Sumário:
-
Por força da existência de uma regra de delimitação negativa, cujo recorte visa especificamente os atos de determinação da matéria coletável/tributável por métodos indiretos e a respetiva decisão do procedimento de revisão, a AT não se encontra vinculada à jurisdição arbitral relativamente estes atos, (vide, alínea b) do artigo 2.º da Portaria de Vinculação n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
-
Considerando que a pretensão da Requerente visa a apreciação dos atos de liquidação de IRC e de IVA resultantes de uma correção por métodos indiretos à matéria coletável, a jurisdição arbitral é materialmente incompetente para conhecer o mérito da causa, estando em causa uma exceção dilatória, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea a) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
****
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernanda Maças (Árbitro-presidente), Nina Aguiar (Árbitro-adjunto) e Filipa Barros (Árbitro-adjunto-relatora), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14-08-2023, acordam no seguinte:
I - Relatório
A..., lda., (doravante, abreviadamente designada por “Requerente”), com o número de pessoa coletiva..., com sede na ..., ..., ..., ...-... Algés, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária (doravante, RJAT), e dos artigos 96.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.
No seu pedido a Requerente visa a anulação dos atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), e de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), reportados aos anos 2016, 2017 e 2018, no valor total de € 104.279,90, com as legais consequências, nomeadamente a restituição das importâncias pagas acrescidas de juros indemnizatórios.
As liquidações identificadas pela Requerente como objeto do presente pedido de pronúncia arbitral são as seguintes:
ANO DE 2016
IRC:
Liquidação n.º 2022..., no valor de 19.130,12 Euros, a que acresce a importância de 2.186,28 euros de juros compensatórios, conforme demonstração de acerto de contas n.º 2022...; (DOC. 2)
IVA:
Liquidação n.º 2022... do período de janeiro 2016 no montante de 1.544,04 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 96,96 euros de juros compensatórios; (DOC. 3)
Liquidação n.º 2022... do período de fevereiro 2016 no montante de 1.736,56 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 327,90 euros de juros compensatórios; (DOC. 4)
Liquidação n.º 2022... do período de março 2016 no montante de 1.747,55 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 324,42 euros de juros compensatórios; (DOC. 5)
Liquidação n.º 2022... do período de abril 2016 no montante de 1.648,05 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 299,80 euros de juros compensatórios; (DOC. 6)
Liquidação n.º 2022... do período de maio 2016 no montante de 1.539,33 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 275,30 euros de juros compensatórios; (DOC. 7)
Liquidação n.º 2 2022... do período de junho 2016 no montante de 1.257,67 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 220, 79 euros de juros compensatórios; (DOC. 8)
Liquidação n.º 2022... do período de julho 2016 no montante de 959,77 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 165,02 euros de juros compensatórios; (DOC. 9)
Liquidação n.º 2022... do período de agosto 2016 no montante de 766,39 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 129,42 euros de juros compensatórios; (DOC. 10)
Liquidação n.º 2022... do período de setembro 2016 no montante de 1.026193 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 169,93 euros de juros compensatórios; (DOC. 11)
Liquidação n.º 2022... do período de outubro 2016 no montante de 1.026,93 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 166,33 euros de juros compensatórios; (DOC. 12)
Liquidação n.º 2022... do período de novembro 2016 no montante de 969,45 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022... a que acresce a importância de 153,94 euros de juros compensatórios; (DOC. 13)
ANO DE 2017
IRC:
Liquidação n.º 2022..., no valor de 44.353,66 Euros, de que resulta o valor a pagar de 29.737,77 a que acresce a importância de 3.083,22 euros de juros compensatórios, conforme demonstração de acerto de contas n.º 2022...; (DOC.15)
IVA:
Liquidação n.º 2022... do período de janeiro 2017 no montante de 1.7299,68 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 263,48 euros de juros compensatórios; (DOC. 16)
Liquidação n.º 2022... do período de fevereiro 2017 no montante de 1.570,90 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 233,95 euros de juros compensatórios; (DOC. 17)
Liquidação n.º 2022... do período de março 2017 no montante de 1.498,07 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 218,18 euros de juros compensatórios; (DOC. 18)
Liquidação n.º 2022... do período de abril 2017 no montante de 1.361,81 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 193,41 euros de juros compensatórios; (DOC. 19)
Liquidação n.º 2022... do período de maio 2017 no montante de 1.665,20 euros (demonstração de acerto de contras n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 231,39 euros de juros compensatórios; (DOC. 20)
Liquidação n.º 2022... do período de junho 2017 no montante de 1.864,25 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce importância de 252, 72 euros de juros compensatórios; (DOC. 21)
Liquidação n.º 2022... do período de julho 2017 no montante de 1.711,00 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 225,94 euros de juros compensatórios; (DOC. 22)
Liquidação n.º 2022... do período de agosto 2017 no montante de 1.491,25, euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 192,18 euros de juros compensatórios; (DOC. 23)
Liquidação n.º 2022... do período de setembro 2017 no montante de 1.639,27 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 205,69 euros de juros compensatórios; (DOC. 24)
Liquidação n.º 2022... do período de outubro 2017 no montante de 1.462,21 euros (demonstração de acerto de contas n. º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 178,50 euros de juros compensatórios; (DOC. 25)
Liquidação n.º 2022... do período de novembro 2017 no montante de 1.590,42 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 188,06 euros de juros compensatórios; (DOC. 26)
Liquidação n.2 20220... do período de dezembro 2017 no montante de 1.940,84 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 223,54 euros de juros compensatórios; (DOC. 27)
ANO DE 2018
IRC:
Liquidação n.º 2022...) no valor de 11.893,07 Euros) de que resulta o valor a pagar de 5.555,82 a que acresce a importância de 356,58 euros de juros compensatórios, conforme demonstração de acerto de contas n.º 2022...; (DOC. 28)
IVA:
Liquidação n.º 2022... do período de janeiro 2018 no montante de 349,99 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância .de 39,23 euros de juros compensatórios; (DOC. 29)
Liquidação n.º 2022... do período de fevereiro 2()18 no montante de 282,81 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 30,80 euros de juros compensatórios; (DOC. 30)
Liquidação n.º 2022... do período de março 2018 no montante de 342,01 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 36,13 euros de juros compensatórios; (DOC. 31)
Liquidação n.º 2022... do período de abril 2018 no montante de 297,51 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 30,38 euros de juros compensatórios; (DOC. 32)
Liquidação n.2 2022... do período de maio 2018 no montante de 304,60 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 30,14 euros de juros compensatórios; (DOC. 33)
Liquidação n.º 2022... do período de junho 2018 no montante de 286,23 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...} a que acresce a importância de 27,35 euros de juros compensatórios; (DOC. 34)
Liquidação n.º 2022.. do período de julho 2018 no montante de 2.967,04 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 27,37 euros de juros compensatórios; (DOC. 35)
Liquidação n.º 2022... do período de agosto 2018 no montante de 258,50 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022...); (DOC. 36)
Liquidação n.º 2022... do período de setembro 2018 no montante de 331,93 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 28,30 euros de juros compensatórios; (DOC. 37)
Liquidação n.º 2022... do período de outubro 2018 no montante de 274,33 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022...); (DOC. 38)
Liquidação n.º 2 2022... do período de novembro 2018 no montante de 270,96 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022...); (DOC. 39)
Liquidação n.º 2022... do período de dezembro 2018 no montante de 342,32 euros (demonstração de acerto de contas n.º 2022... e 2022...) a que acresce a importância de 25,77 euros de juros compensatórios; (DOC 40).
A pretensão da Requerente alicerça-se nos seguintes vícios, de índole formal e substantiva:
-
Caducidade do direito à liquidação dos tributos relativos ao exercício de 2016;
-
Erro nos pressupostos para recurso à aplicação de métodos indiretos, que constituem um regime subsidiário à avaliação direta (artigo 85.º, n.º 1 da LGT), porquanto:
- No caso, a AT lançou mão da avaliação indireta com base em ligeiras incorreções contabilísticas, não se verificando a inexistência ou insuficiência de elementos da contabilidade;
- Não foi concedido prazo à Requerente para regularizar a sua contabilidade (artigo 57.º, n.º 3, do Código do IRC), sendo que a falta de notificação para a regularização determina a ilegalidade das liquidações de imposto;
- A comissão de revisão não tomou em consideração as regularizações efetuadas ao exercício de 2017, que viriam a ser concretizadas através da declaração periódica de IVA, onde foi incluído o valor total de € 6.768,24, no campo 41, relativa ao período de 2018-06;
Em 27 de fevereiro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT, em 28 de fevereiro de 2023.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não se opuseram (artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD).
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 14 de agosto de 2023.
A Requerida, notificada para o efeito, apresentou Resposta em 02 de outubro de 2023, na qual se defendeu por exceção e por impugnação, tendo junto o processo administrativo (“PA”).
Na defesa por exceção, invoca a incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria, na parte, aqui impugnada, em que os atos tributários derivam da fixação da matéria tributável por métodos indiretos de avaliação, em virtude da exclusão da jurisdição arbitral expressa pelo artigo 2.º, alínea b) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Por impugnação, declina os vícios imputados às liquidações adicionais, entendendo que a Requerente alega factos que servem de fundamento ao seu pedido sem que os prove. As afirmações da Requerente não passam de meras suposições, nunca tendo feito a demonstração da realidade invocada, nem em sede de inspeção nem no âmbito do presente pedido.
A Requerida conclui pela procedência da exceção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral e, caso assim não se entenda, pela improcedência do pedido.
Em 04 de outubro de 2023, a Requerente foi notificada para exercer no prazo de 10 dias o contraditório relativamente à matéria de exceção, não se tendo pronunciado a este respeito.
Por despacho de 31 de outubro de 2023, o tribunal arbitral decidiu dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo concedido às partes a faculdade para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do referido despacho, sendo que se concedeu à Requerida a faculdade de juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo. Fixou-se a prolação da decisão arbitral para dia 14 de fevereiro de 2023, advertindo a Requerente da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente até essa data.
A 13 de novembro de 2023 a Requerente apresentou as suas alegações escritas, defendendo que a exceção dilatória deverá improceder, uma vez que o objeto de contestação não se prende apenas com atos de determinação da matéria coletável, nem com a decisão do procedimento de revisão, mas sim com o momento anterior, dado o não cumprimento do dever de notificação a que se refere o artigo 57.º do Código do IRC, consubstanciando tal vício um impedimento ao recurso à avaliação indireta.
Nestes termos a argumentação da Requerida deve improceder e o Tribunal Arbitral considerar-se competente.
A Requerida apresentou as suas alegações em 14 de novembro de 2023, tendo remetido para a argumentação constante da sua resposta.
II – Saneamento – Exceção de Incompetência Material
A pronúncia jurisdicional deve conhecer em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica, (nos termos do artigo 608.º, n.º 1 do Código de Processo Civil – “CPC”, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT). Nestes termos, caso venha a proceder a exceção de incompetência material, fica prejudicada a apreciação da questão prévia suscitada pela Requerente, relativa à caducidade do direito à liquidação quanto ao exercício de 2016, nos termos do disposto nos artigos 130.º e 608.º do CPC.
Os prazos de caducidade para o exercício do direito à liquidação são prazos substantivos, e integram a própria relação jurídica material controvertida. Visam determinar o período para o exercício de um direito, pois o seu decurso extingue o próprio direito. Contudo, conforme referido, as exceções dilatórias obstam a que o Tribunal conheça do mérito da causa e conduzem à absolvição da instância (v. artigos 576.º, n.º 2 e 608.º, n.º 1 do CPC, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
Acresce referir, se dúvidas houvesse, que dispõe o artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – “CPTA” (aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT) que a competência e o âmbito da jurisdição são de “ordem pública, e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”, devendo o juiz abster-se de conhecer do pedido quando possa ser procedente a exceção de incompetência, pelo que se impõe a apreciação, em primeiro lugar, da questão prévia suscitada pela Requerida, de incompetência deste Tribunal Arbitral, por estar em causa a apreciação de atos tributários derivados da fixação da matéria tributável por métodos indiretos de avaliação.
-
Matéria de Facto
Com relevância para a decisão da exceção de incompetência material, importa atender aos seguintes factos, que se julgam provados com base na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as Partes e nas posições por estas assumidas:
-
Requerente, é uma sociedade por quotas, que tem capital social de €5.000,00, dividido por duas quotas iguais, exercendo no período em análise a atividade principal de “Restaurantes n.e. a que corresponde o CAE 56101” – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) constante do PA.
-
A Requerente foi objeto de uma inspeção externa que teve por base as Ordens de Serviço n.ºs OI2019..., OI2019... e OI2019..., abrangendo os períodos de tributação de 2016, 2017, e 2018 de âmbito parcial, IVA e IRC, com o objetivo de avaliar a situação tributária do sujeito passivo, quanto a rendimentos e custos das mercadorias vendidas – cf. RIT.
-
Em 15-07-2020, a Requerente foi notificada através do ofício n.º... (RH ... PT), para proceder à regularização da sua contabilidade e apresentar a escrita devidamente regularizada no prazo de 10 dias, nos termos do artigo 57.º do CIRC, tendo sido advertida que a não regularização da contabilidade e/ou a não apresentação, no prazo fixado, sem justificação, dos elementos solicitados, será considerada recusa de escrita, podendo constituir fundamento para a determinação da matéria coletável por métodos indiretos que ao caso aprouver, nos termos dos artigos 57.º e 59.º do CIRC e n.º 1 do artigo 90 do CIVA; cf. RIT.
-
Em 24-09-2020, por escrito (GPS ...), a Requerente remeteu as ordens de serviço devidamente assinadas com data de 21-09-2020; cf. RIT.
-
A Requerente apresentou os elementos solicitados, tendo sido ouvida a Sócia -Gerente em termo de declarações; cf. anexo II do RIT.
-
Na sequência deste procedimento, foi elaborado o projeto de Relatório com proposta de correções por métodos indiretos, o qual foi notificado à Requerente através do ofício n.º..., para efeitos do exercício do direito de audição, nos termos previstos no artigo 60.º da LGT e do artigo 60.º do RCPITA; – cf. RIT.
-
Em 31-12-2020 a Requerente exerceu o direito de audição por escrito, tendo a AT aceitado parte dos argumentos apresentados, e reformulado as correções relativas ao ano de 2018, constantes do capítulo V do referido relatório, mantendo as correções propostas por métodos indiretos para os anos em causa 2016, 2017 e 2018; – cf. Anexo IX junto com o RIT.
-
Consideraram os SIT que “as divergências verificadas nomeadamente em inventários e vendas e prestações de serviços versus recebimentos são indícios que a contabilidade não reflete a matéria tributável real do sujeito passivo, pelo que propuseram a sua correção através da aplicação de métodos indiretos, de acordo com o estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º, a alínea a) do artigo 88.º e do artigo 90.º, todos da Lei Geral Tributária (LGT), conjugado com artigo 57.º e 59.º do CIRC e artigo 90.º do CIVA” ; – cf. RIT.
-
O projeto converteu-se no Relatório da Inspeção Tributária (“RIT”), cujo teor se dá por reproduzido. Refere o RIT que “relativamente ao volume de vendas e prestações de serviços efetuadas pelo sujeito passivo, a informação disponível é contraditória e demonstra que os montantes declarados estão aquém dos valores reais da atividade efetivamente exercida havendo, portanto, a necessidade de apurar de forma indireta, os valores de prestação de serviços que o sujeito passivo terá prestado nos exercícios em análise. Considerando que os montantes recebidos explicitados no ponto IV-5, correspondem à contraprestação recebida pela prestação de serviços aos seus clientes, é notório o interesse em utilizar essa informação com vista a apurar os montantes de prestação de serviços que comprovadamente o sujeito passivo prestou. Reconhece-se que este método não permite estender a base tributável à globalidade dos serviços prestados pelo sujeito passivo atendendo ao facto de que, para além destes recebimentos, o sujeito passivo terá recebido igualmente valores dos clientes por outros meios de pagamento, nomeadamente monetário, cuja dificuldade em determinar os valores recebidos através de outras formas de pagamento, leva-nos a focar as nossas propostas nos valores que, comprovadamente, o sujeito passivo recebeu.” – cf. RIT.
-
Pela omissão de rendimentos, cujo montante foi determinado com recurso a métodos indiretos, apurou-se IRC e IVA não liquidado, concluindo o RIT pelas seguintes correções: – cf. RIT.
-
Correções ao lucro tributável no montante de €97.412,51, €186.921,65 e €97.403,73, para os anos 2016, 2017 e 2018, respetivamente;
-
Correções em sede de IVA nos montantes de €15.462,88, € 19.524,89 e €3.638,21, para os anos de 2016, 2017 e 2018.
-
A Requerente foi notificada em 08-01-2021 da fixação dos Lucros Tributável / Imposto em sede de IRC e IVA, através do ofício n.º..., de 2021-01-07; – cf. Ofício de fixação da matéria tributável junto ao Processo Administrativo;
-
Em 08-02-2022, a Requerente apresentou pedido de revisão da matéria coletável, no qual contesta a verificação dos pressupostos de aplicação de métodos indiretos, bem como a quantificação dos tributos em falta daí resultante e a preterição da notificação prevista no artigo 57.º do CIRC – cf. Processo Administrativo;
-
O pedido de revisão foi indeferido, por despacho da Senhora Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa, de 26-09-2022, atenta a falta de acordo (ata n.º 42/2022), – cf. Processo Administrativo;
-
Nestes termos, mantiveram-se as correções preconizadas no RIT com a consequente emissão dos correspondentes atos de liquidação de IRC, de IVA e juros compensatórios associados, referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018 no valor total de € 104.279,90, – cf. documentos 2 a 40 juntos pela Requerente.
-
Não se conformando, com as liquidações de imposto emitidas por recurso à avaliação indireta, a Requerente apresentou, junto do CAAD, em 23 de fevereiro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo, sendo objeto da ação as liquidações no valor de € 104.279,90 provenientes da aplicação de métodos indiretos de avaliação – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.
2 – Factos não provados
Não existem factos não provados com relevo para a causa.
3 – A Incompetência absoluta do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir pretensões relativas a atos de liquidação resultantes da aplicação por métodos indiretos
A Requerida suscitou na sua Resposta a exceção de incompetência absoluta em razão da matéria, por considerar que as pretensões relativas a atos tributários que provenham da fixação da matéria tributável por métodos indiretos de avaliação estão excluídas da jurisdição arbitral, atento o acordo com o disposto na alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, adiante “Portaria de Vinculação”, que dispõe nos seguintes termos:
“Artigo 2.º
Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
[…]
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;”
A questão que cumpre decidir é, assim, antes de mais, a de saber se o Tribunal Arbitral é materialmente competente para o conhecimento do pedido de pronúncia objeto da presente ação. Como refere a decisão arbitral n.º 76/2012-T, de 29 de outubro de 2012, é pacífico que o tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, como expresso no artigo 18.º, n.º 1 da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro) que, na ausência de regulação pelo RJAT, é aplicável por analogia.
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD está limitada, num primeiro patamar, pelo elenco de pretensões que consta do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, que compreende “[a] declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” (alínea a)) e “[a] declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais” (alínea b)). Nesta hipótese normativa cabem os pedidos de invalidação dos atos tributários, sejam eles provenientes de avaliação direta ou da fixação da base de incidência por métodos indiretos de avaliação.
Porém, num segundo patamar, verifica-se uma delimitação negativa da vinculação da AT à jurisdição arbitral, cujo recorte visa especificamente os atos de determinação da matéria coletável/tributável por métodos indiretos e a respetiva decisão do procedimento de revisão (vide a citada alínea b) do artigo 2.º da Portaria de Vinculação).
Como escreve Jorge Lopes de Sousa, “a Administração Tributária afastou essa possibilidade ao excluir expressamente da sua vinculação àqueles tribunais as «pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão» [alínea b) do artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março].”[1]
Neste contexto, afirma a decisão arbitral n.º 76/2012-T, de 29 de outubro de 2012, que “nem foi o legislador que excluiu a determinação da matéria colectável por métodos indirectos do âmbito da jurisdição arbitral, mas sim a própria Administração, através de Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois esta não é um acto legislativo, mas sim de um acto de natureza regulamentar, praticado por membros do Governo ao abrigo da sua competência administrativa, no caso a prevista na alínea c) do art. 199.º da CRP, e não da competência legislativa, indicada no artigo anterior.”
Neste ponto, a jurisprudência arbitral maioritária, que se acompanha, considera que esta exclusão abrange os atos tributários de liquidação que materializam a decisão do procedimento de revisão, externando-a na esfera do sujeito passivo, pois estes limitam-se a projetar os efeitos dessa decisão precedente (v., entre outras, as decisões arbitrais n.ºs 17/2012-T, de 14 de maio de 2012; 52/2012-T, de 22 de outubro de 2012; 70/2012-T, de 31 de outubro de 2012; 175/2013-T, de 16 de janeiro de 2013; 310/2014-T, de 26 de novembro de 2014; 324/2016-T, de 27 de fevereiro de 2017; 359/2017-T, de 17 de dezembro de 2017; 544/2018-T, de 7 de julho de 2019, 112/2020, de 20 de janeiro de 2021 e 15/2021-T de 24-09-2021).
Entendimento distinto, foi, no entanto, sufragado no processo arbitral n.º 694/2014-T, de 15 de abril de 2015, e nas posições doutrinárias de Carla Castelo Trindade.[2]
Os autores citados defendem a arbitrabilidade dos atos de liquidação resultantes da fixação da matéria coletável por métodos indiretos, numa interpretação que cinge a exclusão da jurisdição arbitral às realidades sujeitas aos mecanismos de fixação da matéria tributável previstos no artigo 90.º da LGT, ou seja, à discussão da decisão do procedimento de revisão a que se refere os artigos 91.º a 94.º da LGT, regime cuja finalidade entendem ter sido apenas a de impedir que a jurisdição arbitral passasse a constituir um meio de resolução de litígios alternativo ao procedimento de revisão, mantendo-se, desta forma a impugnabilidade arbitral do ato (definitivo) de liquidação. Em síntese, procedem a uma distinção entre, por um lado, a decisão do procedimento de revisão e, por outro, o ato tributário de liquidação propriamente dito. A primeira estaria excluída da jurisdição arbitral, a segunda não.
Não é esta, contudo a posição jurisprudencial maioritária, nem a solução que aqui se preconiza, pelas razões expendidas nas decisões arbitrais atrás enumeradas. Conforme fundamenta a decisão arbitral n.º 324/2016 -T, que apreciou idêntica questão, são diversos os argumentos que militam no sentido da aplicabilidade da exclusão ínsita na alínea b) do artigo 2.º da Portaria de Vinculação aos atos tributários (de liquidação) e não apenas aos atos de determinação da matéria coletável/tributável com recurso a métodos indiretos. Refere-se neste aresto que:
“Em primeiro lugar, nos termos do art. 62º, nº 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário «Em caso de fixação ou a revisão da matéria tributável dever ter lugar, por procedimento próprio, a liquidação efetua-se de acordo com a decisão do referido procedimento, salvo em caso de violar manifestamente competências legais”.
É o caso da fixação da matéria tributável por métodos indiretos cuja revisão está sujeita ao regime específico dos artigos 91º e seguintes da Lei Geral Tributária.
Assim, salvo em caso de manifesta violação das competências legais, a decisão de fixação da matéria tributável por métodos indiretos determina o conteúdo da subsequente liquidação, fazendo sentido submeter ao mesmo regime processual os atos de fixação da matéria tributável por métodos indiretos, propriamente ditos e os atos tributários de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indireta, uma vez que o essencial da matéria sobre que vai incidir a pronúncia arbitral é, em ambos os casos, idêntica.
No preâmbulo da portaria em questão [trata-se da Portaria de Vinculação] pode ler-se que “com a presente portaria, a administração fiscal vincula-se também à jurisdição do CAAD (…) associando-se a este mecanismo de resolução alternativa de litígios e nos termos e condições aqui estabelecidos, atendendo à especificidade e valor das matérias em causa”.
Para além do valor, o critério de vinculação da portaria consistiu, assim, em atender à especificidade das matérias em causa.
Ora, a este respeito, e tal como se refere na decisão arbitral n.º 15/2021, “parece pois, que o pensamento legislativo foi a da vinculação atendendo ao critério substantivo das matérias a apreciar pelo tribunal, excluindo da vinculação as pretensões relativas ao ato de determinação da matéria coletável ou da matéria tributável por métodos indiretos, quer a pretensão incida diretamente sobre o ato administrativo de fixação, quer incida indiretamente através da impugnação do subsequente ato de liquidação em que a matéria coletável ou matéria tributável tenha sido determinada por métodos indiretos.”
Adicionalmente, como assinala a decisão do processo n.º 17/2012-T:
“A liquidação, em sentido estrito, é a última fase do procedimento administrativo de liquidação tributária, regulado nos artigos 59.º a 64.º do CPPT, constituído por uma série de actos destinados a obter um resultado jurídico final, o montante de imposto a entregar nos cofres do Estado [seguindo o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0188/09, de 9 de setembro de 2009]. Portanto, a liquidação hoc sensu é a fase que se traduz na aplicação da taxa de imposto à matéria colectável já determinada, não sendo os actos preparatórios autonomamente impugnáveis, podendo sim ser postos em causa quando da impugnação do acto definitivo, final, em obediência ao princípio da impugnação unitária expresso no artigo 54.º do CPPT [Este princípio comporta algumas excepções, podendo os actos de determinação da matéria tributável ser autonomamente impugnáveis. Cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 140 a 191].
No caso da determinação da matéria tributável por métodos indirectos a lei prevê um procedimento próprio, efectuando-se a liquidação de acordo com a decisão do referido procedimento – cfr. n.º 1 do artigo 62.º do CPPT.
Ademais, constitui condição de procedibilidade da acção impugnatória do acto (final) de liquidação de imposto por aplicação de métodos indirectos a prévia submissão de um pedido de revisão da matéria tributável, que tem efeitos suspensivos da liquidação, cujo procedimento está contido nos artigos 91.º a 94.º do CPPT.”
Ora, resulta do exposto, que é condição essencial de impugnação do ato de liquidação que tenha previamente lugar o procedimento de revisão da matéria tributável, desencadeado pelo contribuinte, que culminará numa decisão, sendo o ato de liquidação daí decorrente uma mera consequência do mesmo, desempenhando apenas uma função concretizadora. Aliás, a epígrafe do artigo 62.º do CPPT refere-se-lhe como «acto de liquidação consequente».
Retomando o caso concreto, o legislador exclui ex professo da jurisdição arbitral, pois a ela não se vincula a Autoridade Tributária e Aduaneira, as «pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão».
Este procedimento de revisão visa, segundo o artigo 92.º do CPPT, o estabelecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação. Havendo acordo, o tributo será liquidado com base na matéria tributável acordada. Na falta de acordo, a Autoridade Tributária e Aduaneira decide de acordo com o seu prudente juízo.
Por conseguinte, o ato de liquidação do imposto é a consequência direta da decisão do procedimento de revisão, que constitui seu fundamento e que está excluída desta jurisdição.
Tal ato de liquidação substantivamente nada acrescenta, limitando-se a materializar a decisão do procedimento, a concretizar o valor de imposto que deriva aritmeticamente desta decisão e a externá-la, para que esta possa produzir os efeitos jurídicos da relação jurídico-tributária constituída.
Ora, se está vedada a apreciação de pretensões que se refiram à decisão do procedimento de revisão, cujo objeto é o da determinação da matéria tributável por métodos indiretos, e se a causa de pedir da presente ação, resulta de um mesmo ato inspetivo, no qual a Autoridade Tributária e Aduaneira recorreu à fixação da matéria tributável com recurso à avaliação indireta, considerando a Requerente existir um excesso de quantificação dessa matéria (vide ponto 38 do pedido), então dúvidas não restam de que a apreciação do ato de liquidação, com fundamento nesse excesso de quantificação, está excluída da jurisdição deste tribunal.
Aliás, se assim não se entendesse, perfilhar a posição da Requerente significaria permitir, através da referida apreciação do ato de liquidação, o julgamento de uma pretensão relativa “a actos de determinação da matéria colectável (…) por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão” expressamente vedada pela Portaria de Vinculação, em concreto pelo seu artigo 2.º, alínea b).
Ora, a quantificação da matéria tributável por métodos indiretos constitui o objeto da decisão do procedimento de revisão que está excluída da jurisdição arbitral tributária, nos termos da alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-B/2011, de 22 de Março.
Neste contexto, entendemos que a matéria em litígio se encontra abrangida por esta exclusão, sendo de relembrar, conforme resulta do probatório, que a Requerente pretende, em última análise, a apreciação dos atos de liquidação de IRC e de IVA, relativos aos anos 2016, 2017 e 2018 decorrentes da aplicação de métodos indiretos de determinação da matéria tributável, ainda que o faça indiretamente, por via da invocação de ilegalidades relativas ao procedimento de revisão.
Ora, relembrando a jurisprudência maioritária acima invocada, o ato de liquidação de imposto que corporiza a decisão discutida nos presentes autos, concretizando-a, não pode ser objeto de apreciação individualizada, pois não reveste autonomia relativamente àquela.
Por outro lado, considera a decisão arbitral proferida no processo n.º 76/2012-T, de 29 de outubro de 2012, que “a eventual explicação para a opção governamental de exclusão do âmbito da jurisdição arbitral das questões relativas à determinação da matéria tributável através de métodos indirectos, não estará na existência de uma margem de subjectividade, mas sim no facto de para apreciação dessas questões já se prever no âmbito do procedimento tributário um procedimento especial com características essencialmente semelhantes às que enformam os tribunais arbitrais colectivos no âmbito da arbitragem voluntária, em que é indicado um perito pelo contribuinte e outro pela administração tributária e há intervenção de um terceiro perito independente de nomeação pelas partes (arts. 91.º a 93.º da LGT).”
Nestes termos, permitir a impugnação arbitral de atos de liquidação subsequentes à aplicação de métodos indiretos com fundamentos que são objeto do pedido de revisão (invoca-se in casu a legalidade do procedimento de liquidação, os pressupostos de aplicação de métodos indiretos e o erro de quantificação da matéria tributável) sobre os quais foi proferida a decisão pelo órgão competente, equivale a sindicar essa decisão [do procedimento de revisão], a qual está, de forma expressa, vedada pela Portaria de Vinculação. Com efeito, entendemos que a Requerida não se encontra vinculada à jurisdição do CAAD quanto a esta matéria.
Assim, pelos motivos expostos, constata-se a falta de vinculação da AT ao tribunal arbitral de que deriva a impossibilidade da eficácia subjetiva do julgado, caso viesse a ser proferido por este tribunal nas matérias excluídas, consubstanciando falta de jurisdição, delimitada em função da matéria, pelo que geradora da incompetência material deste tribunal arbitral (v. artigos 2.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1 do RJAT conjugados com a alínea b) do artigo 2.º da Portaria de Vinculação) .
Julga-se, nestes termos, verificada a exceção de incompetência material que constitui uma exceção dilatória, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea a) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT. As exceções dilatórias obstam a que o Tribunal conheça do mérito da causa e conduzem à absolvição da instância (v. artigo 576.º, n.º 2) do CPC, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), sem prejuízo de a Requerente poder beneficiar do disposto no artigo 24.º, n.º 3 do RJAT, nomeadamente propondo uma ação, na espécie de impugnação judicial, nos tribunais tributários, se verificados os correspondentes pressupostos.
V. DECISÃO
À face do exposto, julga-se procedente a exceção de incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, com a consequente absolvição da Requerida da instância.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €104.279,90 correspondente ao montante das liquidações de IVA, de IRC e de juros que se pretende anulado, indicado pela Requerente e não contraditado pela Requerida – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. CUSTAS
Custas no montante de €3.060,00, a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2023
Os Árbitros
_____________________
( Fernanda Maças – Árbitro Presidente)
_________________________
(Nina Aguiar – Árbitro Adjunto)
____________________________
(Filipa Barros – Árbitro Adjunto Relatora)
[1] Vide, neste sentido, Guia da Arbitragem Tributária, Coord.: Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pp.138-139.
[2] Neste sentido, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, Almedina, 2015, pp. 108-112, e de Francisco Geraldes Simões v. “A Arbitrabilidade dos Atos de Liquidação por Métodos Indiretos”, in revista Arbitragem Tributária n.º 1, Coord.: Nuno Villa-Lobos-Tânia Carvalhais Pereira, 2014, pp. 18-21.