SUMÁRIO:
1. Da revogação, pela AT, dos actos tributários impugnados pela Requerente, resulta a impossibilidade da lide, por perda de objecto - artigo 277.º, alínea e), do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT.
2. Revogados os actos objecto do pedido de constituição do Tribunal Arbitral após a constituição deste, as custas são da responsabilidade da Requerida AT, por a esta ser imputável a impossibilidade superveniente da lide - artigos 527.º e 536.º, nrs. 3 e 4, ambos do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernando Araújo (Presidente), António de Barros Lima Guerreiro e Martins Alfaro (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 25-07-2023, acordam no seguinte:
A - RELATÓRIO
A.1 - Requerente da constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT): A..., S.A., com sede social na Rua ..., ... e ..., ...-... Santarém, com o número único de identificação de matrícula e de identificação fiscal ... .
A.2 - Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.
A.3 - Objecto do pedido de pronúncia arbitral:
Os seguintes actos de liquidação:
1. Liquidação de IRC n.° 2022..., de 28 de Dezembro de 2022;
2. Liquidação de Juros Compensatórios de IRC n.° 2023...;
3. Liquidação de IVA n.° 2022..., de 28 de Dezembro de 2022;
4. Liquidação de Juros Compensatórios de IVA n.° 2022...;
5. Liquidação de IVA n.° 2022..., de 28 de Dezembro de 2022;
6. Liquidação de Juros Compensatórios de IVA n.° 2022...;
7. Liquidação de IVA n.° 2022..., de 28 de Dezembro de 2022;
8. Liquidação de Juros Compensatórios de IVA n.° 2022 ...;
9. Liquidação de IVA n.° 2022..., de 28 de Dezembro de 2022;
10. Liquidação de Juros Compensatórios de IVA n.° 2022...;
11. Liquidação de IVA n.° 2022..., de 28 de Dezembro de 2022;
12. Liquidação de Juros Compensatórios de IVA n.° 2022...;
13. Liquidação de IVA n.° 2022..., de 28 de Dezembro de 2022;
14. Liquidação de Juros Compensatórios de IVA n.° 2022...;
15. Liquidação de IVA n.° 2022..., de 28 de Dezembro de 2022;
16. Liquidação de Juros Compensatórios de IVA n.° 2022...;
17. Liquidação de IVA n.° 2022..., de 28 de Dezembro de 2022;
18. Liquidação de Juros Compensatórios de IVA n.° 2022...;
19. Liquidação de IVA n.° 2022..., de 28 de Dezembro de 2022;
20. Liquidação de Juros Compensatórios de IVA n.° 2022...;
21. Liquidação de IVA n.° 2022..., de 28 de Dezembro de 2022;
22. Liquidação de Juros Compensatórios de IVA n.° 2022...;
23. Liquidação de IVA n.° 2022..., de 28 de Dezembro de 2022;
24. Liquidação de Juros Compensatórios de IVA n.° 2022...;
25. Liquidação de IVA n.° 2022..., de 28 de Dezembro de 2022;
26. Liquidação de Juros Compensatórios de IVA n.º 2022... .[1]
A.4 - Pedido: A Requerente formulou os seguintes pedidos:
A. A anulação da liquidação de IRC, bem como da correspondente Liquidação de Juros Compensatórios:
A.1) na parte relativa à dedução dos gastos com o resseguro, por padecerem de erro;
A.2) na parte relativa às facturas emitidas pela sociedade comercial B..., UNIPESSOAL, LDA., por padecerem de erro, por a requerida considerar que as facturas não preenchiam os requisitos formais.
B. A anulação das Liquidações de IVA, bem como das correspondentes Liquidações de Juros Compensatórios, referentes às facturas emitidas pela sociedade comercial B..., UNIPESSOAL, LDA:
B.1) por padecerem de erro, por a requerida considerar que as facturas não preenchiam os requisitos formais e, consequentemente, não conferiam direito à dedução do IVA;
B.2) caso o pedido antecedente não proceda, a anulação das indicadas liquidações, por erro, por a requerida, apesar de conhecer a realidade material subjacente às facturas, entender que o imposto ali indicado não é dedutível, por considerar que as facturas não preenchiam os requisitas legais necessários;
B.3) Caso o pedido antecedente não proceda, a anulação das indicadas Liquidações por erro sobre os pressupostos de factos e erro na aplicação do direito, por a requerida considerar que as facturas não preenchiam os requisitos formais, quando conhece a realidade material subjacente às facturas.
C. Caso os pedidos identificados em A. e B. não sejam julgados procedentes;
A anulação das liquidações de IRC e IVA, bem como das correspondentes Liquidações de Juros Compensatórios, designadamente, por a requerida não ter ouvido as testemunhas arroladas pela requerente, no âmbito do procedimento inspectivo, o que se traduz em preterição de formalidade essencial à descoberta da verdade.
D. A condenação da requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
Posteriormente, por requerimento atravessado nos autos, em 11-10-2023, a Requerente requereu nos seguintes termos: «Em face da revogação da Liquidações de IRC, IVA e respetivos Juros Compensatórios, torna-se inútil o prosseguimento dos autos, porquanto foi dada satisfação à pretensão formulada pela REQUERENTE, verificando-se a inutilidade superveniente da lide, relativamente à apreciação da legalidade das liquidações impugnadas nos presentes autos. Considerando que a REQUERIDA apenas revogou as Liquidações impugnadas nos presentes autos após a constituição do Tribunal Arbitral, julga-se ser esta responsável pelo pagamento das custas, em função dos atos revogados durante a pendência do processo arbitral».
A.5 - Resposta da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira:
A Requerida veio aos autos, em 27-09-2023 apresentar Resposta «à cautela», onde disse, na parte que agora interessa, o seguinte: «não existindo mais os objectos das pretensões deduzidas em juízo, uma vez que as liquidações controvertidas, de IRC e de IVA, foram revogadas na pendência dos presentes autos de acção arbitral, e estando a pretensão da Requerente totalmente satisfeita uma vez que a AT também reconheceu o seu direito a juros indemnizatórios nos termos peticionados, deverá a presente acção ser extinta com fundamento em inutilidade superveniente da lide».
B - SANEAMENTO:
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto dos artigos 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea b), ambos do RJAMT, o Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAMT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAMT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 25-07-2023.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, atenta a conformação do objecto do processo e face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, ambos do RJAMT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.
C - QUESTÃO PRÉVIA: EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA ARBITRAL:
Em face da revogação expressa dos actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral, cumpre apreciar se ocorre a impossibilidade superveniente da lide, por perda de objecto.
A Requerida foi notificada, em 22-05-2023, da apresentação do pedido arbitral, pelo que tomou conhecimento, em 25-05-2023 - data em que a notificação se tornou perfeita -, do pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 25-07-2023.
Em 18-08-2023, a Requerida veio aos autos dizer que «foi revogada a liquidação adicional de IRC nº 2022..., mais se tendo reconhecido o direito da Requerente aos juros indemnizatórios nos termos peticionados e diligenciando-se pela respectiva notificação, inexistindo, por conseguinte, nesta parte, objecto que justifique a prossecução dos autos».
E, em 19-09-2023, a Requerida veio aos autos dizer que «por despacho de 14/09/2023, do Senhor Subdiretor Geral, foram revogadas as liquidações de IVA objecto de impugnação arbitral, mais se tendo reconhecido o direito da Requerente aos juros indemnizatórios nos termos peticionados, inexistindo, por conseguinte, também nesta parte, objecto que justifique a prossecução dos autos».
A Requerida veio ainda aos autos, em 27-09-2023, apresentar Resposta «à cautela», onde disse, na parte que agora interessa, o seguinte: «não existindo mais os objectos das pretensões deduzidas em juízo, uma vez que as liquidações controvertidas, de IRC e de IVA, foram revogadas na pendência dos presentes autos de acção arbitral, e estando a pretensão da Requerente totalmente satisfeita uma vez que a AT também reconheceu o seu direito a juros indemnizatórios nos termos peticionados, deverá a presente acção ser extinta com fundamento em inutilidade superveniente da lide».
E, em 11-10-2023, a Requerente requereu nos seguintes termos: «Em face da revogação da Liquidações de IRC, IVA e respetivos Juros Compensatórios, torna-se inútil o prosseguimento dos autos, porquanto foi dada satisfação à pretensão formulada pela REQUERENTE, verificando-se a inutilidade superveniente da lide, relativamente à apreciação da legalidade das liquidações impugnadas nos presentes autos. Considerando que a REQUERIDA apenas revogou as Liquidações impugnadas nos presentes autos após a constituição do Tribunal Arbitral, julga-se ser esta responsável pelo pagamento das custas, em função dos atos revogados durante a pendência do processo arbitral».
Apreciando:
Com a integral revogação dos actos tributários, objecto do pedido de pronúncia arbitral, a presente lide arbitral perdeu o respectivo objecto, uma vez que a revogação dos actos administrativos determina a cessação dos respectivos efeitos - artigo 165.°, n.º 1, do CPA (aplicável ex vi artigo 29.°, n.° 1, alínea d), do RJAMT).
Tal circunstância conduz à impossibilidade do prosseguimento do processo arbitral.
Com efeito, «a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar, além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio».[2]
A isto acresce que ambas as partes convergiram expressamente no sentido de se verificar a extinção superveniente da instância arbitral.
Da impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide resulta a extinção da instância arbitral, nos termos do artigo 277.°, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.°, n.° 1, alínea e), do RJAMT.
D - DECISÃO:
Este Tribunal Arbitral declara extinta a instância arbitral, por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277.°, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.°, n.° 1, alínea e), do RJAMT.
E - VALOR DA CAUSA:
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 113.724,39, correspondente às liquidações impugnadas, objecto do pedido de pronúncia arbitral.
O valor indicado pela Requerente não foi impugnado e não considera o Tribunal existir fundamento para o alterar, pelo que se fixa à presente causa o valor de € 113.724,39.
F - CUSTAS:
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, e da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00.
A impossibilidade superveniente da lide, com a consequente extinção da instância arbitral, é imputável à Requerida.
Com efeito, o Tribunal Arbitral foi constituído em 25-07-2023, tendo a Requerida revogado os actos, objecto do pedido de pronúncia arbitral, após a constituição do Tribunal Arbitral.
Termos em que se condena a Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, nas custas do processo, por ter sido esta entidade que deu causa à impossibilidade superveniente da lide, nos termos dos artigos 527.º e 536.º, nrs. 3 e 4, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT.
Notifique.
Lisboa, 16-01-2024.
Os Árbitros,
Fernando Araújo
António de Barros Lima Guerreiro
Martins Alfaro
[1] Artigo 14.º, do requerimento de constituição do Tribunal Arbitral.
[2] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, RUI PINTO e JOÃO REDINHA, Código de Processo Civil Anotado,
Volume 1.°, 2.a edição, Coimbra Editora - Coimbra, 2008, pág. 555.