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SUMÁRIO:
1-O incremento patrimonial com a valorização de estrutura fiduciária é tributável em sede de mais-valias, nos termos do art. 10º, nº 1, al. b), 3) do CIRS, aquando da liquidação, revogação ou extinção da estrutura fiduciária.
2- Resultando dos autos que a Requerida aceita a posição do Requerente de que o montante em causa para si transferido se reporta a retorno de capital e não a incremento patrimonial com a valorização do trust e não invocando a Requerida, como fundamento legal da tributação, o art. 5º, nº 2, al. t), do CIRS, sempre estaria o tribunal impedido de manter o ato tributário objeto do processo com base na aplicação desta norma, sob pena de violação do princípio da separação de poderes.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1. No dia 6.04.2023, o Requerente, A..., contribuinte fiscal número..., residente na Rua das ..., ...-..., Lisboa, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o rendimentos de pessoas singulares referente ao ano de 2018 e respetivos juros compensatórios.
A Requerente peticiona, ainda, a devolução da quantia que alega ter pagado referente a estas liquidações, e respetivos juros indemnizatórios.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 20.06.2023.
3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:
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Em 29 de janeiro de 2022 o Requerente foi notificado, por email, pela Autoridade Tributária do procedimento n.º ...2022..., da falta de declaração de rendimentos obtidos no estrangeiro, no ano de 2018, no valor de € 169.580,63
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Em resposta ao mencionado ofício, o Requerente apresentou, em 08 de fevereiro de 2022, justificação, através do Portal das Finanças, do seguinte teor:
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Em resposta à justificação apresentada foi o Requerente notificado pela AT, em 29 de setembro de 2022, do ofício que tinha como assunto “Divergência R10 - IRS 2018 – Rendimentos de capitais auferidos em Guernsey (Anexo J)”.
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Nessa notificação, a AT deu conhecimento de que os documentos juntos não são suficientes para comprovar o alegado, não sendo possível verificar a existência da menos-valia alegada pelo Requerente, dando 15 dias para junção de novos elementos.
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Em cumprimento da notificação o Requerente apresentou, em 13/10/2022, a seguinte reposta:
“Venho pelo presente exercer o direito de audição prévia no identificado Processo relativo a divergência de IRS relativo ao ano de 2018.
Confirmo inteiramente que não existe qualquer rendimento tributável conforme informação já prestada em 08.02.2022.
Envio em anexo, para prova do alegado, todas as páginas do portfolio relativo ao ano de 2018 (9 páginas) bem como enviar novamente o documento relativo ao capital colocado no Trust, no montante de 970.000,00 em outubro de 2009.
Dos documentos juntos resulta que em 2009 existe uma transferência de €970.000 euros como capital do Fundo.
Resulta ainda que, no identificado Trust, em 2018, existia um capital inicial de €652.611,26 e, em 31.12.2018, esse portfolio valia € 500.783,29, correspondente a uma menos valia de - €151.827,97 (cfr. pág. 2 do portfolio)
A transferência ocorrida num ano em que o contribuinte teve menos valia só pode ser considerada uma devolução parcial do capital depositado naquele trust.
Provado documentalmente que não existiu o rendimento em causa, requer-se que se considere sanada a divergência e não seja emitida qualquer liquidação adicional”
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No seguimento da resposta apresentada, o Requerente recebeu, em 28 de novembro de 2022, a notificação da decisão da AT, onde se conclui que:
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A AT verificou e concordou que o Requerente teve uma menos-valia no montante de € 151.827,97.
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Pelo que não se percebe onde a AT encontra um rendimento no montante de € 17.879,28.
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Assim, existe uma fundada dúvida sobre a quantificação do ato tributário, o que, por si só, conduz à anulação do ato nos termos do disposto no artigo 100.º n.º 1, do CPPT.
4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:
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A Requerida entende que a liquidação controvertida consubstancia uma correta aplicação do direito aos factos devendo, como tal, manter-se na ordem jurídica.
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Compulsado o documento “Portfolio statement as of 31.12.2018”, do “DBIT CO LTD AS TRUSTEES 2OF THE CIR TRUST”, remetido pelo ora Requerente em sede de direito de audição do predito Procedimento de Divergências, mormente a respetiva pág. 2 do mesmo, é possível verificar os resultados iniciais e finais do Trust, com referência ao ano de 2018.
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Mais se descortina que na rúbrica “Deposits & Withdrawals”, consta o controvertido montante de € 169.758,11, a sinal negativo.
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Ora, tal movimento significa que a dita quantia, foi transferida do Trust, a favor do Requerente.
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Naturalmente, se por uma via, a susodita importância não configura, na sua totalidade, um montante que assuma a qualificação de rendimento.
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Por outra via, não pode essa quantia concorrer para uma potencial menos-valia, apurada no seio do Trust, tal como refere o Requerente.
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Isto, porque, naturalmente, os € 169.758,11, em crise, não redundaram numa desvalorização dos ativos do Trust, mas, antes, numa transferência do aludido montante, para o Requerente.
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Assente este facto, e por forma a evidenciar o motivo Requerida ter optado por qualificar parte da quantia acima supra referida, como ganho sujeito a imposto, é necessário observar os montantes que compunham o portfolio do Trust.
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Compulsado o documento “Portfolio statement as of 31.12.2018”, do “DBIT CO LTD AS TRUSTEES OF THE CIR TRUST”, mormente a respetiva pg. 2, verificamos que o valor do portfolio do dito Trust, a 01-01-2018, ascendia a € 652.611,26.
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Enquanto que, a 31-12-2018, o mesmo portfolio computava a quantia de € 500.783,29.
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Mais se descortina, porém, através da análise do referido documento que, apesar do diferencial registado entre o início e o final do ano de 2018, o trust obteve um incremente líquido (net), de € 17.879,28.
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Ou seja, essa diferença já acomoda os 169.758,11€, transferidos a favor do contribuinte.
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Não corresponde assim à verdade, conforme aduzido pelo Requerente no seu ppa, que tenha existido uma desvalorização do portfolio do trust.
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Antes pelo contrário, verifica-se sim uma valorização de 2,74% do trust, em 2018, conforme decorre aliás do próprio documento.
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Deste modo, necessariamente se terá de observar que, proporcionalmente ao montante que foi transferido do Trust ao ora Requerente, que 2,74% do montante em causa (€ 169.758,11), compõe a parcela de rendimentos sujeitos a tributação.
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O que naturalmente determina um montante sujeito a imposto de € 4 651,37.
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Neste conspecto, pese embora não se verifique uma menos-valia, conforme pugna o Requerente, a incidência a IRS, tão pouco, ascende a € 17.879,28, mas sim a um montante sujeito a imposto de € 4 651,37.
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À luz do acima expendido, mediante informação averbada com o Despacho da Subdiretora Geral da DSIRS datado de 21-06-2023, despacho esse proferido por no uso da sua delegação de competências, determinou-se pela revogação parcial da liquidação adicional de IRS nº 2022 ..., mantendo-se o valor sujeito a imposto de € 4 651,37.
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Ante o exposto, e de acordo com a informação que se junta, deve assim ser atendido o pagamento de juros indemnizatórios, tão-somente, desde a emissão da liquidação vigente, nos termos correspondentes à sobredita anulação (parcial).
5. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.
Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.
6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
7. Cumpre solucionar as seguintes questões:
1) Ilegalidade da liquidação objeto do processo e respetiva anulação, na parte ainda vigente na ordem jurídica.
2) Direito do Requerente à restituição do imposto pago e a juros indemnizatórios.
II – A matéria de facto relevante
8. Consideram-se provados os seguintes factos:
8.1. A 29-01-2022, foi remetida pela Direção de Serviços de Relações Internacionais ao Requerente, via correio eletrónico, uma notificação com o seguinte teor: “De acordo com os elementos disponibilizados por administrações fiscais de outros países/jurisdições, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) teve conhecimento que no ano de 2018 auferiu rendimentos no estrangeiro que não foram declarados no anexo J da sua declaração de IRS respeitante a esse ano, pelo que foi criada uma divergência. Rendimentos conhecidos:
País: GUERNSEY
Categoria E
Rendimento: 169.580,63 € (…)”.
8.2. Em resposta ao mencionado ofício, o Requerente apresentou, em 08 de fevereiro de 2022, justificação, através do Portal das Finanças, nos seguintes termos:
8.3. Por sua vez, mediante correio registado, em 29-09-2022, a Divisão de Liquidação do Imposto sobre o Rendimento e Despesa, da Direção de Finanças de Lisboa, remeteu ao Requerente uma 2ª notificação com o seguinte conteúdo:
8.4. Nesta sequência, em 13.10.2022, o Requerente exerceu o seu direito de participação, no qual referiu que: “Venho pelo presente exercer o direito de audição prévia no identificado Processo relativo a divergência de IRS relativo ao ano de 2018.
Confirmo inteiramente que não existe qualquer rendimento tributável conforme informação já prestada em 08.02.2022.
Envio em anexo, para prova do alegado, todas as páginas do portfolio relativo ao ano de 2018 (9 páginas) bem como enviar novamente o documento relativo ao capital colocado no Trust, no montante de 970.000,00 em outubro de 2009. Dos documentos juntos resulta que em 2009 existe uma transferência de €970.000 euros como capital do Fundo.
Resulta ainda que, no identificado Trust, em 2018, existia um capital inicial de €652.611,26 e, em 31.12.2018, esse portfolio valia € 500.783,29, correspondente a uma menos valia de - €151.827,97 (cfr. pág. 2 do portfolio).
A transferência ocorrida num ano em que o contribuinte teve menos valia só pode ser considerada uma devolução parcial do capital depositado naquele trust.
Provado documentalmente que não existiu o rendimento em causa, requer-se que se considere sanada a divergência e não seja emitida qualquer liquidação adicional.”
8.5.Em 25-11-2022 foi proferida a decisão final do procedimento de divergências, na qual se determinou a correção oficiosa da Declaração Modelo 3 de IRS n.º...– 2018 –... do ano de 2018, de cuja notificação recebida pelo Requerente em 28.11.2022, consta, além do mais, o seguinte:
8.6. Em 25.11.2022 foi emitida a liquidação adicional de IRS nº 2022..., que constitui o objeto do processo, da qual resultou um valor a pagar de 12.019,72 €.
8.7. Considerando o estorno da liquidação inicial referente ao período tributário em causa bem como juros compensatório foi elaborada a demonstração de acerto de contas datada de 29.11.2022 da qual resultou o valor a pagar de 7071,77 €.
8.8. A 10-12-2022 o Requerente efetuou o pagamento do montante de imposto em falta, no valor de € 7.071,77.
8.9. A liquidação objeto do processo foi objeto de revogação parcial, proferida pela Subdiretora-Geral do IR em 21-06-2023.
8.10. A liquidação, emergente da revogação parcial sobredita, a mesma foi emitida a 2023-07-21, tendo-lhe sido atribuída o número 2023... e da mesma resultou o valor a pagar de 6787,71 €.
8.11. Por compensação com o estorno da liquidação 2022..., no montante de 12019,72 € foi determinada a devolução de 5232,01 € ao Requerente, concretizada em 9.08.2023.
Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.
9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes, sendo ainda de observar que dos articulados apresentados emerge concordância das partes relativamente à matéria de facto dada como provada.
-III- O Direito aplicável
10. Impõe-se apreciar a legalidade do ato de liquidação objeto do processo, em parte ainda vigente na ordem jurídica.
Vejamos.
O art. 5º nº 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”), tem o seguinte teor:
“1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.”
Por outro lado, dispõe o nº 2, do mesmo artigo, o seguinte:
“2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:
(…)
t) Os montantes pagos ou colocados à disposição do sujeito passivo por estruturas fiduciárias, quando tais montantes não estejam associados à sua liquidação, revogação ou extinção, e não tenham sido já tributados nos termos do n.º 3 do artigo 20.º.”
Por outro lado, consta do art. 10º do mesmo Código o seguinte:
“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
(…)
b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo:
(…)
3) O valor atribuído em resultado da partilha, bem como em resultado da liquidação, revogação ou extinção de estruturas fiduciárias aos sujeitos passivos que as constituíram, nos termos dos artigos 81.º e 82.º do Código do IRC;”
Decorre, pois, do art. 5º, nº 2, al. t), do CIRS, que constituem rendimentos de capitais “ Os montantes pagos ou colocados à disposição do sujeito passivo por estruturas fiduciárias, quando tais montantes não estejam associados à sua liquidação, revogação ou extinção, e não tenham sido já tributados nos termos do n.º 3 do artigo 20.º.”
Compreende-se que assim seja quando tais montantes não estejam associados à sua liquidação, revogação ou extinção. Quanto ocorra esta associação, estão sujeito à tributação a titulo de mais valias, nos termos do art. 10º, nº 1, al. b), 3), do CIRS.
A Requerida refere na notificação que remeteu ao Requerente em 29-09-2022 o seguinte:
“(…) tendo em consideração que não foi feita prova de que os montantes comunicados à AT (“outros rendimentos”), respeitam a rendimentos de capitais (Categoria E) ou a rendimentos de incrementos patrimoniais (categoria G), considera-se a natureza deste rendimento “outros rendimentos” como rendimentos como rendimentos de capitais (categoria E), de harmonia com o disposto no art. 76º da LGT”.
É, porém, evidente que o art. 76º da LGT não trata de incidência fiscal, mas do valor probatório de informações prestadas pela administração tributária, nacional e estrangeira.
Acresce que, na notificação da decisão final do procedimento, refere ainda a Requerida que “a conta nº ... em nome do sujeito passivo no ano de 2018, gerou um incremento patrimonial no montante de 17.879,28 €, resultante da “Perfomance (TWRR”-2,75% do produto financeiro em causa e não uma menos valia como referido na justificação (…)” e “Nesta conformidade, propõe-se a elaboração do DCU com a inclusão/correção aos valores apresentados na Declaração Modelo 3:
Anexo J:
(…)
Quadro 8 A- Rendimentos de Capitais (categoria E);
(…)
Rendimento bruto: 17.879, 28 €.”
Independentemente de ser manifesto não ter fundamento a afirmação do Requerente no sentido de ter tido uma menos-valia, pois a redução do depósito no trust correspondeu a uma devolução de capital ao próprio (não correspondendo, igualmente, à realidade que a AT tenha verificado e concordado que o Requerente tenha sofrido menos-valia), é também evidente que a Requerida não indica qualquer norma jurídica que sustente a tributação do “incremento patrimonial” em sede de categoria E.
Por outro lado, em momento algum do procedimento administrativo e da fundamentação do ato de liquidação a Requerida contesta a afirmação do Requerente de que a transferência a seu favor que deu origem à tributação correspondeu a um retorno de capital.
Pelo contrário, ao considerar que se verifica “uma valorização de 2,74% do trust, em 2018”, e que “Deste modo, necessariamente se terá de observar que, proporcionalmente ao montante que foi transferido do Trust ao ora Requerente, que 2,74% do montante em causa (€ 169.758,11),
compõe a parcela de rendimentos sujeitos a tributação.” e ainda que “O que naturalmente determina um montante sujeito a imposto de € 4 651,37”, a Requerida reconhece, implicitamente, que o montante transferido consiste em retorno de capital. Tanto assim é que o alegado valor sujeito a imposto de € 4 651,37, na sequência da revogação parcial do ato de liquidação sub judice, resulta da aplicação de 2,74% ao montante de €169.758,11.
Acontece que, como resulta do quadro factual invocado pela Requerida, o Requerente não recebeu €169.758,11 acrescido de € 4 651,37 (2,74 % sobre aquele montante). Este valor, correspondente à alegada valorização do trust correspondente ao capital transferido não foi recebido.
Deste modo, a tributação em causa não encontra fundamento no art. 5º, nº 2, al. t), do CIRS.
A eventual valorização do trust será tributável por aplicação do art. 10º, nº 1, al. b), 3), do CIRS, aquando da liquidação, revogação ou extinção da estrutura fiduciária.
De resto, a norma do art. 5º, nº 2, al. t), do CIRS não foi, sequer, invocada pela requerida pelo que, mesmo que se entendesse que a mesma poderia sustentar a tributação, sempre haveria que considerar que conforme se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1/06/2015, proferido no proc. 58/11:
“Sob pena de violação do princípio da separação de poderes e assumir-se como órgão de administração activa dos impostos, o tribunal não pode decidir sobre a manutenção de actos que deveriam ser anulados com base em fundamentação diferente da utilizada pela administração tributária.” [1]
Na mesma linha, considera-se na decisão arbitral de 23/05/2016, proferida no processo 731/2015-T, que a legalidade dos atos cuja legalidade é questionada deve ser apreciada tal como foram praticados “não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos” [2]
À luz deste entendimento, que se acompanha, sempre se concluirá, ainda, que não poderia o tribunal decidir sobre a manutenção do ato tributário objeto do processo com base em fundamentação diferente da invocada pela administração tributária ao praticá-lo.
Em conclusão, o ato tributário em causa carece de base legal, padecendo do vício de violação de lei pelo que, na parte em que não foi revogado pela Requerida, não pode deixar de ser anulado.
11. Veio, ainda, o Requerente pedir a condenação da Requerida a reembolso das quantias indevidamente arrecadadas, bem como o pagamento de juros indemnizatórios que se mostrarem devidos, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação na parte ainda subsistente, é procedente a pretensão do Requerente à restituição por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para restabelecer a situação que existiria se a ilegalidade em causa não tivesse sido praticada.
Tendo já sido restituída a importância de 5232,01€, correspondente à revogação parcial do ato, há que restituir a parte remanescente do valor pago, no montante de 1839,76 €, tendo em conta que o Requerente pagou 7071,77 €.
No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa[3]:
“O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte.”.
Acompanhando este entendimento, não pode deixar de se concluir que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos, nos termos do artigo 61º, nº 5, do Código de Procedimento e Processo Tributário.
-IV- Decisão
Assim, decide o Tribunal arbitral julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, decretando-se a ilegalidade do ato de liquidação impugnado e a consequente anulação do mesmo, na parte ainda vigente na ordem jurídica, bem como os respetivos juros compensatórios, condenando-se ainda a Requerida a pagar ao Requerente o valor do montante pago correspondente à parte ora anulada.
Condena-se, ainda, a Requerida, a pagar juros indemnizatórios ao Requerente desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da ação: € 7.071,77 (sete mil, setenta e um euros e setenta e sete cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas pela Requerida, no valor de 612.00 €, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 7.12.2023
O Árbitro
Marcolino Pisão Pedreiro
[1] Consultável em “www.dgsi.pt”
[2] “https://caad.org.pt/tributario/decisoes/”
[3] LEI GERAL TRIBUTÁRIA, Anotada e Comentada, 4ª Ed., Ed. Vislis, 2012, pag. 342.