Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 107/2023-T
Data da decisão: 2024-01-02  IRS  
Valor do pedido: € 5.031,70
Tema: IRS de 2021 – Bolsa atribuída aos Auditores de Justiça, em formação no Centro de Estudos Judiciários (CEJ).
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SUMÁRIO:

 

  1. A bolsa atribuída aos Auditores de Justiça, em formação no Centro de Estudos Judiciários (CEJ), nos termos do artigo 31.º, n.º 5 da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, não integra o conceito de rendimento para efeitos de IRS, não estando sujeita a imposto, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 2.º-A, ambos do Código do IRS.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 A..., residente na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, sujeito passivo com número de identificação fiscal ..., vem requerer pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que regula o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante RJAT), submetendo à apreciação do Tribunal Arbitral a legalidade e consequente anulação do ato tributário de liquidação de IRS referente ao ano fiscal de 2021, bem como do despacho indeferimento expresso de reclamação graciosa  (objeto imediato), cujos termos correram sob nº...2022..., junto do serviço de finanças de Lisboa ... . 

Peticiona a final o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente enviado email à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), a informar da entrada de um pedido de constituição de tribunal arbitral e do n.º do processo atribuído, em 27-02-2023, tendo por sua vez a AT sido notificada, em 28-02-2023.

Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, foi pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designado árbitro para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, que aceitou nos termos legalmente previstos. 

Em 13-04-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.

Síntese da posição das Partes:          

  1. Do Requerente

Os argumentos apresentados no PPA do Requerente, bem como em alegações escritas, sublinham o seguinte:

A 27-11-2020, a Requerente celebrou com o Centro de Estudos Judiciários (CEJ) o contrato de formação a que se refere o n.º 2 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14/1 ("contrato de formação").

O CEJ emitiu os recibos com a menção a rendimentos do trabalho. Alegadamente por lapso, induzido pela menção nos recibos emitidos pela entidade pagadora, a Requerente submeteu a declaração modelo 3 declarando como rendimentos do trabalho os montantes pagos pelo CEJ.

No verão de 2023, foi notificada da liquidação n.º IRS 2022..., referente ao ano de 2021, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 2.763,76, com data limite de pagamento a 31-08-2022. Não aceitando a liquidação, por entender que se encontra eivada de erro de facto e de direito, a Requerente submeteu reclamação graciosa junto do Serviço de Finanças ..., que foi indeferida pela AT.

Ainda segundo a Requerente, inconformada com as retenções efetuadas, com a liquidação de imposto, e bem assim, com o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, veio a impugnar a liquidação de IRS acima identificada.

Sublinha igualmente que, sobre o valor da bolsa que lhe foi atribuída não foram efetuadas quaisquer contribuições para a Segurança Social por parte CEJ, durante o ano de 2021, conforme se verifica pela análise dos recibos emitidos bem como da declaração de rendimentos oportunamente apresentada.

Mais concretamente, a Requerente considera incorreto que os rendimentos obtidos tenham sido considerados como sendo rendimentos de trabalho dependente, com os seguintes fundamentos: (i) face ao teor das cláusulas do contrato de formação resulta evidente que não foi vontade do legislador criar algum vínculo de subordinação jurídica ou de qualquer outro tipo com os Auditores de Justiça, mas apenas um contrato de formação com objetivos bem delineados, um plano da formação e uma bolsa de apoio a esta formação. (ii) Não subsiste, pois, qualquer dúvida quanto à natureza do contrato, deixando claro que este não está sujeito a obrigações contributivas, nem confere outros benefícios remuneratórios, normalmente, associados ao contrato de trabalho.  

De igual modo, os valores recebidos a título de bolsa de formação «(...) não resultam do exercício de função, serviço ou cargo públicos, não se podendo também enquadrar no âmbito do artigo 2.2, n.2 1, c}, do CIRS. Nem tão pouco se enquadra na previsão do artigo 2.2, n.2 1, b}, do CIRS, por não se tratar de um contrato de prestação de serviços, exercido sob a autoridade e direção da entidade que titula o contrato, pois como se disse o âmbito do contrato de formação é muito claro e dele não resulta qualquer prestação de serviços contratualizada».

Daí inferindo que a bolsa de formação em causa não tem natureza remuneratória, mas sim compensatória, e não integra o conceito de rendimento para efeitos de IRS, pelo que não está sujeita a imposto. Concluindo por fim que a inclusão desse rendimento no IRS se afigura contrária à letra e à ratio legis dos normativos aplicáveis e do contrato celebrado com os auditores de justiça sendo nessa medida, ilegal. 

«Neste mesmo sentido decidiu, em 10-05-2022, o Tribunal Tributário Arbitral a funcionar junto do CAAD no processo n.º: 418/2021-T cujo sumário se transcreve: “A bolsa de formação atribuída aos Auditores de Justiça em formação no CEJ não tem natureza remuneratório, mas sim compensatória. Assim sendo, esta não integra o conceito de rendimento para efeitos de IRS, pelo que não está sujeita a imposto”»

A Requerente invoca ainda o acórdão uniformizador, de 24-05-2023, que se pronunciou sobre a mesma questão fundamental de direito em apreciação nos presentes autos, sobre se os valores recebidos pela Requerente a título de bolsa de formação, enquanto auditora de justiça, durante o período de formação especializada (prevista no n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro e constante da cláusula 3.ª do respetivo contrato), têm ou não natureza remuneratória que deva qualificar-se como rendimento tributado para efeitos de IRS.

Entendimento que a Administração Tributária já acolheu em sede de apreciação de pedidos de revisão oficiosa suscitados por outros auditores de justiça, conforme resulta do próprio Acórdão Uniformizador.

E finaliza a Requerente considerando que a AT poderia ter revogado o ato tributário oficiosamente ou depois de recebida a reclamação graciosa, o que não fez, razão pela qual, a liquidação subjacente padece de vício de violação de lei e fere o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, b) do CIRS e 36.º, n.º 4 da LGT, pelo que deve a mesma ser anulada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA, ex vi artigo 2.º, c) da LGT, com todas as consequências legais.  

Na sua Resposta veio a AT defender-se por exceção e por impugnação, exceções a que a Requerente responde nos seguintes termos:

1-Do pedido de anulação do ato de liquidação n.º 2022... e da inexistência de ininteligibilidade ou insuficiência da causa de pedir. 

O presente pedido arbitral visa a anulação da liquidação de IRS por força da desconsideração da qualificação como rendimentos dos valores pagos pelo CEJ, durante o ano de 2021, a título de bolsa de formação.

No que tange à alegada falta de indicação da causa de pedir, refere a Requerente soçobrar tal argumento face à indicação clara dos factos que sustentam o pedido de anulação da liquidação, constantes do artigo 5.º das alegações apresentadas.

É hoje entendimento unânime da Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, que a petição inicial será inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (art.º 186.º, n.º 2, alínea a) do CPC).

De acordo com a Requerente, a figura da ineptidão da petição inicial (que implica que, por ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, o processo careça, em bom rigor, de um objeto inteligível), distingue-se e contrapõe-se à mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspeto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida.

Apenas nesta segunda situação, defende a Requerente, a parte poderá/deverá ser convidada a completar o articulado, podendo ainda tal insuficiência ou incompletude vir a ser suprida em consequência da aquisição processual de tais factos concretizadores, se revelados no decurso da instrução – artigos 5.º, n.º 2, alínea b) e 590.º, n.º 4 do CPC. 

Por tudo quanto acima fica dito, também esta invocada exceção é totalmente improcedente, no entendimento do Requerente.

Este afirma por mero dever de patrocínio, que pese embora o introito do PPA refira “anulação parcial do ato tributário”, tal designação não vincula o Tribunal que está obrigado a conhecer do pedido e dentro dos limites do pedido, sob pena de nulidade da sentença que for proferida.

Ademais, entende que os lapsos de escrita são corrigíveis a todo o tempo, avocando-se, a título meramente exemplificativo do entendimento dos nossos tribunais, o anteriormente decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-06-2015, no âmbito do processo n.º 2937/09.8 TTLSB.L1.S1, de que se extrai abaixo um excerto com relevância para a matéria em apreço:

«(…)
I - O NCPC, no seu art.º 146.º, consagra um regime de suprimento de deficiências formais dos atos das partes que, para além da retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada, admite, mais genérica e latamente, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa.

II - O primeiro destes enunciados normativos já se extraía do disposto na lei substantiva relativamente ao erro de cálculo ou de escrita, no mesmo sentido Acórdão do TRC, 14-11-2017, Proc.º n.º 7034/15.9 T8VIS.C1, consultável em www.dgsi.pt, Artigo 609.º CPC ex vi artigo 2.º, alínea d) do CPPT.

(...)
Apontando também grandes princípios enformadores do anterior CPC (...) do direito à tutela judicial efetiva, da boa-fé processual, da adequação formal e da prevalência do fundo sobre a forma, para além, num plano mais concreto, do disposto nos artigos 666.º, n.º 3, e 667.º, em matéria de correção de inexatidões e lapsos manifestos constantes de sentenças e despachos, regime que traduz o afloramento de um princípio mais geral de aproveitamento dos atos processuais que deve considerar-se aplicável aos atos das partes.»

Lapso cuja retificação o Requerente vem requerer ao Tribunal, considerando que o seu pedido é cristalino. 

2-Da incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido de devolução do imposto indevidamente pago.

Sublinha o Requerente que o ato aqui sindicado é o ato de liquidação do IRS, referente ao ano de 2021, que foi precedido de reclamação graciosa, expressamente indeferida, afirmando o seguinte:

«O presente pedido funda-se exclusivamente em matéria de direito recentemente objeto de decisão uniformizadora do STA, sendo desnecessária a apresentação de reclamação graciosa que, assim sendo é meramente facultativa, conforme o disposto no artigo 132.º do CPPT.

O âmbito de competência dos tribunais arbitrais, que é delimitado pelo disposto no artigo 2.º do RJAT e pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, compreende a apreciação das pretensões relacionadas com a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, de pagamento por conta, de atos de fixação da matéria tributável que não deem origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

Respinga dos ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa que do indeferimento
da reclamação graciosa apresentada, “Para além da possibilidade de impugnação perante os tribunais tributários de decisões de indeferimento de reclamações graciosas de atos de retenção na fonte, a partir da implementação da arbitragem tributária (…) os sujeitos passivos podem pedir a constituição de tribunais arbitrais, para obterem a declaração de ilegalidade dos atos de retenção na fonte, como resulta do artigo 2.º daquele Decreto-Lei.(…)

Já no caso de impugnação dos pagamentos por conta fixados pela administração tributária, sem cabimento factual ou legal no presente pedido de pronúncia arbitral, escreve o Sr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa em anotação ao artigo 133.º do CPPT: “Os pagamentos por conta podem ser efetuados pela via da retenção na fonte referida no artigo anterior, em que o pagamento é efetuado pelo substituto. Nas situações enquadráveis no presente artigo 133.º, os pagamentos por conta são efetuados pelo próprio sujeito passivo». 

Pelo que, o Tribunal Arbitral é competente para conhecer da (i)legalidade da liquidação do IRS bem como da retenção indevida e condenar a AT no pagamento do imposto que tiver sido indevidamente pago pelo Contribuinte.

No que respeita à incompetência do Tribunal Arbitral para condenar no pagamento das quantias indevidamente retidas, socorremo-nos do excerto da decisão arbitral n.º 223/2020-T (...)» em situações que permitam com certeza a condenação em quantia certa (acrescentado nosso).

«É, pois, evidente, que o Tribunal Arbitral é competente para conhecer da
(i)legalidade da liquidação impugnada, que a utilidade económica do pedido
corresponde ao montante do imposto indevidamente retido acrescido do
imposto indevidamente liquidado e que o Tribunal pode condenar na devolução das quantias indevidamente retidas e pagas sem prejuízo de outras correções que sejam necessárias para repor a situação que existiria se a AT não tivesse, erradamente, considerado como rendimento do trabalho a bolsa de formação que o CEJ pagou à Requerida.

Ainda a propósito da competência do Tribunal arbitral, defende a AT – no arrazoado de exceções inexistentes, repetições de matéria de facto e de direito
que carecem em absoluto de sustentação factual ou legal - que não tendo a
Requerente questionado os atos de retenção na fonte na reclamação graciosa
não o poderia fazer no pedido de pronúncia arbitral.

Todavia, também falece este argumento, pois, a acrescer a tudo quanto acima
foi dito, transcreve-se o ponto 2 do pedido formulado na reclamação graciosa,
junta com o Processo Administrativo (PA), de cuja formulação resulta inequívoco que a Requerente não só reclamou dos atos de retenção na fonte, como pediu a devolução do valor erradamente retido.»

3- Da hipotética duplicação de pedidos

Entende a Requerente não existir qualquer duplicação de pedidos. Considera, no entanto, que o montante total a reembolsar no seguimento da anulação da liquidação, que merece a anuência da AT no artigo 56.º da sua Resposta, «decorrerá da aplicação das normas de apuramento da liquidação como previsto no Código do IRS, pois só assim se dará cumprimento ao disposto no artigo 100.º da LGT».

Acrescenta igualmente que na presente data, inexiste qualquer dúvida de que a Requerente suportou indevidamente, a título de IRS, a quantia € 2.268,00 a título de retenções na fonte e o montante de € 2.763,76 pago no seguimento da notificação da liquidação aqui impugnada.

«Dito de outra forma, estes dois valores já estão quantificados, são certos e líquidos, e permitem uma condenação em quantia certa.

Outros valores podem ser devidos depois da aplicação das normas de apuramento da liquidação como previsto no Código do IRS, na sequência da anulação da liquidação, conforme confessado pela AT no artigo 56.º da sua Resposta».

4 - Da legitimidade ativa da Requerente.

Argumenta ainda a AT que a Requerente não tem legitimidade para pedir a anulação de uma liquidação que tributa não apenas os seus rendimentos mas também os de outro sujeito passivo, seu cônjuge, e com quem optou pela tributação conjunta.

Ora, invoca a Requerente que, in casu, os contribuintes, marido e mulher, são solidariamente responsáveis face à relação jurídica tributária em causa, pela totalidade da dívida pois opera em sede de responsabilidade tributária, em caso de dívida de IRS efetuado em declaração conjunta pelos cônjuges, um regime de responsabilidade diversa da responsabilidade civil.

Menciona também o n.º 5, do artigo 16.º da LGT, sob a epígrafe “Capacidade tributária”, o qual estabelece que «qualquer dos cônjuges pode praticar todos os actos relativos à situação tributária do agregado familiar e ainda os relativos aos bens ou interesses de outro cônjuge, desde que este os conheça e não lhes tenha expressamente oposto».

E conclui, nos seguintes termos: «Numa situação destas, em que os cônjuges são solidariamente responsáveis pelo pagamento do imposto que incide sobre os rendimentos do respetivo agregado familiar, responsabilidade que abrange a totalidade da dívida tributária, os juros e demais encargos legais, de acordo com os artigos 21.º, n.º 1, e 22º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), encontra-se justificada a capacidade judiciária de qualquer dos cônjuges e, consequentemente, não será questionável a legitimidade de qualquer um. 

Do acima exposto, infere-se igualmente que a Requerente, na qualidade de substituída tributária tem legitimidade para impugnar a liquidação, por ter interesse direto e legalmente protegido uma vez que é a titular da capacidade contributiva e a verdadeira prejudicada em caso de retenção indevida. Pelo que, também a exceção de ilegitimidade ativa deve ser julgada improcedente.»

5- Da contestação dos atos de retenção na fonte

Por sua vez, e quanto à contestação dos atos de retenção na fonte, vem a Requerente referir o seguinte:

«Defende a AT que a retenção na fonte sofrida por ambos os sujeitos passivos, cobrada por entidades diferentes tem a natureza de pagamentos por conta, isto é, constituíram adiantamentos feitos ao Estado por conta do imposto a apurar e a pagar no ano seguinte (aquando da entrega da declaração de IRS).

Mais sustenta que, tratando-se de pagamentos por conta a impugnação das retenções depende de prévia reclamação graciosa a deduzir no prazo de 30 dias após o pagamento indevido, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 133.º do CPTT.

Como acima expendido, nos termos dos artigos 132.º e 133.º do CPPT também não lhe assiste razão nesta matéria.

A tentativa de fazer coincidir as retenções na fonte com os pagamentos por conta é desmentida, antes de mais, pela leitura da Nota de Liquidação que distingue os montantes entregues ao Estado título de pagamento por conta e por força das retenções na fonte.

Pese embora quer as retenções na fonte quer os pagamentos por conta constituam uma antecipação do pagamento do imposto devido a final, têm naturezas diferentes e estão sujeitas a regras jurídicas distintas, quer do ponto de vista adjetivo quer substantivo. Pelos motivos acima expostos, também esta hipotética exceção é improcedente».

6-Dos juros indemnizatórios

Por último, defende a Requerente que «(...) os pedidos de pagamento de juros indemnizatórios têm termos iniciais dos prazos diferentes porque a privação de determinadas quantias em dinheiro teve início em datas distintas, inexistindo qualquer impedimento legal à formulação de tal pedido. Destarte, mais uma vez, sucumbe a alegada exceção».

 

  1. Da Requerida

No essencial entende a Requerida que: 

É revelador que o Centro de Estudos Judiciários (CEJ), entidade que efetuou a retenção na fonte em causa, tenha declarado na sua DMR - Relação Dos Titulares dos Rendimentos, o rendimento pago à Requerente como sendo de trabalho dependente.

A tributação sofrida teve por base a declaração de rendimentos de IRS entregue pela própria Requerente, o que não é imputável à AT.

Afirma que do artigo 2.º, n.º 1, do Código do IRS (CIRS) resulta não ser indispensável à incidência do IRS sobre os rendimentos do trabalho dependente, que esses rendimentos sejam auferidos no âmbito de contrato de trabalho subordinado ou equiparado, podendo sê-lo igualmente no âmbito de contrato de prestação de serviços, desde que sob a autoridade ou direção da pessoa ou entidade que ocupa a posição de sujeito ativo na relação dela resultante.

Nessa medida, o facto de as bolsas de formação atribuídas pela frequência do curso teórico prático não estarem sujeitas à disciplina do contrato de trabalho ou outro legalmente equiparado não prejudica que as importâncias pagas aos auditores de justiça tenham a natureza de rendimentos de trabalho dependente, uma vez que o curso integra uma componente prática, junto dos tribunais, e que os bolseiros atuam sob autoridade e direção do CEJ.  

Considera a Requerida que os pressupostos de subordinação jurídica se verificam, consubstanciados no poder de autoridade e direção que o CEJ detém na relação jurídica, e que o curso de formação não consiste apenas na administração de meros conhecimentos teóricos, mas integra também, como referido, uma componente prática a realizar junto dos tribunais, o que lhe confere um caráter profissionalizante.

Conclui assim que, as importâncias pagas a título de bolsa de formação prevista no n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro e constante da cláusula 3.ª do respetivo contrato estão sujeitas a tributação por enquadramento no artigo 2.º do Código do IRS, devendo a pretensão da Requerente ser julgada improcedente.   

No que respeita ao direito a juros indemnizatórios, considera a AT que se limitou a liquidar a declaração de rendimentos apresentada pela Requerente e que a retenção na fonte de IRS não foi por si efetuada, mas sim pelo CEJ e, não se mostrando demonstrado nos autos que a mesma seguiu qualquer orientação genérica da AT, a Requerida não é responsável nem pode ser responsabilizada pela sua conformidade, não podendo assim considerar-se reunidos os pressupostos elencados no artigo 43.º da LGT pela emissão da liquidação. 

Assim, apenas com a decisão da reclamação graciosa, em 02-12-2022, se pode entender que há erro imputável aos serviços da AT, isto é, apenas são devidos juros indemnizatórios a partir do momento em que, pela primeira vez, a AT se teve de pronunciar sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos corretos. 

E refere que em caso de procedência do PPA, o que admite por mera cautela e dever de representação, apenas são devidos juros indemnizatórios a partir da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ou seja, desde 03-12-2022.

AT veio também a defender-se por exceção, como acima referido, com os argumentos que se indicam sumariamente:

1-Da não contestação da totalidade do ato de liquidação e do pedido de anulação total deduzido pela Requerente.

 No introito do PPA a Requerente peticiona a anulação parcial do ato tributário de liquidação, vindo, todavia, a final peticionar a anulação total.  Ora, o pedido de pedido de anulação total do ato tributário de liquidação não tem suporte legal. 

Com efeito, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que o ato tributário é divisível, pelo que não afetando a ilegalidade o ato na sua integralidade, impõe-se apenas a sua anulação parcial. 

Assim, como se conclui no acórdão do STA de 30-01-2019 (processo n.º 0436/18.0BALSB), proferido em recurso de uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 724/2016 –T: «I - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial. II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial. III - Não impede a anulação parcial do acto a necessidade de um ulterior acertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatória, como o impõe no caso a diminuição ao valor da matéria colectável apurada em sede de acção inspectiva do valor respeitante às correcções que foram julgadas ilegais pelo tribunal.»  

Considera a Requerida que deve o tribunal aferir da possibilidade da anulação parcial da liquidação, pela qual não substitui o ato impugnado por um outro ato da sua autoria (substituição que lhe está vedada pelo princípio da separação dos poderes), mas antes mantém aquele ato, mas apenas na parte não afetada; «este subsiste, só que parcialmente, continuando a ser o “título” no qual se funda a exigência do pagamento do imposto» (Cfr. RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e de Processo Tributário, Almedina, 2012, pág. 243.).  

Assim, defende que não pode o Tribunal condenar a AT na anulação total do ato tributário de liquidação em causa nos autos, mas tão só na sua anulação parcial caso venha dar razão à Requerente (o que admite por mera cautela e dever de representação), pois, inexiste suporte legal que permita a anulação integral da mesma.  

Deste modo, e quanto ao pedido de anulação total do ato tributário de liquidação deduzido pela Requerente no PPA, pugna pela incompetência material do Tribunal, o que consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. 

Mesmo que assim não se entenda, conclui que há falta de causa de pedir no que respeita ao pedido de anulação total do ato tributário de liquidação, pois a Requerente não deduz factos que possam conduzir a tal, mas tão só à sua anulação parcial.  

Por fim, sublinha a Requerida que naquele ato tributário de liquidação se tributam os rendimentos de outro sujeito passivo, tributação essa que não foi colocada em causa pela Requerente. E que existe falta de causa de pedir quando não são alegados os factos em que se funda a pretensão do autor; e que a falta de causa de pedir ou a sua ininteligibilidade acarretam a ineptidão da petição.  Determinando-se no artigo 87.º, n.º 7 do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, que a falta de suprimento de exceções dilatórias ou de correção, dentro do prazo estabelecido, das deficiências ou irregularidades da petição inicial determina a absolvição da instância.  

2-Da incompetência material do Tribunal Arbitral para condenação da AT no concreto reembolso dos montantes peticionados pela Requerente.  

 A Requerida de seguida deduz noutra exceção quanto à duplicidade de pedidos de reembolso formulados pela Requerente considerando que este reembolso só deve ser quantificado pela AT, nos termos do artigo 100.º da LGT, em sede de execução do julgado aquando da anulação parcial da liquidação de IRS. Pelo que se o Tribunal determinar um qualquer montante de reembolso em concreto na presente ação, como é peticionado pela Requerente [«restituição das importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRS no montante de € 2.268,00» e «restituir à Requerente € 2.763,76»], terá excedido a sua competência, uma vez que tal cálculo do montante a reembolsar, decorrente da aplicação das normas de apuramento da liquidação presentes no Código do IRS, não se contém nas competências próprias da jurisdição arbitral, contencioso de mera anulação.  

«Termos em que procede a exceção de incompetência suscitada pela Requerida.» 

Deste modo, na parte em que a Requerente peticiona a condenação da Requerida ao reembolso de montantes concretos (de € 2.763,76 e de € 2.268,00), esta defende a incompetência material do Tribunal para a apreciação dos mesmos, o que consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto a estas pretensões, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.  

Acrescenta que a Requerente não indica quais as razões de facto e de direito de ser simultaneamente devida a restituição das retenções da fonte, quando na situação em causa estas têm natureza de pagamento por conta, pelo que foram necessariamente relevadas no montante do imposto devido a final, a favor da Requerente e do sujeito passivo B..., com quem fez a declaração e optou pela tributação conjunta.

Deste modo, conclui, quanto aos pedidos de restituição das quantias referentes à do imposto pago apurado no ato tributário de liquidação de IRS e, simultaneamente, à das retenções na fonte efetuadas pelo CEJ com natureza de pagamento por conta, verificar-se a incompetência material do Tribunal,  

3-Da contestação dos atos de retenção na fonte. Reclamação intempestiva. 

Segundo a AT, mesmo que se possa entender que a contribuinte pretendia também reclamar dos atos de retenção na fonte, o que admite por mera cautela e dever de representação, então, necessariamente se terá de concluir que a reclamação graciosa quanto a esta parte do seu objeto é intempestiva e, nessa medida, há nesta parte inimpugnabilidade do pedido de pronúncia arbitral. 

E escreve: «Se a reclamação graciosa é intempestiva tudo se passa como se não tivesse sido apresentada, e o ato tributário (a liquidação) consolida-se na ordem jurídica. Logo, a concluir-se pela extemporaneidade da reclamação graciosa, a posterior impugnação judicial terá de improceder por inimpugnabilidade do ato e não por caducidade do direito de deduzir impugnação judicial (cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31/05/2017, recurso 01609/13).»  

Pelo que, atento todo o exposto, no que se refere aos atos de retenção na fonte, verifica-se a exceção dilatória de inimpugnabilidade, nos termos do artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea i) do CPTA, e dos artigos 278.º, n.º 1, 576.º e 608.º do CPC, aplicáveis ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT, 92.º devendo consequentemente, nesta parte, a Requerida ser absolvida da instância, o que se peticiona. 

4-Da falta de causa de pedir, ininteligibilidade ou insuficiência relativamente aos diferentes pedidos de juros indemnizatórios.   

Por seu turno, e sem prejuízo do que infra se deduz quanto ao direito da Requerente a juros indemnizatórios, desde logo carecem de sentido os diferentes pedidos de juros indemnizatórios, segundo a AT.

Até porque da causa de pedir não se pode inferir como pode haver lugar a múltiplos juros indemnizatórios pois, como acima se disse, resulta claro que o único ato tributário de liquidação atacado é a liquidação de IRS. 

Na situação aqui em análise, defende, há falta de causa de pedir por não terem sido alegados os factos em que a Requerente suporta o direito aos diferentes pedidos de juros indemnizatórios. A falta de causa de pedir ou a sua ininteligibilidade acarretam a ineptidão da petição. 

 

***

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular, foi constituído em 03-05-2023.

Em 08-05-2023, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, o que efetuou em 10-06-2023, juntando Processo Administrativo (doravante PA).

Em 14-06-2023, foram notificadas as partes do despacho, de 12-06-2023, proferido pelo Tribunal Arbitral, no qual se dispensava a reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1 do RJAT, se indicava que o Tribunal apreciaria as exceções invocadas pela Requerida na decisão arbitral que viesse a proferir a final, convidando-se também as partes, querendo, a apresentar alegações escritas, o que o Requerente e a Requerida efetuaram respetivamente, em 05-07-2023 e 08-09-2023.

Por despacho, de 28-08-2023, do Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico, notificado às partes na mesma data, determinou-se a substituição do árbitro anteriormente designado no presente processo. 

Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a signatária foi designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em substituição, para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 

Considerando as vicissitudes sofridas nos autos traduzidas na substituição de árbitro ocorrida recentemente ao abrigo do disposto do Regulamento de Seleção e Designação de Árbitros em Matéria Tributária (artigo 6.º, n.º 5), determinou-se por despacho de 29-10-2023, notificado às partes, em 30-10-2023, a prorrogação do prazo de arbitragem por dois meses, contados a partir daquela data, nos termos e para os efeitos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT. 

 

II. SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

Foram suscitadas pela Requerida as exceções supra descritas que este Tribunal Arbitral passará desde já a conhecer, sempre por referência à matéria de facto dada como provada mais abaixo. 

Sem prejuízo da Requerida vir defender-se por exceção, invocando entre outras, a incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido, refira-se que a competência material dos tribunais é de ordem pública, devendo, por conseguinte ser aferida independentemente de vir a ser suscitada. 

O seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, pelo que se impõe a sua apreciação previamente à verificação dos demais pressupostos processuais, conforme resulta do cotejo dos artigos 16.º do CPPT e 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA, ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Em abono das exceções aduzidas e sobejamente descritas acima, a Requerida considera que o Tribunal Arbitral não é materialmente competente para apreciar as questões suscitadas pela Requerente.

O âmbito de competência dos Tribunais Arbitrais, delimitado pelo disposto no artigo 2.º do RJAT e pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, compreende a apreciação das pretensões relacionadas com a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, de pagamento por conta, de atos de fixação da matéria tributável que não deem origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da
matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

Recorda-nos a Requerente que «Respinga dos ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa que do indeferimento da reclamação graciosa apresentada, para além da possibilidade de impugnação perante os tribunais tributários de decisões de indeferimento de reclamações graciosas de atos de retenção na fonte, a partir da implementação da arbitragem tributária operada pelo (…) os sujeitos passivos podem pedir a constituição de tribunais arbitrais, para obterem a declaração de ilegalidade dos atos de retenção na fonte, como resulta do artigo 2.º daquele Decreto-Lei.(…)

Já no caso de impugnação dos pagamentos por conta fixados pela administração tributária, sem cabimento factual ou legal no presente pedido de pronúncia arbitral, escreve o Sr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa em anotação ao artigo 133.º do CPPT: “Os pagamentos por conta podem ser efetuados pela via da retenção na fonte referida no artigo anterior, em que o pagamento é efetuado pelo substituto. Nas situações enquadráveis no presente artigo 133.º, os pagamentos por conta são efetuados pelo próprio sujeito passivo”.» 

Ainda segundo JORGE LOPES DE SOUSA (cfr. Guia da Arbitragem Tributária, Revisto e Atualizado, 3.ª edição da Almedina, de 2017) inserem-se nas competências dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD «(...) a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente a anulação dos atos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (...)» entre outros, decorrendo ainda do estabelecido no artigo 24.º, n.º 1 do RJAT que as decisões têm efeito constitutivo.

Pelo que este Tribunal Arbitral é competente para conhecer da legalidade da
liquidação do IRS em análise, sendo improcedentes a exceções invocadas pela Requerida quanto a este ponto.

Prosseguindo no conhecimento das exceções suscitadas, acompanhamos a jurisprudência do STJ [Ac STJ de 03-03-2016, Proc. 893/11 (...)], onde se pode ler o seguinte:

«A garantia constitucional do processo equitativo – art.º 20.º, n.º 2 da CRP –, implica a exigência de funcionalidade e proporcionalidade dos ónus, preclusões e cominações processuais, pelo que não é de considerar aceitável que se aplique, sem mais, a cominação de ineptidão da petição inicial [Ac STJ de 03-03-2016, Proc. 893/11 (...)].»

Não tendo o Tribunal Arbitral sido colocado na impossibilidade de decidir, não colhe a relevância que a Requerida quer atribuir a eventuais deficiências processuais detetadas, cuja retificação, de resto, a Requerente requer expressamente ao Tribunal em alegações finais.

Acresce que, se a Requerida interpretou convenientemente a petição inicial, como se considera ser o caso, o vício da ineptidão fica arredado/sanado no seguimento do disposto no artigo 186.º, n.º 3 do CPC.

É igualmente à luz do «(...) direito à tutela judicial efetiva, da boa-fé processual, da adequação formal e da prevalência do fundo sobre a forma, (...) afloramento de um princípio mais geral de aproveitamento dos atos processuais que deve considerar-se aplicável aos atos das partes», invocados pela Requerente, e bem assim, da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar previstas no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, que olharemos para as restantes exceções suscitadas pela Requerida.

De passagem cumpre também referir que resulta claro dos pontos 12 e 13 da reclamação graciosa apresentada, que o ato tributário atacado é o ato de liquidação n.º 2022..., tendo a reclamação graciosa sido considerada tempestiva pelo Serviço de Finanças, nos termos do artigo 70.º, n.º 1 do CPPT, e 140.º, n.º 2 do CIRS.

Refere ainda a AT que a liquidação teve por base a declaração modelo 3 entregue pela Requerente, pelo que o resultado da liquidação não lhe é imputável.

Sabemos, contudo, que em sede de reclamação graciosa, a Requerente veio atacar o ato de liquidação.

E de que numa fase inicial estaria convencida do correto preenchimento da mesma face àquele que fora o enquadramento efetuado pelo CEJ. Afirma inclusivamente a Requerente que terá sido “induzida em erro” pelos procedimentos adotados pelo CEJ.

É sabido que a declaração inicial da Requerente não tem efeitos constitutivos e que a lei permite a impugnação com fundamento em ilegalidade, quer ela tenha origem na atuação da AT, quer no erro do contribuinte revelado na declaração. 

De outra banda, verifica-se ter sido apresentada uma única declaração para os dois cônjuges que optaram pela tributação conjunta, sendo que o imposto foi devido pelo conjunto de rendimentos das pessoas que constituíam o agregado familiar.

Assim, perante a existência de sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, existiu uma só liquidação para o conjunto dos rendimentos.

Nos casos em que haja tributação conjunta, as taxas de IRS se aplicam ao rendimento coletável dividido pela soma de 2 com o produto de 0,3 pelo número de dependentes que integram o agregado familiar e de ascendentes.

A liquidação em análise, ao ser anulada pode, contudo, revelar menos linearidade, na medida em que apenas um dos titulares possui rendimentos tributáveis em sede de IRS, apresentando uma complexidade que não foi sopesada por nenhuma das partes (quer no pedido de devolução de quantia certa por parte da Requerente, quer na no pedido de anulação parcial por parte da AT).

Podemos assim antecipar que vindo a ser confirmada a ilegalidade da liquidação, que desde já prefiguramos, esta afeta o ato tributário no seu todo, procedendo o pedido de anulação total do ato de liquidação em análise, e não apenas a sua anulação parcial.

Nem poderia o Tribunal Arbitral substituir-se à AT na determinação da matéria coletável e fixação da respetiva taxa de imposto, em desobediência ao princípio da separação de poderes. Sendo certo que compete à AT dar execução à decisão anulatória, determinando o montante a restituir à Requerente.

A este propósito recorda-se o disposto no artigo 24.º, n.º 1 do RJAT, que designadamente nas suas alíneas a) e b) dispõe que: «A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso: a) Praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral; b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.»  

Em matéria de ineptidão da petição inicial, é também manifestamente improcedente a exceção suscitada pela Requerida em que invoca a falta de causa de pedir acarretando a ineptidão da petição por não terem sido alegados os factos em que a Requerente suporta o direito aos diferentes pedidos de juros indemnizatórios acarretando a ineptidão da petição. Na verdade, a Requerente vem peticionar expressamente o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da LGT, acabando a AT por reconhecer, mais adiante, que «(...) apenas com a decisão da reclamação graciosa, em 02-12-2022, se pode entender que há erro imputável aos serviços da AT, isto é, apenas são devidos juros indemnizatórios a partir do momento em que, pela primeira vez, a AT se teve de pronunciar sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos corretos». 

E refere que em caso de procedência do PPA, apenas são devidos juros indemnizatórios a partir da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ou seja, desde 03-12-2022.

Nos termos do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT, é devido o pagamento de juros nos termos da Lei Geral Tributária e no Código de Processo e de Procedimento Tributário.

Assim, nos processos arbitrais tributários há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, em caso de procedência da pretensão do sujeito passivo, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 e 2, e artigo 100.º da LGT, como é sabido, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, considerando-se também haver erro imputável aos serviços em alguns casos específicos apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte. A regulamentação do regime de pagamento dos juros indemnizatórios está prevista no artigo 61.º do CPPT.

Requisitos para se encontrar verificado o direito a juros indemnizatórios são: a existência de um erro no ato de liquidação de um tributo; que o erro seja imputável aos Serviços, sendo a sua existência sido determinado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação, e que do erro tenha resultado o pagamento de imposto superior ao legalmente devido. 

Quanto à questão também levantada, da alegada falta de legitimidade da Requerente, e como esclarece o Acórdão do TCA-Norte de 26-03-2015, proferido no processo 02025/11.1BEPRT:

«I. Da conjugação do n.º 4 e do n.º 1 do art.º 9.º do CPPT têm legitimidade para intervir no processo judicial tributário os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros  obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.

II. Recai sobre o interessado o ónus de alegar os factos que integram a sua legitimidade que, no caso da impugnação de actos de liquidação se limitam à sua identificação no acto como sujeitos passivos do tributo liquidado.»     

Ora, verificam-se os pressupostos para que a Requerente seja responsável solidária pelo imposto em discussão nos presentes autos, por força do disposto no art.º 1691.º/1/c) do Código Civil, pelo que esta é parte legítima nos termos dos nos números 1 e 4 do art.º 9.º do CPPT, improcedendo a exceção suscitada. 

O processo não enferma de nulidades.

Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente foi habilitada a ingressar no 36.º Curso Normal de formação de magistrados, tendo celebrado um contrato de formação com o CEJ.
  2. Entre dezembro de 2020 e dezembro de 2021, a Requerente frequentou o 1.º e o 2.º ciclo.
  3.  No ano de 2021, o CEJ pagou à Requerente, a título de bolsa de formação, o valor bruto de € 17.902,92, importância que qualificou como rendimento do trabalho dependente.
  4. O CEJ efetuou retenções na fonte sobre € 17.902,92 no montante de € 2.268,00;
     Requerente submeteu a declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2021, enquanto sujeito passivo A, conjuntamente com o sujeito passivo (B), B... (NIF ...), com quem está casada, com opção pela tributação conjunta. 
  5.  A Requerente submeteu declaração de IRS com a indicação de que o montante foi por si auferido como rendimento de trabalho dependente, no ano de 2021. 
  6.  O valor de € 17.902,92 foi considerado como rendimento global do agregado familiar.
  7. A Requerente apresentou, em 17-10-2022, reclamação graciosa contra a liquidação de IRS em causa.
  8. No âmbito do referido procedimento de reclamação graciosa foi proferida decisão de indeferimento pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ..., ao abrigo de delegação de competências, em 02-12-2022.

2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa, não existem outros factos que não tenham ficado provados.

3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Os factos dados como “provados” e “não provados” foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, e no PA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos – e, bem assim, no consenso das partes.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT (aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

III. DO DIREITO

1. A questão a decidir

Trata-se de saber se os valores recebidos a título de bolsa, recebida durante a formação de auditor judicial, devem ser ou não considerados como rendimento para efeitos de incidência de IRS.

Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral consiste em apreciar a legalidade do ato tributário de liquidação de IRS referente ao ano fiscal de 2021, face ao exposto.

A Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, alterada pelas Leis n.ºs 60/2011, de 28.11 e 45/2013, de 3.07, define o regime de ingresso nas magistraturas, de formação inicial e contínua dos magistrados e a natureza, estrutura e funcionamento do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), compreendendo a formação inicial de magistrados: um curso de formação teórico-prática, organizado em dois ciclos sucessivos e um estágio de ingresso. Assim, os candidatos habilitados no concurso de ingresso frequentam o curso de formação teórico-prática com o estatuto de auditor de justiça, o qual é adquirido com a celebração de contrato de formação entre estes e o CEJ, ficando sujeitos ao regime de direitos, deveres e incompatibilidades constantes da Lei nº 2/2008 e do Regulamento Interno do CEJ e, subsidiariamente ao regime dos funcionários da Administração Pública (artigo 31.º, nºs 1 e 2 da Lei n.º 2/2008).

Importa referir, antes de mais, que o estatuto de auditor de justiça se adquire com a celebração de um contrato de formação entre o candidato habilitado no concurso de admissão e o Centro de Estudos Judiciários.

O referido contrato de formação dispõe:

Cláusula 3.ª “O primeiro outorgante obriga-se a assegurar os procedimentos necessários ao pagamento ao segundo outorgante da bolsa de formação a que se refere o n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, alterada pelas Leis n.ºs 60/2011, de 28 de novembro, e 45/2013, de 3 de julho”;

Cláusula 4.ª “O presente contrato não cria relação jurídica de emprego público, conforme disposto no n.º 3 do artigo 31.º da citada Lei, não sendo aplicáveis as disposições da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho”;

Cláusula 5.ª: “Não gerando nem titulando relação jurídica de emprego público, no âmbito do presente contrato, o primeiro outorgante não está obrigado ao pagamento do subsídio diário de refeição”;

Cláusula 6.ª “O primeiro outorgante, não se constituindo como entidade empregadora pública, no âmbito do presente contrato, não está sujeito às obrigações constantes nos artigos 55.º e 56.º da Lei n.º 4/2007 de 16 de Janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social”.

Cumpre apreciar e decidir.

A questão encontra-se hoje resolvida pelo Acórdão do STA 083/22.2BALSB, de 24-05-2023.

A AT notificada da decisão arbitral proferida no Processo do 418/2021-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) não se conformando com o seu conteúdo, veio dele recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º1 do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e do n.º 2, do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), com fundamento em o mesmo se encontrar em contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral, no Processo n.º 272/2021-T do CAAD, por a decisão recorrida ter considerado que os valores recebidos pela Recorrida a título de bolsa de formação, enquanto auditor de justiça, durante todo o período de formação especializada (prevista no n.º 5 do artigo 31.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro e constante da cláusula 3.ª do respetivo contrato), não têm natureza remuneratória que deva qualificar-se como rendimento tributado para efeitos de IRS.

Admite-se no Acórdão tratar-se de questão muito controversa, podendo ser alinhados bons argumentos interpretativos em favor de ambas as teses em confronto.

No sentido defendido pela decisão arbitral proferida no processo n.º 418/2021-T (decisão recorrida) pode esgrimir-se:

  1. As bolsas de formação não estão sujeitas a contribuições para a segurança social;
  2. Não existe contrato de trabalho ou contrato equiparado a contrato de trabalho;
  3. O auditor de justiça não presta qualquer serviço ao CEJ.

No sentido defendido pela decisão arbitral proferida no processo n.º 272/2021-T (decisão fundamento) pode argumentar-se:

  1. A bolsa de formação é paga em 14 mensalidades;
  2. O CEJ procede à retenção na fonte para efeitos de IRS;
  3. Idênticas bolsas atribuídas a outras classes profissionais estão sujeitas a tributação em sede de IRS.

Acordaram os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso com a consequente manutenção na ordem jurídica da decisão arbitral recorrida, fixando-se a jurisprudência nos termos seguintes: a bolsa atribuída aos auditores de justiça, em formação no Centro de Estudos Judiciários, nos termos do artigo 31.º, n.º 5 da Lei n.º 2/2008, de 14.01, não integra o conceito de rendimento para efeitos de IRS, não estando sujeita a imposto, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 2.º-A, ambos do Código do IRS.

A fundamentação mais votada foi a que se transcreve:

«À luz dos antecedentes considerandos, abonando a tese do Ministério Público sustentada no seu douto Parecer, cremos ser evidente que na situação sub judice o CEJ não usufrui qualquer vantagem económica, sendo igualmente dificilmente aceitável que se considere, como defende a recorrente, que os auditores de justiça não agem independentemente, mas sob orientação de docentes e formadores. Não existe qualquer situação de orientação dos docentes e formadores, dado que a toda a atividade e os trabalhos práticos elaborados no decurso do período de formação decorrem da capacidade de análise, decisão técnica e autonomia científica de cada auditor de justiça.

Por assim ser, torna-se insofismável que todos os objetivos do curso de formação do CEJ se reconduzem, apontam para a aprendizagem e o treino de competências pessoais e técnicas do auditor de justiça, com respeito integral pela liberdade e autonomia técnica e sem qualquer sujeição a liames de dependência típicos da prestação de serviços pelo trabalhador público ou privado.

Dito de outro modo: a intenção do legislador não foi o de criar qualquer vínculo de subordinação jurídica ou de qualquer outro tipo com os auditores de justiça, mas apenas um contrato de formação com objetivos bem delineados, um plano da formação e uma bolsa de apoio a essa formação».

Particularmente decisivo a este respeito é o facto de, num cenário teórico, a hipotética violação da contraprestação que incumbe aos auditores formandos (o incumprimento dos deveres de formação pelo mesmo, entenda-se) não ser sancionada disciplinarmente, em resultado de um inadimplemento contratual – como resultaria inapelavelmente de qualquer relação de trabalho dependente ou outra equivalente; ao invés, tal incumprimento é, antes, objeto de uma potencial (mera) avaliação letiva do discente inferior (porventura, até negativa) no final do período de formação – assim cominando uma formação menos conseguida e não um qualquer incumprimento contratual laboral.

A resposta a esta questão hipotética de um cenário patológico conduz à forçosa conclusão de que, se o auditor não fica sujeito aos deveres disciplinares por violação das obrigações de formação que lhe assistem, isso só pode dever-se à inexistência de quaisquer reais deveres emanados de uma relação de subordinação jurídico-laboral proprio sensu, como sucederia, naturalmente, nas relações laborais ou em relações no âmbito do funcionalismo público.

Acresce, que o pagamento de tais prestações é do indiscutível interesse do pagador e não predominantemente (e, muitos menos, exclusivamente) em benefício do auditor, uma vez que o acréscimo de competências trazido a este com a conclusão com sucesso do curso de formação vai favorecer de sobremaneira a qualidade da realização da Justiça que ao pagador incumbe – na linha, aliás, da exclusão de tributação expressamente prevista, para as ações de formação profissional, no artigo 2.º-A, n.º 1, alínea c) do Código do IRC.

Ora, são estas mesmas conclusões do Acórdão do STA que obrigatoriamente acompanhamos no caso concreto, considerando que o pedido de anulação total do ato tributário de liquidação de IRS referente ao ano fiscal de 2021, é procedente.

Dos juros indemnizatórios:

Por último, face a tudo o que ficou referido acima sobre este tema, e verificando-se erro imputável aos serviços na liquidação decorrente do indeferimento da reclamação graciosa, entendemos sem mais delongas que são devidos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no art.º 43.º da LGT.

 

V. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral singular:

 

  1. Julgar procedente o pedido arbitral e anular o ato de liquidação de IRS, de 2021, em razão da sua ilegalidade.
  2. Condenar a Autoridade Tributária no reembolso ao Requerente da quantia paga indevidamente, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor sobre o pagamento efetuado, até efetivo pagamento.
  3. De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e) do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 5.031,70 (cinco mil e trinta e um euros e setenta cêntimos), atendendo ao valor económico aferido pelo montante da liquidação de imposto impugnada.
  4. Condenar a Requerida nas custas judiciais. Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4 do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Notifique-se.

Lisboa, 02 de janeiro de 2024     

A Árbitra 

/Alexandra Iglésias

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

 A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.