Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 622/2014-T
Data da decisão: 2015-06-03  IMT  
Valor do pedido: € 35.744,12
Tema: IMT – Utilidade Turística; artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 Dezembro.
*Decisão arbitral anulada por acórdão do STA de 16 de março de 2016, recurso n.º 1102/15, que decide em substituição.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

1.                  Em 14 de Agosto de 2014 a sociedade A, S.A., titular do número de identificação fiscal …, com sede na … e, subsidiariamente, Banco B, S.A., titular do número de identificação fiscal …, com sede na Avenida … Lisboa (doravante designada por a “Requerente”), submeteram ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à obtenção de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante designado RJAT), na sequência do acto de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa com o n.º …, do acto tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), extraído para pagamento através da guia n.º …, emitida pelo Serviço de Finanças de …, no valor de € 35.774,12 (trinta e cinco mil, setecentos e setenta e quatro euros e doze cêntimos).

 

2.                  No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro.

 

3.                  Nos termos do n.º 1 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro único o signatário Jorge Carita, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

 

4.                  O tribunal arbitral ficou constituído em 17 de Outubro de 2014.

 

5.                  Em 24 de Novembro de 2014, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou resposta.

 

6.                  Na mesma data da resposta a Requerida procedeu à junção do processo administrativo instrutor.

 

7.                  A reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi realizada no dia 23 de Fevereiro de 2015.

 

8.                  A posição da Requerente, expressa no pedido de pronúncia arbitral, bem como nas alegações finais escritas é, em resumo, a seguinte:

 

8.1.       Em 20.12.2005, a C compra à sociedade D, S.A., , a fracção T do prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o n.º …, integrado no Empreendimento Turístico “…”, pelo preço de € 550.371,00 (quinhentos e cinquenta mil, trezentos e setenta e um euros).

8.2.       Tal acto foi objecto de isenção de IMT pelo notário, ao abrigo do n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro.

8.3.       Acontece que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) entendeu que o benefício fiscal respeitante à utilidade turística foi indevidamente reconhecido, encontrando-se, assim, em falta a entrega do IMT referente a essa mesma aquisição, no valor de € 35.744,12, conforme liquidação adicional emitida pelo Serviço de Finanças de …, à taxa de 6,5%, sobre o preço base atribuído ao direito adquirido no valor de € 550.371,00.

8.4.       A Requerente discorda desta posição assumida pela AT, não se conformando com o acto de liquidação objecto da presente pronúncia arbitral, por considerar que é manifestamente ilegal, porquanto, a base de correcção que a precede e fundamenta é errada e ilegal.

8.5.       No mesmo dia 20.12.2005, a C celebrou, com a Requerente A, um Contrato de Locação Financeira Imobiliária, tendo por objecto a fracção em referência. Relativamente a este contrato, bem como o de compra e venda, foi sempre assumido pelas partes de que a operação em concreto beneficiaria de isenção de IMT, prevista no artigo 20.º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro. A própria sociedade vendedora da fracção (D, S.A.) sempre declarou que a venda se faria com a dita isenção de IMT, tendo sido esta concessão da isenção fundamental para a decisão de aquisição da fracção.

8.6.       Acresce que não obstante a escritura pública fazer menção expressa à isenção, e ao facto de o notário a ter confirmado e anuído, foi celebrado com a Requerente A e a E, S.A., sociedade exploradora do Hotel e dos apartamentos turísticos que integram o conjunto turístico “…”, um contrato de exploração turística, nos termos do qual se cedia a esta sociedade o direito exclusivo de exploração da fracção, ficando a Requerente A, na qualidade de cedente, sujeita a um conjunto de deveres que condicionam a livre fruição do seu bem, em benefício da exploração turística e comercial do mesmo.

8.7.       Entende a Requerente que o benefício fiscal contido no artigo 20.º do Decreto-lei 423/83, visa beneficiar aqueles que promovem o processo de instalação de empreendimentos de utilidade turística, não sendo dirigido aos que se limitam a desenvolver a actividade de exploração dos mesmos. Até porque o artigo 20.º não concede a isenção ao construtor do empreendimento, ao promotor imobiliário ou à entidade que licencie e/ou explora o empreendimento. Efectivamente, trata-se de uma isenção dirigida a beneficiar a concretização do processo de instalação de empreendimentos de utilidade turística.

8.8.       Por isso, a AT faz errada interpretação do normativo em referência, quando afirma que a aquisição da fracção por parte da Requerente não se destinou à instalação do referido empreendimento, porquanto, o mesmo já se encontrava instalado. Ou seja, do âmbito da norma aplicada, no entender da AT, excluem-se os empreendimentos qualificados de utilidade turística já instalados, que não sejam objecto de remodelação ou ampliação, e que, por conseguinte, não seria de aplicar ao caso em apreço.

8.9.       No entanto, entende a Requerente que só com a aquisição e a concomitante celebração do contrato de exploração turística com a entidade exploradora, a fracção autónoma ficou apta a funcionar como unidade de alojamento perante os utentes do empreendimento turístico. Neste sentido, a liquidação em apreciação é ilegal e deve ser anulada, porquanto, a leitura correcta e sistematicamente integrada do referido artigo 20.º do Decreto-lei n.º 423/83, é a de que no seu âmbito sejam consideradas as operações de aquisição das fracções que compõem o empreendimento classificado como de utilidade turística, na medida em que a actuação desses adquirentes complementem o processo de instalação do empreendimento ao serviço do sector do turismo português.

8.10.   A Requerente refere ainda que a introdução do artigo 20.º, do Decreto-lei 423/83, no nosso ordenamento jurídico, não deve ser entendida como benefício que abrangesse apenas os promotores imobiliários, uma vez que estes já dispunham de mecanismos próprios para mitigar o peso da tributação na aquisição de terrenos onde os prédios fossem edificados, de acordo com artigo 39.º-A do Código do imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD).

8.11.   Quanto à isenção para os proprietários em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), nos termos do artigo 47.º n.º 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), a Requerente entende também que a AT deverá ter a mesma coerência na aplicação deste benefício aos proprietários das fracções e naquele que deriva do artigo 20.º do Decreto-lei n.º 423/83, uma vez que o benefício estabelecido no artigo 47.º do EBF é aplicável aos adquirentes das fracções integradas em empreendimentos classificados como sendo de utilidade turística, sem nunca ser contestado pela AT.

8.12.   Acresce ainda que a Requerente, como proprietária da fracção, apresenta-se como verdadeiro promotor imobiliário, a quem a AT quer cingir o benefício fiscal contido no artigo 20.º do Decreto-lei n.º 423/83, na medida em que aquela interveio directamente no financiamento e instalação do empreendimento em análise.

8.13.   Importa ainda salientar a violação dos princípios da segurança e da certeza jurídicas e do duplo grau de controlo de legalidade pelo notário e pelo conservador, uma vez que a Requerente, mesmo actuando de acordo com a lei e confiando na validação da sua actuação que lhe foi conferida pelas entidades públicas com poderes de controlo público que intervieram directamente na operação em causa (notário e AT), viu-se confrontada com uma liquidação de imposto, violando todos os preceitos legais onde se encontra consagrado o princípio da boa fé, artigos 266.º da Constituição da República Portuguesa, 6.º-A, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e 59.º da LGT.

8.14.   Por último, a revogação de um benefício fiscal automático, que dá origem à liquidação adicional de IMT, ora em pronúncia, é um acto ilegal. Isto porque, o benefício fiscal que decorre do artigo 20.º do Decreto-lei n.º 423/83 é um benefício automático, que decorrente directamente da lei, e por não ter sido contestado ou revogado em devido tempo pela AT, de acordo com os artigos 140.º e 141.º do CPA, se consolidou na esfera da Requerente. Por isso, não pode a AT proceder à revogação da concessão do benefício fiscal em referência.

 

9.                  A posição da Requerida expressa na resposta, bem como nas contra-alegações é, em síntese abreviada, a seguinte:

 

9.1.            Antes de mais, a Requerida defende-se por excepção quanto à legitimidade da Requerente, por entender que esta não tem legitimidade para a presente pronúncia arbitral, nos termos do artigo 4.º do Código do IMT e do artigo 18.º, n.º 4 alínea a) da LGT. Por isso, o Tribunal Arbitral deve considerar que a Requerente é parte ilegítima por falta de fundamento legal para a pretendida legitimidade processual. E ainda quanto à caducidade do direito de reclamação graciosa – cujo indeferimento tácito constitui o objecto imediato dos autos – e consequente caducidade do direito de impugnação à acção quanto ao presente pedido de pronúncia arbitral.

9.2.            Não obstante, a Requerida alega que o legislador apenas quis abranger com a norma do artigo 20.º do Decreto-lei n.º 423/83, as aquisições destinas à instalação de empreendimentos. É o que resulta claro do elemento literal aquando da interpretação da norma, pois se o legislador quisesse abranger a actividade de instalação e a de exploração dos empreendimentos turísticos teria sido claro como foi no artigo 16.º do mesmo diploma, cujo normativo pretendeu beneficiar tanto empresas proprietárias como exploradoras, à semelhança do que acontece com o n.º 2 do artigo 20.º.

9.3.            O conceito de “instalação” patente no artigo 20.º do Decreto-lei n.º 423/83, no Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos (RJIEFET, Decreto-lei n.º 39/2008, de 7 de Março) resulta uma clara distinção entre os conceitos de “instalação”, por um lado, e de “funcionamento” e “exploração”, por outro.

9.4.            A aquisição efectuada pela Requerente, já em momento posterior ao da licença de utilização e, por conseguinte, depois da fase de instalação do empreendimento turístico, destinou-se à exploração comercial e não à “instalação”. Embora as unidades de alojamento que compõe o empreendimento turístico se possam constituir como fracções autónomas, essas unidades de alojamento consideram-se sempre em exploração turística, donde a sua aquisição se destina à exploração e não à implantação.

9.5.            Com base no acórdão de uniformização de jurisprudência do STA, n.º 3/2013 de 23.01.2013, a Requerida refere que, de acordo o RJIEFET existem dois procedimentos distintos, um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento, outro, relativo às operações necessárias a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que as vendas das unidades projectadas ou construídas fazem necessariamente parte do segundo momento. E ainda, não se pode conceber que a Requerente se torne co-financiadora do empreendimento, com a responsabilidade da instalação, uma vez que aquela está a investir em produtos imobiliários no âmbito do denominado turismo residencial.

9.6.            Conclui a Requerida, transcrevendo parte do acórdão de uniformização de jurisprudência, que o benefício só tem justificação relativamente a quem procede à instalação do empreendimento e o coloca no mercado e não em relação a todos os que o utilizam e exploram, ainda que através da compra das suas unidades, pelo que a aquisição em apreço não beneficia da isenção de IMT prevista no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-lei 423/83.

9.7.            Quanto à articulação do artigo 20.º do Decreto-lei n.º 423/83 com o artigo 39.º-A do CIMSISSD, a Requerida entende que não existe redundância ou anacronismo pelas razões já expostas.

9.8.            No âmbito da isenção para os proprietários em sede de IMI, a Requerida entende que os argumentos da Requerente falecem de qualquer sustentação legal, uma vez que o IMI e o IMT são impostos que visam tributar realidades distintas, cabendo ao legislador fiscal adoptar as medidas de carácter excepcional, que entenda serem as adequadas à prossecução de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores ao da própria tributação que impedem.

9.9.            Com fundamento na falta de sustentação legal a Requerida também se refere à violação dos princípios da segurança e certeza jurídicas. Caso a Requerente quisesse vincular a AT a algum entendimento, esta dispunham de mecanismos legais próprios, máxime o pedido de informação vinculativa, cabendo-lhe a ela zelar pela segurança jurídica que invoca, o que de todo não fez. Mesmo assim, o artigo 45.º, n.º 1 da LGT, conjugado com o n.º 1 do artigo 35.º do Código de IMT, diz-nos que o direito à liquidação do imposto em falta só caduca, se o mesmo não for validamente notificado à Requerente no prazo de 8 anos a contar da aquisição, pelo que, a Requerida não estava impedida de liquidar o imposto em falta.

9.10.        Quanto à revogação ilegal do benefício fiscal já concedido e consolidado na esfera da Requerente, no caso concreto não tem qualquer aplicação, uma vez que o que resulta concretamente é uma liquidação de imposto, efectuada ao abrigo do artigo 35.º do Código de IMT, devido à Requerente não reunir os pressupostos legais da isenção pretendida, conforme comprovado pela inspecção tributária.  

9.11.        A Requerida conclui pela improcedência total do pedido de pronúncia arbitral formulado, sendo evidente a conformidade legal do acto objecto dos presentes autos.

 

II – QUESTÕES DECIDENDAS

 

11.              Em face do exposto, nos números anteriores, a principal questão a decidir é a seguinte:

 

a)      Na sequência do acto de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa com o n.º …, o acto tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), extraído para pagamento através da guia n.º …, no valor de € 35.774,12 (trinta e cinco mil, setecentos e setenta e quatro euros e doze cêntimos), da autoria do Ministério das Finanças, Autoridade Tributária e Aduaneira, Serviço de Finanças de …, padece de erro nos pressupostos de facto e de direito, por incorrer no vício de violação da lei.

 

III – SANEAMENTO

 

12.              O Tribunal encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

13.              Na resposta apresentada pela Requerida, de acordo com o artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, foram invocadas duas excepções (i) ilegitimidade da Requerente, por entender que esta não tem legitimidade para a presente pronúncia arbitral, nos termos do artigo 4.º do Código do IMT e artigo 18.º, n.º 4 alínea a) da LGT, e (ii) caducidade do direito de reclamação graciosa e consequente caducidade do direito de impugnação à acção quanto ao presente pedido de pronúncia arbitral.

 

14.              Analisada a petição inicial apresentada pelas Requerentes A e B, efectivamente é possível afirmar que a primeira Requerente (A) é parte ilegítima no ora processo arbitral. Contudo, a Requerente B tem legitimidade processual, conforme se segue.

 

15.              Antes de mais, temos que ter em conta o seguinte enquadramento. Por força da extinção da sociedade “C”, decorrente da sua fusão por incorporação no Banco B, S.A. (B), transferiram-se para esta sociedade a globalidade dos direitos e deveres da sociedade extinta (C). Por outro lado, o B dá lugar ao F, constituído por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 03 de Agosto de 2014, nos termos do n.º 5 do artigo 145.º-G do Regime Geral das Instituições de Créditos e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, para o qual foram transferidos activos e passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do B, S.A., identificados na referida deliberação. Nestes termos, na reunião do artigo 18.º do RJAT, o mandatário da Requerente B foi convidado a apresentar procuração forense em nome do F, o que fez e já se encontra no processo arbitral.

 

16.              De acordo com o artigo 4.º do Código do IMT, com a epígrafe “Incidência subjectiva”, o IMT é devido pelas pessoas, singulares ou colectivas, para quem se transmitam os bens imóveis. Por outro lado, o artigo 18.º da LGT dá-nos a noção de que sujeito activo é a pessoa a quem assiste o direito de exigir a prestação tributária (AT) e sujeito passivo a pessoa vinculada perante aquele à sua realização. Assim sendo, devido à compra que a C efectuou à sociedade “D, S.A., com o NIPC …, em 20.12.2005, por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de …, respeitante à fracção T do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o n.º …, destinada a Serviços, integrado no empreendimento turístico “…”, cujo valor do direito transmitido foi de € 550.371,00, o IMT liquidado com base neste preço à taxa de 6,5%, de acordo com a alínea d) do artigo 17.º do Código do IMT, é devido pela sociedade C.

 

17.              Refira-se que apesar de existir um contrato de locação financeira imobiliária outorgado pela C e a A, onde na Cláusula 4.ª, 3 alínea a) esta fica responsável pelo pagamento de todos os encargos inerentes ao referido contrato, nomeadamente impostos, o mesmo não produz qualquer alteração quanto ao sujeito passivo da relação jurídico-tributária em discussão, nos termos do artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, nem atribui qualquer legitimidade para submeter a liquidação em referência a pronúncia deste tribunal arbitral.

 

18.              Por tudo isto, a Requerente A é parte ilegítima no presente processo. Todavia, uma vez que (i) consta do pedido de pronúncia arbitral a Requerente B a título subsidiário, nos termos do artigo  39.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 2.º do CPPT, (ii) esta surge na qualidade de sociedade incorporante da C e (iii) consta do processo procuração forense a favor do Mandatário que assinou o Pedido de Pronúncia Arbitral, em representação do F, para o qual foram transferidos activos e passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco B, S.A., verificamos que a Requerente B tem legitimidade processual, o que legitima a sua intervenção no presente processo arbitral.

 

19.              No que diz respeito à excepção peremptória de caducidade do direito de reclamação graciosa e consequente caducidade do direito à acção, quanto ao pedido de pronúncia arbitral, não poderemos aderir à tese da Requerida e absolvê-la da instância.

 

20.              O acto em apreço objecto de pronúncia arbitral, na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, é o acto de liquidação de IMT. Logo, a excepção invocada não resulta de uma decisão expressa da AT, como parece entender a Requerida com a invocação do Acórdão do TCAS de 2 de Julho de 2002, proferido no processo n.º 6246/02. Neste aresto, foi decidido a caducidade do direito a deduzir impugnação, uma vez que existia um prazo fixado para pagamento da quantia liquidada e a reclamação foi apresentada quando já se havia esgotado o prazo de 90 dias para o fazer (“Assim sendo, o prazo para reclamar, que era de 90 dias, iniciou-se no dia seguinte, concretamente, em 19/12/98 e terminou em 18 de Março de 1999. Ora, como a reclamação deu entrada nos serviços em 31/8/99, tal acarreta a caducidade do direito de reclamar e, por arrasto, a preclusão do direito de impugnar, pois o decurso do prazo assinalado extingue o direito que se pretenda exercitar (...)”). No caso concreto, apresentada reclamação graciosa pela Requerente, o dever geral de pronúncia da AT, consubstanciado no dever de decisão, não foi cumprido.

 

21.              O indeferimento tácito não é um acto, mas uma ficção destinada a possibilitar o uso dos meios de impugnação administrativos e contenciosos, como decorre do preceituado no n.º 5 do artigo 57.º da LGT. Por isso, como a Requerente optou por deduzir reclamação graciosa contra o acto de liquidação e não foi proferida decisão, só tinha que aguardar pela formação do acto tácito de indeferimento (cfr. n.º 1 do artigo 57.º da LGT, “4 meses”), para impugnar no prazo de 3 meses contados desse acto silente, passando a relevar a data do indeferimento tácito dessa reclamação e não a data de limite de pagamento voluntário do tributo (cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0449/11, de 12 de Outubro de 2011). Por tudo isto, não podemos aderir à tese da falta de legitimidade processual, nem absolver a Requerida da instância.

 

22.              É que, efectivamente, a reclamação em causa foi apresentada em 21.03.2014, e consequentemente, formou-se o indeferimento tácito em 21.07.2014, pelo que, a Requerente tinha até ao dia 21.10.2014 para apresentar impugnação para este Tribunal, o que fez em 14.08.2014 (cfr. artigo 57.º, n.º 1, 3 e 5 da LGT, artigo 279.º, alínea c) do Código Civil, artigo 102.º, n.º 1 alínea d) do CPPT).

 

Logo, o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, de acordo com o n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

Tudo visto, cumpre proferir.

 

IV – FUNDAMENTOS DE FACTO

 

18.              Conforme acta da reunião do artigo 18.º do RJAT, foi proferido despacho no sentido de as partes se pronunciarem sobre a necessidade de marcação de uma nova reunião para a realização de prova testemunhal. Face ao solicitado, a Requerente declarou prescindir da inquirição das testemunhas arroladas se fosse admitido aproveitamento da prova testemunhal nos Processos n.º 102/2014-T e n.º 110/2014-T e a Requerida declarou não se opor ao aproveitamento da prova testemunhal. Neste sentido, este Tribunal Arbitral admitiu o referido aproveitamento e consequentemente, concedeu um prazo de 5 dias para a Requerente indicar os factos sobre os quais pretendia produzir prova testemunhal, o que foi feito nas sua alegações finais, onde, de forma resumida, se pretendia demonstrar a compreensão exacta dos contornos que conduziram à implementação do empreendimento em causa, bem como explicar os pressupostos que conduziram à sua promoção, na óptica da entidade promotora e na dos adquirentes das fracções.

 

Posto isto, tendo em conta o processo administrativo tributário (PAT), a prova documental junta aos autos e a prova testemunhal, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como se segue:

 

A.                A Requerente C adquiriu, no âmbito da sua actividade, em 20/12/2005, a fração T do prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o n.º …, destinado a Serviços, integrado no Empreendimento Turístico “…”, sito na Avenida …, freguesia de …e concelho de ….

 

B.                No mesmo dia 20/12/2005, foi celebrado um Contrato de Locação Financeira Imobiliária, tendo por objecto a referida fracção, com a Requerente A, S.A.

 

C.               Em 23 de Março de 2006, a Requerente A celebrou com a E, S.A. um contrato de exploração turística, onde, entre outras coisas, cedia o direito exclusivo de exploração da fracção.

 

D.               Em 15/06/2005, foi publicado em Diário da República, 2ª série, n.º 135, Aviso do Despacho do Secretário de Estado do Turismo, de 2 de Junho de 2005, referente à atribuição ao empreendimento qualificado como Conjunto Turístico “…”, da utilidade turística a título prévio, a levar a efeito pela sociedade D. S.A..

 

E.                Em 11/06/2007, foi publicado em Diário da República, 2ª série, n.º 135, Aviso n.º …, o Despacho do Secretário de Estado do Turismo de 7 de Maio de 2007, a confirmação de utilidade turística, atribuída a título prévio, ao Conjunto Turístico “…”, de que é representante a sociedade D, S.A., pelo prazo de 7 anos a partir da data da emissão da licença de utilização turística pela Câmara Municipal de …, o que ocorreu em 30 de Setembro de 2005.

 

F.                Em 28/06/2013, pela Ordem de Serviço n.º …, a Requerente C foi objecto de uma acção de inspecção, que visava o controlo de benefícios fiscais, tendo como código de actividade o n.º ….

 

G.               No âmbito da acção inspectiva, supra referenciada, a AT concluiu que a isenção de IMT consagrada no artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-lei 423/83 foi reconhecida indevidamente pelo notário, o que resultou na liquidação em apreço, que incidiu sobre a compra do imóvel em referência, que a ora Requerente efetuou à sociedade D, S.A., inscrita sob o NIPC …, com base no preço atribuído de € 550.371,00, à taxa de 6,5%.

 

H.      A liquidação de IMT, foi objecto de reclamação graciosa em 21 de Março de 2014, via fax, a que foi atribuído o n.º de processo ….

 

I.         A AT não cumpriu o prazo de 4 meses, contado a partir da entrada da petição da Requerente, para concluir o procedimento de reclamação graciosa, fazendo-se presumir o seu indeferimento para efeitos de impugnação a 21 de Julho de 2014.

 

J.        Em 14 de Agosto de 2014 a Requerente dá entrada do Pedido de Pronuncia Arbitral, quando tinha até 21 de Outubro de 2014 para o fazer.

 

K.      De acordo com a Resposta e o pedido de pronúncia arbitral, deu-se indeferimento tácito da mencionada reclamação graciosa.

  

20.              Relativamente aos factos enunciados no n.º anterior, relevaram os documentos juntos aos autos, a prova testemunhal dos processos n.ºs 102/2014-T e 110/2014-T, bem como o processo administrativo tributário, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral.

 

21.              Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

V – FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

22.              Vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a questão já enunciada (vd., supra n.º 11).

 

23.              Assim, a questão que se suscita consiste em saber se a aquisição do imóvel em referência se destinou à instalação do empreendimento turístico “…” ou se o mesmo já se encontrava instalado, empreendimento este qualificado de utilidade turística como exige o n.º 1 do artigo 20.º, do Decreto-Lei nº 423/83. A correcta interpretação e alcance a conferir ao referido n.º 1 do artigo 20.º é determinante para decidir se a isenção aí prevista é aplicável à situação sub judice, especificamente quanto à aquisição da fracção autónoma T, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, integrada/inserida no empreendimento turístico “…”.

 

Antes de mais, importa perceber o que nos diz o n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro:

"São isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento.”.

 

24.              O Decreto-Lei n.º 423/83, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/94, de 8 de Fevereiro, regula o instituto da utilidade turística.

 

25.              Nos seus preâmbulos, vem referido que este instituto é “um dos instrumentos mais eficazes para o desenvolvimento do sector” e é “um instrumento adequado a apoiar as empresas que exploram empreendimentos turísticos considerados essenciais à prossecução da política de turismo traçada pelo Governo”.

 

26.              Logo, parece-nos desde já claro, que o legislador quis atribuir benefícios àqueles que realizam investimentos no sector do turismo em Portugal, que se quer de qualidade, prevendo a existência de benefícios fiscais apenas a quem adquire com destino à instalação de estabelecimentos de utilidade turística, concretizando a instalação ou comparticipando nela, e não já a quem se limita a adquirir fracções pertencentes a empreendimentos já instalados. E, ainda, que o artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83 não refere que as isenções ai previstas são devidas ao construtor do empreendimento, ou ao promotor imobiliário ou à entidade que licencia e/ou explora o empreendimento. Simplesmente, é mencionado que o imóvel (prédio ou fracção autónoma) tenha sido “destinado à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística”, e que esta se mantenha válida e que seja observado o prazo de abertura ao público do empreendimento em causa.

 

 

27.              Posto isto, o elemento determinante para se decidir se a aquisição do imóvel pela Requerente se insere no artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 423/83 é o conceito de “instalação” consagrado naquele artigo.

 

28.              Todavia, como o Decreto-Lei n.º 423/83 não nos dá a definição deste conceito, devemos tomar em consideração o que se encontrava previsto em matéria de instalação e funcionamento dos empreendimentos turísticos à data dos factos, isto é, à data da escritura de compra e venda do imóvel (20.12.2005). Neste sentido, vigorava o regime jurídico ínsito no Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho. Este diploma legal definia no seu artigo 9.º que “Instalação” de empreendimentos turísticos era “o licenciamento da construção e ou da utilização de edifícios destinados ao funcionamento daqueles empreendimentos.” (cfr. artigo 9.º).

 

29.              Aquele diploma legal previa ainda que as unidades de alojamento pudessem ser retiradas da exploração dos empreendimentos turísticos (cfr. artigo 45.º, n.º 3).

 

30.              Da análise dos factos provados, resulta que o empreendimento está constituído em regime de propriedade horizontal. Efectivamente, a fracção autónoma adquirida pela Requerente constitui uma unidade de alojamento do conjunto turístico “…” e integra um empreendimento turístico ao qual foi reconhecida utilidade turística.

 

31.              De acordo com o Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho a fracção autónoma em questão era designada como fracção imobiliária, considerada parte componente “dos empreendimentos turísticos susceptíveis de constituírem unidades distintas e independentes, devidamente delimitadas, quer sejam ou não destinadas ao uso comum dos utentes do empreendimento…” (cfr. n.º 1 do artigo 46.º).

 

32.              Por outro lado, “as unidades de alojamento dos empreendimentos turísticos só constituem fracções imobiliárias quando, nos termos da lei geral, sejam consideradas fracções autónomas ou como tal possam ser consideradas.” (cfr. n.º 2 do artigo 46.º).

 

33.               Integrada a fracção em referência neste regime jurídico, como já se disse, o Decreto-Lei n.º 167/97 previa a possibilidade das unidades de alojamento serem retiradas do empreendimento turístico, mas a Requerente, através do contrato de exploração turística com a entidade exploradora, não só preparou em termos de estrutura mobiliária (e.g. a Requerente assumiu a obrigação de garantir que o imóvel teria um recheio, mobiliário e equipamento de elevado nível para as necessidades turísticas, inerentes à qualidade e classificação turística do imóvel e considerando a capacidade máxima das pessoas que pudessem vir a ocupá-lo, cfr. Cláusulas 4.ª e 5.ª do Contrato de Exploração Turística, facto provado C), como a integrou no empreendimento turístico “…”, cuja instalação definitiva dependeu, também, desta integração. Aliás, a isenção do n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, dirige-se às aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos classificados de utilidade turística.

 

34.              Caso a Requerente tivesse optado pela autonomia da sua fracção em relação ao empreendimento, como ao tempo o regime jurídico em vigor previa (cfr. artigo 45.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 167/97), certamente que colocaria em causa a manutenção da utilidade turística, tal como foi feita. O que só demonstra que a aquisição aqui em causa contribuiu de forma decisiva para a instalação do empreendimento turístico “…”.

 

35.              Refira-se, ainda, o que o Tribunal Arbitral constituído no âmbito do Proc. n.º122/2014-T bem decidiu sobre idêntica matéria de facto e tendo em vista a interpretação e aplicação das mesmas normas legais, “O conceito de instalação do nº1 do artigo 20º do DL 423/83, para o caso concreto, tem que ser encontrado à luz do ordenamento jurídico ao tempo em vigor, nomeadamente o já referido DL 167/97, que na sua parte preambular diz-nos sobre o promotor o seguinte: ”…o promotor é o primeiro responsável pelo cumprimento das regras respeitantes aos empreendimentos, pois esse cumprimento só será avaliado para efeitos de classificação e não da entrada em funcionamento do empreendimento. Significa isto que o empreendimento entra em funcionamento à responsabilidade do promotor, pois a existir modificação da classificação provisória que havia sido atribuída ao empreendimento, tal resultará apenas da falta de cumprimento das normas que o mesmo conhece…”;” (cfr. Processo n.º 122/2014-T).

 

36.              No sentido que temos vindo a seguir, não podemos acompanhar a posição da Requerida, porque não é aceitável que se afirme que a isenção prevista no artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 423/83 está dirigida ao promotor imobiliário, quando neste artigo não consta, nem o promotor, nem o construtor, nem se faz qualquer outra exigência que não seja a de que a aquisição se destine à instalação de empreendimento turístico qualificado de utilidade turística. A aquisição da fracção em referência fez parte do processo de instalação do empreendimento “…”, ou seja, na terminologia utilizada pela AT “primeira aquisição” e a sua não inclusão não só desvirtuaria o empreendimento, como é certo que poderia por em causa o reconhecimento da utilidade turística, concedida a título prévio.

 

37.               Aliás, o empreendimento estará apenas definitivamente instalado quando todas as unidades de alojamento iniciarem o seu funcionamento, estando a primeira aquisição de cada fracção integrada nesse processo de instalação.

 

38.              É o que se mostra mais consentâneo, quer com a letra, quer com o espírito da lei, quer, ainda, com a interpretação sistemática da norma nele contida. 

 

39.              Acresce, que o benefício fiscal em referência, de acordo o artigo 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, é uma medida excepcional instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e superiores aos da própria tributação que impede.

 

40.              Como referimos anteriormente, o regime da utilidade turística foi criado para incentivar a criação de oferta turística portuguesa de qualidade, reconhecida pelo governo português através do instituto da utilidade turística, isto, como factor de promoção do investimento turístico e meio de correcção das assimetrias regionais existentes e, sobretudo, para incrementar a aquisição de produtos imobiliários de investimentos no turismo de qualidade, dada a importância e valia desse produto para a economia nacional. 

 

41.              A aquisição de produtos imobiliários de investimento no turismo de qualidade, gera claramente mais receita interna e aumenta a taxa de emprego em Portugal.

 

42.              Assim sendo, e fazendo um paralelismo ao caso concreto, estando em causa um empreendimento turístico em que cada fracção autónoma constitui um elemento funcional – unidade de alojamento – podemos afirmar que os titulares desses elementos, viabilizam a progressiva instalação e funcionamento do empreendimento de reconhecida utilidade turística, que investem na criação/instalação da oferta imobiliária turística portuguesa de qualidade reconhecida pelo governo português. A norma do artigo 20.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 423/83, só tem sentido se considerarmos que a primeira aquisição de cada uma dessas unidades de alojamento, porque destinadas a viabilizar a entrada em funcionamento de cada uma delas e, por conseguinte, do empreendimento no seu todo, se enquadra no processo de instalação do empreendimento, reunindo, assim, as condições legais para usufruir do benefício fiscal em causa nestes autos.

 

43.              Nestes termos, não podemos aceitar a tese da Requerida, de que só o promotor que adquire um imóvel para nele construir um empreendimento turístico ou para nele realizar obras de melhoria, realiza investimentos turísticos, entendimento que não advém do artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 423/83.

 

44.              Pelo que, necessariamente, daqui decorre a anulação do acto tributário em causa nos presentes autos arbitrais.

 

45.              Em seguida, entendemos que também devemos ter em consideração o que actualmente se encontra previsto em matéria de instalação, exploração e funcionamento de empreendimentos turísticos, consagrado no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, apesar de não ser aplicável ao caso concreto, por ter entrado em vigor no ordenamento jurídico posteriormente à transmissão do imóvel referenciado no presente processo arbitral. Todavia, em tudo se assemelha. A importância desta análise prende-se ainda com o facto de existir, sobre a interpretação e alcance a conferir ao n.º 1 do artigo 20.º, uma decisão tomada de modo uniforme pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na sequência do julgamento ampliado, realizado ao abrigo do disposto no artigo 148.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), no processo n.º 968/12, e que deu origem ao Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, de 23 de janeiro de 2013, publicado na 1.ª Série do Diário da República, de 4 de março de 2013, págs. 1197 a 1217.

 

46.              O mencionado Acórdão uniformizador de jurisprudência, veio determinar o alcance do conceito de “instalação”, para efeitos da isenção do n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de dezembro, o qual conclui no sentido de que "este conceito não pode deixar de ser entendido como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de frações autónomas) para construção (quando se trate de novos empreendimentos) de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à atividade de promoção/criação dos mesmos.".

 

47.              Perante a posição tomada pelo Supremo Tribunal Administrativo, salvo o devido respeito, não podemos deixar de concluir que preferimos acompanhar o voto de vencido, que alguns Ilustre Conselheiros deixaram expresso nessa decisão.

 

48.              Na verdade, de acordo com o actual regime jurídico dos empreendimento turísticos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, não está aqui em causa um estabelecimento hoteleiro, mas um conjunto turístico composto por múltiplas unidades de alojamento sujeitas ao regime da propriedade plural, com previsão no artigo 52.º daquele diploma. Neste tipo de empreendimentos não existe um único direito de propriedade, mas uma pluralidade de propriedades, tantas quantas as unidades de alojamento individualizadas e autónomas que, no seu todo, constituem o empreendimento. É esta conclusão que se extrai da noção de empreendimento turístico em propriedade plural ínsita no artigo 52.º do Decreto-Lei 39/2008, bem como do regime do Decreto-Lei n.º 167/97, no seu artigo 47.º n.º 1, onde nas relações entre proprietários das várias fracções imobiliárias dos empreendimentos turísticos era aplicável o regime da propriedade horizontal.

 

49.              Nesta matéria, é importante trazer à colação a posição defendida por Cristina Siza Vieira, quando refere que “os empreendimentos turísticos em propriedade plural não são nem situações de compropriedade, nem situações pré-existentes em que vários proprietários de alojamentos distintos cedem a sua exploração a um terceiro e celebram com ele um contrato de gestão. São, sim, empreendimentos turísticos a constituir ou a instalar sob forma fraccionada e onde se pretende, desde logo, alienar ou vir a alienar as fracções autónomas ou lotes destinados a unidades de alojamento” (cfr. in Propriedade Plural e Gestão de Empreendimentos Turísticos, Temas CEDOUA: Empreendimentos Turísticos” do Centro de Estudos do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Almedina, pág. 185).

 

50.              Existe sim, uma privação do direito de propriedade, em que, por força do contrato de exploração turística que a Requerente A na qualidade de cedente, assumiu, perante a E, um conjunto de deveres que condicionam a livre fruição do seu bem, “os titulares das unidades de alojamento não podem usar, fruir e dispor delas de modo pleno e exclusivo. Assim, não podem explorar directamente a coisa que lhes pertence, não podem celebrar contratos de arrendamento ou de uso e habitação ou outros que comprometam o uso turístico da sua unidade de alojamento (n.º 6 do art.º 45º); têm de permitir o acesso à fracção por parte da entidade exploradora do empreendimento turístico, para que esta a possa locar, prestar serviços, proceder a vistorias, reparações, executar obras de conservação e reposição (n.º 3 do artigo 57º); não podem realizar obras, mesmo no interior, sem ter autorização da entidade exploradora (n.º 2 do artigo 57º); e só podem utilizar a sua fracção nos termos fixados no contrato que celebrem com a entidade exploradora. A violação de algum destes deveres – a exploração das unidades de alojamento pelos proprietários ou a celebração de contratos em violação do artigo 45º - é considerada de tal modo atentória do interesse público, que acarreta, além das penalizações que podem ser estabelecidas no Título Constitutivo, a sua qualificação como contra-ordenação (cf. alínea o) do n.º 1 do art.º 67º).” (cfr. obra citada, páginas 186 e 187).

 

51.              A este respeito, Sandra Passinhas afirma que “as unidades de alojamento estão, nos termos do artigo 45º do RJIEFET, permanentemente em regime de exploração turística, devendo a entidade exploradora assumir a exploração continuada da totalidade das mesmas, ainda quando ocupadas pelos respectivos proprietários.

 

52.              Neste caso, os proprietários usufruem dos serviços obrigatórios da categoria do empreendimento, os quais estão abrangidos pela prestação periódica prevista no artigo 56º.” (cfr. Empreendimentos Turísticos em Propriedade Plural, Temas CEDOUA: Empreendimentos Turísticos” do Centro de Estudos do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Almedina, pág. 198 e ss.).

 

53.              Assim sendo, é obrigatória a afectação à exploração turística de todas as unidades de alojamento que compõem e integram o empreendimento.

 

54.              Como vimos, no regime do Decreto-lei 167/97, estava previsto a possibilidade de retirada da exploração turística as fracções imobiliárias/unidades de alojamento que compunham algumas categorias de empreendimentos turísticos. Contudo, tanto a violação dos deveres impostos pelos contratos de exploração turística, como a retirada das fracções da exploração turística, põem em causa o empreendimento no seu todo.

 

55.              Seguindo de perto o voto de vencida da Exma. Conselheira Dulce Neto, no Acórdão do STA invocado “O que, no caso de empreendimentos turísticos em propriedade plural, pressupõe não só a construção e licenciamento das unidades de alojamento que integram o conjunto imobiliário e o estabelecimento como unidade organizacional, nomeadamente a obtenção da respectiva Licença de Utilização Turística, como, também, que essas unidades de alojamento estejam em condições de operarem como tal, isto é, de nelas serem prestados os serviços obrigatórios da categoria atribuída ao empreendimento, o que implica, inevitavelmente, que tenham sido comercializadas pelo promotor imobiliário, pois só o seu proprietário/adquirente tem o poder-dever de celebrar o obrigatório contrato de exploração turística (art.45º e segs. do RJIEFET) para viabilizar abertura da unidade de alojamento à actividade turística a que se destina como parte do empreendimento em que se integra.”.

 

56.              Com efeito, “só depois da comercialização de cada unidade de alojamento estas ficam aptas a funcionar enquanto partes do empreendimento, ficam aptas a funcionar e a ser exploradas turisticamente com a sua locação a turistas, isto é, vão poder funcionar e abrir ao público enquanto partes integrantes da unidade organizacional que é o empreendimento, de forma a que este possa prestar os serviços de alojamento turístico a que este se destina. E porque essa comercialização é gradual, o estabelecimento vai-se progressivamente instalando à medida que as unidades de alojamento vão sendo vendidas, o que se coaduna com a norma contida no n.º 8 do art.º 30º do RJIEFET que prevê precisamente a possibilidade da instalação faseada dos empreendimentos turísticos.”.

 

57.              Posição, à qual se adere, em pleno.

 

58.              Por todo o exposto, concluímos que a aquisição da fracção autónoma em referência, enquanto unidade de alojamento do empreendimento turístico “…”, ainda se integra no processo de instalação deste empreendimento, reunindo as condições legais para beneficiar de isenção de IMT, prevista no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, dada a utilidade turística reconhecida a este empreendimento pelo Senhor Secretário de Estado do Turismo, em 7 de Maio de 2007 e que abrange todas as unidades que o compõem.

 

VI – DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)    Julgar procedente, o alegado vício de violação da lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, relativamente ao acto tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), extraído para pagamento através da guia n.º …, no valor de € 35.774,12 (trinta e cinco mil, setecentos e setenta e quatro euros e doze cêntimos), da autoria do Ministério das Finanças, Autoridade Tributária e Aduaneira, Serviço de Finanças de …, anulando-o na sua totalidade.

b)    Condenar a Requerida a restituir a quantia indevidamente liquidada e paga no montante de € 35.744,12 (trinta e cinco mil, setecentos e quarenta e quatro euros e doze cêntimos).

c) Condenar ainda a Requerida, uma vez que estamos perante um vício respeitante à relação jurídica tributária, pois a existência desse vício implicou a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição à Requerente da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei (cfr. artigo 100.º da LGT e artigo 61.º do CPPT).

 

Fixa-se o valor do processo em € 35.744,12, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 03 de Junho de 2015.

 

O Árbitro

 

 

 

(Jorge Carita)