DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1 - Requerente
A..., sociedade em nome coletivo, pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º..., com sede na Rua ..., n.º...–..., ...-... Sintra.
2 - Requerida
3 - Constituição do Tribunal Arbitral
-
O pedido de constituição de tribunal arbitral deu entrada no CAAD no dia 18 de Março de 2023 e foi aceite no dia 20 desse mês;
-
A Requerente indicou como árbitro o Dr. Pedro Miguel Abreu Marques e a Requerida, o Dr. António de Barros Lima Guerreiro;
-
Os árbitros das partes escolheram para Presidente do Tribunal Arbitral o Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros;
-
O Tribunal ficou constituído por despacho do Presidente do CAAD de 12 de Junho de 2023;
-
A AT apresentou a sua contestação a 1 de setembro e nessa mesma data juntou aos autos o procedimento administrativo (“PA”).
4 - O Pedido
O pedido formulado pela Requerente é a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa n.º ...2022..., da autoria do Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC” ), abrangendo as operações relativas ao período compreendido entre o dia 1 de março de 2019 e o dia 29 de fevereiro de 2020, e, consequentemente, que o Tribunal:
-
Declare a anulação da decisão de indeferimento parcial dessa reclamação e sua substituição pelo deferimento total dessa pretensão;
-
A consideração e dedução no Quadro 07 da declaração Modelo 22 de IRC de 2019 da majoração do benefício fiscal da criação de emprego efetivamente apurada, considerando a substituição de colaboradores inicialmente refletidos,
-
a título principal no montante total de € 2.228.229,86 (dois milhões, duzentos e vinte e oito mil, duzentos e vinte e nove euros e oitenta e seis cêntimos);
-
a título de primeiro pedido subsidiário no montante de € 839.092,41 (oitocentos e trinta e nove mil, noventa e dois euros e quarenta e um cêntimos);
-
a título subsidiário (segundo pedido), no montante de € 625.885,74 (seiscentos e vinte e cinco mil, oitocentos e oitenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos);
c) O reembolso à Requerente do montante de imposto indevidamente pago por erro na autoliquidação, em resultado da anulação supra; e, bem assim,
d) O pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT
-
- Posição da Requerente
Da apresentação pela Requerente, em 31 de julho de 2020, da declaração modelo 22 de IRC do exercício de 2019, abrangendo o período entre 1 de março de 2019 e o dia 29 de fevereiro de 2020, resultou um montante de IRC a recuperar de € 111.498,31. Mas esta declaração enferma de erro traduzido num excesso do resultado tributável total de € 100.324.919,07, com reflexo no montante a recuperar, no valor de € 3.188.725,75, inscrito nos Campos 710 e 774 nos seguintes termos:
a) Campo 710 – gastos referentes ao período de tributação de 2019 que não foram nessa Declaração considerados dedutíveis para efeitos fiscais, no montante de € 960.495,89 (novecentos e sessenta mil, quatrocentos e noventa e cinco euros e oitenta e nove cêntimos),
b) Campo 774 – benefício da Criação de Emprego, no montante de € 2.228.229,86 (dois milhões, duzentos e vinte e oito mil, duzentos e vinte e nove mil euros e oitenta e seis cêntimos), do qual o montante de € 625.885,74 (seiscentos e vinte e cinco mil, oitocentos e oitenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos) respeita à substituição de colaboradores inicialmente considerados no cálculo do benefício nos exercícios de 2015 e 2016.
Em 28 de julho de 2022, a ora Requerente apresentou Reclamação Graciosa de autoliquidação a solicitar as correções à matéria coletável do período de tributação de 2019, que entende devidas em virtude do excesso do resultado tributável que pretendeu ter demonstrado.
Na referida Reclamação Graciosa, a Requerente invocou, que, nos termos da legislação aplicável, os gastos registados na rubrica 688130, e que respeitam a faturas e regularizações relativas ao período de tributação de 2019, são, ao contrário do que a administração fiscal pretende, economicamente imputáveis ao período de 2019.
Sustenta ainda que, pese embora o benefício da criação de emprego tenha sido revogado com efeitos a partir de 1 de julho de 2018, o número de colaboradores que constituí o saldo da criação líquida de emprego em função do qual é determinado o benefício relativo ao período de tributação de 2019, abrange todas as entradas d verificadas entre 1 de março de 2018 e 28 de fevereiro de 2019.
Assim, apesar de o benefício fiscal do artigo 19.º do EBF ter sido revogado com efeitos a partir de 1 de Julho de 2018 pelo n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 43/2018, de 9 de agosto, antes do início do período de tributação de 2019, inclui todos os postos de trabalho criados entre 1 de março de 2018 e 28 de fevereiro de 2019 e não apenas os postos da trabalho criados entre 1 de Março e 1 de julho de 2018, quando foi revogado o art.º 19.º do EBF.
É o que resultaria também de o facto gerador do benefício ser o último dia do período de tributação de 2018 e este consistir na diferença positiva, o fim desse período, entre o número de contratações elegíveis e o número de saídas dos trabalhadores que, à data da respetiva admissão, se encontravam nessas condições.
A Requerente defende, com efeito, que à data da revogação do benefício fiscal consagrado no art.º 19.º do EBF, já havia adquirido o direito ao mesmo, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 3.º do EBF, (“São mantidos os benefícios fiscais cujo direito tenha sido adquirido durante a vigência das normas que os consagram, sem prejuízo de disposição legal em contrário”) e no n.º 1 do artigo 11.º do EBF (“As normas que alterem benefícios fiscais convencionais, condicionados ou temporários, não são aplicáveis aos contribuintes que já aproveitem do direito ao benefício fiscal respetivo, em tudo que os prejudique, salvo quando a lei dispuser em contrário”).
Entende, deste modo, a Requerente que o que a Lei n.º 43/2018 veio prejudicar, através da eliminação do artigo 19.º do EBF, foi a produção de efeitos do benefício fiscal em apreço nos períodos de tributação subsequentes a 2019 e não neste exercício.
Alega a Requerente que o procedimento que apresentou decorreu do entendimento da AT, tornado público no Manual de Preenchimento do Quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de 2018, publicado no Portal das Finanças.
Deste modo, atendendo ao que diz ser a letra da lei em vigor à data da revogação do benefício fiscal e, bem assim, à inexistência de um regime transitório, a Requerente entende que se deverá considerar o saldo de criação líquida de emprego referente ao exercício económico que compreende todo o período de tributação de 2018, o qual iniciou em 1 de março de 2018 e terminou a 29 de fevereiro de 2019, não só na medida em que o (i) facto gerador do benefício em análise deverá ser apurado com referência ao último dia do período de tributação da Requerente, mas também porque, (ii) conforme já assinalado, o próprio n.º 2 do artigo 19.º do EBF estabelece que a criação de emprego corresponde à diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respetiva admissão, se encontravam nas mesmas condições
Considera ainda a Requerente que, ao contrário do entendimento que, também numa perspetiva de prudência e mitigação de riscos, seguiria no preenchimento da declaração modelo 22, para efeitos do cálculo do benefício fiscal da criação de emprego, regulado então no artigo 19.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, verificando-se a saída – durante a vigência do benefício – de um colaborador eleito para ocupar o posto de trabalho criado num determinado ano, o posto de trabalho tornado disponível pode, sem extinção do benefício, ser preenchido por outro colaborador que, no mesmo período de tributação, tenha sido considerado como contratação elegível para efeitos do benefício fiscal em apreço.
É o que resulta de o benefício da criação líquida de emprego vigorar por 5 anos, tal como estatuía o n.º 5 do artigo 19.º do EBF (à data em vigor), e é atribuído – como o próprio nome indica – aos postos de trabalho criados, não se encontrando assim limitada a possibilidade de substituição dos colaboradores inicialmente selecionados para efeitos de majoração, mas que entretanto saíram da empresa, por outros – de entre os colaboradores elegíveis admitidos no mesmo período de tributação – para aquele mesmo posto de trabalho.
Não decorre expressa ou implicitamente que, encontrando-se selecionado determinado trabalhador para efeitos do benefício, a sua substituição na sequência de uma saída não possa ser admitida, desde que haja outros trabalhadores que o substituam, em situação elegível, mas que por algum motivo não foram majorados.
Para defesa da sua interpretação, a Requerente convocou ainda a Portaria n.º 130/2009, de 30 de janeiro – Medidas específicas de apoio ao emprego, entretanto revogada. Segundo entende, ainda que o objetivo primordial do legislador seja o de promover a criação de emprego, (como é o da Portaria) os apoios previstos conhecem os limites aí expressos, previstos e regulamentados que, no entanto, não teriam correspondência no art.º 19.º do EBF, o que dizer que tais limitações não se aplicam às situações aí previstas.
Invoca ainda o entendimento vertido em Ficha Doutrinária em que seria sustentado um conceito de criação líquida de postos de trabalho oposto ao sustentado pela AT no presente processo arbitral (Processo: 2010 002853, PIV n.º 1212, com entendimento sancionado por Despacho de 27/10/2010, do Diretor Geral da AT).
De acordo com tal critério, a Requerente concluiu pela existência, no período de tributação de 2018, de um saldo total de criação líquida de emprego de 497 colaboradores, considerando elegíveis as entradas e saídas até 28 de fevereiro de 2019, os quais poderão ser mantidos no período de tributação de 2019. Por consequência, o benefício fiscal correto ascenderia a € 9.192.404,86.
Ainda que assim não fosse, defende a Requerente que sempre se teria de atender à consideração da manutenção de pelo menos um número de colaboradores elegíveis, do período de tributação de 2018, de 196 colaboradores, correspondente a entradas e saídas elegíveis durante todo o período de tributação de 2018, i.e. até 28 de fevereiro de 2019 (ascendendo neste caso o benefício fiscal a deduzir na declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC de 2019 a € 7.803.267,41).
A Requerente considera que no caso de não lhe ser dada razão, estaria este Tribunal a violar o princípio da justiça material consagrado nos art.ºs 266.º, n.º 2 da CRP e 6.º do CPA. Invoca para tanto o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 8 de maio de 2008, Proc. n.º 01105/04.4BEVIS, segundo o qual “O princípio da justiça [artigos 266.º n.º 2 CRP e 6.º CPA] funciona como limite à atuação discricionária da administração, sendo o ato injusto um ato ilegal [artigo 135.º CPA], porque violador desse princípio estruturante da conduta de todos os entes públicos”.
Por último, a Requerente defende que a interpretação do art.º 19.º seguida pela Requerida é violadora do princípio da prevalência da substância sobre a forma, consagrado no artigo 11.º, n.º 3 da LGT, com a especificidade de interpretação de norma consagradora de benefício fiscal.
Enfim, informa ainda a Requerente que nos casos em que os contratos de trabalho não vigoraram durante todo o período de tributação, optou por desconsiderar a “diarização” do limite assumindo que o mesmo corresponde a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida, independentemente do mês em que o colaborador é admitido, ou cessa funções assumindo que o mesmo corresponde a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida, independentemente do mês em que o colaborador é admitido, ou cessa funções. Adicionalmente, salienta a Requerente que, no cálculo inicialmente efetuado, não limitou a majoração do benefício fiscal da criação de emprego de modo proporcional ao período anual de trabalho prestado pelos colaboradores.
Seguiu o entendimento plasmado no Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 01054/17.6BALSB, datado de 05/08/2019, em que o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) considerou ilegal o entendimento preconizado pela AT de “diarização” do limite, fixando jurisprudência a esse respeito.
6 - Posição da Requerida
A Requerida começa por considerar que a Requerente nada acrescenta no seu ppa aos argumentos por si já arvorados nos pedidos de reclamação graciosa, os quais foram devidamente infirmados pela AT. Para além disso, a Requerente alega factos que servem de fundamento e que substancialmente configuram a alegada posição jurídica de que se arroga, sem que o prove.
Invocando a interpretação histórica do benefício fiscal criado para a criação de emprego para jovens, refere a AT que este tipo de benefício foi inserido no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) em 1998 pela Lei n.º 72/98, de 3 de novembro, que aditou ao EBF o artigo 48.º-A, com a epígrafe “Criação de empregos para jovens. Importa desde já salientar um relevante elemento histórico que nos indica a intenção do legislador com a introdução deste benefício fiscal: veja-se a intervenção do autor do projeto de lei que teve como objetivo dar resposta a um identificado flagelo social, o desemprego dos jovens, e que deu origem à referida Lei n.º 72/98, de 3 de novembro, no Plenário da Assembleia da República, nomeadamente quando afirmou que “Esta medida visa, fundamentalmente, incentivar diretamente a criação e a estabilidade de novos postos de trabalho, uma vez que daí resultam benefícios em IRC” (Página 3018 do Diário da Assembleia da República n.º 86, I Série, de 27-06-1997, disponível em https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/01/07/02/086/1997-06-26/3018).
Na redação inicial, o artigo 48.º-A dispunha o seguinte: “1 – Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%. 2 – Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o ordenado mínimo nacional. 3. A majoração referida no n.º 1 terá lugar durante um período de cinco anos a contar da vigência do contrato de trabalho.”
Na sequência da reforma introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, com alterações aos Códigos do IRS e do IRC e ao EBF, seguida de revisão global e publicação integral dos referidos Códigos, pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de julho, a matéria veio a constar do artigo 17.º do EBF, mantendo a epígrafe Criação de emprego para jovens, com a seguinte redação: 1 – Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%. 2 – Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado. 3 - A majoração referida no n.º 1 tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho. O n.º 2 deste artigo foi alterado pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, passando a estatuir o seguinte: “Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.”
A Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, que aprovou o Orçamento de Estado para 2010, previu no artigo 115.º, sob a epígrafe “reforço dos benefícios fiscais à criação de emprego em 2010,” que excecionalmente estabeleceu que “Durante o ano de 2010, o benefício fiscal previsto no artigo 19.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, é cumulável com outros incentivos de apoio ao emprego previstos noutros diplomas, quando aplicáveis ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho.
A Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2011, alterou o n.º 6, passando a dispor que O regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC.
7 - Saneamento
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão legalmente representadas.
Não foram invocadas quaisquer nulidades ou anulabilidades de que o Tribunal deva conhecer.
8 - Factos provados
Com base nos elementos juntos aos autos, o Tribunal considera provados os seguintes factos:
-
A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica, fundamentalmente, ao comércio de produtos alimentares e de consumo, incluindo a venda de produtos e dispositivos médicos e de produtos, materiais e livros didáticos e de educação, restauração e bebidas, nas lojas “...” localizadas em território nacional.
-
A Requerente contrata regularmente um elevado número de empregados jovens para trabalhar na sua rede de mais de 200 supermercados a funcionar em Portugal continental
-
A Requerente é tributada em IRC pelo respetivo lucro e adota um período de tributação entre o início do mês de março e o final do mês de fevereiro do ano seguinte
-
A Requerente apresentou a declaração de IRC relativa a 2019 em 31 de julho de 2020;
-
Da referida declaração resultou um montante de IRC a recuperar de € 111.498,31, que lhe foi transferido em 04-09-2020.
-
A Requerente na declaração de IRC imputou ao benefício fiscal contido no art.º 19.º do EBF postos de trabalho atualmente ocupados por substitutos dos trabalhadores inicialmente contratados;
-
Em 28 de julho de 2022, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa de autoliquidação a solicitar as correções à matéria coletável do período de tributação de 2019 anteriormente descritas, que recebeu o n.º ...2022..., de 2019.
-
A Requerente nem na primeira, nem na segunda autoliquidação, nem na Reclamação Graciosa, nem no pedido apresentado junto do CAAD, relacionou de modo individualizado, identificando-as concretamente, as saídas de trabalhadores que, à data da respetiva admissão, se encontrariam nas condições de serem considerados para efeitos de majoração.
-
A Requerente apresentou contratações elegíveis até 28 de Fevereiro de 2019.
-
Na sequência de um pedido de esclarecimentos apresentado pela Requerente, foi esta informada pela AT, através do Ofício n.º ... de 03 de setembro de 2010, da sua posição sobre a questão da substituição de trabalhadores, coincidente com a fundamentação do indeferimento da reclamação graciosa.
9 - Fundamentação da matéria de facto provada
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. n.º 1 do artigo 511.º do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
10 – Factos não provados
Não existem factos não provados com relevância para a apreciação dos autos.
11 - Questão decidenda
Pretende a Requerente que, nos termos do n.º 1 do art.º 19.º do EBF, na redação em vigor a quando dos factos, de acordo com o qual consideravam-se para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, em 150 % os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, desde que contabilizados como custo de exercício, sejam consideradas as majorações previstas no n.º 1 do referido art.º 19.º do EBF para os postos de trabalho criados até 28 de Fevereiro de 2019, ainda que posteriormente à revogação da Lei n.º 43/2018 e, por outro lado, que as mesmas majorações abranjam, não apenas as despesas com os vencimentos dos trabalhadores inicialmente contratados e que ao tempo preenchiam as condições exigidas pela lei, mas também as suportadas com os vencimentos dos trabalhadores que haviam substituído alguns dos inicialmente contratados, todos pertencentes ao mesmo universo de jovens ou desempregados de longa duração.
II - DECISÃO
-
A Requerente, em 31 de julho de 2020, entregou a sua declaração de IRC (modelo 22) da qual resultou um montante de IRC a recuperar de € 111.498,31. Posteriormente veio invocar a existência de erro na sua autoliquidação, que não colheu deferimento pela AT na parte relativa à consideração do benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF, revogado pelo artigo 4º da Lei n.º 43/2018, de 9 de agosto, com efeitos, segundo o artigo 5.º dessa Lei, a partir de 1 de julho desse mesmo ano.
-
Pede, como se referiu, que sejam integralmente consideradas as majorações dos encargos com a criação de postos de trabalho previstas no referido art.º 19.º do EBF para os postos de trabalho criados até 28 de fevereiro de 2019, ainda que posteriormente à revogação da Lei n.º 43/2018, abrangendo jovens ou desempregados de longa duração e, por outro, que as mesmas incluam, não apenas as despesas com os vencimentos dos trabalhadores inicialmente contratados e que ao tempo preenchiam as condições exigidas pela lei, mas também as suportadas com os vencimentos dos trabalhadores que haviam substituído alguns dos inicialmente contratados – que entretanto haviam deixado os postos de trabalho, sendo que os trabalhadores substituídos e substitutos eram jovens ou desempregados de longa duração.
-
A questão colocada pela Requerente relativamente ao âmbito temporal de aplicação do art.º 19.º deve considerar-se improcedente, uma vez que a Lei que o revogou é clara no sentido de que os efeitos dessa revogação se reportarem a 1 de julho de 2018. Da criação de novos postos de trabalho a partir dessa data não resulta para as entidades patronais qualquer direito ou mesmo expetativa jurídica de aproveitamento do benefício fiscal do art.º 19.º do EBF uma vez, a quando da contratação, esta norma já não estar em vigor.
-
Quanto à questão da caducidade do benefício em virtude de substituição do trabalhadores ainda que também jovens ou desempregados de longa duração em 24 de junho de 2023, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do Proc. n.º 154/22.5BALSB – Pleno, uniformizou jurisprudência no sentido de que a aplicação do benefício fiscal previsto no artigo 17.º do EBF pressupõe um aumento efectivo do número de trabalhadores jovens admitidos ao serviço da entidade empregadora no exercício fiscal, estando a majoração legal conexionada com a vigência de um determinado contrato individual de trabalho, que lhe serve de fundamento, pelo que não pode ser assegurada por outro contrato de trabalho, com outro início de vigência e trabalhador.
Tal Acórdão foi proferido em recurso jurisdicional da Decisão Arbitral n.º 125/2022-T que considerou que o benefício fiscal do n.º 1 do art.º 19.º do EBF está diretamente relacionado com um concreto contrato de trabalho, se a substituição do trabalhador não implicar redução do universo global dos jovens e desempregados da longa duração. Os membros do tribunal coletivo do proc. n.º 125/2022/T são os mesmos deste tribunal coletivo. No mesmo sentido da Decisão n.º 125/2022- T concorrem as Decisões Arbitrais n.ºs 57/2017-T, 245/2021-T e 1/2022-T.
Por provir do Pleno, tal jurisprudência deve considerar-se consolidada, para efeitos do art.º 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)
Com efeito, tal Acórdão foi votado favoravelmente pela totalidade dos 11 Conselheiros da 2.ª Secção do Contencioso Tributário do STA. Não foi entretanto modificada a composição dessa 2.ª Secção, nem se conhece jurisprudência superior que contrarie a anteriormente referida.
-
Afirma-se nesse Acórdão, nomeadamente que:
“T. Decorre taxativamente da letra da lei, que este benefício fiscal encontra-se circunscrito temporalmente ao período de cinco anos que se inicia com a vigência do contrato de trabalho, ou seja, referindo-se especificadamente ao contrato de trabalho dos jovens trabalhadores selecionados para o efeito, e não a um posto de trabalho que poderia ser ocupado por diferentes trabalhadores ao longo do tempo, como vem reiteradamente insistindo a Recorrida ao longo do pedido de pronúncia arbitral (ppa).
U. Donde, a interpretação da Recorrida, não encontra respaldo nem na letra desta lei nem no espírito do legislador subjacente à sua criação que, realçamos, visava o aumento de uma empregabilidade duradoura e estável para os jovens trabalhadores, reforçada pela exigência de celebração de contratos de trabalho sem termo, no regime laboral vigente naquela data”.
6) Segundo este Acórdão, o espírito do legislador foi a promoção do emprego de jovens com menos de 35 anos que assinassem contrato com um mínimo de duração de cinco anos, terminando os efeitos tributários desses contratos em termos de benefício fiscal para o empregador antes do seu término, no caso em que os contratados deixassem os postos de trabalho, não contando os vencimentos dos seus substitutos para a aplicação do benefício fiscal.
7) Seguindo ainda esse Acórdão, e de acordo com o art.º 19.° do EBF na redação em vigor à data dos factos, as entidades sujeitas a IRC que celebrassem contratos individuais de trabalho sem termo com trabalhadores com idade não superior a 35 anos, e desde que se verificasse “criação liquida de postos de trabalho”, podiam aceder ao benefício fiscal estabelecido no artigo 19.° do EBF, traduzido na majoração dos encargos com os trabalhadores considerados nessa criação líquida de postos de trabalho, para efeitos de determinação do resultado tributável, dentro dos limites quantitativos e temporais (5 anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho que lhe serviu de fundamento) estipulados no referido artigo.
8) A seleção nominativa dos trabalhadores que integram aquela criação líquida de postos de trabalho era da absoluta responsabilidade das entidades sujeitas a IRC, pois, com essa seleção, iniciava-se a contagem do prazo de fruição do benefício fiscal (cujo termo será distinto de contrato para contrato em função do início da sua vigência) bem como o cálculo do benefício fiscal que aquele contrato de trabalho específico lhe confere em função dos respetivos encargos suportados.
9) Contrariamente ao defendido pela Requerente, segundo tal jurisprudência, esse benefício fiscal estava temporalmente limitado a um período de cinco anos, que se iniciava na data do princípio da vigência do contrato de trabalho especificamente selecionado, conforme resultava da letra da lei (n.º 5 do art.º 19.º do EBF).
10) A menção “do contrato de trabalho” inscrita na letra daquela norma referia-se manifestamente ao contrato de trabalho de determinado trabalhador que, para além de reunir as condições de entrada elegível, foi nominalmente escolhido para efeitos de definição da criação líquida de posto de trabalho no período de tributação em causa e do apuramento do benefício fiscal.
11) De acordo com o Acórdão Uniformizador, era a própria norma do n.º 5 do art.º 19.º que estabelecia que os encargos suportados com estes trabalhadores seriam majorados ao longo do período legal relevante, ou seja, cinco anos desde o início da vigência daqueles contratos de trabalho sem termo, selecionados pela empresa para efeitos daquele beneficio fiscal (elemento literal) e não de um qualquer contrato de trabalho sem termo referente a outro trabalhador, mesmo que tenha entrado no mesmo ano, cuja verificação das restantes condições legalmente exigidas para efeitos de aproveitamento do referido beneficio fiscal não foi sujeita a escrutínio (regra da não cumulatividade e irrepetibilidade, pois não tinham sido incluídos no cálculo do beneficio fiscal em apreço e cuja contagem do período relevante para efeitos do benefício fiscal seria também evidentemente distinta, sob pena de claro desvirtuamento do regime legal deste benefício fiscal. Ou seja, mesmo que nos períodos de tributação seguintes não haja criação líquida de postos de trabalho, nos termos do art.º 19.º do EBF, é sempre possível efetuar a majoração dos encargos suportados até completar os cinco anos de vigência do contrato de trabalho sem termo, desde que os trabalhadores selecionados que integraram a criação líquida de postos de trabalho se mantenham na empresa nesse período.
12) Caso em alguma das entradas elegíveis e selecionadas “ab initio” pela entidade sujeita a IRC para efeitos de cálculo do benefício fiscal nas condições do art.º 19.º do EBF, cessasse o vínculo contratual com a empresa no decurso do período de cinco anos seguintes ao do início do contrato de trabalho sem termo, independentemente da causa, terminava a possibilidade de majoração dos gastos suportados por óbvia inexistência de base de cálculo, atendendo à inexistência de gastos com aquele trabalhador específico.
13) A fundamentação desse Acórdão de 24-06-2023, prolatado pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do Processo n.º 154/22.5BALSB, segue a do anterior Acórdão do STA, de 20 de fevereiro de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 095/16.5BESNT 0823/1712 referente à mesma questão e contribuinte, mas respeitante a outro período de tributação.
14) O entendimento da AT sobre o assunto decidendum já tinha sido entretanto plasmado na informação vinculativa proferida no âmbito do processo 5004/2018, PIV n.º 14855, com Despacho da Subdiretora-Geral da Área da Gestão Tributária - IR, de 2019-02-11, em que se conclui que apesar da revogação do artigo 19.º do EBF, estabelecida no artigo 4.º da Lei n.º 43/2018, de 9 de agosto, uma entidade que, nos períodos de tributação anteriores e até à data da entrada em vigor da Lei, tenha procedido “à criação líquida de postos de trabalho”, poderá “… durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do[s] contrato[s] de trabalho”, majorar em 50% os encargos decorrentes dos contratos de trabalho que estiveram na origem da referida “criação líquida de postos de trabalho”.
15) Tanto na vertida na autoliquidação de IRC de 2018 (95), como naquela que pretende ver considerada (497), a Requerente nem agora nem na Reclamação Graciosa identificada com o n.º ...2021..., apresentada anteriormente contra parte da autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2018, identificou as saídas de trabalhadores que, à data da respetiva admissão, se encontrariam nas mesmas condições, impossibilitando assim a AT de efetuar a confirmação dos pressupostos do benefício fiscal invocados
16) Refira-se ainda que, a reforma introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, com alterações aos Códigos do IRS e do IRC e ao EBF, seguida de revisão global e publicação integral dos referidos Códigos, pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, passando a matéria em apreço a constar do artigo 17.º do EBF, mantendo a epígrafe “Criação de emprego para jovens”:
1 – Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%.
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.
3 – A majoração referida no n.º 1 tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho. Entretanto, o n.º 2 do supradito artigo 17.º do EBF foi modificado pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, passando a ter o seguinte teor: “Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.”
Desta disposição decorre que o questionado benefício fiscal se acha delimitado temporalmente ao período de cinco anos que se inicia com a vigência do contrato de trabalho, ou seja, atende especificamente ao contrato de trabalho dos jovens trabalhadores selecionados para o efeito, e não a um posto de trabalho que poderia ser ocupado por diferentes trabalhadores ao longo do tempo.
17) Em conclusão, a aplicação do benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF pressupõe um aumento efetivo do número de trabalhadores jovens admitidos ao serviço da entidade empregadora no exercício fiscal, estando a majoração legal conexionada com a vigência de um determinado contrato individual de trabalho, que lhe serve de fundamento, pelo que não pode ser assegurada por outro contrato de trabalho, com outro início de vigência e outro trabalhador.
18) Importa também referir que a posição da Requerida não ofende qualquer princípio constitucional relevante, de acordo com acórdão n.º 53/2018 do Tribunal Constitucional, proferido no processo n.º 374/14. Afirma-se no Acórdão do Tribunal Constitucional, além do mais, que:
10. O critério normativo aqui em apreciação – determinando a não subsistência do benefício fiscal nos casos em que o contrato de trabalho do jovem, conexionado com a majoração, cessa antes do período de cinco anos contados desde o início da sua vigência –, traduzindo uma interpretação compatível com a atribuição de determinado sentido de opção legislativa, manifestado na intenção de incentivar a criação de empregos estáveis e duradouros para jovens, – como resulta da circunstância de o benefício apenas se encontrar previsto para o caso de contratos sem termo, bem como da expressa motivação que presidiu à iniciativa legislativa e que não foi infirmada por qualquer alteração subsequente, – não se consubstancia num sentido que surja desprovido de fundamento justificante razoável. Na verdade, tal sentido interpretativo é recondutível ao âmbito possível da liberdade conformadora do legislador, quanto à concretização da imposição constitucional, que lhe é dirigida, de proteção especial dos jovens, para efetivação dos seus direitos económicos, nomeadamente no contexto do direito ao trabalho e à efetiva integração na vida ativa, nos termos dos artigos 58.º e 70.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Na perspetiva da realização do escopo extrafiscal interpretado como fim almejado pelo legislador, através da consagração do benefício, a não admissão da substituição de trabalhador cujo contrato de trabalho cessou antes do período legalmente relevante de cinco anos, para efeitos da majoração no período remanescente, é uma solução legislativa que não se mostra destituída de credenciação racional. Nestes termos, a interpretação em apreciação não viola o princípio da igualdade, nem qualquer outro parâmetro constitucional. Assim, conclui-se pela não inconstitucionalidade da interpretação, extraível do artigo 17.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redação introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, conducente ao sentido de que não subsiste o benefício fiscal previsto em tal normativo, nas situações em que o contrato de trabalho conexionado com a majoração cessar antes do período de cinco anos contados desde o início da sua vigência, ainda que se verifique apenas uma substituição do trabalhador, mantendo-se o mesmo posto de trabalho.
19) Não podem aplicar-se no presente caso as Fichas Doutrinárias convocadas pela Requerente, pois as mesmas foram proferidas na sequência de dúvidas alusivas às condições de aplicação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) e não se reportam ao benefício fiscal de criação de emprego para jovens (art.º 19.º do EBF).
20) Ainda que os fundamentos invocados pela jurisprudência consolidada do STA suscitem reservas, que se sintetizam na jurisprudência arbitral citada, o princípio da boa administração da justiça impõe que seja seguida em 1ª instância pelo CAAD e o comando do art.º 8.º, n.º 3 do Código Civil argumenta no mesmo sentido.
21) Face ao exposto ficam prejudicadas as demais considerações da Requerente.
Termos em que, decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e reconhecer assistir razão à Requerida e, em consequência, declarar plenamente vigente a decisão de indeferimento parcial proferida no pedido de revisão graciosa, que correu sob o n.º ...2020... . Nesta conformidade não são também atendidos os pedidos feitos a título subsidiário e de juros indemnizatórios.
Valor: Fixa-se o valor do processo em 2.228.229,86 (dois milhões, duzentos e vinte e oito mil, duzentos e vinte nove euros e oitenta e seis cêntimos), nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi as alíneas a) e b) do art.º 29.º do RJAT e do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas: a cargo da Requerente no montante de 60.000,00 (sessenta mil euros)
Lisboa, 20 de novembro de 2023
Os árbitros,
Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros
Dr. Pedro Miguel Abreu Marques
(vencido conforme declaração em anexo)
Dr. António de Barros Lima Guerreiro
PROCESSO n.º 182/2023 - T
VOTO DE VENCIDO
Em primeiro lugar, de referir que, em harmonia com o disposto no n.º 3 do art.º 8º do Código Civil, acompanho a posição deste Tribunal Arbitral Coletivo no que respeita ao indeferimento da pretensão da Requerente relativamente à substituição de trabalhadores contratados em 2015 e 2016, por conformação com a decisão do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do Proc. n.º 154/22.5BALSB – Pleno, que uniformizou jurisprudência no sentido de que a aplicação do benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF pressupõe um aumento efectivo do número de trabalhadores jovens admitidos ao serviço da entidade empregadora no exercício fiscal, estando a majoração legal conexionada com a vigência de um determinado contrato individual de trabalho, que lhe serve de fundamento, pelo que não pode ser assegurada por outro contrato de trabalho, com outro início de vigência e trabalhador
Relativamente ao Pedido da Requerente da consideração do âmbito temporal de aplicação do art.º 19º do EBF, entendo, com o devido respeito, que este Tribunal Arbitral Coletivo considerou incorretamente como não provados dados e factos demonstrados pela Requerente, além da decisão revelar uma falta de fundamentação para o indeferimento, por não apreciação dos factos apresentados pela Requerente.
De facto, a Requerente, no pedido efetuado, apresenta: (i) o pedido principal; (ii) o primeiro pedido subsidiário e; (ii) o segundo pedido subsidiário.
Estes diferentes pedidos resultam da quantificação de diferentes cenários para a aplicação benefício fiscal previsto no art.º 19º do EBF, considerando:
-
A substituição ou não de colaboradores originalmente contratados em 2015 e 2016;
e
-
A consideração de entradas elegíveis para a criação de emprego até 30.06.2018 ou até 28.02.2019, tendo em consideração o período de apuramento do número de postos de trabalho criados.
Quatro anexos do Pedido discriminam a informação dos montantes do benefício fiscal para estes cenários, detalhada por colaborador:
Mapa 6 – Mapa de apuramento do benefício original
Sem substituição de colaboradores contratados em 2015 e 2016 e com criação líquida de emprego apurada até 30.06.2018
Mapa 7.1 – Mapa do apuramento do benefício original relativo ao pedido principal
Com substituição de colaboradores contratados em 2015 e 2016 e com criação líquida de emprego apurada até 28.02.2019 (ano fiscal completo)
Mapa 7.2 – Mapa do apuramento do benefício original relativo ao primeiro pedido subsidiário
Com substituição de colaboradores contratados em 2015 e 2016 e com criação líquida de emprego apurada até 28.02.2019 (ano fiscal completo), mas apenas incluindo as contratações efetuadas até 30.06.2018
Mapa 7.3 – Mapa do apuramento do benefício original relativo ao segundo pedido subsidiário
Com substituição de colaboradores contratados em 2015 e 2016 e com criação líquida de emprego apurada até 30.06.2018
Adicionalmente, o anexo - Mapa 7.4 - discrimina todas as contratações elegíveis e todas as saídas de colaboradores que ocorreram entre 01.03.2028 e 28.02.2019, permitindo assim, por análise aos respectivos mapas, aferir sobre o número de postos de trabalho criados tendo como referência as diversas datas e períodos invocados pela Requerente.
Tendo por base todos estes dados carreados ao processo pela Requerente, entendo que a decisão deste Tribunal Arbitral Coletivo não analisou a pretensão da Requerente, em que esta solicita a consideração como elegíveis as contratações efetuadas até 30.06.2018, mas tendo em consideração o valor anual de criação líquida de emprego da Requerente (de 01.03.2018 até 28.02.2019).
A este propósito, a decisão deste Tribunal refere aliás, no ponto 8) dos factos provados, que “A Requerente nem na primeira, nem na segunda autoliquidação, nem na Reclamação Graciosa, nem no pedido apresentado junto do CAAD, relacionou de modo individualizado, identificando-as concretamente, as saídas de trabalhadores que, à data da respetiva admissão, se encontrariam nas condições de serem considerados para efeitos de majoração”
Ou seja, considerando com não provada a criação líquida de emprego original (e constante da declaração Modelo 22 submetida) nem a criação líquida de emprego apurada no Pedido Arbitral, precisamente dos Mapas 7.1, 7.2, 7.3 e 7.4.
Assim, tendo a Requerente junto ao processo todos estes elementos contabilísticos e financeiros, considero que, ao abrigo do n.º 1 do art.º 74º da Lei Geral Tributária, não poderia este Tribunal considerar que a Requerente não provou documentalmente os números de criação líquida de emprego que alegou no seu Pedido.
Caso o Tribunal tivesse dúvidas sobre os valores constantes dos mapas ou mesmo sobre a própria veracidade ou fiabilidade dos mesmos, deveria ter procurado obter os respectivos esclarecimentos ou, no mínimo, justificar os motivos para não aceitar tais mapas.
Não o tendo feito, ao concluir o mencionado ponto 8) dos factos provados, entendo que a decisão não se encontra fundamentada por não apreciação dos factos apresentados.
Quanto à questão de direito subjacente, e uma vez provados estes factos, como entendo, considero que deveria ter sido dada razão à Requerente, reduzindo-se o respectivo resultado tributável em EUR 213,206.67, correspondendo à consideração dos colaboradores admitidos até 30.06.2018, tendo em consideração o saldo anual de criação líquida de emprego (até 28.02.2019).
Este montante resulta da diferença entre o valor relativo ao ano de 2018 originalmente deduzido na declaração Modelo 22 (conforme documento 6 anexo ao Pedido) - EUR 388,311.65 – e o valor, também relativo ao ano de 2018, tendo em consideração as entradas elegíveis de colaboradores até 30.06.2018, com referência ao valor de emprego criado para o ano fiscal completo (conforme documento 7.2 anexo ao Pedido) – EUR 601,518.32.
Considero assim que deveria ter sido dada razão à Requerente nesta parte, com o correspondente reembolso no valor de IRC liquidado, acrescido de juros indemnizatórios, conforme procuro demonstrar de seguida.
A dúvida radica afinal em determinar se o número de postos de trabalho dever ser aferido até 28/02/2019 (último dia do exercício fiscal relevante) ou até 30/06/2028.
Não se colocando naturalmente em causa que o benefício caducou a 30.06.2018, ou seja, não podendo ser elegíveis para o computo do benefício contratações ocorridas após esta data.
A questão é que a alínea d) do n.º 2 do art.º 19º do EBF, à data da revogação da norma, indicava como “criação líquida de postos de trabalho a diferença positiva, num dado exercício económico” (sublinhado da minha autoria).
A Lei n.º 43/2018 apenas revogou, com efeitos a 01.07.2018, este artigo.
Não alterou a sua redação.
Aliás, o próprio benefício fiscal assentava na majoração dos encargos correspondentes à criação líquida dos postos de trabalho.
E por criação líquida de postos de trabalho, para além do próprio art.º 19º do EBF explicitamente apontar para um valor anual (conforme alínea b) do n.º 2), são as próprias regras da União Europeia relativas a auxílios estatais em matéria de emprego que claramente definem esses conceitos com base em valores anualizados.
A este propósito atente-se, por exemplo, ao documento da Comissão Europeia (2013 / C 209/01) – “Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020” – que considera como:
«Criação de emprego», um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, após deduzir os postos de trabalho eventualmente suprimidos durante o mesmo período do número aparente de postos de trabalho criados;
(alínea k) do ponto 1.2 – Definições)
Devendo assim concluir-se que qualquer benefício fiscal associado à criação de emprego, sob pena de ser ilegal, à luz das regras comunitárias, para além de naturalmente ter de ser baseado no conceito legal de criação de emprego, tem obrigatoriamente de assentar na criação líquida de postos de trabalho, o qual corresponderá à diferença positiva, em determinado exercício anual, entre as entradas e as saídas relevantes de colaboradores.
Daí que, na minha opinião, e em tese, o que se pode equacionar é se este benefício é aplicável ao exercício de 2018 ou não. Pretender aplicar o mesmo a partes do exercício não se afigura, correto, atento à letra do revogado art.º 19º do EBF, dado que a norma é clara quanto à expressão “exercício económico”, a sua enorme relevância para apuramento quantitativo do benefício e o enquadramento legislativo comunitário.
Quanto à questão de ser este benefício aplicável ao exercício de 2018, entendo que a cessação da vigência das normas que regulam benefícios fiscais não apresenta dificuldades específicas, sendo de aplicar as normas gerais do direito relativas à revogação e à caducidade das leis.
Pelo que entendo que, tendo em atenção estas regras bem como o n.º 1 do art.º 11º do EBF, tendo o benefício sido revogado já no decurso do exercício de 2018, a sua revogação não pode prejudicar a sua aplicação a este mesmo exercício.
Sendo que própria Requerida concorda com esta não aplicação retroactiva, no sentido em que o exercício de 2018 é ainda abrangido, embora tenha depois uma interpretação da aplicação do benefício neste exercício contrária, na minha opinião, à letra da própria lei.
Por todos os motivos sumariamente expostos, considero assim que deveria ter sido parcialmente deferido o Pedido, reduzindo-se o resultado tributável em EUR 213,206.67, com o consequente reembolso de IRC e pagamento de juros indemnizatórios.
Pedro Miguel Abreu Marques
04 de dezembro de 2023