Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 316/2023-T
Data da decisão: 2024-01-09  IRC  
Valor do pedido: € 31.911,37
Tema: IRC – Dedutibilidade de gastos; Patrocínio e Publicidade. IVA – Direito à dedução; Publicidade; Serviços de construção civil; Reverse charge.
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SUMÁRIO

 

  1. A consideração como gastos fiscalmente dedutíveis, nos termos do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, não depende de eventual causalidade entre os gastos incorridos pelo sujeito passivo e a obtenção de rendimentos, bastando que aqueles sejam suportados pelo sujeito passivo no interesse da empresa.
  2. O artigo 23.º do Código do IRC não se reconduz a uma norma anti abuso e não se substitui ao artigo 38.º, n.º 2 da LGT e ao artigo 63.º do CPPT.
  3. As despesas com publicidade e promoção da marca são aceites como custo fiscalmente dedutível, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.
  4. O IVA relativo a despesas de publicidade é dedutível, nos termos do artigo 20.º, n.º 1 do Código do IVA.
  5. Em obras de construção civil, é aplicável o mecanismo de reverse charge, conforme disposto no Código do IVA. Contudo, atento o princípio da neutralidade fiscal, o mero incumprimento formal do mecanismo de autoliquidação de IVA, sem evidência de fraude, não deve necessariamente impedir o adquirente dos serviços de construção civil que suporte IVA através do pagamento de fatura emitida pelo prestador dos serviços, com IVA indevidamente liquidado, de deduzir o correspondente IVA, não dependendo de prévia regularização da fatura por parte do prestador de serviços.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra Adelaide Moura, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral singular, decide o seguinte:

 

  1. Relatório

 

A..., LDA., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., ..., Loja, ...-... ... (“Requerente”), notificada do (i) ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2022..., no valor de 12.485,92 €, referente ao período de 2018, respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2022... e demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., no valor de 1.497,97 €, e do (ii) ato de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º 2022..., no valor de 16.875,22 €, relativa ao período 201812T, respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2022... e demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., no valor de 2.550,23 €, e correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2022..., o que equivale ao valor total liquidado de 31.911,37 €, incluindo tributos e juros compensatórios, veio, em 02-05-2023, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra os atos tributários acima referidos, peticionando a respetiva anulação e o reembolso dos valores indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida” ou “AT”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 04-05-2023 e notificado à AT em 08-05-2023.

 

A Requerente não procedeu expressamente à nomeação de árbitro.

 

Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do RJAT, foi designada a árbitra Dra. Adelaide Moura, que comunicou, em 21-06-2023, ao Conselho Deontológico do CAAD, a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.

 

As partes foram notificadas da designação, não tendo, qualquer delas, manifestado vontade de a recusar, vindo o Tribunal a ser constituído em 10-07-2023, por despacho do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em harmonia com as disposições contidas no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

 

Devidamente notificada para o efeito em 11-07-2023, a AT apresentou a sua Resposta em 29-09-2023, defendendo-se, tendo ainda junto o processo administrativo.

 

Em 09-10-2023, a Requerente juntou substabelecimento sem reserva relativamente à sua ilustre mandatária no presente processo arbitral.

 

Por despacho de 18-10-2023, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, facultando às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas, no prazo simultâneo de 10 dias.

 

Em 31-10-2023, a Requerente apresentou alegações escritas, reafirmando a posição partilhada no articulado anteriormente submetido nos autos.

 

O prazo para decisão arbitral não foi prorrogado, nos termos da lei.

 

  1. Posições das Partes

 

II.1.  Requerente

        

  1. A Requerente é uma sociedade de direito português que tem por objeto social a “impressão offset e digital de pequeno e grande formato, em suportes de papel, vinil, têxtil, rígidos e outros. Corte de vinil e outros materiais, corte e gravação por fresa e laser de rígidos. Conceção e desenvolvimento de projetos nas áreas do design gráfico e de comunicação, design multimédia, web design e programação, design do produto, design de interiores, arquitetura, design paisagístico, vídeo e fotografia, publicidade, realidade virtual, simulação e desenho tridimensional, stands de exposição e consultoria. Todas as áreas relacionadas com design, impressão e produção de materiais gráficos, publicidade, marketing, comunicação visual, ilustração, personalização, 3D, produção audiovisual, experiências interativas e programação informática.”

 

  1. A Requerente foi objeto de ação inspetiva externa, efetuada a coberto de ordem de serviço emitida pela AT relativamente ao período de tributação de 2018.

 

  1. A Requerente não se conforma com as correções efetuadas pela AT, em sede de IRC, discordando da desconsideração da fatura relativa a publicidade emitida pela B..., NIPC..., como gasto dedutível para efeitos fiscais.

 

  1. No que concerne à fatura emitida pela B..., a Requerente reconheceu contabilisticamente, na conta #62221 - FSE - Serviços Especializados - Publicidade e Propaganda - IVA Dedutível Taxa Normal, um gasto no valor de 30.000,00 €, tendo como documento de suporte a respetiva fatura FT 2018/55, de 31-12-2018, a que acresce IVA no valor de 6.900,00 €.

 

  1. O IVA constante da fatura, no valor de 6.900,00 €, foi deduzido pela Requerente na conta #2432331 - IVA dedutível - Outros bens e serviços - Taxa Normal - Mercado Nacional, e declarado no campo 24 da declaração periódica de IVA referente ao período 201812T.

 

  1. Materialmente, a operação subjacente à referida fatura resulta da celebração, em 05-11-2018, de um contrato de patrocínio entre a Requerente e a B... .

 

  1. O referido contrato demonstra o interesse da Requerente em contribuir para o suporte de despesas relacionadas com as atividades desportivas da B..., nomeadamente, para a participação da Equipa de Ciclismo Continental Sub-25 nas provas desportivas a realizar na época de 2019.

 

  1. A Requerente, no âmbito da sua gestão empresarial, incluiu obrigações de publicidade no contrato de patrocínio com a B..., com o objetivo de ampliação da própria marca, assim como divulgação da marca da sua parceira ..., pretendendo contribuir para a sustentabilidade desta parceira que, no ano de 2018, era o seu segundo maior cliente.

 

  1. A B... assumiu as obrigações de publicidade à Requerente, durante a época desportiva de 2019, como se pode demonstrar pelo contrato e pelo registo fotográfico de eventos desportivos, onde é patente a menção à A... em carros de apoio, na fachada do autocarro e no equipamento dos desportistas.

 

  1. Fica comprovada a orientação dos gastos para a prossecução da atividade da Requerente e, consequentemente, para a obtenção de lucros, entendendo-se que o critério da indispensabilidade se encontra verificado. Encontra-se fora do escopo da AT realizar juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial.

 

  1. Não podem proceder as alegações da AT quanto à alegada imaterialidade do contrato em causa, porquanto não foi invocado o regime da cláusula anti abuso previsto no artigo 38.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária, nem seguido o devido procedimento do artigo 63.º do Código do Processo e do Procedimento Tributário.

 

  • Só se podendo concluir que se trata de um gasto fiscalmente aceite, nos termos do artigo 23.º do CIRC, e também em sede de IVA, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, com dedutibilidade do imposto suportado, na medida em que se trata de um custo de publicidade necessário para o cumprimento da sua atividade e à realização de operações sujeitas a IRC e IVA, respetivamente.

 

  1. O gasto contribuiu para a obtenção dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, numa dupla dimensão: quer pela ampla divulgação da sua própria marca, como pela divulgação da marca da sua parceira ... que, quanto mais sustentável fosse em termos de liquidez, mais capacidade teria para saldar os saldos devedores à Requerente.

 

  • Resulta do elenco das obrigações do contrato celebrado entre a Requerente e a B... que, pelo menos, 50% do serviço de publicidade prestado pela B... versaria diretamente sobre a Requerente. Não poderá, assim, deixar de ser considerado que, pelo menos, na proporção de 50%, o custo incorrido pela Requerente é dedutível para efeitos de IRC e IVA.

 

  • Sendo ilegais a liquidação adicional de IRC e correspondente liquidação de juros compensatórios, assim como a liquidação de IVA e juros compensatórios, nos termos do artigo 99.º do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, padecendo de anulabilidade de acordo com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c) da LGT.

 

  1. Conforme Relatório de Inspeção, a AT também não aceitou a dedução de IVA, no valor de 9.545,00 €, constante nas faturas n.ºs 2018/92 e 2018/93, referentes à aquisição de serviços de construção civil à sociedade C..., Unipessoal, Lda., NIPC ... (“C...”), em resultado de uma mera questão formal associada à não aplicação do regime de reverse charge.

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento do IVA, no valor de 9.545,00 €, tendo o referido imposto sido deduzido no campo 24 da DP 2018/12T.

 

  1. Tendo este imposto sido suportado com a aquisição de serviços de construção civil, destinados ao exercício de uma atividade tributada, só pode concluir-se pelo direito da Requerente proceder à dedução deste imposto.

 

  1. Note-se que, até ao momento, as faturas indicadas não foram objeto de qualquer correção por parte da C..., tendo o correspondente imposto sido entregue aos cofres do Estado.

 

  1. Resulta da jurisprudência do TJUE que "o princípio da neutralidade fiscal exige que a dedução do IVA a montante seja concedida se as exigências de fundo foram cumpridas, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certas exigências formais”.

 

  1. O TJUE já decidiu que “os artigos 167.º , 168.º e 178.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação retroativa de uma legislação nacional que, no âmbito de um regime de autoliquidação, subordina a dedução do imposto sobre o valor acrescentado relativo a prestações de serviços de construção à retificação das faturas relativas às referidas operações e à apresentação de uma declaração complementar retificativa, apesar de a autoridade fiscal em causa dispor de todos os dados necessários para demonstrar que o sujeito passivo é devedor do imposto sobre o valor acrescentado, enquanto destinatário das operações em causa, e para verificar o montante do imposto dedutível.”

 

  1. À luz da jurisprudência do TJUE, que foi já acompanhada pelo CAAD no processo n.º 745/2020-T, é manifesto que o n.º 8 do artigo 19.º do CIVA, ao estabelecer que “nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito à dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação”, é incompaginável com o Direito da União Europeia, na medida em que seja aplicável a situações em que a Administração Tributária está na posse de todos os elementos que permitem concluir que o sujeito passivo suportou IVA para realizar operações tributadas.

 

  1. Há, assim, um claro reconhecimento do princípio da substância sobre a forma, que não pode ser ignorado na tomada de decisão da presente situação.

 

  1. A Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo, enquanto destinatário dos serviços em causa, é devedor do IVA, não podendo impor, no que diz respeito ao seu direito à dedução, condições adicionais que possam ter por efeito a inviabilização absoluta do exercício desse direito, conforme jurisprudência do TJUE.

 

  1. Desta feita, o não reconhecimento do direito à dedução, com base na indevida menção do IVA nas faturas emitidas pela C..., viola os princípios da neutralidade, da justiça e da proporcionalidade.

 

  1. Em suma, a liquidação de IVA, no que concerne ao IVA referente às faturas emitidas pela C..., padece de vício de violação da lei, designadamente do princípio da neutralidade e dos artigos 167.º, 168.º e 178.º da Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, atento o artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, devendo, por este motivo, ser anulada, de acordo com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c) da LGT.

 

  1. Nestes termos, a Requerente peticiona que: a) seja declarada a ilegalidade, bem como promovida a anulação do ato de liquidação adicional de IRC, no montante de 12.485,92 € e juros compensatórios, relativamente ao período de tributação de 2018; b) seja declarada a ilegalidade, bem como promovida a anulação do ato de liquidação de IVA, referente ao período 201812T, no valor de 16.875,22 € e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, no valor de 2.550,23 €; c) seja efetuado o reembolso de tais valores, a que devem ser acrescidos juros indemnizatórios, desde o pagamento das liquidações até ao reembolso efetivo das quantias devidas, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

II.2.   Requerida

 

  1. A inspeção tributária à Requerente, inicialmente parcial, mas ampliada para geral, teve por base faturas emitidas pela Requerente à sociedade D..., que integraram uma candidatura desta a fundos do programa Norte 2020.

 

  1. No âmbito da inspeção tributária, foram verificadas outras faturas emitidas pela Requerente a outros clientes, relativamente a serviços similares, verificando-se uma diferença substancial de preços praticados.

 

  1. Na contabilidade da Requerente, a 31 de dezembro de 2018, não estava paga qualquer das faturas emitidas à parceira D... .

 

  1. O sócio-gerente da sociedade D... é também sócio gerente da sociedade C... .
  2. Nos termos do artigo 23.º do CIRC, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, só se considerando gastos do exercício os que comprovadamente foram indispensáveis para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

  1. A fatura n.º FT 2018/55, de 31-12-2018, emitida pelo fornecedor B..., trata-se de um gasto da Requerente que não se revela indispensável à obtenção ou a garantir rendimentos sujeitos a IRC.

 

  1. Do contrato de patrocínio assinado entre a Requerente e a B... não resulta que a Requerente tivesse de suportar pela D..., Lda. o respetivo valor da publicidade.

 

  1. No referido contrato encontram-se inscritos os termos e condições do “patrocínio” da Requerente à B..., nas provas de ciclismo, durante a época desportiva 2019, bem como a obrigação da B... divulgar a D..., em todos os treinos, provas, competições e exibições em que participe.

 

  1. O contrato define as obrigações da B..., nomeadamente a publicitação e divulgação da marca D..., divulgação da marca e nome da Requerente, através de material promocional e equipamentos utilizados, bem como a atribuição à equipa de ciclismo da designação UDO/D..., incluindo a marca no site oficial da equipa de ciclismo, viaturas e materiais possíveis.

 

  1. Há que recordar, por seu turno, que a D... é uma empresa independente da Requerente e que, no ano de 2018, se destacou como o segundo maior cliente desta.

 

  1. Ao assumir um gasto que competiria à D..., a Requerente realizou um gasto que não concorreu direta ou indiretamente para a sua fonte produtora.

 

  • O que se apurou em sede inspetiva foi que, entre a Requerente e a D..., não existe qualquer contrato que legitime que a Requerente, a título gratuito, assinasse e tomasse como seu encargo a publicidade a promover pela B... àquela empresa.

 

  1. O representante da Requerente intermediou o negócio de publicidade com os representantes da B..., dado os conhecimentos pessoais que possuía à data, imprimindo-lhe a necessária celeridade, atenta a urgência da Federação de Ciclismo.

 

  • Tal como se concluiu no RIT, a Requerente, ao assumir para si o gasto antes referido, e não o tendo imputado à D..., nem tendo esse gasto decorrido de qualquer acordo prévio entre as partes, transformou-o num gasto sem qualquer relevância fiscal na esfera da Requerente.

 

  • De modo que o gasto não deve ser aceite fiscalmente, como não foi, para o apuramento do lucro tributável da Requerente.

 

  1. Ademais, o IVA constante da fatura acima referida, no valor de 6.900,00 €, foi indevidamente deduzido pela Requerente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, interpretado a contrario sensu.

 

  1. Não existindo qualquer fatura emitida pela Requerente à sociedade D... relativamente ao serviço de publicidade que a Requerente adquiriu à B..., o IVA constante na fatura desta associação desportiva não é dedutível, não tendo na sua génese a posterior prestação de um serviço sujeito a IVA.

 

  1. De modo que aquele valor nunca seria passível de dedução para efeitos de IVA, dada a falta de conexão direta com a atividade da ora Requerente.

 

  1. Posto isto, no que se refere ao IVA indevidamente liquidado nas faturas n.º FT 2018/92 e FT 2018/93, de 31-12-2018, emitidas pelo fornecedor C..., Unipessoal, Lda., respeitantes a aquisição de serviços de construção civil, a alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 8 do artigo 19.º do CIVA não ressume que a Requerente tenha eventual direito a deduzir os montantes suportados em sede deste imposto.

 

  1. Da descrição das faturas verifica-se que os serviços se enquadram como serviços de construção civil, tal como definidos no Ofício Circulado n.º 30101, de 24 de maio de 2007, da Direção de Serviços do IVA e na Portaria n.º 19/2004, de 10 de janeiro.

 

  1. Tratando-se os serviços prestados pela C... à Requerente de construção civil, o código do IVA determina que é sujeito passivo do imposto (a quem compete liquidar) o adquirente dos serviços de construção civil, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, e não o prestador dos serviços, invertendo-se, assim, a regra da liquidação do imposto (reverse charge).

 

  1. Acresce que, quanto ao exercício do direito à dedução, determina o n.º 8 do artigo 19.º do CIVA que, “Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que foi liquidado por força dessa obrigação.”

 

  1. De modo que não pode a Requerente deduzir o valor do imposto que foi indevidamente liquidado pelo prestador dos serviços, quando o deveria ter sido pela própria, enquanto adquirente, segundo a basilar regra do reverse charge.

 

  1. Nestes termos, deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, devendo a Requerida ser totalmente absolvida de todos os pedidos, com as consequências legais daí advenientes.

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1 do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

A cumulação de pedidos é legalmente admissível, conforme artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.

 

Relativamente ao valor da causa, a Requerente indicou no seu pedido de pronúncia arbitral a quantia de 33.409,34 €. A AT não contestou a indicação do valor da causa pela Requerente.

 

Não obstante, o presente Tribunal Arbitral verificou que o valor da causa indicado pelas partes corresponde a quantia superior à soma das importâncias dos atos de liquidação emitidos pela AT, cuja anulação a Requerente peticiona no presente processo, em concreto o ato de liquidação de IRC n.º 2022..., no valor de 12.485,92 €, referente ao período de 2018, respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2022... e demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., no valor de 1.497,97 €, e o ato de liquidação de IVA n.º 2022..., no valor de 16.875,22 €, relativo ao período 201812T, respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2022 ... e demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., no valor de 2.550,23 €, e correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2022... .

 

Considerando que o ato de liquidação de IRC, no valor de 12.485,92 €, referente ao período de 2018, já integra os correspondentes juros compensatórios, no valor de 1.497,97 €, somando-se o ato de liquidação de IVA, no valor de 16.875,22 €, relativo ao período 201812T, e respetivos juros compensatórios, no valor de 2.550,23 €, tudo equivale ao valor total liquidado de 31.911,37 €, incluindo tributos e juros compensatórios, o que é inferior, portanto, ao valor da causa indicado pela Requerente.

 

Afigura-se que a Requerente considerou, erroneamente, em duplicado, os juros compensatórios liquidados, em sede de IRC, para efeitos do cálculo do valor da causa indicado no respetivo articulado.

 

Com efeito, o presente Tribunal Arbitral, corrigindo, fixa o valor da causa em 31.911,37 €, atento o disposto no RJAT e no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

 

  1. Matéria de facto

 

IV.1. Factos Provados

 

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas, de direito português, com sede em território nacional, cujo objeto social consiste em “impressão offset e digital de pequeno e grande formato, em suportes de papel, vinil, têxtil, rígidos e outros. Corte de vinil e outros materiais, corte e gravação por fresa e laser de rígidos. Conceção e desenvolvimento de projetos nas áreas do design gráfico e de comunicação, design multimédia, web design e programação, design do produto, design de interiores, arquitetura, design paisagístico, vídeo e fotografia, publicidade, realidade virtual, simulação e desenho tridimensional, stands de exposição e consultoria. Todas as áreas relacionadas com design, impressão e produção de materiais gráficos, publicidade, marketing, comunicação visual, ilustração, personalização, 3D, produção audiovisual, experiências interativas e programação informática.”

 

  1. Em sede de IRC, a Requerente encontrava-se, em 2018, enquadrada no regime geral de tributação, sendo o período de tributação coincidente com o ano civil.

 

  1. Em sede de IVA, a Requerente encontrava-se, em 2018, enquadrada no regime trimestral de tributação.

 

  1. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2020..., emitida por despacho de 20 de fevereiro de 2020, a Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo, de natureza externa e âmbito parcial, com incidência no período de 2018.

 

  1. A ação de inspeção visava, nomeadamente, a análise da faturação de serviços à entidade D..., Lda., NIPC..., no âmbito de candidatura desta a fundos do programa Norte 2020.

 

  1. Em 16 de novembro de 2020, por despacho do Diretor de Finanças de ..., foi alterado o âmbito do procedimento inspetivo para geral, o que foi devidamente notificado à Requerente.

 

  1. Após prorrogações do prazo para conclusão dos atos inspetivos, a AT notificou, à Requerente, o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, via postal.

 

  1. Em 7 de dezembro de 2022, a AT notificou o Relatório de Inspeção Tributária, com determinação da matéria coletável em IRC e correções técnicas em IVA, nomeadamente, por desconsideração de gastos como fiscalmente dedutíveis e do direito à dedução por incumprimento do mecanismo de reverse charge.

 

  1. Face às correções efetuadas, a matéria coletável em IRC, no período de 2018, foi fixada em 77.129,48 €, aumentando da quantia de 28.294,16 € declarada pela Requerente.

 

  1. Em sede de IVA, no período de 201812T, as correções efetuadas abrangem IVA não liquidado de 253,00 € e IVA não dedutível de 16.622,22 €.

 

  1. Em resultado do procedimento de inspeção, e conforme Relatório de Inspeção Tributária, foi a Requerente posteriormente notificada dos seguintes atos:

 

(i) Liquidação de IRC n.º 2022..., no valor de 12.485,92 €, incluindo juros compensatórios, relativamente ao período de tributação de 2018;

(ii) Demonstração de acerto de contas de IRC n.º 2022...;

(iii) Demonstração de liquidação de juros em IRC n.º 2022..., no valor de 1.497,97 €.

(iv) Liquidação de IVA n.º 2022 043714814, no valor de 16.875,22 €, relativa ao período 201812T;

(v) Demonstração de acerto de contas de IVA n.º 2022...;

(vi) Demonstração de liquidação de juros em IVA n.º 2022..., no valor de 2.550,23 €;

(vii) Demonstração de acerto de contas de juros em IVA n.º 2022....

 

  • A Requerente aceitou as correções de IVA que foram efetuadas nos períodos de 201803T, 201806T e 201809T, não se conformando apenas com as correções que foram efetuadas ao período de 201812T .

 

  1. A Requerente reconheceu na sua contabilidade, na conta SNC 62221 - FSE - Serviços Especializados - Publicidade e Propaganda - Com IVA Dedutível Tx. Normal, um gasto no valor de 30.000,00 €, tendo, como documento de suporte a fatura n.º FT 2018/55, de 31 de dezembro de 2018, emitida pela associação desportiva B..., NIPC ... .

 

  • O IVA constante nessa fatura, no valor de 6.900,00 €, foi deduzido pela Requerente na conta #2432331 - IVA dedutível - Outros bens e serviços - Taxa Normal - Mercado Nacional, e declarado no campo 24 da declaração periódica de IVA do período 201812T.

 

  • A referida fatura n.º FT 2018/55, de 31 de dezembro de 2018, com descrição “Publicidade – equipa de ciclismo”, foi emitida no âmbito de um “Contrato de Patrocínio” celebrado entre a Requerente e a B..., em 5 de novembro de 2018.

 

  1. Através do Contrato de Patrocínio, a Requerente pretendia contribuir para o suporte de despesas relacionadas com as atividades desportivas da B..., na época desportiva de 2019.

 

  1. Ao abrigo daquele contrato, a Requerente obrigou-se a pagar à B... a mencionada quantia pecuniária de 30.000,00 €.

 

  1. Como contrapartida, a B... obrigou-se a “divulgar a marca da [Requerente] através de material promocional e equipamentos utilizados, inserção da marca A... nos equipamentos da equipa de ciclismo, inclusão da marca no site oficial da equipa de ciclismo sub-25, inclusão da marca no exterior das viaturas de apoio e inclusão da marca nos materiais possíveis (flash interviews, outros).”

 

  1. A B... ficou, também, obrigada a “publicitar e divulgar a marca D...” e a “atribuir à equipa de ciclismo continental sub-25 a designação UDO/D... .”

 

  1. A D...é uma empresa parceira da Requerente e um dos seus principais clientes, com créditos em dívida e pendentes de pagamento à Requerente.

 

  1. O Contrato de Patrocínio entre a Requerente e a B... teve início em 1 de dezembro de 2018, com prazo de vigência de 1 ano, sendo válido para a época desportiva de 2019.

 

  1. A B... cumpriu com as obrigações de publicidade à Requerente e à D..., durante a época desportiva de 2019, conforme registo fotográfico em eventos desportivos.

 

  1. Os carros de apoio, a fachada de autocarro e o equipamento dos desportistas incluíam as respetivas marcas da Requerente e da sociedade D... .

 

  1. Conforme ponto 1.6.7 do Relatório de Inspeção Tributária, a AT verificou que “existe na sede da A... uma camisola da equipa de ciclismo onde se pode ver a publicidade à D... e à A... (...).”

 

  1. A Requerente não formalizou acordo, nem faturou à D..., qualquer quantia referente à publicidade cujo pagamento suportou ao abrigo do Contrato de Patrocínio com a B... .

 

  1. A Requerente contratou a sociedade C..., Unipessoal, Lda., NIPC ..., para aquisição de serviços de construção civil, que emitiu, em 31 de dezembro de 2018, as faturas n.ºs 2018/92 e 2018/93, para “trabalhos diversos de construção em Restaurante...”, no valor total de 29.151,00 € e 21.894,00 €, respetivamente.

 

  1. A sociedade C..., prestadora dos serviços de construção civil, procedeu à liquidação do IVA nas respetivas faturas emitidas, cujo pagamento foi efetuado pela Requerente.

 

  1. Até ao momento as faturas n.ºs 2018/92 e 2018/93 não foram objeto de qualquer correção por parte da sociedade C... .

 

  1. A Requerente deduziu o IVA suportado com o pagamento das faturas emitidas pela sociedade C... .

 

  1. Embora discordando, a Requerente procede ao pagamento das liquidações adicionais emitidas pela AT, que derivam da correção da matéria coletável, por desconsideração do patrocínio como gasto fiscalmente dedutível em sede de IRC e IVA, e afastamento do direito à dedução do IVA suportado, em construção civil, por incumprimento do mecanismo de reverse charge.

 

IV.2. Factos Não Provados

 

Não se verificaram outros factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido considerados provados.

 

IV.3. Fundamentação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada, nos termos do artigo 123.º, n.º 2 do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência e conhecimento, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra estabelecida na lei é que o princípio da livre apreciação não domina na apreciação das provas produzidas. 

 

Em concreto, a convicção do Tribunal fundou-se nos documentos juntos aos autos pelas partes, incluindo os constantes no processo administrativo, bem como o acordo das partes, expresso ou por falta de impugnação, quanto aos respetivos factos alegados.

 

  1. Matéria de Direito     

 

V.1. Objeto e âmbito do processo

 

Face às posições assumidas pelas partes, vertidas nas respetivas peças processuais, cabe ao Tribunal Arbitral apreciar e decidir sobre as seguintes questões:

 

  1. Da ilegalidade e anulação da liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios, por alegada violação do regime de dedutibilidade de gastos (por referência à fatura de publicidade emitida pela B...), conforme artigo 23.º do Código do IRC;
  2. Da ilegalidade e anulação da liquidação de IVA e respetivos juros compensatórios, por alegada violação da dedutibilidade do imposto (por referência à fatura de publicidade emitida pela B...), conforme artigo 20.º do Código do IVA;
  3. Da ilegalidade e anulação de liquidação de IVA e respetivos juros compensatórios, por alegado incumprimento do mecanismo de reverse charge e violação do direito à dedução do imposto (por referência às faturas de serviços de construção civil emitidas pela C...), conforme artigo 20.º do Código do IVA.
  4. Do reembolso dos impostos e juros pagos, com referência às liquidações contestadas, acrescido de juros indemnizatórios.

 

V.2. Legislação relevante

 

Para efeitos de enquadramento prévio, o artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC determina que “O IRC incide sobre: (…) O lucro das sociedades comerciais”.

 

O artigo 17.º do Código do IRC clarifica que “O lucro tributável das pessoas colectivas (…) é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”

 

O artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC prevê que “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.”

 

O artigo 23.º, n.º 2, alíneas a) e b) do referido Código do IRC explicita que “Consideram-se abrangidos (…), nomeadamente, os seguintes gastos e perdas: (…) Os relativos à (…) aquisição de quaisquer bens ou serviços (…); (…) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo (…) publicidade”.

 

Os gastos dedutíveis devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito, nos termos do artigo 23.º, n.º 3 do Código do IRC.

 

Acresce que, no caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, em conformidade com o disposto no artigo 23.º, n.º 4 do mesmo Código, o documento comprovativo deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: “a) nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; b) números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional; c) quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; d) valor da contraprestação, designadamente o preço; e) data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.”

 

Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo deve obrigatoriamente assumir essa forma, nos termos do artigo 23.º, n.º 6 do Código do IRC.

 

O artigo 23.º-A do Código do IRC elenca, por sua vez, os encargos que não são considerados dedutíveis para efeitos fiscais, como, por exemplo, “os encargos cuja documentação não cumpra” com as exigências do artigo 23.º do mesmo Código.

 

Relativamente ao IVA, o artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do respetivo Código prevê que “Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado: (…) As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso”.

 

O artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA determina que “São sujeitos passivos do imposto: (…) As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços (…);

 

Sem prejuízo, o artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA, invertendo a regra, determina que os sujeitos passivos são “As pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.”

 

O artigo 7.º, n.º 1 do Código do IVA explicita que, em regra, “o imposto é devido e torna-se exigível: (…) b) Nas prestações de serviços, no momento da sua realização”.

 

O artigo 19.º, n.º 1 do Código do IVA regula o “direito à dedução”, determinado, à época, que “Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; (…) c) O imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidos pelas alíneas e), h), i), j), e l) do n.º 1 do artigo 2.º (…)”.

 

Só confere direito a dedução “o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo: a) em faturas passadas na forma legal”, nos termos do artigo 19.º, n.º 2 do Código do IVA. Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º do Código do IVA, consoante os casos.

 

O artigo 19.º, n.º 5 do Código do IVA dispõe que “No caso de faturas emitidas pelos próprios adquirentes dos bens ou serviços, o exercício do direito à dedução fica condicionado à verificação das condições previstas no n.º 11 do artigo 36.º”.

 

Concomitantemente, “Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação”, em conformidade com o artigo 19.º, n.º 8 do Código do IVA.

 

Nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA, “Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: (…) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas”.

 

O artigo 21.º do Código do IVA prevê, por sua vez, os casos de exclusão do direito à dedução do imposto.

 

V.3. Apreciação do Tribunal Arbitral

 

a) Dedutibilidade de gastos com publicidade em IRC e IVA

 

Sinteticamente, a AT entende que a fatura emitida pela B..., referente a publicidade, não configura um gasto dedutível pela Requerente. Em particular, a AT considera que o gasto incorrido pela Requerente deriva de publicidade da B... à sociedade D..., parceira e cliente da Requerente, sem vislumbrar qualquer interesse empresarial desta última. Mais defende que o gasto assumido pela Requerente não encontra previsão em qualquer acordo entre a mesma e a D..., nem foi faturado a esta, inexistindo, assim, fundamento para que a Requerente incorresse em tal custo, que não concorreu para a sua fonte produtora, pelo que não poderá ser deduzido fiscalmente.

 

Contrariamente, a Requerente entende que o gasto incorrido resulta de publicidade a que a B... se obrigou por força do Contrato de Patrocínio, incluindo a promoção que esta associação desportiva efetuou por referência às marcas da Requerente e da sua parceira D..., sua maior cliente, potenciando, direta e indiretamente, o negócio da Requerente.

 

Conforme acima explanado, o artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC prevê a dedutibilidade de todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

O artigo 23.º, n.º 2, alínea a) e b) do Código do IRC explicita que “gastos e perdas” abrangem, por exemplo, os custos relativos à “aquisição de quaisquer bens ou serviços” e “publicidade”.

 

A dedutibilidade fiscal de gastos pelos sujeitos de IRC é amplamente debatida na jurisprudência. Vejamos.

 

Em 24-06-2003, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 06350/02, acessível em www.dgsi.pt, mencionava:

 

“Nos termos do art.º 23.º do CIRC , só se consideram custos do exercício, os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora. (…)

 

É para definir o grupo dos elementos negativos que o art.° 23.° do CIRC enuncia, a título exemplifícativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora. (…)

 

A relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial.”

 

Também o Supremo Tribunal Administrativo, através do acórdão de 29-03-2006, proferido no processo n.º 01236/05, acessível em www.dgsi.pt, entendeu que:

 

“O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, com já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis. O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objeto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais”.

 

Em 30-11-2011, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0107/11, acessível em www.dgsi.pt, explicitava ainda que:

 

“da noção legal de custo fornecida pelo art.º 23.° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa.

 

A indispensabilidade a que se refere o art.º 23.° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.

 

A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa.

 

Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.”

 

Veja-se, também, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 20-12-2011, proferido no processo n.º 01747/06.3BEVIS, acessível em www.dgsi.pt:

 

“A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à actividade empresarial. Se o custo não é estranho à actividade da empresa, isto é, se se relaciona com a actividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menos o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.”

 

Mais recentemente, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 14-02-2019, proferido no processo n.º 74/01.7BTLRS, acessível em www.dgsi.pt, defendia que:

 

“A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no art.º 3.º do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu n.º 2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”. Por outro lado, é no art.º 17.º e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no art.º 23.º quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei. (…)

 

Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido art.º 23.º do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial.

 

A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. (…)

 

O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. (…)

 

Quanto ao enquadramento no aludido artigo 23.º do C.I.R.C., deve fazer-se menção a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:

a- É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr. art.º 23.º, n.º 1 do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica;

b- Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do art.º 23.º do C.I.R.C.;

c- A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr. art.º 75.º, n.º 1 da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado art.º 23.º do C.I.R.C.”

 

Considere-se, agora, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11-02-2021, proferido no processo n.º 309/06.0BESNT, acessível em www.dgsi.pt:

 

“um custo será aceite fiscalmente desde que, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios.”

 

Em 07-04-2021, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 01716/17.8BESNT, acessível em www.dgsi.pt, expunha ainda que:

 

“É no art.º 17.º e seg. do C.I.R.C. que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no art.º 23.º quais os custos (gastos e perdas, nas palavras do legislador) que, como tal, devem ser considerados pela lei. (…)

 

Num primeiro momento e para efeitos de dedutibilidade fiscal em ordem ao apuramento do lucro tributável, os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo, terão de passar pelo crivo geral do disposto no citado art.º 23.º do C.I.R.C. Na nova redacção introduzida no preceito pela Lei n.º 2/2014, de 16/01, são de considerar gastos e perdas para efeitos fiscais todos os que, contabilizados, visam, potencialmente, a obtenção ou garantia dos rendimentos que vão ser sujeitos a imposto.

 

Ou seja, todos aqueles que não obedeçam ao comando do disposto do n.º 1 do art.º 23 do C.I.R.C., não serão dedutíveis para efeitos de determinação da matéria colectável.”

 

O acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24-06-2021, proferido no processo n.º 7872/14.0BCLSB, acessível em www.dgsi.pt, explicita que:

 

“É no conceito de indispensabilidade ínsito no art.º 23.º do CIRC que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta o a distinção fundamental entre o custo efectivamente incorrido no interesse colectivo da empresa e o que (…) não pode (…) ser considerado custo dedutível. (…)

 

Este é uma despesa com um fim empresarial, o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e directamente lucrativo, mas que tem, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa. (...)

 

Assim, a relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é, ou não, empresarial.”

 

Veja-se, também, o exposto no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24-06-2021, proferido no processo n.º 2716/04.3BELSB, acessível em www.dgsi.pt, de onde resulta que:

 

“Nos termos do art.º 23.º do CIRC, na redacção ao tempo, um custo é fiscalmente dedutível se estiver comprovado e for indispensável para a realização dos proveitos. (…) A indispensabilidade assenta numa relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, visando direta ou indiretamente, a obtenção de lucros, tendo presente o seu objecto societário.”

 

Em conformidade com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 08-07-2021, proferido no processo n.º 311/03.3BTLRS, acessível em www.dgsi.pt:

 

“Cabe à AT pôr em causa a indispensabilidade de um determinado “custo” (gasto), através da evidenciação de indícios sólidos e consistentes da sua dispensabilidade “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” (art.º 74.º, n.º 1 da LGT), face à presunção de veracidade de que goza as declarações dos contribuintes e os dados inscritos na sua contabilidade (art. 75.º, n.º 1 da LGT); (…)

 

O requisito de indispensabilidade do “custo” (gasto) do art. 23.º do CIRC tem de ser aferido através de um juízo casuístico, não podendo associar-se ao êxito de gestão, não se confundindo com a sua oportunidade ou conveniência, não abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal), antes abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim.”

 

O acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28-10-2021, proferido no processo n.º 67/04.2 BESNT, acessível em www.dgsi.pt, expõe, também, que :

 

“Nos termos do art.º 23° do CIRC, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora. (…)

 

Serão, assim, indispensáveis, os custos que apresentem conexão com a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto (critério do fim) ou, em alternativa os custos que apresentem conexão com a fonte produtora (critério da fonte). (…)

 

Se a Autoridade Tributária e Aduaneira questionar a indispensabilidade do gasto cabe à contribuinte o ónus da prova da sua qualificação como custo dedutível.”

 

Atente-se, por fim, ao exposto no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 02-11-2023, proferido no processo n.º 9731/16.2 BCLSB, acessível em www.dgsi.pt:

 

“Um custo será fiscalmente dedutível se por reporte ao momento em que foi contraído se mostrar adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros (…). Estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.”

 

Ora, atento o caso concreto em análise, verificamos que a Requerente e a associação B... celebraram, em 5 de novembro de 2018, um contrato denominado “Contrato de Patrocínio”, através do qual a Requerente pretendia contribuir para o suporte de despesas relacionadas com as atividades desportivas daquela associação de ciclismo.

 

Ao abrigo do “Contrato de Patrocínio” formalizado entre aquelas partes, a Requerente obrigou-se ao pagamento da quantia de 30.000,00 € (trinta mil euros), em contrapartida das obrigações assumidas pela associação B... .

 

A B..., tendo por referência aquele “Contrato de Patrocínio”, emitiu a fatura n.º FT 2018/55, em 31-12-2018, no valor total de 36.900,00 € (trinta e seis mil novecentos euros), incluindo IVA, a pagar pela ora Requerente.

 

Como alega a AT, é certo que a cláusula 4.ª do Contrato de Patrocínio estipula que “como contrapartida pela divulgação e publicitação da Marca D..., durante a Época Desportiva de 2019, a [Requerente] concede à [B...] o valor de 30.000,00 € (trinta mil euros) (…)”. Sendo que, nos termos da cláusula 3.ª do contrato em causa, a B... obrigava-se a “publicitar e divulgar a marca D...” e a “atribuir à equipa de ciclismo continental sub-25 do B... a designação UDO/D...”.

 

Não obstante, o Tribunal Arbitral não pode ignorar, nem a AT o faz, aliás, nomeadamente nos pontos 1.6.3. e 1.6.7. do Relatório de Inspeção Tributária, que a mesma cláusula 3.ª do referido Contrato de Patrocínio também determina, expressamente, diversas obrigações a cumprir pela associação B..., incluindo, nomeadamente, “divulgar a marca e nome da [Requerente] através de material promocional e equipamentos utilizados”, “inserção da marca A...” nos equipamentos da equipa de ciclismo, “inclusão da marca no site oficial da equipa de ciclismo”, “inclusão da marca no exterior das viaturas de apoio” e “inclusão da marca nos materiais possíveis”, como, por exemplo, “flash interviews”.

 

Ou seja, por interpretação da redação do contrato formalizado entre a Requerente e a associação desportiva B..., e considerando a emissão de fatura pela associação à Requerente, com descrição “Publicidade – Equipa de Ciclismo”, e a demais prova produzida nos autos, atendendo, inclusive, ao processo administrativo, e existência de prova relativa a equipamentos, materiais e eventos desportivos, o Tribunal Arbitral não pode não concluir que o pagamento efetuado pela Requerente à B... abrangia, também, a publicidade daquela associação à marca da Requerente, e não apenas a publicidade à marca da parceira D... .

 

Com efeito, evocando a jurisprudência acima, e demonstrando-se que a fatura emitida pela B... e paga pela Requerente respeita, também, à publicidade daquela à ora Requerente, não pode aquele custo assumido pela Requerente ser totalmente desconsiderado para efeitos fiscais, em sede de IRC, ao invés das correções efetuadas pelas Requerida.

 

A própria AT admite, contraditoriamente, que a publicidade abrangia a ora Requerente, reconhecendo a existência de materiais com a marca da referida empresa.

 

Ou seja, é evidente que o contrato celebrado com a B... não visava apenas a promoção de uma sociedade terceira – a mencionada  D...–, mas também a própria Requerente.

 

É, também, indiscutível que a promoção da marca da Requerente é tendente à realização de rendimentos sujeitos a IRC. Acresce que a AT não deve ingressar em considerações superficiais quanto à pertinência do gasto assumido pelo contribuinte.

 

Considere-se, agora, o exposto na decisão arbitral de 24-01-2023, proferida no processo n.º 321/2022-T, acessível em www.caad.pt:

 

“São gastos dedutíveis em sede de IRC aqueles que cumprirem os requisitos constantes do artigo 23.º do Código do IRC e cuja dedutibilidade não seja excluída nos termos do artigo 23.º-A do mesmo Código.

 

Do conjunto daqueles enunciados normativos extraem-se os seguintes requisitos para a dedutibilidade dos gastos em sede fiscal: (…) natureza finalística, consistindo, no fundo, na justificação do gasto. A lei deixou de falar em indispensabilidade dos gastos, como fazia anteriormente, sendo agora determinante para a dedutibilidade que o gasto tenha como objetivo contribuir para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (segunda parte do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC).”

 

Por conseguinte, a AT não poderia tratar o gasto em causa, ou seja, a publicidade, como se se tratasse apenas de um custo assumido pela Requerente em que o único alegado beneficiário seria a referida sociedade  D...– o que não corresponde à realidade.

 

Não significa isto que se admita, sem mais, a consideração integral da fatura, ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC, na parte respeitante à publicidade à parceira D... . Face aos factos alegados e à prova produzida, não se afigura demonstrado que o gasto relativo à publicidade da marca da parceira da Requerente se configure, também, como custo dedutível para efeitos fiscais.

 

Na verdade, a mera alegação de que a parceira D... é um dos maiores clientes da Requerente é circunstancial e não se afigura suficiente para, probatoriamente, configurar aquele custo, na respetiva proporção, como sendo efetuado, também, no efetivo interesse da sociedade Requerente, mas sim no interesse daquele terceiro.

 

Sem prejuízo, o facto de não haver qualquer acordo entre a Requerente e a D..., nem fatura relacionada com a publicidade da B... à referida parceira, não afasta, pelo menos, a efetiva publicidade daquela associação desportiva à ora Requerente, em conformidade com o referido Contrato de Patrocínio.

 

É entendimento deste Tribunal Arbitral que a publicidade à Requerente associada ao referido patrocínio é um gasto fiscalmente dedutível. Na verdade, não há como concluir, legitimamente, que os gastos não tenham sido incorridos, pelo menos, em termos parciais, para promoção da marca e do interesse social da Requerente.

 

Sempre se dirá que, na eventualidade de não ser possível fixar, por via de avaliação direta, a parte dedutível e não dedutível do gasto incorrido, afigura-se que a AT deveria recorrer a métodos de avaliação indireta, nos termos do artigo 87.º, n.º 1, alínea b) da LGT e artigo 57.º do Código do IRC, o que poderia resultar, ou não, na consideração a 50% do gasto assumido pela Requerente, conforme subsidiariamente alegado pela parte – mas nunca na desconsideração total do gasto em causa, como aconteceu.

 

Certo é que a AT não poderia, assim, ter desconsiderado integralmente a fatura como custo dedutível, razão pela qual o Tribunal Arbitral considera que a liquidação controvertida é ilegal, por violação do artigo 23.º do Código do IRC, e, por isso, anulável, nos termos da legislação aplicável.

 

Como defendido na decisão arbitral de 31-01-2023, proferida no processo n.º 379/2022-T, acessível em www.caad.pt, “A consideração como gastos fiscais, nos termos do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, não depende de uma relação de causalidade entre gastos incorridos pelo sujeito passivo e a obtenção de rendimentos, bastando que aqueles sejam suportados pelo sujeito passivo no interesse da empresa. O artigo 23.º do Código do IRC não se reconduz a uma norma anti abuso, que possa ser utilizada em substituição do artigo 38.º, n.º 2 da LGT.”

Refira-se, pois, que a aplicação do artigo 23.º do Código do IRC não pode funcionar como se tratasse de uma cláusula anti abuso, conforme alegado pela Requerente, irrelevando, assim, as alegações da AT relativamente a especiais ligações entre os sujeitos passivos envolvidos e representantes legais.

 

Por outro lado, como exposto na decisão arbitral de 09-07-2018, proferida no processo n.º 52/2018-T, acessível em www.caad.pt: "Conforme resulta da análise conjugada dos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA, as despesas que tenham função publicitária são despesas cujo IVA liquidado confere o direito à dedução”. Não obstante, “Dos contratos juntos aos autos não resulta a discriminação dos valores imputáveis às despesas de publicidade (…), tendo o Requerente entendido, (…) deduzir integralmente o IVA (…)”, sendo que “considerando que não estão discriminados os valores que cada serviço tem no negócio em geral, nem sendo possível estabelecer com rigor qual a proporção do valor pago que deve ser atribuído à componente publicitária dos contratos, a AT deveria ter recorrido à avaliação indirecta”, atendendo ao artigo 90.º do Código do IVA.

 

Atente-se, ainda, ao teor da decisão arbitral de 09-11-2018, proferida no processo n.º 292/2018-T, acessível em www.caad.pt:

 

“ao contrário do mecenato, o patrocínio é uma relação eminentemente comercial entre as duas partes, através da qual a entidade patrocinadora oferece um produto, um serviço ou um financiamento à entidade patrocinada, que usufrui dele e lhe garante uma contrapartida geradora de retorno financeiro. (…)

 

Ou seja, o objetivo do patrocínio é a promoção comercial (…) porquanto o patrocínio visa habitualmente cimentar a notoriedade de uma empresa ou instituição, ou valorizar um produto, imagem, marca ou serviço. (…)

 

E, é este objectivo que resulta do teor do contrato de patrocínio anexado, sem que tal afaste a caracterização, para efeitos de IVA, das despesas associadas.”

 

Considerando o disposto nos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA, o imposto suportado com publicidade deverá, também, ser deduzido, padecendo, assim, a respetiva liquidação contestada de vício de violação da lei, sendo, por isso, também, anulável, conforme peticionado.

 

b) Direito à dedução de IVA em caso de incumprimento do mecanismo de reverse charge em serviços de construção civil 

 

A AT entende que, por força do incumprimento do mecanismo de reverse charge, em serviços de construção civil adquiridos pela Requerente, não pode esta exercer o direito à dedução do imposto indevidamente liquidado pelo respetivo prestador de serviços.

 

Contrariamente, a Requerente entende que, não dependendo dela a correção das faturas incorretamente emitidas pelo prestador de serviços, não deve ser afastada a possibilidade de exercer o direito à dedução do imposto que suportou com o pagamento das faturas incorretamente emitidas por aquele terceiro.

 

Neste âmbito, atente-se, desde logo, ao exposto na decisão arbitral de 17-06-2020, proferido no processo n.º 577/2019-T, acessível em www.caad.pt:

 

“A Autoridade Tributária desconsiderou ainda o direito à dedução de imposto relativamente a um conjunto de facturas emitidas pelo prestador do serviço por entender que era aplicável a regra da inversão do sujeito passivo, segundo o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do CIVA, por estarem em causa, em qualquer desses casos, serviços de construção civil. (…)”

Podemos dizer que o TJUE tem vindo a relativizar de algum modo os requisitos de forma para o exercício do direito à dedução e a função que nisso cabe às facturas. O tribunal admite que a substância das operações prevaleça sobre os vícios da factura, quando estejam em causa elementos previstos exclusivamente na lei interna dos Estados-membros, e na limitada medida em que a Directiva IVA permite a sua introdução. E o tribunal admite mesmo que a substância das operações prevaleça sobre os vícios das facturas relativos a elementos tipificados na Directiva IVA, posto que não se crie com isso risco de fraude.

 

O objectivo desta abordagem flexível é o de garantir o direito à dedução a qualquer sujeito passivo que efectivamente tenha suportado o pagamento do imposto. A multiplicação de exigências pelos Estados-membros no momento de emissão de facturas pode levar a que se dificulte ou anule o direito à dedução por quem deve exercê-lo em substância, um resultado frontalmente contrário aos objectivos prosseguidos pela Directiva IVA. Foi assim que o TJUE acabou por desenvolver uma variante do princípio da proporcionalidade ao lidar com estes casos, reiterando  sempre que “as formalidades assim estabelecidas pelo estado membro em causa e que devem ser respeitadas pelo sujeito passivo para poder exercer o direito à dedução não pode ultrapassar o estritamente necessário para controlar a aplicação correcta do procedimento de autoliquidação” (…).”

 

Considere-se, também, o exposto na decisão arbitral de 27-09-2021, proferida no processo n.º 745/2020-T, acessível em www.caad.pt:

 

“O TJUE tem afirmado reiteradamente que «no contexto do regime de autoliquidação, o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução do IVA pago a montante seja concedida se os requisitos substanciais tiverem sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (acórdãos de 8 de Maio de 2008, Ecotrade, C‑95/07 e C‑96/07, Colect., p. I‑3457, n.º 63, e de 30 de Setembro de 2010, Uszodaépítö, C‑392/09, Colect., p. I‑0000, n.º 39). Uma vez que a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo, enquanto destinatário das transacções em causa, é devedor do IVA, não pode impor, no que diz respeito ao seu direito a dedução, condições adicionais que possam ter por efeito a inviabilização absoluta do exercício desse direito (acórdãos, já referidos, Ecotrade, n.º 64, e Uszodaépítö, n.º 43)».

 

Especificamente sobre serviços de construção, o TJUE decidiu no acórdão de 30-10-2010, processo C-392/09, que

35 O regime das deduções destina‑se a libertar completamente o sujeito passivo do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do IVA garante, consequentemente, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, desde que as referidas actividades estejam, em princípio, elas próprias, sujeitas ao IVA (v. acórdãos de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National, C‑408/98, Colect., p. I‑1361, n.º 24; de 21 de Abril de 2005, HE, C‑25/03, Colect., p. I‑3123, n.º 70; e de 6 de Julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C‑439/04 e C‑440/04, Colect., p. I‑6161, n.º 48).

39 A este respeito, já foi decidido que o princípio da neutralidade fiscal exige que a dedução do IVA a montante seja concedida se os requisitos substantivos tiverem sido cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (acórdão de 8 de Maio de 2008, Ecotrade, C‑95/07 e C‑96/07, Colect., p. I‑3457, n.º 63).

40 Consequentemente, dado que a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo é, enquanto destinatário das operações em causa, devedor do IVA, os artigos 167.º, 168.º e 178.º, alínea f), da Directiva 2006/112 obstam a que uma legislação imponha, no que diz respeito ao direito do referido sujeito passivo a deduzir esse imposto, condições adicionais que podem ter por efeito a impossibilidade absoluta do exercício desse direito (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Bockemühl, n.º 51, e Ecotrade, n.º 64).

46 Nestas condições, os artigos 167.º, 168.º e 178.º da Directiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação retroactiva de uma legislação nacional que, no âmbito de um regime de autoliquidação, subordina a dedução do IVA relativo a prestações de serviços de construção à rectificação das facturas relativas às referidas operações e à apresentação de uma declaração complementar rectificativa, apesar de a autoridade fiscal em causa dispor de todos os dados necessários para demonstrar que o sujeito passivo é devedor do IVA, enquanto destinatário das operações em causa, e para verificar o montante do imposto dedutível.

        

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

 

A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

 

À luz desta jurisprudência do TJUE é manifesto que o n.º 8 do artigo 19.º do CIVA, ao estabelecer que «nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação», é incompaginável com o direito da União Europeia, na medida em que for aplicável a situações em que a Administração Tributária está na posse de todos os elementos que permitem concluir que o sujeito passivo suportou IVA para realizar operações tributadas.

 

Na verdade, como se refere no parágrafo 46 do citado acórdão proferido no processo C-392/09, numa situação em que a Administração Tributária está em condições de concluir que estão verificados os requisitos materiais do direito à dedução, não pode «subordinar a dedução do IVA relativo a prestações de serviços de construção à rectificação das facturas relativas às referidas operações e à apresentação de uma declaração complementar rectificativa», o que, neste caso, nem sequer estava na disponibilidade do sujeito passivo, pois a regularização deveria ser efectuada pelos prestadores dos serviços.

 

Pelo exposto, as liquidações de IVA impugnadas, nas partes em que têm como pressupostos a não aplicação da regra da inversão do sujeito passivo, enfermam de vício de violação de lei, designadamente do princípio da neutralidade e dos artigos 167.º, 168.º e 178.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que o concretizam.

 

Este vício justifica a anulação das liquidações de IVA, nas partes referidas, se harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c) da LGT.”

 

 

Ora, evocando a jurisprudência arbitral acima transcrita, e à qual se adere, entende o presente Tribunal Arbitral que as faturas emitidas pela sociedade C..., em 31 de dezembro de 2018, relativas a serviços de construção civil adquiridos pela Requerente, pese embora o evidenciado incumprimento do mecanismo de reverse charge, à luz do Direito da União Europeia, interpretado pelo TJUE, não obstam, nestes casos, em que a AT dispõe da necessária informação para o efeito, a que a Requerente proceda à dedução do imposto indevidamente liquidado pela referida sociedade C... .

 

É certo que o mecanismo de reverse charge deveria ter sido cumprido e que o seu não cumprimento é gerador de eventual responsabilidade contraordenacional. Mas, para efeitos do presente processo arbitral, e à semelhança da jurisprudência arbitral evocada, nem se verificando qualquer prejuízo para o erário público, não se justifica o impedimento excessivamente formalista a essa dedução.

 

Tendo a Requerente suportado o IVA naquelas operações de aquisição de serviços de construção civil, destinados ao exercício de atividade tributada, ainda que não através do mecanismo de autoliquidação, mas por pagamento de faturas com IVA indevidamente liquidado pelo prestador dos serviços, e tendo o correspondente imposto sido entregue aos cofres do Estado, afigura-se que, à luz da jurisprudência do TJUE, a neutralidade fiscal deverá impor-se.

 

Ou seja, atento o princípio da neutralidade, cimeiro no Direito da União Europeia, o direito à dedução do imposto não deverá ser absolutamente vedado com base numa questão puramente formal, como a menção indevida do imposto nas faturas emitidas, nomeadamente quando não haja evidência comprovada de fraude fiscal.

 

Com efeito, o imposto suportado pela Requerente deverá poder ser deduzido, em sede de IVA, pelo que a respetiva liquidação contestada é ilegal, por violação do princípio da neutralidade fiscal, sendo, por isso, anulável, conforme peticionado.

 

V.4. Do reembolso dos tributos liquidados e pagamento de juros indemnizatórios

 

Nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de onde tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Face à ilegalidade das correções efetuadas pela AT, através de liquidações oficiosas, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT, calculados, por referência à quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa legal, conforme artigos 35.º, n.º 10 e 43.º, n.º 4 da LGT.

 

  1. Decisão

 

Face ao exposto, decide este Tribunal Arbitral:

 

Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais e anular as liquidações impugnadas, com consequente restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legais.

 

  1. Valor

 

Fixa-se o valor do processo em 31.911,37 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea b) do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VIII.   Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.836.00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5 do citado Regulamento.

Notifique-se.

Lisboa, 9 de janeiro de 2024

A árbitra

Adelaide Moura