Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 263/2023-T
Data da decisão: 2024-01-04  IRC IRS  
Valor do pedido: € 114.435,39
Tema: IRC e IRS; Faturas falsas; Ónus da prova; Dedutibilidade de custos e Tributações autónomas.
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SUMÀRIO:

  1. Dizendo o n.º3 do artigo 23.º do CIRC que “os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para o efeito”, significa que não se exige que o documento comprovativo seja uma fatura ou um recibo admitindo-se que possa assumir outra natureza, ponto é que tais suportes documentais contenham os elementos exigidos pelo n.º 4 do mesmo preceito, recaindo sobre o SP o ónus da prova, quer quanto à existência de um documento de suporte dos gastos que pretende deduzir, quer da verificação dos requisitos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do CIR
  2. Para efeito de negação da dedução do IVA nos termos do n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA, impõe-se à AT, nos termos do artigo 74.º da LGT, demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações comerciais não são efetivas, sendo que só após esta demonstração resulta para a Requerente o ónus de demonstração da veracidade das transações que, de outro modo, se presumem verdadeiras.
  3. Despesas não documentadas, para efeitos do artigo 88.º do CIRC, são aquelas que não têm por base qualquer documento de suporte que as justifique, não se subsumindo nesse conceito uma despesa em relação ao qual existe suporte documental, ainda que este não reúna os requisitos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º do CIRC.   

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Fernanda Maçãs (Presidente), Prof. Doutor Miguel Matos Torres e Dr. Paulo Ferreira Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 21 de junho de 2023, acordam no seguinte:

 

            I.         Relatório

 

A..., LDA, doravante designado por Requerente, pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua do ..., ..., ... e ..., ...–... Porto, requereu ao CAAD a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de IRC n.º 2022..., 2022..., 2022..., e de IRS, com os n.os 2022..., 2022..., 2022..., e Juros compensatórios com o n.º 2022..., 2022..., 2022..., 2022..., 2022... relativo aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, realizada ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2021..., OI2021... e OI 2021... na importância total de € 114 435,39.

Em 11 de Abril de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, e automaticamente notificado à Autoridade Tributaria.

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, as quais nada disseram, foram designados árbitros os signatários que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 21 de junho de 2023.

Em 11 de Setembro de 2023, a Requerida apresentou a sua Resposta, e juntou aos autos o processo administrativo (“PA”).

Nos dias 10 e 30 de outubro de 2023 foram realizadas as reuniões previstas no artigo 18.º do RJAT, com a inquirição das Testemunhas arroladas pela Requerente e Requerida, conforme respetiva Ata, que se dá por reproduzida, para todos os devidos e legais efeitos.  Nessa mesma reunião foram as partes notificadas para, querendo, apresentarem alegações finais escritas no prazo (sucessivo) de 15 dias, e notificada a Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até a data da prolação da decisão arbitral.

As Partes apresentaram alegações.

 

Síntese da Posição do Requerente

Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:

  1.  A Requerente alega a ilegalidade da inspeção relativamente ao IRS, sustentando que:
    1. A AT não deu a conhecer à Requerente o itinerário cognoscitivo e valorativo que a levou a proferir a decisão de alargamento do âmbito da inspeção ao imposto de IRS, não tendo permitido à Requerente conhecer as razões pelas quais o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
    2. AT não deu a conhecer à Requerente qualquer despacho fundamentado que justifique o alargamento, tendo-se limitando, unicamente, a comunicar ao sujeito passivo que a inspeção ia ser ampliada!
    3. O artigo 15.º do RCPITA, permite a alteração e ampliação dos fins e o âmbito procedimento de inspeção bem como da sua extensão, mediante despacho fundamentado.
    4. Neste sentido, à AT é exigido que profira uma decisão fundamentada, isto é, que permita a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão e aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação,
    5. A AT limitou-se a notificar a Requerente de um mero formulário onde absolutamente nada se diz quanto aos motivos do alargamento do âmbito da inspeção.
    6. Por conseguinte, a inspeção realizada ao imposto de IRS e, bem assim, as liquidações de retenção na fonte desse imposto, são ilegais por violação do princípio da legalidade, designadamente por violação de uma formalidade legal essencial e estruturante do procedimento inspetivo, determinando, assim, a invalidade dos ulteriores termos procedimentais, da liquidação que nele se suporta.
  2. Sobre correções efetuadas quanto a faturas desconsideradas e  “retiradas de dinheiro a título definitivo”, a Requerente alega o seguinte:
    1. A lei deixou de falar em indispensabilidade dos gastos, como fazia anteriormente, exigindo agora que o gasto tenha sido incorrido para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, isto é, seja realizado por conta e por causa da atividade, isto é, que seja justificável face à atividade exercida.
  3. Sobre as faturas mencionadas nos pontos 1) a 6) do RITI – obras – a Requerente alega o seguinte:
    1. A Requerente é uma sociedade que tem por objeto a prestação de serviços de gestão administrativa e empresarial; consultoria técnica não especificada para o mercado nacional e internacional, nomeadamente têxtil, calçados e controlo de qualidade; representação e agenciamento nacional e internacional de têxteis e calçados, comércio por grosso de artigos têxteis, acessórios para a indústria têxtil e calçado, assistência técnica de equipamentos e máquinas de indústria têxtil e calçado.
    2. A Requerente dedica-se ao agenciamento comercial de prestação de serviços/fornecimento de bens para os seus clientes, junto de empresas Egípcias.
    3. Cabe-lhe, assim, designadamente fazer a seleção de empresas Egípcias para a prestação de serviços/fornecimento de bens para o Grupo B..., bem como coordenar todo o processo, encomendas, fabrico, entrega, transmissão de informações referentes a parâmetros de qualidade e prazos de entrega, entre outros, e assegurar a qualidade do serviço prestado.
    4. Trata-se de uma empresa de prestação de serviços de agência que, como tal, para o exercício da sua atividade precisa de escritórios, salas de reuniões, sistemas de comunicações, contactos e visitas a clientes e potenciais clientes, etc.
    5. Neste sentido, a atividade da Requerente é totalmente compatível com a sua laboração num espaço da habitação dos sócios reservado exclusivamente à sede e local de atividade da Requerente.
    6. Foi por causa e para a atividade da empresa que a Requerente adquiriu os bens e serviços descritos nas faturas referidas em 6) do RITI, tais como mobiliário, serviços de carpintaria, estores, vidros e cortinas, destinaram-se à adaptação do espaço às necessidades da empresa (remodelação para escritórios).
    7. E ainda que nalguns casos tais obras de adaptação se incorporem no imóvel, não passam de benfeitorias ao abrigo do comodato celebrado entre a Requerente e os sócios.
    8. Pelo que, relativamente a tais obras, aplicar-se-á o regime das benfeitorias, podendo a Requerente ser indemnizada das benfeitorias necessárias que tenha realizado na coisa emprestada e, não sendo possível o seu levantamento sem detrimento da coisa emprestada, a ser compensada do valor das benfeitorias úteis, segundo as regras do enriquecimento sem causa (artigos 1273º este sentido, a atividade da Requerente é totalmente compatível com a sua laboração num espaço da habitação dos sócios reservado exclusivamente à sede e local de atividade do SP,
    9. Quer porque a AT não alegou um só facto suscetível de evidenciar indícios sólidos e consistentes da dispensabilidade de tais custos para a realização dos proveitos ou ganhos, quer porque efetivamente por causa e para a atividade da empresa que a Requerente adquiriu os bens e serviços descritos nas faturas referidas em 6) do RITI, tais como mobiliário (serviços de carpintaria), estores, vidros e cortinas, destinaram-se à adaptação do espaço às necessidades da empresa (remodelação para escritórios), as conclusões e correções da AT padecem, nesta parte, de ilegalidade e erro e, como tal, devem ser anuladas.
  4. Sobre as faturas mencionadas nos pontos 7 do RITI – obras – a Requerente alega o seguinte:
    1. A AT não alega a que despesas de utilização do prédio se refere e em que medida não podem ser consideradas para o exercício da atividade, não alega por que motivo as viagens, a estadias e respetivos almoços dos sócios a que alude não respeitam ao exercício da atividade da empresa.
    2. A verdade é que, como está bom de ver, estas despesas inequivocamente são realizadas por causa e por conta da atividade, na medida em que sequer se alvitra como seja possível uma empresa exercer a sua atividade sem tais custos.
    3. Trata-se de custos próprios de qualquer sociedade, relativamente aos quais a AT não tem qualquer fundamento factual para a sua desconsideração.
    4. Trata-se de despesas com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e diretamente lucrativo, mas que tem, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial.
    5. Pelo que o acto praticado pela AT enferma de vício de falta ou insuficiência de fundamentação, pois inexiste qualquer fundamentação de facto que permita perceber o itinerário cognitivo que levou à prática do ato.
  5. Sobre retiradas de dinheiro a título definitivo - art. 5º n.º 2 al. h) do CIRC, alega a Requerente:
    1. Considerando a AT que os custos vertidos das faturas não se revelam relacionados com a realização dos proveitos ou ganhos da empresa, considera a AT que se trata de “retiradas de dinheiro a título definitivo que se enquadram no art. 5º n.º 2 al. h) do CIRC” e que, como tal, estavam sujeitas a retenção na fonte pelo SP – Ponto 8) a 10) do RITI
    2. A AT manifestamente não cumpriu o ónus de alegar e provar factos donde se pudesse extrair conclusão que extraiu (cfr. artigo 74.º da LGT), no sentido de que foram postos à disposição do sócio-gerente proveitos auferidos pela Requerente, constituindo adiantamentos por conta de lucros e, nessa medida, devem ser qualificados como rendimento de capitais nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS.
    3. Note-se, aliás, que a AT desconsiderou que tais montantes para efeitos de gasto, assumindo tratar-se de proveitos (para o cálculo da matéria tributável) sujeitos à aplicação de IRC.
    4. Ora, como está bom de ver: ou tais montantes (não sendo gastos) são proveitos da Requerente para efeitos de aplicação de IRC – como resulta da liquidação adicional promovida pela AT em sede de IRC, ou tais montantes são lucros, momento em que não seriam tributados em IRS.
    5. O que não pode a AT é tributar duplamente, em sede de IRC e em sede de IRS, os mesmos “rendimentos”.
  6. Sobre a alegada falsidade das faturas de aquisição de serviços a fornecedores egípcios, alega a Requerente:
    1. Conforme resulta da jurisprudência uniformizada, no caso de faturas falsas, compete à AT fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação corretiva e, só caso o faça, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto.
    2. Neste caso, tem a AT de demonstrar factos ponderosos e objetivos fortemente indiciadores de que tais faturas não têm adesão à realidade.
    3. A Requerente, fruto das relações comerciais e de confiança mantidas junto do Grupo B... tem a capacidade de angariar encomendas para as suas clientes Egípcias.
    4. Sendo que, para o efeito, e a fim de manter a credibilidade de que goza junto do Grupo B..., assegura a este que as empresas Egípcias reúnem as condições técnicas e de qualidade exigidas.
    5. Nesse sentido, a Requerente tem necessidade de acompanhar as encomendas que o Grupo B..., por seu intermédio, coloca nas empresas Egípcias, controlando a qualidade da produção.
    6. Este controlo de qualidade não pode naturalmente ser realizado pela mesma empresa que produz a encomenda a controlar, havendo necessidade de contratar entidades externas.
    7. Para o efeito, a Requerente socorre-se de empresas Egípcias que disponham de equipas de controlo de qualidade, em regra empresas de produção têxtil que dispõe desses departamentos de controlo de qualidade.
    8. Com absoluta clareza que os serviços contratados não só se inserem na atividade desenvolvida pela Requerente, como aliás são absolutamente indispensáveis à sua atividade.
    9. As faturas emitidas têm como suporte os relatórios de controlo de qualidade, nos quais se faz concreta menção à entidade produtora onde é realizada a inspeção, a referência das peças inspecionadas, o cliente das peças inspecionadas e o número de peças sobre a qual incidiu.
    10. Sendo perfeitamente possível fazer uma correlação entre a encomenda realizada pelo Grupo B... e o concreto controlo de qualidade realizado sobre essa mesma encomenda.
    11. A Requerente logrou demonstrar que: - os documentos que sustentam o gasto cumprem os requisitos do n.º 4 do art. 23º do CIRC, não padecendo de qualquer insuficiência, - o gasto é efetivo, na medida em que existiu efetivamente a variação negativa na esfera da Requerente, o gasto, face à atividade exercida, é plenamente justificado.
    12. Concluindo que a correção ao lucro em causa, através da desconsideração do gasto, assenta em erro de direito e de facto, sendo por esse motivo ilegal.
  7. Sobre o saldo das contas sócios 278 e 286 - adiantamento por conta de lucros - alega a Requerente:
    1. Os valores que se encontram lançados a débito na conta 2781 do ano de 2018 e que, como vimos, se destinaram a restituir ao sócio pelos pagamentos/transferências que este realizou por conta da Requerente, entre eles os pagamentos das faturas aos fornecedores egípcios, resulta que tais movimentos não foram colocados à disposição dos sócios a título de lucros.
    2. Mas antes tiveram por base uma concreta relação subjacente: restituir ao sócio pagamentos/transferências que este realizou por conta da Requerente, facto que, por si só, excluiu a sua caracterização que a AT lhe pretende atribuir.
    3. Tanto mais que a AT nem sequer alegou factos objetivos suscetíveis de demonstrar que as quantias em causa foram colocadas à disposição do sócio a título de lucros e não a título de qualquer outro rendimento, tal como p. ex. rendimento de categoria A,
    4. Ora, se se trata de uma dívida a receber da parte dos sócios, trata-se naturalmente de um movimento não definitivo, a título de mútuo, e relativamente ao qual a sociedade mantém o seu direito de crédito, isto é, direito de reembolso.
    5. Face ao vindo de expor, porque a AT não alegou factos capazes de preencher os requisitos do disposto no artigo 6.º, n.º 4, do CIRS e, como tal, não beneficia dessa presunção, quer porque a AT não alegou ou demonstrou, nos termos do art. 74º n.º 1 da LGT, factos objetivos suscetíveis de demonstrar que as quantias em causa foram colocadas à disposição dos sócios a título de lucros e não a título de qualquer outro rendimento, desde logo porque nem sequer alegou a existência de lucros. A correção operada padece de erro e, como tal, deve ser anulada.
  8. Sobre despesas não documentadas, alegou a Requerente:
    1. Refere a AT que os levantamentos realizados da conta da Requerente, não tendo justificação, correspondem a despesas não documentadas.
    2. A Requerente entende que fez prova cabal de que tais levantamentos da conta foram realizados para o pagamento das faturas:

 

  1. Ora, ainda que as despesas correspondentes às faturas que a AT reputa erradamente como falsas pudessem, por qualquer razão, ser elegíveis para concorrer negativamente para a determinação do lucro tributável daquele, a verdade é que, sendo cognoscível o destinatário da despesa incorrida pelo sujeito passivo de IRC, não há lugar à aplicação da tributação autónoma.
  2. Termina a Requerente sustentando que deve julgar-se procedente a presente ação, declarando-se a ilegalidade e anulação das liquidações oficiosas impugnadas. E deve, ainda, em consequência, ser a Autoridade Tributária condenada a restituir à Requerente, acrescida dos competentes juros, as quantias por aquela pagas à AT, por conta das liquidações objeto da presente ação.

Síntese da Posição da Requerida

Na perspetiva da Requerida, chamada a pronunciar-se defendeu-se alegando, em síntese o seguinte:

  1. Da alegada “ilegalidade da inspeção relativamente ao IRS”, sustenta a Requerida:
    1. Com efeito, como se sabe, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) tem uniformemente vindo a entender que a fundamentação do ato é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, sendo que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não outra.
    2. Por fim, e caso se venha a propugnar pela insuficiência da fundamentação – hipótese que só em teoria e sem conceder se admite –, sempre cabia à Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37.º do CPPT.
    3. Ora, não tendo a Autora usado daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que o ato sub júdice continha, e contém, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício de que padecia ficou sanado.
    4. Aliás, tendo a Requerente utilizado a faculdade prevista no artigo 37.º do CPPT relativamente a elementos do procedimento, não o fez relativamente ao alargamento do âmbito da inspeção (cfr. pp 330 do PA).
    5. Tão-pouco, quando chamada a participar no procedimento no âmbito do direito de audição prévia, a Requerente invocou antes qualquer dificuldade em apreender as razões para o alargamento do âmbito do procedimento inspetivo, designadamente de forma que pusesse em causa a sua capacidade para impugnar tal decisão.
    6. Por outro lado, não é possível afirmar que determinado ato se encontra infundamentado quando, no caso concreto, a motivação contextual permitiu ao seu destinatário ficar a saber as razões de facto e de direito que levaram a Ré a tomar a decisão em causa, com aquele sentido e conteúdo.
  2. Sobre faturas desconsideradas relacionadas com “obras”, alega a Requerida:
    1. Relativamente às faturas contabilizadas pela Requerente relacionadas com serviços de carpintaria, colocação de estores e outros, entendem os SIT que tais gastos não devem ser aceites para efeitos de determinação do lucro tributável, nos termos do artigo 23.º do CIRC;
    2. Sustentam que da análise aos documentos, esses encargos foram incorridos ou suportados pelo sujeito passivo em benefício dos sócios e não para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do art.º 23.º do Código do IRC;
    3. As cópias desses documentos (faturas) estão anexas ao procedimento de inspeção e a sua observação não deixa margem para dúvidas em relação à adequação das conclusões dos SIT, pois facilmente se verifica que as aquisições subjacentes foram efetuadas em benefício dos sócios.
    4. Assim, vamos encontrar a aquisição de diverso mobiliário, tais como roupeiro, guarda-roupa, cabeceira de cama, armário para casacos e sapateira, tudo bens que, dificilmente, são justificados para o exercício de atividade da Requerente, - a qual, recordamos, e conforme a própria refere no seu PPA (§43.º), se traduz na prestação de serviços.
    5. Apesar de a Requerente invocar que é uma empresa de prestação de serviços, no âmbito de um contrato de agência, cuja atividade é a seleção de empresas egípcias para a prestação de serviços/fornecimento de bens para o Grupo B..., e que, para o exercício da sua atividade, necessita de escritórios, sala de reuniões, sistemas de comunicações, contactos e visitas a clientes e potenciais clientes, não juntou qualquer prova de ter reunido nas suas instalações com clientes ou potenciais clientes.
    6. Aqui chegados parece forçoso concluir que a Requerente no presente pedido arbitral não juntou elementos que pudessem conduzir a diferente interpretação dos factos e contrariamente ao que invoca, competia-lhe, e não à AT, nos termos do artigo 74.º da LGT, provar que os gastos foram suportados em benefício da sociedade e não dos seus sócios, prova que, é bom de ver, não logrou fazer.
    7. Assim, deverá o Tribunal Arbitral negar provimento ao pedido de pronúncia arbitral, mantendo as correções aqui em causa, nos valores € 10 .900,94, € 5.468,60 e € 116,45, respetivamente para 2018, 2019 e 2020.
  3. Sobre faturas desconsideradas relacionadas com a utilização do prédio e com viagens e estadias dos sócios, alegou a Requerida:
    1. Sustentam os SIT, da análise aos documentos, que esses encargos foram incorridos ou suportados pelo sujeito passivo em benefício dos sócios e não para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do art.º 23.º do Código do IRC;
    2. Os documentos que foram desconsiderados para efeitos fiscais estão identificados em quadros próprios, a páginas 6 a 8 do RIT, e os SIT, em resposta ao direito de audição, justificam, para cada tipo de encargo, as razões que os levaram a não aceitar a sua dedução na determinação do lucro tributável dos períodos de tributação de 2018, 2019 e 2020;
    3. Conclusão semelhante retiraram os SIT relativamente a um conjunto de encargos com diversas estadas no país (Albufeira, Olhos d’Água, Serra da Estrela) referindo que os beneficiários desses encargos, registados na contabilidade e deduzidos na determinação do lucro tributável, foram os sócios e/ou os seus familiares e não a sociedade.
    4. Ora aqui chegados, importa referir que os gastos com deslocações e estadas, no país ou no estrangeiro, são dedutíveis para a determinação do lucro tributável se forem incorridos ou suportados para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, cumprindo à Requerente a prova de que os gastos cumpriam essa condição;
    5. Por isso deveria a Requerente vir juntar documentação suficiente onde constassem os elementos identificadores e caracterizadores dos gastos, como, por exemplo, a identificação dos beneficiários da viagem e do seu propósito ou finalidade, a identificação das pessoas ou empresas com que reuniu, de modo a poder associar-se esses gastos suportados aos interesses da Requerente;
    6. E o mesmo se diga relativamente a diversos gastos suportados pela sociedade com a aquisição de bens ou serviços de limpeza, eletricidade, comunicação, etc, para o domicílio dos seus sócios, que é simultaneamente sede da sociedade, sem que houvesse uma preocupação de separar os gastos destinados a uso próprio dos sócios dos que foram suportados no interesse da Requerente.
    7. Sobre a correção destes gastos a Requerente pouco ou nada acrescenta no presente pedido arbitral, não juntando elementos de prova e limitando-se a referir que a AT não alega os motivos de os gastos com viagens, estadas e com a aquisição de bens e serviços para a sede/domicilio não poderem ser dedutíveis na determinação do lucro tributável;
    8. Aqui chegados e face à ausência de elementos de prova para justificar este tipo de encargos e a sua ligação aos interesses da Requerente, concluíram os SIT, e bem, que os mesmos não poderiam ser aceites para efeitos de determinação do lucro tributável nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.
    9. Relativamente à dedutibilidade fiscal dos gastos, enquanto necessária existência de uma relação de causalidade económica entre a assunção dos gastos e os interesses empresarias, sempre se dirá que, sendo certo que a administração fiscal não se deve intrometer na autonomia e na liberdade de gestão dos contribuintes, não se pode aceitar que esse princípio possa impedir a administração fiscal de questionar fundadamente a pertinência de um determinado custo/gasto, à luz do direito fiscal vigente, sindicando a observância dos critérios de razoabilidade, habitualidade, adequação e necessidade económica e comercial subjacentes à letra e ao espírito do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, tendo como pano de fundo a normalidade empresarial, a racionalidade económica e o escopo societário.
  4. Sobre a alegada falsidade das faturas de aquisição de serviços a fornecedores egípcios, sustenta a Requerida:
    1. Observam os SIT que a Requerente registou nas rúbricas de gastos, designadamente na rúbrica de Fornecimentos e Serviços Externos, contas 6213 e/ou 6221 (Trabalhos Especializados), documentos relativos a serviços adquiridos a fornecedores egípcios.
    2. Segundo os esclarecimentos prestados em sede de procedimento inspetivo, a Requerente tem a responsabilidade de procurar fábricas que tenham a capacidade de confecionar os produtos, com a melhor qualidade e ao melhor preço, para o Grupo B... .
    3. No âmbito da sua atividade, e sendo a produção assegurada por empresas egípcias, tem o dever de acompanhar essas empresas e verificar se reúnem as condições técnicas e de qualidade exigidas pelo Grupo e no sentido de garantir que essas condições se verificam, contrata essa tarefa de acompanhamento a entidades externas, neste caso a empresas egípcias que dispõem de equipas de controlo de qualidade.
    4. A AT não aceitou os gastos correspondentes às faturas de aquisição de serviços a fornecedores egípcios em virtude de considerar que não são gastos admissíveis nos termos do artigo 23º do CIRC, por estarem suportados em faturas sobre as quais recaem indícios concludentes de serem falsas.
    5. A Requerente nada acrescenta no presente pedido arbitral e volta a referir que era dever da AT demonstrar que tais faturas são falsas e não têm adesão à realidade…
    6. Volta a referir, sem demonstrar, que são as empresas egípcias que exigem o recebimento em dinheiro e que é o sócio H... que, em visitas frequentes àquele país, efetua esses pagamentos.
    7. Empresas egípcias que, na qualidade de clientes da Requerente, pagam as faturas em dívida por transferência bancária, sem nunca procederem a qualquer compensação de saldos, como lembram e bem os SIT, procedimento expectável em relações comerciais normais.
    8. Por tudo quanto se expôs e que resulta compulsado no RIT, outra não poderia ser a conclusão dos SIT, confrontados com as faturas em apreço, que os gastos que elas pretendem documentar não devem ser considerados na determinação do lucro tributável, à luz do artigo 23.º do CIRC, e que a Requerente, contrariamente ao seu entendimento, não logrou justificar a relação destes gastos com a sua atividade.
  5. Sobre as correções por aplicação do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS – adiantamento por conta de lucros, defende a Requerida:
    1. Ora, no caso concreto, a prova da existência de que os lançamentos não resultaram de mútuos, da prestação de trabalho ou de exercício de cargos sociais, há de ser feita através dos elementos que constem da contabilidade da empresa.
    2. Se nos elementos contabilísticos não existe qualquer documentação que sequer indicie que aquelas quantias foram colocadas à disposição do sócio com o intuito de solver uma qualquer obrigação constituída numa relação jurídica com a empresa, não se poderá exigir mais aos SIT se não essa constatação - ela própria, por via das obrigações de registo e declarativas dos sujeitos passivos, tornando forçosa a conclusão de que os lançamentos não tiveram por base qualquer mútuo, prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais.
    3. Não se mostra, portanto, verdadeira a alegação que a Requerente faz de que a AT «desenvolve o seu relatório de inspeção, sem quaisquer bases factuais, sustentando as correções em meras ilações, suposições, apreciações e entendimentos subjetivos...»
    4. No que concerne em concreto à aplicação do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS e às correções dela decorrentes, os SIT sustentaram as suas conclusões em bases factuais e documentos, designadamente na contabilidade da Requerente, a qual era totalmente omissa quanto à existência de qualquer contrato entre empresa e sócio que suportasse aqueles pagamentos.
    5. Mas, uma vez mais, não oferece qualquer meio de prova que suporte esta afirmação.
    6. O argumento que a Requerente desenvolve, de seguida (artigos 202.º e ss), designadamente, o de que a aplicação n.º 4 do artigo 6.º do CIRS obrigaria à AT provar a existência de lucros, com o devido respeito, não tem qualquer respaldo legal nem, de resto, se mostra consonante com teleologia da norma.
    7. Termos em que, também quanto a este elemento da liquidação, não procedem os argumentos arvorados pela Requerente.
  6. Sobre as Despesas não documentadas – tributação autónoma, sustenta a Requerida:
    1. Verificaram os SIT saídas de dinheiro da conta da Requerente sem que tenham sido apresentados os respetivos documentos de suporte, emitidos por entidades externas à sociedade, que identifiquem a natureza, origem e destino dos serviços inerentes a tais saídas.
    2. Os SIT, no relatório de inspeção, referem que não é possível confirmar que os levantamentos em numerário tenham servido para efetuar o pagamento de faturas de fornecedores pois que, na contabilidade, esses pagamentos foram feitos através da conta de sócios 278101 ou pagos a dinheiro.
    3. Observam os SIT que a relevação contabilística dos pagamentos aos fornecedores egípcios por contrapartida de sócios indica que esses pagamentos, a existirem, foram efetuados através de fluxos financeiros externos à empresa.
    4. Perante estes dados, entenderam os SIT que os levantamentos em numerário e a sua saída do património da Requerente, face à ausência de documentação, apenas cópias dos extratos bancários, configuram despesas não documentadas, conforme consta da alínea b) do nº 1 do artigo 23º A do Código do IRC, e propuseram a sua sujeição a tributação autónoma, nos termos do nº 1 do artigo 88º do CIRC.
    5. No caso em apreço, os SIT verificaram que foram efetuados levantamentos em numerário da conta bancária da Requerente, no valor de € 49.500,00, sem que tivesse sido apresentado qualquer documento a revelar o destino ou o beneficiário desses meios, pelo que não parece haver dúvidas que a situação factual se enquadra no conceito de despesas não documentadas, prevista no n.º 1 do artigo 88.º do CIRC e sujeita a tributação autónoma.
    6. Por tudo o quanto se expôs, forçoso é concluir que as liquidações de IRC aqui em causa não enfermam dos vícios que lhes aponta a Requerente, devendo por isso manter-se em vigor na ordem jurídica, ficando prejudicado o pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente.
  1. Conclui a Requerida, sustentando, que deve o presente pedido de pronúncia arbitral improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências.
  1. Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação de atos de IVA (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, a contar da data-limite de pagamento dos atos tributários impugnados.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Quanto à cumulação de pedidos concluiremos mais adiantes pela desnecessidade da sua apreciação.

Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 Cumpre apreciar e decidir.

 

  1. Fundamentação de Facto
  1. Factos Provados

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

  1. A Requerente foi alvo de inspeções tributárias com os números: OI2021..., OI2021... e OI 2021...– respetivamente referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020.

 

  1. Na sequência desses atos inspetivos foram realizadas as seguintes correções em sede de IRC e IRS:

cfr. RIT.

  1. Na sequência da inspeção tributária realizada ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2021..., OI2021... e OI 2021..., foram emitidas e notificada a Requerente as seguintes liquidações oficiosas de IRC, IRS, juros compensatórios e documentos de acertos de contas, respetivamente:
    1. Quanto ao ano de 2018, em sede de IRC

 

cfr. Doc 1 do PPA

  1. Quanto ao ano de 2018, em sede de IRS

 

Cf doc 4 do PPA.

  1. Quanto ao ano de 2019, em sede de IRC

 

Cfr. Doc 2 do PPA.

  1. Quanto ao ano de 2019, em sede de IRS

 

Cfr. Doc 5 do PPA.

  1. Quanto ao ano de 2020, em sede de IRC

 

Cfr. Doc 3 do PPA

  1. Quanto ao ano de 2020, em sede de IRS

 

Cfr. Doc 6 do PPA.

  1. A Requerente procedeu ao pagamento doas liquidações supra identificadas. Cf. Doc, 1.4, 2.4,  3.4, 4.3, 5.3, 6.3 do PPA.
  2. Da inspeção tributária realizada ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2021..., OI2021... e OI 2021..., resultou a seguinte analise (CFR. RIT):

 

 

     

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

     

 

  1. A Requerente é uma sociedade que tem por objeto a prestação de serviços de gestão administrativa e empresarial; consultoria técnica não especificada para o mercado nacional e internacional, nomeadamente têxtil, calçados e controlo de qualidade; representação e agenciamento nacional e internacional de têxteis e calçados, comércio por grosso de artigos têxteis, acessórios para a indústria têxtil e calçado, assistência técnica de equipamentos e máquinas de indústria têxtil e calçado. cfr. RIT e prova testemunhal.
  2. Quanto a correções efetuadas pela AT:
  1. Correções realizadas em sede de IRC resultantes da não consideração das despesas relacionadas com obras no imóvel dos sócios, e sede da Requerente, no valor de 10.900,94€, 5.468,60€ e 116,45€, respetivamente nos anos de 2018, 2019 e 2020,  foram apresentadas faturas que dizem respeito a bens e serviços destinados a remodelação para escritórios, de mobiliário, serviços de carpintaria, estores, vidros e cortinas, que se destinava à adaptação do espaço às necessidades da empresa, que foram efetuados na sede e escritório da Requerente. Cfr. RIT e Prova testemunhal.

a.A Requerente presta serviços de agência, e para o exercício da sua atividade precisa de escritórios, salas de reuniões, sistemas de comunicações, contactos e visitas a clientes e potenciais clientes. Cfr. prova testemunhal

b.A Requerente possui a sua sede, o seu escritório, no mesmo imóvel que é a habitação própria e permanente dos Acionistas. Cfr. RIT e prova testemunhal.

c.É desta morada que a Requerente exerce a sua atividade profissional. Cfr. RIT e prova testemunhal.

d.A atividade da Requerente é compatível com a sua laboração num espaço da habitação dos sócios reservado à sede e local de atividade do SP. Cfr. Doc. 8 do PPA e prova testemunhal.

  1. Quanto a correções realizadas em sede de IRC resultantes da não consideração de vários gastos, no valor de 12.119,22€, 15.631,68€, 5.560,64€, respetivamente nos anos de 2018, 2019 e 2020, em relação a despesas com deslocações, estadas e refeições, a Requerente apresenta faturas relativas designadamente a viagens ao Egipto e ao Brasil sem identificar em documento suporte o motivo específico de cada viagem, os beneficiários, destinatários, etc.
  1. No que diz respeito a correções realizadas em sede de IRC resultantes da não consideração de aquisições de serviços a fornecedores egípcios, no valor de 97.900,00€, 34.300,00€ e 79.300,00€ respetivamente nos anos de 2018, 2019 e 2020, ficou ainda provado o seguinte:
  1. A Requerente dedica-se ao agenciamento comercial de prestação de serviços/fornecimento de bens para os seus clientes, junto de empresas Egípcias. Cfr. RIT e prova testemunhal.
  2. No âmbito da sua atividade a Requerente, faz a seleção de empresas Egípcias para a prestação de serviços/fornecimento de bens para o Grupo B..., bem como coordena todo o processo (encomendas, fabrico, entrega, transmissão de informações referentes a parâmetros de qualidade e prazos de entrega, entre outros) e assegura a qualidade do serviço prestado. Cfr. Doc. 11 e prova testemunhal.
  3. A Requerente tem necessidade de acompanhar as encomendas que o Grupo B..., por seu intermédio, coloca nas empresas Egípcias, controlando a qualidade da produção. Este controlo de qualidade não é realizado pela mesma empresa que produz a encomenda a controlar, havendo necessidade de contratar entidades externas. A Requerente socorre-se de empresas Egípcias que disponham de equipas de controlo de qualidade, em regra empresas de produção têxtil que dispõe desses departamentos de controlo de qualidade. Cfr. prova testemunhal
  4. As faturas emitidas, descrevem o tipo de serviços prestados e têm como suporte os relatórios de controlo de qualidade, nos quais se faz a concreta menção à entidade produtora onde é realizada a inspeção, a referência das peças inspecionadas, o cliente das peças inspecionadas e o número de peças sobre a qual incidiu. Cfr. RIT e prova testemunhal.
  1. Foram realizadas correções em sede de IRS referentes a lançamento na conta 278101 a título de lucros ou adiantamento de lucros e retiradas da empresa, no valor de 39.833,19, 5.488,16€ e 2.621,89€, respetivamente nos anos de 2018, 2019 e 2020.
  1. Quanto a correções realizadas em sede de IRC, com a aplicação de taxas de tributação autónoma, referentes a levantamentos em numerário, constantes dos extratos bancários do Novo Banco:

(1) 22/01/2020 – 16.500,00;

(2) 28/02/2020 – 9.500,00;

(3) 10/03/2020 – 8.300,00;

(4) 04/11/2020 – 15.200,00;

 

  1. A Requerente apresentou o seu pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação parcial das referidas liquidações de IRC e IRS e juros compensatórios inerentes – cfr. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

            2.         Factos não Provados

Não se consideram como não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.

 

            3.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal, e nas posições por cada parte assumida em relação aos factos. A testemunhas revelaram conhecimento dos factos e depuseram com credibilidade e confiança. 

Em relação às declarações de Parte da Sócia-gerente da Requerente, E..., demonstrou ter conhecimento direto e profundo da atividade da Requerente, veio com clareza descrever a atividade desenvolvida, que a sociedade se dedica ao ramo têxtil, e o centro da atividade consiste na captação de pedidos de produção têxtil e a locação destes pedidos em fábricas de produção têxtil. Referiu que o principal cliente é o grupo B... . Que o Grupo faz pedidos, e a função da Requerente é encontrar e contratar fabricas para produzirem esses pedidos. Explicou, essencialmente que a sua atividade consiste em satisfazer o cliente, neste caso a B..., este faz os pedidos diretamente às fábricas no Egipto, para produzir, fabricas indicadas pela Requerente, e que a Requerente recebe uma comissão por esses pedidos, pagos pela fábrica. E que à Requerente lhe compete assegurar que as Fabricas por si indicadas possuam qualidade de produção exigida pelo Grupo, e para isso, a Requerente contrata entidades terceiras ou externas, independentes, localizadas no Egipto, para fazerem o controlo de Qualidade pretendido. No que diz respeito ao pagamento em numerário no Egipto às empresas de controlo de qualidade, referiu, que as empresas solicitaram o pagamento em numerário, e apresentaram como justificação a dificuldade que têm em receber transferências do exterior e movimentar esse capital que ficar no Banco. Mais referiu, que não tem um contrato escrito com essas empresas de controlo de qualidade, mas é uma prática habitual, e que também a Requerente, não tem contratos escritos com as empresas de produção.

Em relação à prova testemunhal arrolada pela Requerente importa salientar os contributos trazidos pelos depoimentos de:

  1. F..., é assistente de Diretor no comercio têxtil no Egipto, desde 2019, e que trabalham com a Requerente desde 2017. Esta testemunha demonstrou ter conhecimento direto e profundo da atividade que a empresa onde trabalha presta à Requerente, com quem tem relações comerciais, que fazem o controlo de qualidade para esta empresa, desde o início de produção até ao final, verificam as peças até terem a aprovação do cliente, e fazem relatórios e auditoria, e enviam esses relatórios à Requerente.
  2. G..., desenvolve uma atividade de intermediação de produtos têxteis, entre a fábrica e os clientes, e também desenvolve a atividade de construção. Esta testemunha demonstrou ter conhecimento direto da atividade da Requerente, que conhece bem o Sócio (Sr. H...) da Requerente, no âmbito profissional no Brasil. Que conhece bem, principalmente de uma operação em que levava peças acabadas do Brasil para Portugal para o grupo B... . Referiu, com bastante frequência, uma ou duas vezes ao ano, o H..., está na região do Brasil, e com ele visitam potenciais fornecedores para exportação.
  3. H..., antigo socio da Requerente, atualmente Diretor Comercial da Requerente, referiu que trabalha há muitos anos com o grupo B..., desde a década de 1990, e que atualmente, as funções e a atividade que a Requerente desempenha é prestar serviços a este grupo. Que há vários anos o procedimento é similarmente o mesmo, que 99% dos pedidos estão no Egipto. Que fazem todas as diligencias necessárias para que esses pedidos sejam realizados. Tem vários componentes, como preço, qualidade, produto final, entrega no prazo, o desenvolvimento do produto, a apresentação de produtos novos. Esta testemunha demonstrou ter conhecimento direto e profundo da atividade da Requerente. Que a Requerente contrata empresas de controlo de qualidade, que emitiam relatórios desde o início do processo, isto fazia parte da atividade normal da empresa. Referiu, que devido a limitações do Banco Central do Egipto, existe problemas com os pagamentos, sendo que tinham de fazer pagamentos em numerário, que era uma prática habitual de há vários anos.

 Sobre as despesas com viagens, estadas e refeições, as testemunhas limitaram-se a afirmar em abstrato que realizam viagens de prospeção e visitas a clientes, em especial no Brasil e Egipto. A Testemunha H... admitiu que tem familiares no Brasil e que os visitas nas deslocações que realiza .

Em relação à prova testemunhal arrolada pela Requerida, importa salientar os contributos trazidos pelos depoimentos de:

  1. I..., inspetora Tributaria e Aduaneira, participou na inspeção realizada à Requerente, aqui em causa, veio esclarecer o relatório e a informação constante no Relatório de Inspeção Tributaria, mas não demonstrou ter conhecimento direto dos factos, da atividade ou das operações realizadas pela Requerente, o seu testemunho não se traduziu na comprovação de factos relevantes para a decisão.
  2. J..., inspetor Tributário e Aduaneiro, coordenador da equipa que participou na inspeção efetuada há Requerente, aqui em causa, veio esclarecer o relatório e a informação constante no Relatório de Inspeção Tributaria, referiu que visitou o imóvel onde está localizada a sede da Requerente durante a inspeção, tendo aí reuniões com a Requerente, e que verificou que o imóvel era o escritório, mas também a habitação do socio da Requerente.

 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

  1. Do Mérito

 

IV-1- Da Ilegalidade da Inspeção relativamente ao IRS

A Requerente começa por alegar que a AT não lhe deu a conhecer qualquer despacho fundamentado que, nos termos do disposto no artigo 15.º, n.º1, do RCPITA justifique o alargamento do âmbito da inspeção realizada ao imposto de IRS , razão pela qual  as liquidações de retenção na fonte desse imposto, são ilegais por violação do princípio da legalidade, designadamente por violação de uma formalidade legal essencial e estruturante do procedimento inspetivo, determinando, assim, a invalidade dos ulteriores termos procedimentais, ou seja, da liquidação que nele se suporta (cfr. art.º 163.º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do art. 4.º do RCPITA).

Por sua vez, a Requerida defende que a fundamentação é suficiente e que, ainda que assim não fosse, entende que a Requerente sempre poderia deitar mão do disposto pelo art.º 37.º do CPPT e solicitar os elementos em falta, o que não fez, pelo que deixou que a situação se consolidasse na sua esfera jurídica.

Vejamos.

A questão gira e torno do sentido e alcance do disposto no nº 1 do artigo 15.º do RCPITA, que tem como epígrafe “Alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento,” cujo conteúdo é   o seguinte: ”1-Os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspeção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspecionada”.

 

Assim delimitada verifica-se que a questão é semelhante à que foi objeto de análise na Decisão arbitral proferida no processo n.º 211/2019-T. Por concordarmos com a jurisprudência aí vertida passamos a reproduzi-la, nos termos que seguem.

“(…)

“Conforme é unanimemente preconizado pela doutrina e pela jurisprudência, a obrigação de fundamentação dos atos em matéria tributária, cumpre duas funções: uma de natureza exógena, que visa colocar o administrado em condições de conhecer os fundamentos que motivaram a autoridade administrativa a decidir da forma que o fez, por forma permitir-lhe optar conscientemente entre a aceitação do acto e a sua impugnação; e outra de natureza endógena, que visa não só assegurar que os agentes da administração ponderem, de forma séria, cuidada e isenta, os factos concretos e as disposições legais aplicáveis em cada caso, mas também assegurar e garantir o controlo, particularmente pelos tribunais, da observância dos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade, que se impõem à actuação da administração, aferindo o acerto jurídico das respectivas decisões.

Razão por que é essencial a suficiência e a clareza da fundamentação, de modo a que o administrado possa dispor dos elementos necessários à compreensão da motivação do acto administrativo e/ou tributário, permitindo-lhe conhecer as razões fácticas e jurídicas que estiveram na sua base, por forma a aceitá-las ou a rebatê-las, optando em consciência entre a aceitação da decisão e a sua impugnação; e de modo a que o próprio tribunal possa dispor de um real e efectivo controlo sobre a legalidade do acto, aferindo o respectivo acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.” Neste sentido, concluiu o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) no seu acórdão de 27 de janeiro de 2016 (processo n.º 0324/15).

“Ora, cremos que é essencialmente para assegurar a verificação destas exigências da fundamentação que o nº 1 do artigo 15.º do RCPITA prescreve que a alteração do âmbito do procedimento de inspeção deve obedecer a vários requisitos, em especial, “Revestir a forma de despacho fundamentado”, isto é, a lei exige existência de um despacho que evidencie, de um modo claro, preciso, direto e completo, as razões justificativas da necessidade ou conveniência dessa alteração.

“No caso em apreço, conforme resulta dos factos dados como provados, no decurso do procedimento de inspeção, a AT decidiu alterar o âmbito do mesmo, tendo, para esse efeito, procedido à notificação, em 15/7/2020, de exemplar da credencial em causa, limitando-se a fazer mera anotação no quadro 5 da mesma, o qual se destina a informar a eventual “Alteração dos Fins, Âmbito e Extensão do Procedimento”. Mais, tal anotação refere, apenas, “Alteração de âmbito para parcial em IVA e IRC, de acordo com a alínea b) do nº 1 do artº 14 do RCPITA”.

“Da análise dos documentos juntos, não se consegue perceber as razões de facto e de direito determinantes da prática do ato de alteração do âmbito da inspeção. Dito de outra forma, não se consegue perceber a razão da mudança de âmbito e extensão do procedimento de inspeção nem tão pouco o raciocínio que levou a Requerida a proceder à mudança do procedimento de âmbito parcial incidente sobre IVA para IVA e IRC. Com efeito, um destinatário normal fica sem perceber qual foi o iter lógico, o raciocínio do autor para, perante a situação concreta do procedimento tomar a decisão de mudança de âmbito do procedimento de inspeção.

“A razão de ser da necessidade de fundamentação é assegurar que as razões factuais e jurídicas sejam cognoscíveis pelo interessado de forma clara, para que este possa exercer o seu direito de defesa. Podemos dizer que a melhor ou pior fundamentação é essencialmente aferida segundo aquilo que o interessado entende e segundo a defesa que consegue apresentar. Ou seja, o dever de fundamentação emerge como um importante sustentáculo da legalidade administrativa e instrumento fundamental da respetiva garantia contenciosa (Cfr. Mário Esteves de Oliveira e outros, Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, p. 589).

“Por outro lado, as caraterísticas exigidas à fundamentação, por lei, servem igualmente para se aferir da consistência da atividade da Requerida quanto ao cumprimento de princípios jurídicos fundamentais da igualdade, da imparcialidade e da transparência.

“Com referência específica ao dever de fundamentação constante do artigo 15.º, n.º1, do RCPITA, referem Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira (Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, Anotado e Comentado, 2ª. Edição, revista, atualizada e ampliada, Almedina, Coimbra 2021, pp. 115 ss,) que a alteração dos fins do procedimento de inspeção e a sua extensão, do ponto de vista formal, deve revestir a forma de despacho fundamentado (de modo claro, preciso, direto, atual e completo). Acrescentando os autores que a omissão desta formalidade acarreta a invalidade/ilegalidade da alteração em causa com fundamento em vício de forma. 

“Também na jurisprudência pode ler-se, a título de exemplo, que “Na pendência do procedimento de inspeção podem ser alterados os fins e a extensão daquele, posto que tal conste de despacho fundamentado da entidade  que o tiver ordenado (…)”, e, mais adiante, conclui-se que a omissão  da alteração dos fins, do âmbito e da extensão do procedimento de inspeção pela entidade que o ordenou, “todas as conclusões referentes ao relatório relativas a tal alargamento são ilegais e,  não poderão ter validade fiscal, nem fundamentar qualquer acto de liquidação” ( Acórdão do STA de 15-06-2016, processo n.º 01101/15- cfr. a obra atrás citada a p. 119).  “

Naquela Decisão arbitral conclui-se por não verificados os requisitos previstos no artigo 163.º do CPA, prevalecendo o vício de forma emergente de preterição de formalidade legal essencial, ocorrida no procedimento de inspeção, sendo que tal omissão é manifestamente lesiva e invalidante do ato final de liquidação na parte ora impugnada.

Ora, a situação dos autos é semelhante à que justificou a jurisprudência acabada de expor. Como resulta do ponto B dos factos dados como provados, a Requerida limitou-se a notificar a Requerente de um formulário onde se menciona: Altera-se a Ordem de serviço que lhe foi notificada em 2021/09/02, indicando-se como fundamentação-  Em função da ação de inspeção em curso  torna-se necessário  o alargamento do âmbito  para que se proceda à análise de outros impostos. Note-se que nem sequer é feita qualquer referência ao imposto de IRS.      

Finalmente, também não procede o argumento da Requerida no sentido de que a Requerente sempre podia ter lançado mão do disposto no artigo 37.º do CPPT, que permite ao interessado, sempre que a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver os fundamentos legalmente exigidos, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos.

Em primeiro lugar, trata-se de uma mera faculdade e, por outro lado, pressupões que a fundamentação exista, tendo a Requerida apenas omitido a sua comunicação aos interessados. No caso, como ficou dito, não existe o despacho fundamentado tal como é exigido por lei.

Termos em que se considera ilegal o alargamento da inspeção realizada ao imposto de IRS, com a consequente invalidade das liquidações de retenção na fonte, com as legais consequências.

 

 

IV-2- Da dedutibilidade de gastos para efeitos fiscais (artigo 23º do CIRC) e ónus da prova

Quanto aos pressupostos da dedutibilidade de gastos (artigo 23.º do CIRC) e ónus da prova

 

Em sede de IRC, a questão de direito que se coloca prende-se com o sentido e alcance do artigo 23.º do respetivo código para efeitos de aceitação como gasto fiscal de determinadas despesas reconhecidas na contabilidade da Requerente.

A norma central nesta matéria é, assim, o nº 1 do referido artigo 23.º do CIRC, nos termos da qual, “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, articulada com os nºs 3 e 4 no mesmo preceito que referem:

“3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. 

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: 

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; 

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional; 

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; 

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço; 

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados. “

 

Interessa, igualmente, conjugar a análise com o disposto nas alíneas a) e b) do artigo 23º-A, que igualmente se transcrevem:

“1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

(...)

b) As despesas não documentadas;

c) Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 23.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º;

(…).

 

Como se pode ler na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 793/2021-T, “são três requisitos para que um gasto possa ser deduzido.

O primeiro requisito encontra-se na primeira parte do n.º 1 do art.º 23.º e consiste em que o gasto tenha efetivamente ocorrido. Trata-se do requisito da “efetividade” do gasto, que a jurisprudência há muito estabeleceu (ac. STA de 22-01-2014, proc. nº 01632/13). Ter o gasto efetivamente ocorrido implica que tenha sido efetuado um pagamento, ou a obrigação de pagamento tenha sido satisfeita e extinta por outra forma que não o pagamento (compensação ou dação em pagamento, por exemplo), ou que tenha sido criada na esfera do sujeito passivo uma obrigação de pagamento.

Assim sendo, de uma forma genérica, não é possível aos sujeitos passivos deduzirem um gasto, ainda que bem documentado e ainda quando os documentos de suporte mostrem que tal gasto seria perfeitamente justificado pelo fim de realização do lucro, se não se demonstrar que o gasto é real, seja por existir um pagamento, seja por se ter extinguido por outra forma a dívida respetiva (vg. por compensação de créditos), seja ainda por ter sido gerada para o sujeito passivo uma obrigação de pagamento.

O segundo requisito encontra-se na segunda parte do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, sendo este um requisito de natureza finalística, que consiste em que o gasto deve ter sido realizado “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”. A lei deixou de falar em indispensabilidade dos gastos, como fazia anteriormente, exigindo agora que o gasto tenha sido incorrido para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Determinante para a dedutibilidade do gasto na atualidade é que o gasto tenha como objetivo contribuir para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. A este segundo requisito, a fim de facilitar a exposição, daremos a designação de “justificação do gasto”.

O terceiro requisito diz respeito à documentação do gasto, subdividindo-se em dois aspetos. Em primeiro lugar, é necessário que o gasto se encontre documentado, ou seja que exista prova documental que permita verificar, pelo menos, a existência do gasto. Em segundo lugar, é necessário que o documento que prova a existência do gasto cumpra, ele próprio, vários requisitos quanto ao seu conteúdo, nomeadamente que contenha os elementos de informação elencados nas alíneas a) a c) do nº 4 do artigo 23º.”

 

De referir que, da atual redação do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, não consta, como até 31 de dezembro de 2013, que se consideram gastos aqueles que “comprovadamente sejam indispensáveis” para realização de rendimentos. Assim, agora deve apenas ser avaliado se os gastos ocorreram no âmbito e por força da atividade empresarial do sujeito passivo, o qual tem, por definição, escopo lucrativo, sendo, por isso, sujeito a IRC.

Não obstante, cita-se mais uma vez a Decisão Arbitral 793/2021-T, supra, a qual nota que, “já no domínio da redação anterior a noção legal de indispensabilidade era interpretada sob uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento direto ou indireto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivaliam aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproximava, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal.

O gasto imprescindível equivalia a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que representasse um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo dependia, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa. E “fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, processo n.º 0107/11): “A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.

O conceito de indispensabilidade não só não podia fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, como já se disse, como também não podia assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podiam, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.

O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos era e é exclusivo do empresário. Se ele decidisse fazer despesas tendo em vista prosseguir o objeto da empresa, mas fosse mal-sucedido e essas despesas se revelassem, por último, improfícuas, não deixavam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilizasse como custo e se mostrasse estranho ao fim da empresa não era custo fiscal, porque não indispensável. Como ficou consignado em Acórdão do STA “Entendemos (...) que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa.” (Acórdão proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05).

Mais recentemente defendeu, por unanimidade, o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 27-02-2018, proferido no processo n.º 01402/17: O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artº 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das atividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a atividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados. (nosso negrito)

Mais entendeu que é aplicável à generalidade dos encargos suportados no interesse da atividade da empresa: Consideramos definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objetiva com os proveitos (23) (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, “Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos”, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e “A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC”, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).

Entendemos a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à atividade desenvolvida pelo contribuinte. «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa» (24) (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.”

 

No que se refere ao funcionamento do ónus de prova, a jurisprudência é pacífica no entendimento de que tal ónus recai sobre o sujeito passivo, por estar em causa um facto constitutivo da dedução invocada (art. 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária). A este respeito, cita-se veja-se os acórdãos do TCA Norte de 11-02-2016, proc. n.º 00080/03 e do TCA Sul de 02-02-2010, proc. n.º 03669/09 e de 16-10-2012, proc. n.º 05014/11: “Se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade!.

Nestes termos, os gastos contabilizados fundadamente questionados pela AT, para serem fiscalmente dedutíveis, têm de ser objeto de comprovação objetiva quanto à afetação à realidade empresarial do sujeito passivo que os contabilizou. Neste sentido, cfr., entre outras, as Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 735/2019-T; 510/2020-T; 534/2020-T e 793/2021-T. Embora hoje se tenha deixado de se falar em indispensabilidade, a verdade é que o ónus de prova da ligação do custo à atividade empresarial continua a caber ao sujeito passivo, atenta a fundamentação subjacente deste ónus.

 

Finalmente, no que concerne à comprovação dos custos, como ficou consignado nas Decisões arbitrais proferidas nos processos 510/2020-T, 534/2021-T e 793/2021-T “(…) para efeitos de dedutibilidade de um custo entendia a doutrina e a jurisprudência que aquele requisito se demonstra através de documentos que comprovem os custos realizados, sendo que esses documentos podem consistir em meros documentos, faturas, recibos ou até uma nota interna da empresa, conquanto se revelem credíveis e consistentes. Só não sendo considerados como custos fiscalmente relevantes os que não são suportados em documentos válidos. Assim sendo, quanto à prova documental, esta é por norma o meio de prova exigido em razão da sua adequação à prática comercial, não sendo, no entanto, de excluir outros meios de prova para comprovar os custos efetivamente realizados, e como complemento da mesma, como, por exemplo, a prova testemunhal ou a prova pericial.”

Por conseguinte, é perfeitamente legítimo usar a prova testemunhal, apenas para complementar a documental.

 

Apliquemos então o exposto aos gastos desconsiderados pela Requerida, no caso dos autos.

 

IV-3- Quanto à ilegalidade das correções

A-Sobre as faturas mencionadas nos pontos 1) a 6) do RITI – obras

Recorde-se que relativamente às faturas contabilizadas pela Requerente relacionadas com serviços de carpintaria, colocação de estores e outros, entendem os SIT que tais gastos não devem ser aceites para efeitos de determinação do lucro tributável, nos termos do artigo 23.º do CIRC, por quanto esses encargos foram incorridos ou suportados pelo sujeito passivo em benefício dos sócios e não para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do art.º 23.º do Código do IRC.

A Requerente alega que se dedica ao agenciamento comercial de prestação de serviços/fornecimento de bens para os seus clientes que, como tal, para o exercício da sua atividade precisa de escritórios, salas de reuniões, sistemas de comunicações, contactos e visitas a clientes e potenciais clientes, etc. Neste sentido, a atividade da Requerente é totalmente compatível com a sua laboração num espaço da habitação dos sócios reservado exclusivamente à sede e local de atividade da Requerente.

Foi por causa e para a atividade da empresa que a Requerente adquiriu os bens e serviços descritos nas faturas referidas em 6) do RITI, tais como mobiliário, serviços de carpintaria, estores, vidros e cortinas, destinaram-se à adaptação do espaço às necessidades da empresa (remodelação para escritórios). Não é raro no tecido empresarial português encontrar empresas sediadas na casa de habitação dos seus sócios.

Para a Requerente a despesa preenche os requisitos do artigo 23.º do CIRC, sendo ilegal a correção da Requerida. 

Analisado o caso em apreço verifica-se que a Requerida não põe em causa a efetividade dos gastos, mas considera que os mesmos foram incorridos no interesse dos sócios e não da Requerente.

Dos factos dados como provados resulta que a Requerente possui a sua sede, o seu escritório, no mesmo imóvel que constitui habitação própria e permanente dos acionistas e é onde exerce a sua atividade profissional.

Atento o tipo de atividade exercida que se desenvolve com recurso predominante a contactos telefónicos e a outras vias de comunicações eletrónicas, concede-se que a atividade seja compatível com a sua laboração num espaço da habitação dos sócios, sendo tal prática comum em determinados ramos da atividade económica em Portugal. Por sua vez, H..., atualmente é Diretor Comercial da Requerente, referiu que trabalha naquele local de onde contata diariamente com os clientes, tendo confirmados esses gastos para melhor adequação da habitação ao espaço destinado à atividade profissional da Requerente. Por outro lado, não pode deixar de relevar que sempre a Requerente teria de fazer despesa, eventualmente maior, com o pagamento de renda se utilizasse outro local.

Assim sendo, não estando em causa os gastos ocorridos, atentas as regras da experiência, a  prática habitual da economia local e o tipo de atividade desenvolvida e, bem assim, a prova testemunhal, afigura-se de concluir que os gastos que a Requerente incorreu com os bens e serviços descritos nas faturas referidas em 6) do RITI, tais como mobiliário, serviços de carpintaria, estores, vidros e cortinas, destinaram-se à adaptação do espaço às necessidades da empresa (remodelação para escritórios).

Nesta sequência deve ser dado provimento ao pedido de pronúncia arbitral quanto às correções aqui em causa, nos valores € 10 .900,94, € 5.468,60 e € 116,45, respetivamente para 2018, 2019 e 2020.

 

B-Despesas com a utilização do prédio e com viagens, estadias e refeições  

 

Tendo em conta a fundamentação que presidiu à prática do ato tributário impugnado, torna-se relevante para o presente caso, não questionar a existência do gasto, mas sim discutir a verificação dos segundo e terceiro requisitos mencionados, a saber, se o gasto foi incorrido no interesse da Requerente e se se encontra adequadamente comprovado.

Como vimos, sustentam os serviços que da análise da documentação junta que tais encargos foram incorridos ou suportados pelo sujeito passivo em benefício dos sócios e não para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do artigo 23.º do IRC. Por outro lado, importa desde logo mencionar que os gastos com deslocações e estadas, no país ou no estrangeiro, são dedutíveis para a determinação do lucro tributável se forem incorridos ou suportados para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, cumprindo à Requerente a prova de que os gastos cumpriam essa condição.

No pedido a Requerente alega, em síntese, que, por força da atividade que exerce realiza várias viagens a clientes e potenciais clientes e, bem assim, às empresas que angaria para a prestação dos serviços /fornecimento de bens.    

E, para justificar as despesas com deslocações e estadas as quais, note-se, são suscetíveis de confusão entre as realizadas na esfera empresarial ou na esferal privada, sobretudo quando se reconhece que o sócio da Requerente viveu largo período no Brasil onde dispõe de contatos profissionais e familiares, apresentou faturas que não contêm os elementos adequados a estabelecer o nexo entre as deslocações e estadas e a atividade da empresa.

 

Como se pode ler na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 534/2020-T “O lucro tributável para efeitos de IRC tem como suporte o resultado apurado na contabilidade (art. 17.º, n.º 1 do CIRC), o que implica que esta esteja organizada de modo a permitir o respetivo controlo, o que impõe, precisamente, que todos os lançamentos estejam apoiados em documentos justificativos e suscetíveis de apresentação sempre que necessário. Os registos contabilísticos, para que possam ser compreendidos e aceites, têm de estar devidamente sustentados em documentação que forneça os dados concretos necessários ao perfeito conhecimento da operação ou operações que os justificam na plenitude dos seus elementos constitutivos. Surge aqui o denominado princípio da documentação, que visa assegurar a verificabilidade externa dos registos contabilísticos e dos respetivos suportes” (negrito nosso).

Ora, resultou da consulta dos autos que da documentação junta, incluindo da prova testemunhal, que não é possível extrair ligação entre as viagens e os clientes, e mesmo reuniões ao serviço da Requerente, não bastando para cumprir o ónus de prova, que sobre si impende, as considerações de ordem genérica produzidas pelas testemunhas em sede de audiência para justificar e sustentar os gastos em causa. Os elementos identificadores e caracterizadores da despesa, como a identificação dos beneficiários das viagens e do seu propósito ou finalidade, bem como a identificação das pessoas ou empresas contactadas, revelam-se elementos cruciais para permitir a triagem das despesas entre aquelas que possam eventualmente ter natureza privada e aquelas que efetivamente se enquadram na atividade empresarial, não sendo suficiente a alegação abstrata de que se trata de custos inerentes aos usos sociais e comerciais e necessários à prospeção comercial. As mesmas considerações valem para as despesas relacionadas com estadias e almoços.

Em especial no que concerne às com os encargos com viagens ao Brasil, não pode deixar de destacar que, além da Requerente não dispor de nenhum cliente naquele território, releva igualmente que a gerente do sujeito passivo é natural daquele País e que periodicamente aí visita a família, como resulta do probatório.   

Finalmente, o argumento utlizado pela Requerente no sentido de que a Requerida em sede de IVA não colocou em causa o direito à dedução não releva nesta sede. Para além de se tratar de tipos de imposto sujeitos a pressupostos e regime diversos, qualquer eventual ilegalidade a ter ocorrido não vincula a Requerida. Improcede por falta de base de sustentação a alegada violação em abstrato de princípios constitucionais, tais como o da legalidade, da segurança jurídica, da igualdade, etc.  No fundo, não são mais do que meras alegações abstratas que partem do pressuposto errado do SP no sentido de que é sobre a Requerida que recai o ónus da prova nesta matéria.

No que se refere às despesa assentes em faturas relacionadas com custo com telecomunicações (telefone e internet), serviço de limpeza, etc., a Requerente também aqui se limita a alegar tratarem-se de custos normais de qualquer sociedade esquecendo-se de que tendo decidido fazer da habitação própria o local do escritório e sede da empresa, a contabilidade tem de revelar o tipo de despesa e os critérios de repartição dos custos entre o que deve ser imputado à família e à empresa, o que não se verifica.  

Nesta sequência, deve improceder, nesta parte, o pedido da Requerente.

 

C- Da alegada falsidade das faturas de aquisição de serviços a fornecedores Egípcios

 

Recorde-se que, como observam os SIT a Requerente registou nas rúbricas de gastos, designadamente na rúbrica de Fornecimentos e Serviços Externos, contas 6213 e/ou 6221 (Trabalhos Especializados), documentos relativos a serviços adquiridos a fornecedores egípcios, mas não aceitaram os gastos correspondentes às faturas de aquisição de serviços a fornecedores egípcios em virtude de considerar que não são gastos admissíveis nos termos do artigo 23º do CIRC, por estarem suportados em faturas sobre as quais recaem indícios concludentes de serem falsas.

Para esse efeito alegam, entre o mais,

i) As faturas juntas não preenchem todos os requisitos formais do artigo 23.º do CIRC, designdamente não indicam com clareza os serviços efetuados e tão pouco os quantificam, o que torna impossível comprovar as operações emitidas pelos fornecedores egípcios, faltando-lhe elementos para que sejam consideradas credíveis e titulando operações verdadeiras;

Quanto ao pagamento aos fornecedores egípcios, quando relevados na contabilidade, é feito através da conta do sócio ou em numerário, modalidades de pagamento que também não podem ser aceites pela  AT porque: a) Primeiro, conforme determinado no n.º 1 do art.º 63.º-C da LGT, os sujeitos passivos estão obrigados a possuir conta bancária através da qual devem ser movimentados os pagamentos e os recebimentos respeitantes à atividade desenvolvida;b) Não ser possível a confirmação do pagamento sobretudo quando feito em numerário, porque os recebimentos dos seus clientes egípcios foram efetuados através de transferências bancárias para a conta do sujeito passivo;c) E se, hipoteticamente, tivessem sido transportados esses montantes em dinheiro para fora da UE, haveria de ter sido declarada a saída desses capitais numa estância alfandegária, o que não ocorreu; d) E, por último, não é possível a validação dos negócios com recurso a meios alternativos ao alcance da AT, em respeito do princípio do inquisitório, pois o Estado português não tem acordo de cooperação com o reino do Egito, facto que deveria ter conduzido a uma preocupação acrescida por parte do sujeito passivo no cumprimento de mecanismos básicos de controlo interno;

 

Por sua vez, o SP alega, em resumo, que em momento algum a Requerida alega que os serviços vertidos nas faturas não são congruentes e não se inserem na atividade da Requerente, nem tão pouco que as fornecedoras egípcias não se dediquem ou não disponham de meios para a prestação dos serviços.

A fundamentar a ilegalidade da atuação da Requerida, a Requerente alega que: “Conforme resulta da jurisprudência uniformizada, no caso de faturas falsas, compete à AT fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação corretiva e, só caso o faça, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto” (Ponto 99.º do Pedido).

Vejamos.

 

A Requerida não põe propriamente em causa os gastos, mas sim designadamente o facto de as faturas não preencherem todos os requisitos formais do artigo 23.º do CIRC de modo permitirem o seu controlo e serem credíveis e suscetíveis de titularem operações verdadeiras.

Afigura-se não asistir razão à Requerida pelas razões que passamos a expor.

No caso em apreço existem facturas e anlisadas verifica-se que as mesmas descrevem de forma fiel os serviços prestados, referindo-se a Quality control support e Cost of inpection & quality control services. Por outro lado, as faturas têm como suporte os relatórios de controlo de qualidade efetuados, nos quais se faz concreta menção à entidade produtora onde é realizada a inspeção, a referência das peças inspecionadas, o cliente e o nº de peças sobre que incidiu o serviço de controlo. Conjugando a prova documental com a prova testemunhal, permite-nos correlacionar o serviço prestado com a atividade desenvolvida pela Requerente.

Segundo os esclarecimentos prestados em sede de procedimento inspetivo, a Requerente tem a responsabilidade de procurar fábricas que tenham a capacidade de confecionar os produtos, com a melhor qualidade e ao melhor preço, para o Grupo B... .

No âmbito da sua atividade, e sendo a produção assegurada por empresas egípcias, tem o dever de acompanhar essas empresas e verificar se reúnem as condições técnicas e de qualidade exigidas pelo Grupo e no sentido de garantir que essas condições se verificam, contrata essa tarefa de acompanhamento a entidades externas, neste caso a empresas egípcias que dispõem de equipas de controlo de qualidade.

Como o serviço é exporádico não existem contratos celebrados, mas tão só facturação.

Da prova testemunhal (H...) reiterou que a Requerente contrata empresas de controlo de qualidade, que emitiam relatórios desde o início do processo, isto fazia parte da atividade normal da empresa. Quanto a não existência de contratos, referiu que nos seus anos de experiência e de conhecimento do mercado, não há contratos e não costumam ser feitos.

No que se refere à atividade de controlo de qualidade, a testemunha F..., é assistente de Diretor no comercio têxtil no Egipto, desde 2019, e que trabalham com a Requerente desde 2017, confirmou que a empresa onde trabalha presta à Requerente, com quem tem relações comerciais, que fazem o controlo de qualidade para esta empresa, desde o início de produção até ao final, verificam as peças até terem a aprovação do cliente, e fazem relatórios e auditoria, e enviam esses relatórios à Requerente.

Em concreto, a alegação da falsidade derivada da circunstância de as faturas não terem sido contabilizadas na data da sua emissão, é absolutamente irrelevante para a análise da sua veracidade e cumprimento do ónus da prova que impende sobre a Requerida. Quando muito poderia ser haver lugar à violação do princípio da especialização dos exercícios, o que não vem invocado.

Em particular, repete-se, a Requerida não põe em causa propriamente a ocorrência dos gastos, mas tão só o facto de não ser possível efetivar o seu controlo quando os pagamentos são feitos através da conta dos sócios ou em numerário. Na primeira situação a Requerida não afasta a realidade do pagamento, antes o confirma.

Quanto aos pagamentos em dinheiro, o facto de serem contabilisticamente ilegais, não significa que estejam necessariamente associados a emissão de operações fictícias, nem lhes é feita qualquer referência no artigo 23.º do CIRC. Acresce que da prova testemunhal (H...) resultou que tais pagamentos são devidos a limitações do Banco Central do Egipto, que existem problemas com os pagamentos, sendo que tinham de fazer pagamentos em numerário, que era uma prática habitual de há vários anos.

Finalmente o argumento invocado quanto ao não existir acordo de cooperação com o Egipto ( o que não permite o controlo das operações)  trata-se de facto alheio à Requerente.

No contexto apontado, e tudo conjugado, afigura-se que Requerida não reuniu indícios suficientes capazes de traduzirem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas serem simuladas. Probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações do contribuinte  e dos dados  constantes da sua contabilidade  consgrada no artigo 75.º, n.º1, da LGT. Assim sendo, seria de se considerar excessiva e desprovida de base legal, a conclusão no sentido de que estamos perante faturas falsas, por não serem credíveis e suscetíveis de  titular operações verdadeiras.

         Termos em que deve ser dado provimento ao pedido arbitral, com as legais consequências. 

 

IV-4-Das Despesas não documentadas- artigo 88.º do CIRC.

 

Verificaram os SIT saídas de dinheiro da conta da Requerente sem que tenham sido apresentados os respetivos documentos de suporte, estão em causa os seguintes levantamentos em numerário constantes dos extratos bancários relativos ao Novo Banco:

(1) 22/01/2020 – 16.500,00;

(2) 28/02/2020 – 9.500,00;

(3) 10/03/2020 – 8.300,00;

(4) 04/11/2020 – 15.200,00;

 

A Requerente, no âmbito do procedimento de inspeção ao abrigo da OI2021..., foi notificada a justificar os levantamentos em numerário e a gerente, em resposta, informou que aqueles levantamentos serviram para efetuar os pagamentos de faturas aos fornecedores egípcios, uma vez que é comum naquele país os pagamentos serem efetuados em numerário.

Os SIT, no relatório de inspeção, referem que não é possível confirmar que os levantamentos em numerário tenham servido para efetuar o pagamento de faturas de fornecedores pois que, na contabilidade, esses pagamentos foram feitos através da conta de sócios 278101 ou pagos a dinheiro.

Entenderam os SIT que os levantamentos em numerário e a sua saída do património da Requerente, face à ausência de documentação, apenas cópias dos extratos bancários, configuram despesas não documentadas, conforme consta da alínea b) do nº 1 do artigo 23º A do Código do IRC, e propuseram a sua sujeição a tributação autónoma, nos termos do nº 1 do artigo 88º do CIRC.

As despesas não documentadas previstas no artigo 88º, nº 1 CIRC são, antes de mais, “despesas.” A existência de uma despesa implica uma saída efetiva de meios de pagamento a favor de terceiros ou, pelo menos, a assunção de uma dívida para com terceiros.

Com efeito, é com esse sentido, de saída efetiva de meios de pagamento (ou de assunção de responsabilidades financeiras) que o Código do IRC emprega o termo “despesa”, por oposição a “gasto”, em múltiplos locais, como, a título de exemplo, nos artigos 23º-A, nº 1 d), 31º, nº 2 a), 32º, nº 2 ou 43º, nº 2.

Como ficou consignado na Decisão arbitral proferida, no processo n.º 735/2019-T, “Sendo conceitos próximos, “gasto” e “despesa”, na terminologia do CIRC, não se confundem, pois enquanto o “gasto”, no código do IRC, é o consumo de um bem ou serviço no processo produtivo, “despesa” é a designação que se utiliza para o facto financeiro em si mesmo, e que consiste  num pagamento ou numa assunção de uma dívida (Rogério Fernandes Ferreira, Conceitos de custos e proveitos do exercício – confronto com outras noções, Revista TOC nº 83, Fev. 2007, p. 37, considerava que a despesa era o desembolso, ou a assunção de uma responsabilidade financeira, enquanto o “custo” [hoje “gasto”] se verificava num momento posterior e consistia na incorporação da utilidade económica adquirida no processo produtivo).

“O entendimento de “despesa” como saída efetiva de meios de pagamento ou assunção de uma responsabilidade financeira decorre também do ratio da própria tributação autónoma estabelecida no art. 88º. Com efeito, a despesa, por consistir num efluxo de meios financeiros (ou a assunção de uma dívida) a favor de um terceiro, gera para este um rendimento que deveria ser sujeito a tributação na esfera deste, não sendo possível tal tributação na esfera do terceiro beneficiário exatamente por não se conhecer a sua identidade.

“(…)

“(…) voltando ao conceito de “despesas não documentadas”, e como resulta do próprio termo, as despesas em causa são indocumentadas, importando também tentar precisar o que deve entender-se por despesa indocumentada.

“Atendendo à mesma ratio acima descrita, a falta de documentação relevante é a que impede o conhecimento da natureza, origem e finalidade das despesas, conforme tem sido afirmado pelos tribunais superiores (STA, 5/7/2000, proc. nº 24.632; TCA-Sul, 27-04-2017, proc. nº 1514/13.8BELRA; TCA-Norte, 20-01-2005, proc. nº 305/04), ao que devemos acrescentar a identidade dos beneficiários.

“Ou seja, para que a despesa não possa ser considerada indocumentada para efeitos do art. 88º, nº1, o que importa é que a documentação existente dê a conhecer a razão (natureza, origem, finalidade) da despesa, para que se possa avaliar a sua justificação, e os respetivos beneficiários, para que estes possam ser tributados.

“Desta forma, não é a existência de um qualquer documento relativo à despesa, como por exemplo um extrato bancário, que mostre o fluxo financeiro associado à despesa, que impede que a mesma se considere não documentada, pois esse documento nada diz sobre a razão da despesa e pode nada dizer sobre os respetivos beneficiários.

“Mas a documentação necessária não tem por que obedecer aos requisitos dos nºs 3 e 4 do art. 23º, não sendo obrigatório que contenha os elementos aí previstos, e isto porque, para efeitos da aplicação das tributações autónoma previstas no art. 88º, não há que apurar qualquer relação entre a despesa e o fim lucrativo. Por outras palavras não é relevante saber se a despesa se traduz num verdadeiro gasto.”

Aplicando o exposto ao caso em apreço, não foram apresentados os documentos de suporte das despesas em que aquele numerário fora aplicado, possibilitando estabelecer uma conexão do fluxo financeiro entre os cheques e as aquisições de bens e serviços pagas em numerário.

Não sendo os funcionários identificados nos cheques levantados os destinatários finais desse numerário, a materialidade das operações não é cognoscível. Só o seria, caso se documentassem as despesas pagas com o numerário proveniente do levantamento dos cheques por aqueles funcionários, provando, designadamente, os destinatários finais e a finalidade do gasto, sendo que, como ficou dito, ao contrário do alegado pela Requerente, o ónus da prova impende sobre o Sujeito Passivo. O Sujeito passivo invoca a jurisprudência do processo n.º 735/2019-T, mas a situação de pagamento em numerário estava acompanhada de adequada fatura.

 Assim, os levantamentos em numerário por via de cheques correspondem a despesas não documentadas “tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º-A” (artigo 88.º, n.º 1 do CIRC).

 

V. Quanto pedido de reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios

Os Requerentes pedem o reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Conforme resulta da factualidade os Requerente efetuaram o pagamento liquidações impugnadas.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Por outro lado, como o direito a juros indemnizatórios depende da existência de direito de quantia a reembolsar, dessa competência para decidir sobre o direito a juros indemnizatórios infere-se que ela se estende à apreciação do direito a reembolso.

No caso em apreço, as liquidações impugnadas enfermam parcialmente de vício de violação de lei imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que efetuou as liquidações.

Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e 61.º do CPPT, na parte procedente.

Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data de pagamento até reembolso das quantias pagas.

 

VI. Decisão

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal:

  1. Julgar procedente o pedido arbitral no que concerne à ilegalidade das correções de retenção respeitantes ao imposto de IRS dos anos 2018, 2019 e 2020, com a consequente anulação das respetivas liquidações e juros compensatórios;
  2. Julgar procedente o pedido referente à ilegalidade das correções referentes a despesas relacionadas com obras, nos valores de €10.900,94, €5.468, 60, e €116,45, respeitantes a IRC, respetivamente para 2018, 2019 e 2020, com a consequente anulação das respetivas liquidações e juros compensatórios; 
  3. Julgar improcedente o pedido referente à ilegalidade das correções referentes a despesas relacionadas com viagens, estadias e utilização do prédio, nos valores de €12.129,22, €15.631, 68 e €5.560, 64, referente a IRC respetivamente para os anos de 2018, 2019 e 2020, com a consequente manutenção dos atos tributários impugnados e juros compensatórios.  
  4. Julgar procedente o pedido arbitral, no que se refere à ilegalidade das correções na aquisição de serviços a fornecedores Egípcios, nos valores de €97.900,00, € 34. 300, 00 e €79.300,00, referentes respetivamente a IRC dos anos de 2018, 209 e 2020, com a consequente anulação das liquidações e juros compensatórios.
  5. Julgar improcedente o pedido respeita à tributação autónoma, mantendo-se a respetiva liquidação.
  6. E nestes termos condenar a Requerida a restituir à Requerente a quantia indevidamente liquidada e paga, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios já vencidos relativos ao período, a contar desde o pagamento do imposto nos termos dos n.ºs 2.º a 5.º do art.º 61.º do CPPT à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT até integral e efetivo reembolso.

 

VII. Valor do Processo

 

Fixa-se ao processo o valor € 114 435,39, indicado pelo Requerente, respeitante ao montante das liquidações de IRC, IRS e juros compensatórios cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

VIII.   Custas

Custas no montante de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), a suportar pelas partes na proporção do respetivo decaimento integralmente, respetivamente 856,80€ a cargo da Requerente e 2.203,20€ a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 04 de Janeiro de 2024

 

Os árbitros,

 

 Fernanda Maçãs (presidente),

 

Miguel Matos Torres

 

Paulo Ferreira Alves