pedido de anulação parcial do ato de liquidação, pede ainda o Requerente ao Tribunal a condenação da AT à restituição do imposto indevidamente pago e ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

Quanto à restituição do imposto indevidamente pago, o Requerente tem direito a ela, nos termos do art.º 100.º, n.º 1 da LGT, que determina que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”.

O dever de restituição do imposto indevidamente pago aparecerá inevitavelmente ligado à decisão arbitral que anule o ato de liquidação, por força da alínea b) do n.º 1 do art.º 24º do RJAT, em cujos termos a administração tributária fica vinculada, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

Quanto ao direito a juros indemnizatórios correspondentes à prestação tributária indevidamente efetuada, determina o art.º 43.º da LGT, no seu n.º 1, que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

A expressão "erro imputável aos serviços" deve reconduzir-se a qualquer "ilegalidade" fundante da anulação, total ou parcial, do ato tributário. Neste sentido aponta o estipulado no já citado art.º 100º, n.º 1, da LGT, em conjugação com o artº 43.º, n.º 1 da mesma lei, em que se consagra, na lei ordinária, a teoria da reconstituição da situação atual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um ato tributário (vd. TCA-S, CT, 22-05-2019, proc. n.º 1770/12.9BELRS).

Por sua vez, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT, ao estipular que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral (Decisão arbitral CAAD n.º 678/2018-T, 27-05-2019).

Desta forma, há concluir pela procedência do pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

VI. DECISÃO

 

Em vista de todo o exposto, decide-se:

  1. Julgar procedente o pedido de anulação dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas:
  • Nº ...2023..., referente à liquidação nº 2022...;
  • Nº ...2023..., referente à liquidação nº 2022...;
  • Nº ...2023..., referente à liquidação nº 2022...;
  • Nº ...2023..., referente à liquidação nº 2022...;

 

  1. Anular as liquidações de Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares:
  • Nº 2022..., respeitante ao ano de 2018, da qual resultou um valor a pagar de 3.386,20 euros;
  • Nº 2022..., respeitante ao ano de 2019, da qual resultou um valor a pagar de 5.409,93 euros;
  • Nº 2022..., respeitante ao ano de 2020, da qual resultou um valor a pagar de 4.589,12 euros;
  • Nº 2022..., respeitante ao ano de 2021, da qual resultou um valor a pagar de 5.089,23 euros.

 

VII. VALOR DO PROCESSO

Nos termos do art. 97.º-A nº 1, al. a) do CPPT do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em 18.474,48 euros (dezoito mil, quatrocentos e setenta e quatro euros e quarenta e oito cêntimos).

 

VIII. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1 224.00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida.

 

Notifiquem-se as Partes.

 

Porto, 23 de janeiro de 2024

O Árbitro

 

 

(Nina Aguiar)