Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 403/2023-T
Data da decisão: 2023-12-21  IVA  
Valor do pedido: € 32.281,62
Tema: IVA – presunção de veracidade da contabilidade ou escrita – operações simuladas – ónus da prova.
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Sumário

  1. Cabe à AT o ónus da prova da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais.
  2. Reunidos os indícios mencionados em 1., cabe à Requerente a demonstração da efetividade das operações tituladas pelas faturas.

 

Decisão Arbitral

 

A árbitra do Tribunal Singular Dra. Catarina Belim, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 14.08.2023, decide o seguinte:

 

  1. Relatório

 

  1. A..., Lda., doravante designada por “Requerente”, número de identificação fiscal ..., com morada em Rua ..., ... ..., ...-... ..., Viana do Castelo, tendo sido notificada do ato de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2019..., de 13.03.2023, que confirmou o indeferimento da  reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de IVA com os números 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018... e 2018..., relativas aos períodos de maio a dezembro do ano de 2013, no montante global de € 32.281,62,  apresentou, em 01.06.2023, pedido de constituição de Tribunal Arbitral com árbitro singular, ao abrigo do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea b), 10.º e 2.º n.º 1 alínea a) “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação das liquidações adicionais em referência e, em consequência, anulação do ato de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ...2019...e  indeferimento da respetiva reclamação graciosa. A Requerente pede ainda o reembolso das quantias pagas, acrescido de juros indemnizatórios.

 

  1. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 05.06.2023.

 

  1. Em 25.07.2023, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação da Árbitra, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

 

  1. Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes se pronunciassem, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 14.08.2023.

 

  1. A Requerida apresentou Resposta e juntou “Processo Administrativo” (“PA”) no dia 02.10.2023.

 

  1. Foi realizada a Reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT com inquirição de testemunhas arroladas pela Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) no dia 03.11.2023.

 

  1. A Requerente apresentou, a 14.11.2023, Alegações, reiterando o invocado no PPA e a confirmação da factualidade aí invocada pela produção de prova testemunhal.
  2. A Requerida apresentou, a 23.11.2023, Alegações, sustentando que a Requerente não logrou fazer prova dos fornecimentos, designadamente folhas de necessidades dos planos de fabricos de sapatos em questão, que deveriam ter sido arquivadas na Sociedade.

 

  1.  Saneamento

 

  1.        O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

 

  1. O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Matéria de facto

 

3.1.  Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

 

Requerente

 

  1. A Requerente exerce, desde 17.03.1988 a atividade de fabricação de calçado – CAE 15201.
  2. No ano de 2013 teve uma média de 54 funcionários ao serviço.
  3. A Requerente, no ano de 2013, estava enquadrada no regime normal do IVA com periodicidade mensal e entregou regularmente as declarações periódicas de IVA, Modelo 22 e IES.
  4. A Requerente, no ano de 2013, possuía contabilidade regularmente organizada e apresentou os ficheiros SAFT do programa de faturação e contabilidade.
  5. No ano de 2013, a Requerente não adotou o sistema de inventário permanente na contabilização dos inventários, nem possuía contabilidade analítica de custos.
  6. A Requerente emitiu cerca de duas mil guias de transporte nos 2º, 3º e 4º  trimestres de 2013.
  7. A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção externa com âmbito parcial em IRC e IVA iniciada em 10.10.2017, suspensa em 28.02.2018 na sequência de processo de inquérito criminal, tendo o respetivo Relatório de Inspeção sido assinado em 28.09.2018.
  8. A inspeção teve por motivo o facto de uma outra ação inspetiva à sociedade B... Unipessoal Lda. NIF ... ter concluído que esta, na qualidade de fornecedor, emitiu faturas para a Requerente que são falsas por não terem subjacente qualquer transação económica.
  9.     O Relatório de Inspeção (ponto III) possui o seguinte teor:

Da análise efetuada aos elementos que integram a contabilidade do sujeito passivo, bem como às declarações fiscais por este entregues, referente aos anos em análise, detetaram-se os seguintes factos que originam correções meramente aritméticas:

  • Registo de operações que não correspondem a verdadeiras aquisições de bens às entidades “C... Unipessoal Lda” e “B..., Unipessoal, Lda.”
  • Registo de operações que não correspondem a verdadeiras aquisições de serviços à entidade “D... Unipessoal, Lda.”.
  1. As entidades C... Unipessoal Lda. e B..., Unipessoal, Lda. não constam como fornecedores da Requerente nas entradas em armazém registadas no programa informático.
  2. A Autoridade Tributária e Aduaneira considera, no Relatório de Inspeção, que as entidades C... Unipessoal Lda,  B..., Unipessoal, Lda. e D... Unipessoal, Lda.  não tinham, na data dos factos, capacidade técnica e humana para realizar as operações de vendas de pele e prestação de serviços aqui em causa.

 

B... Unipessoal Lda.

 

  1. A B... Unipessoal Lda. “B...” é uma sociedade comercial que iniciou actividade em 31.08.2012, tendo como atividade principal o comércio por grosso de têxteis, vestuário, calçado e artigos de couro.
  2. A  B... cessou atividade para efeitos de IVA em 30.06.2014.
  3. Esta sociedade tem em falta as declarações periódicas dos períodos 2014-03T e 2014-06T e entregou apenas a Modelo 22 (IRC) do ano de 2012.
  4. Em sede de inspeção, esta sociedade apenas exibiu pelo TOC da empresa os registos contabilísticos dos meses de abril a junho de 2013.
  5. Esta sociedade emite diversos tipos de documentos – vendas a dinheiro e faturas, emitidos de várias formas e alternadamente – ora em faturas manuais ora em faturas através de programa certificado; a numeração não segue ordem cronológica.
  6. Esta sociedade não tem trabalhadores e teve, no ano de 2013, apenas um fornecedor relacionado com a atividade de calçado.
  7. No ano de 2013, a Requerente registou na sua contabilidade  as seguintes faturas emitidas pela B...:

 

  1. Estas faturas continham o seguinte descritivo:

 

  1. As faturas foram emitidas através de programa informático e apresentam os seguintes elementos referentes ao transporte:

- local de carga: “N/Morada”;

- local de descarga: V/Morada;

- Transporte: ...

  1. A matrícula ... corresponde a uma viatura propriedade da B... desde 15.07.2023.
  2. A Requerente emitiu 3 cheques à ordem da B... Unipessoal Lda para pagamento dos € 35.235,46.
  3. A Requerente aferia os materiais que precisava para o fabrico de calçado pelas folhas de necessidades. Os registos da entrada e saída dos materiais, neste caso, foram lançadas à mão em papel pelos colaboradores da Requerente encarregues das encomendas e do armazém.
  4. As operações tituladas pelas faturas acima descritas foram realizadas.

 

C... Unipessoal Lda.

  1. A C... Unipessoal Lda “C...” é uma sociedade comercial que iniciou atividade em 2011, tendo como objeto social o comércio de calçado, têxteis e confeções a que corresponde o CAE 46410.
  2. Esta sociedade cessou atividade para efeitos de IVA em 20.05.2015.
  3. No ano de 2013, C... registou operações de compra de bens e serviços constantes em faturas emitidas por sociedades indiciadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira pela emissão de faturas falsas, designadamente, “B...” e “E..., Unipessoal, Lda.”.
  4. A C... não dispunha de instalações próprias (usando instalações de terceiros), nem funcionários.
  5.  No ano de 2013, a Requerente registou na sua contabilidade as seguintes faturas emitidas pela C...:

 

  1. Estas faturas continham o seguinte descritivo:

 

  1. A Requerente aferia os materiais que precisava para o fabrico de calçado pelas folhas de necessidades. Os registos da entrada e saída dos materiais, neste caso, foram lançadas à mão em papel pelos colaboradores da Requerente encarregues das encomendas e do armazém.
  2. As operações tituladas pelas faturas acima descritas foram realizadas.

 

D… Unipessoal, Lda.

 

  1. A D… Unipessoal, Lda. “D...” iniciou atividade em 2012, tendo como objeto social a fabricação de calçado e o seu comércio, a que corresponde o CAE 15201.
  2. A D... procedeu à entrega da Modelo 22 (IRC) e Declarações Periódicas de IVA até ao 3.º trimestre de 2013.
  3. A D... fornecia serviços de corte, costura e montagem para calçado e possuía trabalhadores e equipamentos para  o efeito.
  4. Os trabalhadores da D... e parte dos seus equipamentos foram transferidos para outro estabelecimento comercial em agosto de 2013 (data não especificada).
  5. No ano de 2013, a Requerente registou na sua contabilidade a seguinte fatura emitida pela D...:

 

  1. Esta fatura continha o seguinte descritivo, tendo sido acompanhada de guia de transporte apresentada em sede de inspeção:

 

  1. A operação titulada pela fatura acima descrita foi realizada.

 

         Correções

  1. Na sequência da inspeção tributária realizada à Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira corrigiu o IVA constante das faturas emitidas, em 2013, pela C...,  B... e D... à Requerente, com base no artigo 19.º n.º 3 do Código do IVA que dispõe:

3 - Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura.

  1. Na sequência da ação inspetiva realizada, foram efetuadas as correções que originaram as liquidações de imposto em sede de IVA aqui contestadas.
  2. A Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra as liquidações no dia 16.11.2018.
  3. A Reclamação Graciosa foi indeferida pela Diretora dos Serviços Centrais do IVA, tendo o indeferimento sido notificado pelo Ofício n.º ..., de 13.03.2023.
  4. A Requerente pagou as liquidações adicionais aqui em causa.
  5. A Requerente apresentou, em 01.06.2023, pedido de constituição de Tribunal Arbitral com árbitro singular.

 

  1. Factos não provados

 

  1. Não foi provado que a Requerente (via gerência ou outra pessoa) tenha combinado um plano, junto com as entidades C..., B... e D... (via sócios, gerência ou outras pessoas), para que estas emitissem e a Requerente recebesse e contabilizasse faturas que não correspondiam à venda de bens ou serviços efetivamente prestados à Requerente.

 

  1.  Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

  1. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

  1. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental, a prova testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, com base nos elementos documentais aí indicados.

 

  1. Nesta sede importa relevar que:

 

  • o testemunho de F...- trabalhador da Requerente há cerca de 20 anos, encarregado de receber as encomendas dos clientes, as colocar em fabrico e encomendar os materiais - confirmou: (i) a existência de relação comercial com os fornecedores, tendo a testemunha afirmado recordar-se do tipo de peles em causa e que C... era fornecedor de peles e forneceu várias vezes peles à Requerente e (ii) que conhecia o fornecedor D... e que este prestava serviços de costura. A testemunha afirmou ainda que as faturas emitidas à Requerente eram pagas, em 2013, por cheque cruzado e que, nessa altura, o sistema informático era utilizado sobretudo para efeitos de contabilidade e lançamento dos planos de fabrico e não de registo de inventário, sendo o registo das peles e materiais recebidos e usados lançado à mão, em folhas de papel próprias suas, com base nas chegadas e saídas do armazém, que apurava junto de G... . Anualmente, era contado o inventário da empresa. A testemunha afirmou que atualmente, todo o sistema é diferente e informatizado, sendo as entradas e saídas de materiais registadas imediatamente no software informático.
  • o testemunho de G..., trabalhador da Requerente, empregado de armazém há mais de 23 anos, com função de receção das matérias-primas, como as peles e separação para a produção de sapatos (encarregado de armazém), foi significativo na formação da convicção deste Tribunal, tendo afirmado conhecer as sociedades C... e  B... como fornecedores de peles, confirmando a recepção de peles daquelas sociedades no ano em causa. Testemunhou que C... entregava as peles pessoalmente na empresa e que fornecia essencialmente o material do tipo crust. Testemunhou ainda que o fornecedor B... forneceu material de má qualidade o que originou uma devolução.  Testemunhou que tinha registos seus, feito à mão em papel, dos materiais que entravam e saíam do armazém, sem prejuízo de entregar as faturas e documentos de transporte recebidos ao escritório, para serem entregues a F... .
  • estas testemunhas mostraram-se conhecedoras da realidade empresarial da Requerente, os testemunhos foram congruentes entre si, não tendo sido produzida qualquer prova que nos suscite dúvida quanto ao juízo probatório positivo alcançado com base neste depoimentos.
  • apesar de a Autoridade Tributária ter efetuado um trabalho extenso e de cruzamento de informação, grande parte das conclusões apresentadas no Relatório da Inspeção são imputadas às empresas fornecedoras da Requerente e suas relações com terceiros, retiradas do resultado de outras inspeções, i.e. baseadas em conhecimento indireto. Neste âmbito o Tribunal não nega que, na data dos factos,  inexistia, na esfera da Requerente, o sistema de inventário permanente exigido por lei mas não existem nos autos elementos diretos que contradigam os testemunhos de que o inventário era realizado e controlado de forma manual,  que os fornecedores eram conhecidos dos colaboradores da Requerente, e que as peles foram entregues e os serviços de costura foram realizados, sendo de admitir que, há 10 anos, existissem empresas da dimensão da Requerente que operassem com sistemas manuais ou menos sofisticados de inventariação, por oposição à inventariação em “real time”.
  • as facturas em causa nos autos e incluídas na contabilidade da Requerente encontram-se emitidas na forma legal, conforme n.º 6 do art. 19º do CIVA, com suporte informático e controlo através do SAFT; os meios de pagamento utilizados são correntes.
  • em particular, no caso da D..., as mudanças de instalações comerciais e transferência de trabalhadores para outro estabelecimento invocadas não inquinam, só por si, que tenha sido realizado o serviço prestado (que corresponde a uma única fatura) tendo esta empresa apresentado, em sede de inspeção, a guia de transporte n.º 2013C/800 emitida pela Requerente e relativa ao transporte ao destinatário D..., de 1494 contrafortes e testeiras em 07.11.2023, e a guia de transporte n.º 248, por sua vez emitida pela D... em 15.11.2023, relativa ao transporte ao destinatário Requerente de 1494 pares de botas, o que reforça a existência da operação (pág. 96 do RIT Parte 4 junto no PA).

 

4. Matéria de direito

 

  1. O tema central em discussão é o de se determinar se a exclusão do direito à dedução do IVA operada pela Autoridade Tributária e Aduaneira e suportado pela Requerente nas faturas em apreço nos autos, com fundamento no art. 19.º, n.º 3 do Código do IVA por operações simuladas, é admitido por lei.

 

  1. O artigo 19.º n.º 3 do Código do IVA explicita que “não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”. Este preceito legal, em face da sua formulação aplica-se quer em situações de simulação absoluta, de que constituem paradigma no âmbito do IVA as designadas “facturas falsas”, quer em situações de simulação relativa, de que uma das variantes poderá constituir a simulação do valor da operação.

 

  1. No caso concreto entende a Autoridade Tributária e Aduaneira que as faturas são falsas porquanto não correspondem a operações efetivas, mas sim a negócios simulados, recorrendo ao mecanismo previsto no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA.

 

  1. Nos termos do art.º 75.º da Lei Geral Tributária (LGT):

 

"1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

 

A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo...".

 

  1. Cabe, pois, à Autoridade Tributária e Aduaneira ilidir esta presunção de veracidade da contabilidade, carreando, maxime em sede de fundamentação do ato tributário, elementos suficientes para esse efeito.

 

  1. É pacífico o entendimento de que, em situações como a dos autos, para efeitos designadamente do art.º 74.º, n.º 1, da LGT, a  Autoridade Tributária e Aduaneira não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do art.º 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais. Vejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.02.2016 (Processo: 0591/15), de 16.03.2016 (Processos: 0400/15, 0587/15), de 19.10.2016 (Processo: 0511/15), de 16.11.2016 (Processo: 0600/15) e de 27.02.2019 (Processo: 01424/05.2BEVIS 0292/18). Assim, reunidos e demonstrados que estejam tais indícios, cessa a presunção de veracidade prevista no art.º 75.º da LGT, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a efetividade das operações.

 

  1. In casu, em sede de Relatório de Inspeção, a Autoridade Tributária e Aduaneira elencou uma série de indícios que permitem pôr em causa a presunção de veracidade da contabilidade dos quais se destaca a ausência do inventário permanente obrigatório na esfera da Requerente (medida que permitiria validar, em real time, o stock, suas entradas e saídas e correspondente valorização do stock da empresa).

 

  1. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção - cfr. entre outros, Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

 

  1. E aqui, pelas motivações indicadas na matéria de facto assente (3.1. pontos X. FF, MM em conjugação com  3.3. ponto  17), este Tribunal considera que foi demonstrada a realização das operações.

 

  1. Tendo o sujeito passivo cumprido o ónus da prova que lhe cabia, procede assim o pedido de pronúncia arbitral apresentado.

 

5.    Juros Indemnizatórios

 

  1. A  Requerente  peticionou  ainda a condenação da Requerida em juros indemnizatórios, vencidos e vincendos até à data da devolução das quantias de imposto pagas mas indevidamente liquidadas.

 

  1. Nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária e artigo 61.º do CPPT "[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

 

  1. Entende-se por erro imputável à administração, o erro que não for imputável ao contribuinte e que assentar em errados pressupostos de facto e de direito que não sejam da responsabilidade do contribuinte.  Assim, "o direito a juros indemnizatórios abrange apenas uma das causas de responsabilidade da Administração tributária, agindo como tal: a originada pelo pagamento indevido de tributos, que lhe for imputável (...) o direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte provem, em regra geral, de um dever de indemnização da Administração tributária resultante da forçada improdutividade das importâncias desembolsadas pelo contribuinte"(cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, p. 204 e 205).

 

  1. No presente caso, o Tribunal considerou que a a Autoridade Tributária e Aduaneira elencou uma série de indícios que permitem pôr em causa a presunção de veracidade da contabilidade da Requerente dos quais se destaca a ausência do inventário permanente obrigatório, na esfera da Requerente.

 

  1. Pelo que, tendo a Requerente omitido um dever legal de inventariação permanente (medida que permitiria validar, em real time, o stock, suas entradas e saídas e correspondente valorização do stock da empresa), considera este Tribunal que as liquidações adicionais não se devem a erro da Adminsitração Tributária, que agiu no âmbito do que lhe competia, conforme jurisprudência superior: “a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do art.º 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais.”

 

  1. Improcede assim o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

6.       Decisão  

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido da Requerente nos seguintes termos:

 

  1. Decreta-se a anulação do ato de indeferimento expresso do recurso hierárquico aqui contestado, interposto do anterior ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa;
  2. Decreta-se a anulação dos atos de liquidação n.º 2018..., 20189..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018... e 2018..., relativos aos períodos de maio a dezembro do ano de 2013, no montante global de € 32.281,62.
  3. Reconhece-se à Requerente o consequente direito ao reembolso, pela Requerida, do montante de imposto identificado em b) supra (€ 32.281,62);
  4. Julga-se improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios sobre o valor do IVA pago em excesso.

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária
fixa-se ao processo o valor de € 32.281,62.

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Lisboa, 21-12-2023

 

 

A Árbitra singular

 

 

(Catarina Belim)