SUMÁRIO:
Face à prova produzida, que aponta em sentido contrário ao afirmado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no relatório de inspeção, terá de se ficar numa situação de dúvida sobre a alegada natureza das operações subsumíveis à verba 4.2. da Lista I anexa ao CIVA, quanto aos serviços de assistência técnica prestados pela Requerente aos seus clientes agricultores, dúvida essa que, por força do disposto no artigo 100.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Maria do Rosário Anjos e José Coutinho Pires, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
A..., CRL., pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... ... (doravante “Requerente”), Vem, ao abrigo dos artigos 95.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e h), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 97.º, n.º 1, alíneas a) e q), 102.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 99.º, alíneas a) e c), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 22.º, n.º 13, e 97.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“CIVA”), 2.º, n.º 1, alínea a), artigo 3.º, n.º 1, 5, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL COLECTIVO tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) acima identificadas, referentes aos anos de 2018 a 2022, das liquidações de juros compensatórios subjacentes a essas, e, nessa medida, das decisões de indeferimento dos pedidos de reembolso emitidas nesse contexto, acima identificadas, referentes aos períodos de tributação 2018/12M, 2020/03M e 2020/12T.
É Requerida a AT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 12 de abril de 2023.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 1 de junho de 2023, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 10 de setembro de 2023.
Por despacho de 11 de outubro de 2023, o TAC proferiu o seguinte despacho:
“1. Designa-se o dia 20 de novembro de 2023, pelas 10h30 horas, nas instalações do CAAD, para realização da audiência para produção de prova testemunhal.
2. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.
Notifiquem-se as partes do presente despacho.”
A audiência foi realizada na data designada e as partes apresentaram as respetivas alegações.
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DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
II.1 Posição da Requerente
A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:
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Com o pedido de pronúncia arbitral na origem dos presentes autos, a Requerente visa a apreciação da (i)legalidade das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado ("IVA") e juros compensatórios, referentes aos anos de 2018 a 2022, e das decisões de indeferimento dos pedidos de reembolso de IVA por si apresentados e relativas aos períodos de tributação 2018/12M, 2020/03M e 2020/12T, que se identificam infra:
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Liquidações de IVA e juros compensatórios:
Valores em EUR
Período
|
Liquidação De Imposto N.º
|
Montante
|
Liquidação De Juros Compensatórios N.º
|
Montante
|
2018/03T
|
2022 ...
|
0,00
|
N/A
|
N/A
|
2018/06T
|
2022 ...
|
13.204,86
|
2022 ...
|
2.185,13
|
2018/09T
|
2022 ...
|
788,74
|
2022 ...
|
122,65
|
2018/12T
|
2022 ...
|
2.068,49
|
2022 ...
|
2.759,45
|
2022 ...
|
300,80
|
2019/03T
|
2022 ...
|
108,77
|
N/A
|
N/A
|
2019/06T
|
2022 ...
|
15.586,51
|
2022 ...
|
1.967,74
|
2019/09T
|
2022 ...
|
4.666,61
|
2022 ...
|
540,04
|
2019/12T
|
2022 ...
|
3.631,28
|
2022 ...
|
383,62
|
2020/03T
|
2022 ...
|
1.132,16
|
2022 ...
|
104,13
|
2023 ...
|
1.863,48
|
2023 ...
|
70,84
|
2023 ...
|
55,62
|
2020/06T
|
2023 ...
|
13.730,42
|
2023 ...
|
1.221,81
|
2020/09T
|
2022 ...
|
2.108,02
|
2022 ...
|
199,14
|
2023 ...
|
6.883,86
|
2023 ...
|
373,16
|
2020/12T
|
2023 ...
|
2.745,16
|
2023 ...
|
629,04
|
2023 ...
|
187,72
|
2021/03T
|
2022 ...
|
294,41
|
2023 ...
|
215,39
|
2023 ...
|
3.639,77
|
N/A
|
N/A
|
2021/06T
|
2022 ...
|
25.229,61
|
2022 ...
|
1.205,43
|
2021/09T
|
2022 ...
|
13.938,67
|
2022 ...
|
536,16
|
2021/12T
|
2022 ...
|
13.951,87
|
N/A
|
N/A
|
2022/03T
|
2022 ...
|
2.843,91
|
2022 ...
|
73,79
|
2022/06T
|
2022 ...
|
4.188,01
|
2022 ...
|
54,85
|
— cfr. documentos n.os 1 a 18 juntos ao Requerimento de Constituição de Tribunal Arbitral;
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Decisões de indeferimento de pedidos de reembolso de IVA:
Período
|
Pedido De Reembolso N.º
|
Data Do Indeferimento
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2018/12T
|
...
|
14-12-2022
|
2020/03T
|
...
|
14-12-2022
|
2020/12T
|
...
|
18-01-2023
|
— cfr. documento n.º 19 junto ao Requerimento de Constituição de Tribunal Arbitral;
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Os atos tributários em referência foram emitidos em concretização das correções determinadas nos procedimentos de inspeção tributária instaurados e levados a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ...aos períodos de 2018 a 2021 da ora Requerente, ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2022..., OI2022..., OI2022... e OI2022..., para análise do direito da Requerente aos reembolsos solicitados — cfr. documentos n.ºs 20 a 23 juntos ao Requerimento de Constituição de Tribunal Arbitral;
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Em síntese, as correções ao imposto liquidado pela ora Requerente nos períodos de 2018 a 2022 foram determinadas, por tais Serviços, com fundamento na incorreta aplicação da taxa reduzida de IVA de 6%, prevista na verba 4.2., alínea f), da Lista I anexa ao Código do IVA, a «prestações de serviços de assistência técnica» — cfr. documentos n.ºs 20 a 23 juntos ao Requerimento de Constituição de Tribunal Arbitral;
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A Requerente considera que os atos em referência são ilegais e consequentemente anuláveis, ex-vi artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo ("CPA"), razão por que apresentou o pedido de pronúncia arbitral na origem dos presentes autos.
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No presente caso, a questão decidenda reconduz-se à análise do escopo da verba 4.2., alínea f), da Lista I do CIVA, na qual se determina que se encontram sujeitas a uma taxa reduzida de imposto as «prestações de serviços que contribuem para a produção agrícola e aquícola», designadamente, as que se refiram a «assistência técnica» nos referidos sectores.
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Como se salientou em sede de Requerimento de Constituição de Tribunal Arbitral, o tratamento jurídico-tributário conferido às prestações de serviços agrícolas efetuadas com carácter acessório por um produtor agrícola sofreu uma mutação com a aprovação da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro ("Lei do Orçamento do Estado para 2013"):
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Até 1 de Abril de 2013 (data da produção de efeitos das alterações adiante descritas), as prestações de serviços agrícolas efetuadas com carácter acessório por um produtor agrícola — melhor descritas no então Anexo B do Código do IVA —, estavam isentas de IVA por força da então vigente alínea 33) do artigo 9.º;
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Com as alterações promovidas pelos 195.º a 199.º da Lei do Orçamento do Estado para 2013, essas prestações de serviços agrícolas efetuadas com carácter acessório por um produtor agrícola passaram de isentas para sujeitas a imposto e dele não isentas, ainda que abrangidas pela taxa reduzida de IVA de 6%, por força da aprovação da nova verba 4.2. da Lista I anexa ao CIVA.
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A alteração introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2013 foi justificada ao sector agrícola como forma de atrair uma economia habitualmente paralela para o universo de tributação, incentivando os operadores económicos ao registo contabilístico e fiscal dos serviços por si desenvolvidos, e terá sido desencadeada em virtude da condenação da República Portuguesa no processo C-524/10, que correu os seus termos perante o Tribunal de Justiça da União Europeia.
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De um confronto entre o regime atualmente em vigor e o regime que o precedeu resulta que o legislador não se limitou a transformar as normas de isenção em normas de incidência da taxa reduzida, antes tendo ampliado o leque de serviços relacionados com a agricultura que passaram a beneficiar da taxa reduzida, em linha com o que a Diretiva IVA prevê:
Artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva IVA:
«1. Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:
[…]
c) As prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade»;
Artigo 96.º da Diretiva IVA:
«Os Estados-Membros aplicam uma taxa normal de IVA fixada por cada Estado-Membro numa percentagem do valor tributável que é idêntica para a entrega de bens e para a prestação de serviços»;
Artigo 98.º, n.os 1 e 2, da Diretiva IVA:
«1. Os Estados-Membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas.
2. As taxas reduzidas aplicam-se apenas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do Anexo III.
As taxas reduzidas não se aplicam aos serviços referidos na alínea k) do n.o 1 do artigo 56.o».
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Com relevância para a matéria em crise nos presentes autos, prevê o n.º 11 da Anexo III que os Estados-Membros podem aplicar as taxas reduzidas de imposto previstas no artigo 98.º da Diretiva IVA à «prestação de serviços do tipo utilizado normalmente na produção agrícola […]» [sublinhados e realces nossos].
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Os preceitos em referência foram transpostos para a ordem jurídica portuguesa, encontrando-se concretizados nos artigos 1.º, n.º 1, alínea a), e 18.º, n.º 1, do CIVA:
Artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do CIVA:
«1 – Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:
a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal»;
Artigo 18.º, n.º 1, do CIVA:
«As taxas de imposto são as seguintes:
a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6%;
b) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista II anexa a este diploma, a taxa de 13%;
c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 23%».
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Por seu turno, em clara transposição do n.º 11 do Anexo III da Diretiva IVA, na sua alínea f), a verba 4.2. da Lista I do CIVA consagra a tributação dos serviços de assistência técnica agrícola à taxa reduzida de 6%, nos seguintes termos:
«4.2. – Prestações de serviços que contribuem para a produção agrícola e aquícola, designadamente as seguintes:
[…]
f) A assistência técnica».
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Ou seja: em linha com a Diretiva IVA, o legislador nacional optou por um conceito amplo de «assistência técnica», suscetível de abranger, nomeadamente, prestações de serviços nas quais se verifique a subcontratação de entidades terceiras.
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Contrariamente ao sustentado pelos Serviços de Inspeção Tributária e subsequentemente reafirmado pela Administração Tributária nos presentes autos, nos casos em que recorre a subcontratação para garantir o desenvolvimento dos seus serviços, a ora Requerente não se limita a intermediar a cadeia de prestação de serviços, dando um verdadeiro contributo para a profissionalização e requalificação do sector agrícola, cumprindo o propósito com que foi constituída.
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Como resulta dos depoimentos prestados nos presentes autos, a subcontratação de terceiros ocorre para suprir carências sentidas pela ora Requerente nos serviços de cariz administrativo, não tendo diretamente impacto nos «serviços de assistência técnica», que continuam a ser desenvolvidos por engenheiros agrónomos acreditados e pertencentes à Requerente.
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Por outras palavras: nos casos em que recorre a subcontratação, a Requerente restringe essa subcontratação aos serviços de natureza administrativa (como o apoio a candidaturas), continuando os «serviços de assistência técnica» a ser prestados única e exclusivamente pelos seus técnicos agrícolas, contribuindo a Requerente, mesmo nesses cenários, de forma direta e inequívoca para o sector agrícola através dos «serviços de assistência técnica».
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Simplificando: os terceiros subcontratados dedicam-se à vertente administrativa da atividade da ora Requerente, trabalhando em conjunto com os técnicos agrícolas da mesma, complementando o serviço para o qual só esses técnicos gozam de competência, mas sempre nos limites das suas competências.
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Face ao entendimento vertido na página 39 da apresentação junta aos presentes autos como documento n.º 34, a Requerente considera que os serviços de apoio a candidaturas acima referidos poderiam (e deveriam) ser abrangidos pela taxa reduzida de imposto, na medida em que a sustentabilidade do sector agrícola depende praticamente na íntegra dos apoios nacionais e comunitários, mesmo nos casos em que a Requerente recorresse a terceiros subcontratados, porquanto, mesmo nesse cenário, a Requerente contribuiria de forma imprescindível para tais serviços.
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Em todo o caso, a Requerente adota uma postura conservadora e fatura esses serviços de apoio a candidaturas à taxa normal de imposto de 23%, conferindo-lhes o mesmo tratamento que confere aos serviços de contabilidade, nomeadamente — cfr. documento n.º 35.
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Ao nível da sua faturação, a ora Requerente efetua assim uma destrinça entre:
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Os serviços estritamente documentais, sem qualquer conexão com os fatores de produção, em que se inserem os serviços desenvolvidos por entidades subcontratadas, como o apoio a candidaturas, para além dos serviços de contabilidade (outrora prestados), os quais são faturados à taxa normal de IVA de 23%, e
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Os serviços relacionados com os fatores de produção, em que se inserem os «serviços de assistência técnica», os quais são faturados à taxa reduzida de IVA de 6%, com fundamento na verba 4.2., alínea f), da Lista I anexa ao CIVA.
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Face a todo o exposto, não merece acolhimento a tese vertida nos Relatórios Finais de Inspeção Tributária e subsequentemente reiterada na Resposta apresentada nos presentes autos pela Administração Tributária, com base na qual a Administração Tributária recusa a aplicação da taxa reduzida de 6% aos «serviços de assistência técnica» prestados pela Requerente, porquanto resulta inegável da factualidade acima exposta que esses serviços são prestados diretamente pela Requerente, e não por entidades terceiras subcontratadas, integrando o conceito definido na Diretiva IVA e no CIVA.
II.2 Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
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No caso concreto verifica-se que o dissídio assenta numa divergência entre a Requerente e a AT no que respeita à aplicabilidade da verba 4.2. da Lista I anexa ao CIVA, aos serviços de assistência técnica prestados pela Requerente aos seus clientes agricultores.
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De acordo com a Requerente a taxa de IVA praticada depende do serviço prestado, sendo que todos os serviços são faturados à taxa de 23%, com exceção de um: o serviço de assistência técnica, que é faturado a uma taxa reduzida de 6%.
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Ou seja, aos serviços de contabilidade, consultoria, serviços de projetos e serviços de gestão aplica-se uma taxa de 23%.
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Já aos serviços de assistência técnica (aqueles que a Requerente entende estarem diretamente ligados ao sector agrícola) aplica a taxa reduzida de 6%, nos termos da alínea f) da verba 4.2 da Lista I anexa ao CIVA.
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Refere que apenas considera assistência técnica os serviços que são prestados diretamente nas explorações agrícolas dos seus associados, tais como recolhas de terra para análise e deslocação às explorações agrícolas para análise e gestão.
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Verifica-se que a Requerente liquidou imposto à taxa reduzida na grande maioria das prestações de serviços efetuadas, concretamente 84,84% da base tributável (BT), no montante de €231.034,28 em 2018, 80,7% da BT, no montante de €224.931,08 em 2019, 77,20% da BT, no valor de €211.810,30 em 2020 e 80,22%, no montante de €356.126,86 no que respeita ao ano de 2021 (cf. dados relativos aos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021).
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Importa, também, assinalar que, nos anos em análise, sujeitou à taxa normal, 15,08% (2018) - €41.072,50 -19,1% (2019) – €53.375,42 - 22,79% (2020) - €62.542,43 – e 19,78% (2021) - €87.812,44 -, da sua faturação referente a prestações de serviços de assistência técnica que presta diretamente aos clientes.
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E que não possui qualquer maquinaria agrícola, ou outra, necessária à execução de trabalhos agrícolas que contribuam diretamente para a produção agrícola, como por exemplo sementeira, ceifa, plantio, entre outras…
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Na realidade a Requerente é um mero intermediário de prestações de serviços, isto é, recorre a fornecedores que prestam serviços diretamente aos clientes agricultores da Requerente.
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Ou seja, os seus fornecedores é que prestam diretamente o serviço aos seus clientes finais agricultores e não a própria Requerente.
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Assim sendo, importa verificar qual a origem do imposto deduzido por esta e perceber que taxas de imposto foram aplicadas pelos fornecedores.
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Feita a mencionada verificação, constataram os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da DF de
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Portalegre que os serviços contratados pela Requerente junto dos fornecedores, foram liquidados à taxa normal, sendo que, quando a Requerente faturou os serviços aos seus clientes, fê-lo à taxa reduzida, o que justifica a situação de crédito para os períodos em causa, uma vez que deduz imposto a uma taxa superior (23%) à que liquida (6%), apesar de a dedução e da liquidação respeitarem à mesma operação.
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Na análise efetuada às faturas emitidas por diversos fornecedores da Requerente nos anos em análise (2018, 2019, 2020 e 2021), apurou-se que, na sua grande maioria, a descrição se refere a prestações de serviços de assistência técnica, consultoria, apoio técnico, assessoria técnica, entre outros termos, sendo que algumas dessas faturas identificam o local onde foram realizadas e o programa de apoio agrícola no âmbito do qual as operações foram prestadas.
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Praticamente na totalidade das faturas verificadas os fornecedores liquidaram IVA à taxa normal.
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Conclui-se, assim, que nas prestações de serviços agrícolas faturadas pelos fornecedores à Requerente (onde são os fornecedores que prestam o serviço ao cliente final da Requerente) esta age como um mero intermediário, ou seja, contrata fornecedores que prestam serviços diretamente aos seus clientes agricultores, sendo que o facto de a Requerente faturar os serviços aos clientes finais, não altera a natureza, o âmbito, ou a extensão da prestação de serviço efetuada, pelo que não se justifica a alteração de taxa.
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Como consta dos RIT, a Requerente não pode deduzir IVA à taxa normal de 23% nas prestações de serviços que são efetuadas pelos seus fornecedores aos seus clientes à taxa de 23% (liquidada à Requerente) e, posteriormente, liquidar IVA à taxa reduzida de 6%, nas faturas emitidas aos seus clientes, porque como foi referido no parágrafo anterior, a prestação de serviços é a mesma.
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Ou seja, os serviços prestados pelos fornecedores da Requerente têm a mesma natureza (são os mesmos) dos que são realizados por si aos clientes finais. São materialmente os mesmos serviços, pelo que não se justifica a alteração da taxa de IVA a aplicar.
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O facto de a requerente estar a faturar aos seus clientes agricultores, não é motivo para a alteração de taxa (de 23% para 6%), conforme se depreende do Oficio Circulado n.º 30202 de 2018-05-22, da AT, que esclarece que a aplicação da taxa nas prestações de serviços, no caso, agrícolas, não depende do enquadramento ou da qualidade do adquirente.
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Nas faturas emitidas pela Requerente, onde a descrição se refere, na sua quase totalidade, a assistência técnica e identifica o programa de apoio agrícola em que se inserem as prestações de serviços faturadas, a diferença principal entre as faturas emitidas pela Requente e as faturas emitidas pelos fornecedores, é a aplicação da taxa reduzida aquando da liquidação do imposto por parte da Requerente e não a descrição do serviço.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
O processo não enferma de nulidades.
-
Fundamentação
IV.1. Matéria de facto
Factos dados como provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
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Os atos tributários em referência foram emitidos em concretização das correções determinadas nos procedimentos de inspeção tributária instaurados e levados a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... aos períodos de 2018 a 2021 da ora Requerente, ao abrigo das Ordens de Serviço n.os OI2022..., OI2022..., OI2022... e OI2022..., para análise do direito da Requerente aos reembolsos solicitados — cfr. documentos n.os 20 a 23 juntos ao Requerimento de Constituição de Tribunal Arbitral;
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Em síntese, as correções ao imposto liquidado pela ora Requerente nos períodos de 2018 a 2022 foram determinadas, por tais Serviços, com fundamento na incorreta aplicação da taxa reduzida de IVA de 6%, prevista na verba 4.2., alínea f), da Lista I anexa ao Código do IVA, a «prestações de serviços de assistência técnica» — cfr. documentos n.os 20 a 23 juntos ao Requerimento de Constituição de Tribunal Arbitral;
-
A Requerente considera que os atos em referência são ilegais e consequentemente anuláveis, ex-vi artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo ("CPA"), razão por que apresentou o pedido de pronúncia arbitral na origem dos presentes autos.
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No presente caso, a questão decidenda reconduz-se à análise do escopo da verba 4.2., alínea f), da Lista I do CIVA, na qual se determina que se encontram sujeitas a uma taxa reduzida de imposto as «prestações de serviços que contribuem para a produção agrícola e aquícola», designadamente, as que se refiram a «assistência técnica» nos referidos sectores.
Factos dados como não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
IV. 2. Matéria de Direito
A questão de fundo a decidir nos presentes autos assenta numa divergência entre a Requerente e a AT no que respeita à aplicabilidade da verba 4.2. da Lista I anexa ao CIVA, aos serviços de assistência técnica prestados pela Requerente aos seus clientes agricultores.
De acordo com a Requerente a taxa de IVA praticada depende do serviço prestado, sendo que todos os serviços são faturados à taxa de 23%, com exceção de um: o serviço de assistência técnica, que é faturado a uma taxa reduzida de 6%. Ou seja, aos serviços de contabilidade, consultoria, serviços de projetos e serviços de gestão aplica-se uma taxa de 23%.
Já aos serviços de assistência técnica (aqueles que a Requerente entende estarem diretamente ligados ao sector agrícola) aplica a taxa reduzida de 6%, nos termos da alínea f) da verba 4.2 da Lista I anexa ao CIVA.
Refere que apenas considera assistência técnica os serviços que são prestados diretamente nas explorações agrícolas dos seus associados, tais como recolhas de terra para análise e deslocação às explorações agrícolas para análise e gestão.
Ora, os preceitos em referência foram transpostos para a ordem jurídica portuguesa, encontrando-se concretizados nos artigos 1.º, n.º 1, alínea a), e 18.º, n.º 1, do CIVA:
Artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do CIVA:
«1 – Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:
a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal»;
Artigo 18.º, n.º 1, do CIVA:
«As taxas de imposto são as seguintes:
a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6%;
b) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista II anexa a este diploma, a taxa de 13%;
c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 23%».
Por seu turno, em clara transposição do n.º 11 do Anexo III da Diretiva IVA, na sua alínea f), a verba 4.2. da Lista I do CIVA consagra a tributação dos serviços de assistência técnica agrícola à taxa reduzida de 6%, nos seguintes termos:
«4.2. – Prestações de serviços que contribuem para a produção agrícola e aquícola, designadamente as seguintes:
[…]
f) A assistência técnica».
Verifica-se que a Requerente liquidou imposto à taxa reduzida na grande maioria das prestações de serviços efetuadas, concretamente 84,84% da base tributável (BT), no montante de €231.034,28 em 2018, 80,7% da BT, no montante de €224.931,08 em 2019, 77,20% da BT, no valor de €211.810,30 em 2020 e 80,22%, no montante de €356.126,86 no que respeita ao ano de 2021 (cf. dados relativos aos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021).
Importa, também, assinalar que, nos anos em análise, sujeitou à taxa normal, 15,08% (2018) - €41.072,50 -19,1% (2019) – €53.375,42 - 22,79% (2020) - €62.542,43 – e 19,78% (2021) - €87.812,44 -, da sua faturação referente a prestações de serviços de assistência técnica que presta diretamente aos clientes.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, as taxas do imposto são as seguintes:
Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6%;
Diz a verba 4 da Lista I (Bens e Serviços sujeitos a taxa reduzida),
4 - Prestações de serviços normalmente utilizados no âmbito das atividades de produção agrícola listados na verba 5:
4.1 - Prestações de serviços de limpeza e de intervenção cultural nos povoamentos, realizadas em explorações agrícolas e silvícolas.
4.2 - Prestações de serviços que contribuem para a realização da produção agrícola, designadamente as seguintes: a) As operações de sementeira, plantio, colheita, debulha, enfardação, ceifa, recolha e transporte; b) As operações de embalagem e de acondicionamento, tais como a secagem, limpeza, trituração, desinfeção e ensilagem de produtos agrícolas; c) O armazenamento de produtos agrícolas; d) A guarda, criação e engorda de animais; e) A locação, para fins agrícolas, dos meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas e silvícolas; f) A assistência técnica; g) A destruição de plantas e animais nocivos e o tratamento de plantas e de terrenos por pulverização; h) A exploração de instalações de irrigação e de drenagem; i) A poda de árvores, corte de madeira e outras operações silvícolas.
Prevê a verba 5 da Lista I (Bens e Serviços sujeitos a taxa reduzida), 5 - As transmissões de bens e prestações de serviços efetuadas no âmbito das seguintes atividades de produção agrícola:
5.1 - Cultura propriamente dita: 5.1.1 - Agricultura em geral, incluindo a viticultura; 5.1.2 - Fruticultura (incluindo a oleicultura) e horticultura floral e ornamental, mesmo em estufas; 5.1.3 - Produção de cogumelos, de especiarias, de sementes e de material de propagação vegetativa; exploração de viveiros.
5.2 - Criação de animais conexa com a exploração do solo ou em que este tenha caráter essencial: 5.2.1 - Criação de animais; 5.2.2 - Avicultura; 5.2.3 - Cunicultura; 5.2.4 - Sericicultura; 5.2.5 - Helicicultura; 5.2.6 - Culturas aquícolas e piscícolas; 5.2.7 - Canicultura; 5.2.8 Criação de aves canoras, ornamentais e de fantasia; 5.2.9 - Criação de animais para obter peles e pelo ou para experiências de laboratório.
5.3 - Apicultura.
5.4 - Silvicultura.
5.5 - São igualmente consideradas atividades de produção agrícola as atividades de transformação efetuadas por um produtor agrícola sobre os produtos provenientes, essencialmente, da respetiva produção agrícola com os meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas e silvícolas.
A prova produzida e os elementos consultados não confirmam, porém, as conclusões a que chegou a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Na verdade, em linha com a Diretiva IVA, o legislador nacional optou por um conceito amplo de «assistência técnica», suscetível de abranger, nomeadamente, prestações de serviços nas quais se verifique a subcontratação de entidades terceiras.
Contrariamente ao sustentado pelos Serviços de Inspeção Tributária e subsequentemente reafirmado pela Administração Tributária nos presentes autos, nos casos em que recorre a subcontratação para garantir o desenvolvimento dos seus serviços, a ora Requerente não se limita a intermediar a cadeia de prestação de serviços, dando um verdadeiro contributo para a profissionalização e requalificação do sector agrícola, cumprindo o propósito com que foi constituída.
Como resulta dos depoimentos prestados nos presentes autos e conforme afirmado pela Requerente nas Alegações, a subcontratação de terceiros ocorre para suprir carências sentidas pela ora Requerente nos serviços de cariz administrativo, não tendo diretamente impacto nos «serviços de assistência técnica», que continuam a ser desenvolvidos por engenheiros agrónomos acreditados e pertencentes à Requerente. Assim, e nos casos em que recorre a subcontratação, a Requerente restringe essa subcontratação aos serviços de natureza administrativa (como o apoio a candidaturas), continuando os «serviços de assistência técnica» a ser prestados única e exclusivamente pelos seus técnicos agrícolas, contribuindo a Requerente, mesmo nesses cenários, de forma direta e inequívoca para o sector agrícola através dos «serviços de assistência técnica».
Em suma, os terceiros subcontratados dedicam-se à vertente administrativa da atividade da ora Requerente, trabalhando em conjunto com os técnicos agrícolas da mesma, complementando o serviço para o qual só esses técnicos gozam de competência, mas sempre nos limites das suas competências.
Veja-se até mesmo que a Requerente adota uma postura conservadora e fatura esses serviços de apoio a candidaturas à taxa normal de imposto de 23%, conferindo-lhes o mesmo tratamento que confere aos serviços de contabilidade, nomeadamente — cfr. documento n.º 35. Na verdade, e face ao entendimento vertido na página 39 da apresentação junta aos presentes autos como documento n.º 34, a Requerente considera que os serviços de apoio a candidaturas acima referidos poderiam (e deveriam) ser abrangidos pela taxa reduzida de imposto, na medida em que a sustentabilidade do sector agrícola depende praticamente na íntegra dos apoios nacionais e comunitários, mesmo nos casos em que a Requerente recorresse a terceiros subcontratados, porquanto, mesmo nesse cenário, a Requerente contribuiria de forma imprescindível para tais serviços.
Assim, ao nível da sua faturação, a ora requerente efetua assim uma destrinça entre:
-
Os serviços estritamente documentais, sem qualquer conexão com os fatores de produção, em que se inserem os serviços desenvolvidos por entidades subcontratadas, como o apoio a candidaturas, para além dos serviços de contabilidade (outrora prestados), os quais são faturados à taxa normal de IVA de 23%, e
-
Os serviços relacionados com os fatores de produção, em que se inserem os «serviços de assistência técnica», os quais são faturados à taxa reduzida de IVA de 6%, com fundamento na verba 4.2., alínea f), da Lista I anexa ao CIVA.
Pelo lado da AT demonstra-se que esta, no âmbito da atividade inspetiva, não conseguiu afastar, por meio de prova, aquilo que a Requerente afirma e que está perfeitamente enquadrado no âmbito da destrinça de taxas que optou.
Neste âmbito, invoque-se em linha com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (“TCAN”), de 18 de maio de 2017, no processo 00377/04.9BEPRT, que não foram carreados pela AT elementos “que permitam concluir que houve um «esforço concertado» dos diversos operadores envolvidos nas transações e qual o benefício que no caso concreto a sociedade Recorrente obteve com o referido negócio e que doutro modo não obteria, pois que não se deteta qualquer elemento que estabeleça a necessária conexão entre a cadeia mencionada e a ora Recorrente”.
Prova da insuficiência do trabalho da AT está no requerimento que proferiu no final da audiência, que aqui se reproduz:
“Afigura-se para a Autoridade Tributária pertinente para a boa decisão da causa, perceber se os serviços de elaboração e gestão de candidaturas a fundos comunitários são ou não parte dos serviços contratados pelos clientes da Requerente aquando da celebração dos contratos, cujo modelo é o Doc. 29.
Tendo salvo melhor opinião, a prova testemunhal produzida revelado contradições neste aspeto e tendo em conta que se tais serviços forem prestados à parte, seguramente existirá prova documental (contratos, faturas, etc.) a Requerida ao abrigo do princípio da descoberta da verdade material e da colaboração requer ao Tribunal que notifique a Requerente para, existindo, juntar aos autos a referida prova documental”.
Refira-se que, para além de a Requerida tentar inverter o ónus da prova que lhe competia, o que é de censurar, tal intervenção e pedido inicial da Requerida vem demonstrar a insuficiência do trabalho produzido em sede de RIT e consequente ónus da prova incumprido pela AT.
Acrescente-se ainda que os requerimentos proferidos quer pela Requerente em 15/12/2023, quer pela Requerida em 18/12/2023, nada vêm acrescentar à convicção gerada por este Tribunal, pelo que serão desconsiderados na sua totalidade, tendo em vista a garantia do contraditório, cooperação e boa-fé processual, já assegurada pelas alegações apresentadas por ambas as partes e o pleno cumprimento do disposto nas alíneas a), e) e f) do artigo 16.º do RJAT.
No mínimo, e por tudo o que se disse, face à prova produzida, que aponta em sentido contrário ao afirmado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no relatório de inspeção, terá de se ficar numa situação de dúvida sobre a alegada natureza das operações subsumíveis à verba 4.2. da Lista I anexa ao CIVA, quanto aos serviços de assistência técnica prestados pela Requerente aos seus clientes agricultores, dúvida essa que, por força do disposto no artigo 100.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, tem de ser valorada a favor da Requerente.
Pelo exposto, conclui-se que as liquidações impugnadas, que assentam nas correções referidas nos relatórios das inspeções tributárias, enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, que justifica a sua anulação (artigo 163.º do CPA, subsidiariamente aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT).
Devendo os atos impugnados ser anulados com fundamento em vício de erro sobre os pressupostos de facto, que assegura eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil, a apreciação das restantes questões colocadas pela Requerente, relativamente à legalidade daqueles atos, incluindo o dever de fundamentação.
A Requerente pede, ainda, que a Requerida seja condenada a restituir-lhe o imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, fixados nos termos do artigo 43.º da LGT.
Este preceito, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, refere “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA, sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral n.º 218/2013-T).
Deste modo, reconhece-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT; artigo 61.º, n.ºs 2 a 5 do CPPT; artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data do pagamento indevido do imposto e juros compensatórios até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.
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DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:
a. Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b. Condenar a Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT; artigo 61.º, n.ºs 2 a 5 do CPPT; artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data do pagamento indevido do imposto e juros compensatórios até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT e pagamento das custas do processo.
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Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 167.977,58, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
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Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 3.672,00, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 19 de dezembro de 2023.
Os Árbitros,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
(Maria do Rosário Anjos)
(José Coutinho Pires)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.