Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 400/2023-T
Data da decisão: 2023-11-24  IRC  
Valor do pedido: € 749.022,63
Tema: IRC. Retenção na fonte. Entidade não residente. Juros obtidos no território português. Liberdade de prestação de serviços.
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Sumário:

Os atos de retenção na fonte, a título definitivo, de rendimentos de capitais por entidades não residentes sem estabelecimento estável em Portugal, que, ao abrigo do disposto nos artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRC, incidam sobre rendimentos ilíquidos, são ilegais por violação do artigo 56.º do Tratado de Funcionamento sobre a União Europeia.

           

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., com sede social em ..., n.º ..., ..., ..., Alemanha, titular do número de identificação de pessoa coletiva ... e o número de identificação fiscal ..., enquanto entidade não residente sem estabelecimento estável em Portugal, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, apresentado contra os atos tributários de retenção na fonte em IRC, sobre juros auferidos em Portugal, no período de 1 de janeiro de 2019 a 30 de novembro de 2019, no valor global de € 749.022,63, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma instituição financeira com sede na Alemanha, que não possui estabelecimento estável em território português e está legalmente autorizada a desenvolver a atividade bancária e a prestar serviços de natureza financeira, em regime de livre prestação de serviços.

 

No decurso da sua atividade, e em sede do processo de reestruturação do Grupo  B... a Requerente adquiriu, no dia 13 de maio de 2016, um portefólio de créditos ao C... AG, tendo passado a auferir juros de fonte portuguesa.

 

Sobre os referidos juros, a Requerente sofreu retenção na fonte, a título definitivo, em regime de substituição tributária, que, no período compreendido entre 1 de janeiro de 2019 a 30 de novembro de 2019, atingiu o montante total de € 749.022,63.

 

Nesse contexto, a Requerente deduziu pedido de revisão oficiosa, no qual solicitou a anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC, por entender que existe uma violação dos artigos 56.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e, consequentemente, do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.

 

As entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, como é o caso da Requerente,  apenas são tributadas pelos rendimentos que obtenham em território português (artigo 4.º, n.º 2, do Código do IRC), sendo que, ao abrigo da cláusula residual estabelecida no ponto 3) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do mesmo diploma, poderia ser tributada por «outros rendimentos de aplicação de capitais», entre os quais se incluem os juros pagos por devedores que tenham residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável aí situado.

 

Por sua vez, o artigo 87.º, n.º 4, em conjugação com o artigo 94.º, n.º 5, do Código do IRC, estabelece a sujeição daqueles rendimentos a retenção na fonte, com caráter definitivo, à taxa de 25%, sobre o montante bruto dos juros, que poderá ser reduzida para 15%, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º da CDT Portugal – Alemanha.

  

Assim, à luz do referido enquadramento legal, a Requerente sofreu retenções na fonte, à taxa de 15%, muito embora esses atos tributários devam ser tidos como ilegais, por desconformidade com o Direito da União Europeia.

  

Com efeito, o Código do IRC prevê um tratamento distinto consoante os juros sejam auferidos por entidades residentes ou por entidades não residentes, impondo uma carga fiscal mais elevada para as instituições financeiras não residentes, porquanto, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do Código do IRC, os juros auferidos por entidades residentes não são objeto de retenção na fonte, sendo antes incluídos no lucro tributável do titular dos rendimentos, nos termos gerais do Código do IRC, e, como tal, a respetiva tributação é realizada sobre o montante líquido dos juros.

 

Ao contrário, ao abrigo do disposto nos artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.º 3, alínea b), e n.º 5, do Código do IRC, os juros de fonte portuguesa auferidos por entidades não residentes – qualificação em que se subsume a Requerente – são tributados por via de retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 25% ou à taxa reduzida que resulte de Convenção destinada a evitar a dupla tributação aplicável, sem possibilidade de dedução de despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade desenvolvida.

 

Em suma, enquanto as entidades residentes são tributadas sobre os juros líquidos auferidos, considerando os encargos relacionados com a obtenção desses mesmos juros e conexos com a atividade desenvolvida, as entidades não residentes são tributadas sobre os juros ilíquidos, não se prevendo, para o efeito, a consideração de quaisquer encargos relacionados com a obtenção desses juros.

 

O que implica, desde logo, um tratamento desigual e discriminatório, vedado pelas liberdades fundamentais que enformam o ordenamento jurídico da União Europeia, designadamente à luz da liberdade da prestação de serviços e da liberdade de circulação de capitais, com previsão legal nos artigos 56.º e 63.º do TFUE.

 

Sendo que, as normas de Direito da União Europeia têm supremacia em relação às normas de direito interno e que, como tal, a norma contida no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC, por ser totalmente discriminatória face ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 94.º do Código do IRC, não deve ser aplicada ao caso concreto da Requerente.

 

Por fim, caso o Tribunal entenda que subsiste alguma dúvida interpretativa sobre estas disposições do TFUE, a Requerente peticiona o reenvio prejudicial para o TJUE, nos termos do artigo 267.º do TFUE.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, refere que, conforme se concluiu o acórdão do TJUE, no Processo n.º C-18/15, tirado em reenvio prejudicial, o artigo 49º CE opõe-se a uma legislação nacional que tributa as instituições financeiras não residentes pelos rendimentos de juros obtidos num Estado-Membro, sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em questão, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes. 

 

Na sequência, o despacho 101/2017.XXI, de 31 de março de 2017, do Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, veio determinar que “são dedutíveis até à concorrência dos rendimentos, os encargos necessários para a sua obtenção que estejam direta e exclusivamente relacionados com os rendimentos obtidos em território português e que tenham sido comprovada e efetivamente suportados pelo sujeito passivo.” 

 

Na apreciação desta questão, ocorreu, entretanto, um conflito de jurisprudência entre a decisão arbitral proferida no processo n.º 744/2019-T, em que o tribunal anulou parcialmente os atos tributários por ter havido lugar à tributação do rendimento bruto obtido pelo sujeito passivo, em território nacional, e não do seu rendimento líquido, e a decisão arbitral proferida no processo nº 535/2019-T, em que o tribunal julgou procedente o pedido arbitral e anulou os atos tributários de retenção na fonte.

 

Tendo sido interposto recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral tirada  no processo n.º 744/2019-T, o STA, pelo acórdão de 29 de junho de 2022 (Processo n.º 08/21) extraiu a seguinte doutrina: “as retenções liberatórias na fonte relativas a rendimentos de capitais auferidos por não residentes, declaradas ilegais por desconformidade ao Direito Europeu, por não incidirem sobre os rendimentos líquidos, mas apenas sobre os rendimentos brutos, só podem ser objeto de anulação integral.”

 

Tendo-se entendido que só a Autoridade Tributária reunia condições de proceder ao cálculo do valor líquido mediante a apresentação dos documentos que comprovadamente refletissem os encargos relacionados com a obtenção dos rendimentos em causa. 

 

No caso em análise, só seria possível determinar o valor líquido da retenção na fonte se a Requerente, em sede de revisão oficiosa, tivesse oportunamente entregue os documentos comprovativos dos encargos que poderia deduzir, sendo que, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT o ónus da prova pertence à Requerente.

 

Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, por requerimento de 25 de outubro de 2023, a Requerente prescindiu da produção da prova testemunhal arrolada no pedido arbitral e requereu, em caso de dúvida sobre a matéria de facto em discussão, o aproveitamento da prova produzida no processo n.º 535/2019-T

 

Por despacho arbitral do dia imediato, o tribunal considerou que a matéria de facto relevante para a decisão da causa poderia ser fixada com base na prova documental, tornando-se desnecessária a realização de outras diligências instrutórias, e dispensou a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º desse Regime, bem como a apresentação de alegações.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 8 de agosto de 2023.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

  1. A Requerente é uma instituição financeira com sede na Alemanha, que não possui estabelecimento estável em território português;
  2. A Requerente está legalmente autorizada a desenvolver a atividade bancária e a prestar serviços de natureza financeira, em regime de livre prestação de serviços;
  3. E nessa condição detém número de identificação fiscal, nomeadamente, para efeitos de retenção na fonte;
  4. No decurso da sua atividade, e em sede do processo de reestruturação do Grupo B..., a Requerente adquiriu, no dia 13 de maio de 2016, um portefólio de créditos ao C... AG;
  5. No período compreendido entre 1 de janeiro e 30 de novembro de 2019, a Requerente auferiu juros de fonte portuguesa no montante total de € 4.993.484,17
  6. Relativamente a esse montante, foram efetuadas retenções na fonte, a título definitivo, no valor global de € 749.022,63, à taxa reduzida de 15%, de acordo com o quadro que segue:

 

(valores expressos em Euros)

 

Período: 1 de janeiro de 2019 a 30 de novembro de 2019

 

Entidade

NIF

Data da operação

Juro

Imposto retido na fonte (15%)

 
 

D…, S.A.

14-01-2019

220.274,12

33.041,12

 

10-05-2019

31,02

4,65

 

16-05-2019

118,01

17,70

 

E…, S.A.

20-02-2019

52.444,15

7.866,62

 

20-05-2019

50.218,38

7.532,76

 

17-07-2019

32.285,25

4.842,79

 

20-08-2019

33.880,04

5.082,01

 

20-11-2019

92.672,42

13.900,86

 

29-11-2019

11.044,41

1.656,66

 

F…, S.A.

28-01-2019

563.052,40

84.457,86

 

29-04-2019

699.319,97

104.898,00

 

29-07-2019

696.936,15

104.540,42

 

28-10-2019

694.185,43

104.127,81

 

G…, Lda.

15-02-2019

176.386,77

26.458,02

 

15-02-2019

17.359,50

2.603,93

 

15-05-2019

170.635,03

25.595,25

 

15-05-2019

16.989,85

2.548,48

 

14-08-2019

160.351,61

24.052,74

 

16-08-2019

15.896,73

2.384,51

 

15-11-2019

160.351,61

24.052,74

 

15-11-2019

13.797,16

2.069,57

 

H…, S.A.

26-02-2019

119.926,68

17.989,00

 

28-05-2019

114.327,28

17.149,09

 

27-08-2019

115.597,58

17.339,64

 

26-11-2019

105.699,79

15.854,97

 

D…, S.A.

18-01-2019

141.818,27

21.272,74

 

I…, S.A.

12-02-2019

132.306,77

19.846,02

 

13-05-2019

127.767,77

19.165,17

 

12-08-2019

128.187,51

19.228,13

 

12-11-2019

129.622,51

19.443,38

 

Subtotal

   

4.993.484,17

749.022,63

 

 

 

 

 

 

 
  1. Neste contexto, a Requerente deduziu, em 27 de dezembro de 2022, um pedido de revisão oficiosa dos atos tributários de retenção na fonte em IRC, efetuados a título definitivo sobre juros e fonte portuguesa, entre 1 de janeiro e 30 de novembro de 2019, no referido montante de € 749.022,63;

H) O pedido de revisão oficiosa não foi decidido no prazo legalmente cominado para o efeito, considerando-se tacitamente indeferido no dia 29 de abril de 2023.

  1. O pedido arbitral deu entrada em 31 de maio de 2023.

 

Factos não provados

 

Não se encontra provado que a Requerente tivesse deduzido encargos diretamente relacionados com a sua atividade e por ela suportados, que pudessem abater ao seu rendimento ilíquido.

 

Não existem quaisquer outros factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição inicial e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

Matéria de direito

 

5. Em debate está a questão de saber se as instituições financeiras não residentes e sem estabelecimento estável no território português podem ser tributadas pelos rendimentos de capitais obtidos em Portugal através de retenção na fonte, a título definitivo, nos termos  dos artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.º 3, alínea b), e n.º 5, do Código do IRC, sem a possibilidade de deduzirem os encargos diretamente relacionadas com a sua atividade, ao contrário do que sucede com as entidades residentes relativamente às quais a tributação incide sobre o lucro tributável.

 

Com efeito, nos termos do artigo 4.º do Código do IRC, as pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos (n.º 2), considerando-se como obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, são especificados nas diversas alíneas do n.º 3, e, entre estes, os rendimentos de aplicação de capitais (alínea c), subalínea e)).

 

Por sua vez, o artigo 87.º, n.º 4, prevê que a taxa de IRC aplicável a rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável é de 25 %, e o artigo 94.º sujeita a retenção na fonte os rendimentos obtidos em território português que aí se encontram referenciados (n.º 1), estipulando que a retenção na fonte tem carácter definitivo (não podendo, por isso, ser entendido como pagamento por conta do imposto) quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em Portugal (artigo 94.º, n.º 3, alínea b)).

 

Na situação do caso, está em causa a obtenção de juros no território português por uma instituição financeira com sede na Alemanha, que não possui estabelecimento estável em Portugal, e que, por efeito do disposto em Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha, foi sujeita a retenção na fonte, com caráter definitivo, à taxa reduzida de 15%.

 

Neste contexto, a Requerente sustenta que, não lhe sendo dada oportunidade de deduzir aos rendimentos obtidos as despesas profissionais e de funcionamento, foi objeto de um tratamento discriminatório relativamente às entidades residentes, em violação do disposto nos artigos 56.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

A Autoridade Tributária, invocando o acórdão do STA de 29 de junho de 2022 (Processo n.º 08/21), tirado em recurso para uniformização de jurisprudência, contrapõe que, no caso em análise, só seria possível determinar o valor líquido da retenção na fonte se a Requerente, em sede de revisão oficiosa, tivesse apresentado os documentos comprovativos dos encargos que poderia deduzir, constituindo esse um ónus de prova que pertence à Requerente, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT.

 

              6. Questão idêntica à que assim vem colocada foi já analisada no acórdão do STA de 8 de Março de 2017 (Processo n.º 0298/13), na sequência de um pedido reenvio prejudicial que originou o acórdão do TJUE de 13 de Julho de 2016 (Processo n.º C-18/15). No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do STA de 22 de Março de 2017 (Processo n.º 0165/13) e não há motivo para alterar o entendimento que foi então sufragado.

 

         O Tribunal de Justiça, respondendo às questões prejudiciais que haviam sido suscitadas pelo STA, concluiu nos seguintes termos:

 

O artigo 49.º do Tratado da Comunidade Europeia (a que corresponde o atual artigo 56º do Tratado de Funcionamento da União Europeia) não se opõe a uma legislação nacional por força da qual a remuneração paga às instituições financeiras não-residentes do Estado-Membro onde os serviços são prestados está sujeita a um procedimento de retenção na fonte do imposto, ao passo que a remuneração paga às instituições financeiras residentes não está sujeita a tal retenção, desde que a aplicação da retenção na fonte às instituições financeiras não-residentes seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral e não ultrapasse o necessário para alcançar o objectivo prosseguido.

Todavia, aquela disposição opõe-se a uma legislação nacional que tributa as instituições financeiras não-residentes pelos rendimentos de juros obtidos em Portugal sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em questão, inviabilizando a tributação do rendimento líquido, ao passo que reconhece essa possibilidade às instituições financeiras residentes.

            Por outro lado, no que diz respeito ao segundo aspeto do pedido de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça formulou, na parte mais relevante, os seguintes considerandos:

23. […] há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou, quanto à tomada em consideração das despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade exercida, que os prestadores residentes e os prestadores não residentes se encontram numa situação comparável (v., neste sentido, acórdãos de 12 de junho de 2003, Gerritse, C‑234/01, EU:C:2003:340, n.º 27; de 6 de julho de 2006, Conijn, C‑346/04, EU:C:2006:445, n.º 20; e de 15 de fevereiro de 2007, Centro Equestre da Lezíria Grande, C‑345/04, EU:C:2007:96, n.º 23).

24. O Tribunal de Justiça concluiu que o artigo 49.º CE se opõe a uma legislação nacional que, regra geral, ao tributar os não residentes, toma em conta os rendimentos ilíquidos sem dedução das despesas profissionais, enquanto os residentes são tributados pelos seus rendimentos líquidos, após dedução dessas despesas (acórdãos de 12 de junho de 2003, Gerritse, C‑234/01, EU:C:2003:340, n.ºs 29 e 55; de 3 de outubro de 2006, FKP Scorpio Konzertproduktionen, C‑290/04, EU:C:2006:630, n.º 42; e de 15 de fevereiro de 2007, Centro Equestre da Lezíria Grande, C‑345/04, EU:C:2007:96, n.º 23).

[…]

28. Daqui decorre que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, por força da qual as instituições financeiras não residentes são tributadas pelos rendimentos de juros obtidos no interior do Estado-Membro em causa, sem lhes ser dada a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em causa, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes, constitui uma restrição à livre prestação de serviços, proibida, em princípio, por força do artigo 49º CE.

29. Todavia, como decorre da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre prestação de serviços pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral. Neste caso, é ainda necessário que a aplicação dessa restrição seja adequada a garantir a realização do objetivo prosseguido e não exceda o necessário para o alcançar (acórdão de 18 de outubro de 2012, X, C-498/10, EU:C:2012:635, nº 36).

[…]

31. A este respeito, por um lado, resulta da decisão de reenvio que a justificação apresentada perante o órgão jurisdicional de reenvio se baseia na aplicação, às instituições financeiras não residentes, de uma taxa de tributação mais favorável do que a que é aplicada às instituições financeiras residentes.

32. No entanto, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que um tratamento fiscal desfavorável, contrário a uma liberdade fundamental, não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de, eventualmente, existirem outros benefícios (v., neste sentido, acórdãos de 1 de julho de 2010, Dijkman e Dijkman - Lavaleije, C-233/09, EU:C:2010:397, nº 41, e de 18 de outubro de 2012, X, C - 498/10, EU:C:2012:635, nº 31).

33. Daqui decorre que uma restrição à livre prestação de serviços como a que está em causa no processo principal não pode ser justificada pela circunstância de as instituições financeiras não residentes estarem sujeitas a uma taxa de tributação menos elevada do que as instituições financeiras residentes.

[…]

39. Em terceiro lugar, quanto à necessidade de garantir a eficácia da cobrança do imposto, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que esse objetivo constitui uma razão imperiosa de interesse geral que pode justificar uma restrição à livre prestação de serviços (v., nomeadamente, acórdãos de 3 de outubro de 2006, FKP Scorpio Konzertproduktionen, C-290/04, EU:C:2006:630, nºs 35 e 36, e de 18 de outubro de 2012, X, C-498/10, EU:C:2012:635, nº 39), é ainda necessário que a aplicação dessa restrição seja adequada a garantir a realização do objectivo prosseguido e não exceda o necessário para o alcançar (acórdão de 18 de outubro de 2012, X, C-498/10, EU:C:2012:635, nº 36).

40. Ora, há que constatar que uma restrição como a que está em causa no processo principal não é necessária para garantir a eficácia da cobrança do IRC.

Em suma, o TJUE considera que o facto de a entidade não-residente não poder deduzir em Portugal as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade financeira em causa, inviabilizando a tributação do seu rendimento líquido, constitui um tratamento discriminatório, contrário a uma liberdade fundamental constante de norma de direito europeu, independentemente de quaisquer outras considerações  como seja a sujeição a uma taxa de tributação comparativamente mais favorável que a taxa que vigora para as entidades residentes, por efeito da aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação.

            Por outro lado, o TJUE sublinhou que os prestadores de serviços residentes e não residentes se encontram numa situação comparável, não tendo relevo para o caso que as regras de determinação do lucro tributável ou a taxa de tributação aplicável não sejam coincidentes com as que vigoram no Estado de residência do sujeito passivo.

            E, por identidade de razão, não é possível opor à exigência de tratamento igualitário das entidades residentes e não residentes as vicissitudes relativas ao crédito do imposto pago em Portugal ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação, situação essa que carece de ser analisada à luz do direito convencional.  

            Torna-se, assim, indiscutível que as instituições financeiras não-residentes devem ser tratadas do mesmo modo que as instituições residentes, tendo o direito de ver reconhecidas, perante a administração tributária portuguesa, os encargos e as despesas relacionadas com os rendimentos em causa, e o direito de as deduzir antes da tributação, isto é, de serem tributadas em Portugal apenas pelo rendimento líquido.

            7. A Autoridade Tributária, invocando o acórdão do STA de 29 de junho de 2022 (Processo n.º 08/21), alega, no entanto, que compete ao interessado o ónus da prova do montante das despesas que pretende que sejam dedutíveis, sendo que a Requerente não apresentou, no pedido de revisão oficiosa, os documentos que pudessem comprovar as despesas e encargos que poderiam ser considerados gastos fiscais para efeitos de dedução aos rendimentos obtidos.

 

            No entanto, estas questões foram também analisadas no acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-18/15.

 

            O acórdão assinala que a atividade financeira da entidade não residente origina necessariamente despesas profissionais e de funcionamento a que haverá de atender-se para o cálculo do imposto devido, ainda que possam subsistir dúvidas quanto à relação direta com a atividade ou o montante efetivo que deve ser considerado (parágrafos 48 e 49). E acrescenta que “a simples circunstância de esta prova ser mais difícil de produzir não autoriza um Estado‑Membro a recusar de modo absoluto aos não residentes, sujeitos passivos parcialmente tributados, a dedução que concede aos residentes, sujeitos passivos integralmente tributados, uma vez que não se pode excluir a priori que um não residente esteja em condições de fornecer provas pertinentes que permitam às autoridades fiscais do Estado‑Membro de tributação verificar, de forma clara e precisa, a realidade e a natureza das despesas profissionais cuja dedução é solicitada” (parágrafo 49).

            Por outro lado, o acórdão esclarece que “nada impede as autoridades fiscais em causa de exigirem ao não residente as provas que considerarem necessárias para apreciar se os requisitos de dedutibilidade das despesas previstas pela legislação em questão estão preenchidos e, consequentemente, se há ou não que conceder a dedução solicitada” (parágrafo 50),

            O Tribunal de Justiça não afasta, por conseguinte, que possa ser exigido ao contribuinte não residente a prova das despesas relacionadas com os rendimentos obtidos no território português, no pressuposto de que essas despesas são dedutíveis em igualdade de circunstâncias com o regime aplicável aos residentes.

 No entanto, como se reconhece no acórdão do STA de 22 de março de 2017, citado, esse é um mecanismo que terá de ser criado por via legislativa, de forma a ser acionado perante a administração tributária em termos de permitir a dedução de despesas a posteriori, não competindo aos tribunais a indagação oficiosa, no âmbito do processo jurisdicional, das despesas passíveis de dedução para efeito do apuramento do imposto devido, visto que é essa é uma atividade que incumbe primariamente à Administração no exercício da sua função administrativa.

E nesse mesmo sentido aponta o acórdão do Pleno do STA de 29 de junho de 2022 (Processo n.º 08/21) quando refere o seguinte:

 “Não é possível extrair da retenção na fonte efetuada a medida exata da ilegalidade, muito menos por “simples operações aritméticas”. Apenas é possível concluir, como fez a sentença recorrida, que a tributação assim calculada incidiu sobre o rendimento bruto, quando deveria ter incidido sobre o rendimento líquido, de modo a respeitar as exigências do Direito Europeu.

Estamos, com efeito, diante de um caso de substituição tributária total, pelo que o substituto tributário não estaria em condições de proceder ao cálculo da base tributável líquida exigida pelos cânones da Não Discriminação – aliás, por alguma razão, os casos de retenção liberatória na fonte incidem, invariavelmente, sobre rendimentos brutos e não líquidos. Ora, se o substituto tributário, numa retenção liberatória na fonte, não o conseguiu, nem está em condições de fazer, muito menos o pode fazer este ou qualquer outro Tribunal Tributário. A conclusão inevitável é a de que só o contribuinte e a AT estariam em condições de o fazer.

Mas, ao passo, que o primeiro não o podia fazer por a tal obstar a legislação nacional, a AT já o podia (e pode) fazer, em conformidade com o Direito Europeu. Simplesmente, para tal, teria de emitir um novo ato de liquidação oficiosa, precedido de um cálculo complexo das despesas diretamente incorridas com a obtenção dos rendimentos brutos, a partir de informação fornecida pelo sujeito passivo e, se necessário, com troca de informações com as suas congéneres germânicas.
Em suma, a AT teria de proceder a um novo ato de liquidação, de acordo com as exigências europeias.”           

 

Assim sendo, sempre seria possível que a Autoridade Tributária, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, e em aplicação do princípio do inquisitório e do princípio da colaboração, independentemente da iniciativa do sujeito passivo, realizasse as diligências necessárias para determinar os gastos incorridos com a obtenção dos rendimentos em território português, ainda que para o efeito se tornasse necessário obter informações que se encontrassem em poder do contribuinte.  E, em todo o caso, estando em causa a cobrança do imposto através da retenção na fonte do rendimento, não pode dizer-se que é ao contribuinte que cabe o ónus da prova dos gastos fiscais quando a Administração considera não haver lugar à dedução das despesas profissionais.

O que importa reter, por conseguinte, é que as normas dos artigos 87.º, n.º 4, e 94.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRC são consideradas incompatíveis com o Direito Europeu, por violação do artigo 56.º do Tratado de Funcionamento sobre a União Europeia, o que gera a sua inaplicabilidade por efeito da prevalência do direito europeu sobre o direito interno.

            E nesse sentido os atos tributários de retenção na fonte e a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzida são ilegais por violação de artigo 56.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

            Juros indemnizatórios

 

8. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas. O artigo 43.º, n.º 1, consigna que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços, e o artigo 61.º, n.º 5, refere que os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Nos casos de pedido de revisão oficiosa, em face do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 10 de maio de 2017, Processo n.º 01159/14).

 

No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 27 de dezembro de 2022, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde 28 de dezembro de 2023, ou seja a partir de um ano depois da apresentação do pedido de revisão oficiosa, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Reenvio prejudicial

 

9. A Requerente solicitou a título subsidiário o reenvio prejudicial para o TJUE para apreciar as questões que estão em análise.

 

No entanto, não subiste dúvida fundada quanto à interpretação do princípio da livre prestação de serviços e, como se deixou exposto, existe jurisprudência do TJUE que se pronunciou expressamente sobre as questões de direito que relevam para a apreciação do objeto do processo e de que o tribunal se serviu para fundamentar a sua posição.

 

Entende-se, nestes termos, não se justificar o requerido reenvio prejudicial.

 

III – Decisão

Termos em que se decide:

a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos tributários de retenção na fonte impugnados, bem como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzida;

           b) Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios desde 28 de dezembro de 2023 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 749.022,63, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 10.710,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 24 de novembro de 2023,

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

(Relator)

 

O Árbitro vogal

 

 

 

Rui Zeferino Ferreira

 

 

 

O Árbitro vogal

 

                                                                        Jorge Carita