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SUMÁRIO:
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Se, no decurso do processo arbitral, a Requerida anular administrativamente o ato tributário impugnado, satisfazendo integralmente o pedido da Requerente, estão verificados os pressupostos da inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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Tendo a anulação administrativa do ato tributário impugnado ocorrido após a constituição do Tribunal Arbitral, as custas são da responsabilidade da Requerida, por lhe ser imputável a inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância, nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernando Borges Araújo (Presidente), Manuel Lopes da Silva Faustino e Paulo Nogueira da Costa (relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 31 de julho de 2023, acordam no seguinte:
I – RELATÓRIO
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A..., com o NIF ... (adiante abreviadamente designada por “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL COLETIVO e apresentar pedido de pronúncia arbitral (PPA), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) de 2018, com o n.º 2023..., e da liquidação de juros n.º 2023..., que apuraram um valor adicional de imposto de € 72.894,25 e juros de mora de € 7.102,92.
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A Requerente fundamenta o seu pedido de pronúncia arbitral, em síntese, nos seguintes termos:
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A Requerente apresentou no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) um pedido de pronúncia arbitral, que viria a dar origem ao processo n.º 157/2022-T, para anulação do ato de liquidação oficiosa de IRS 2021..., bem como da liquidação de juros compensatórios n.º 2021... e respetivo acerto de contas n.º 2021..., no valor de € 127.355,79, tendo sido proferida, em 08 de novembro de 2022, decisão arbitral que julgou procedente o referido pedido;
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A Requerida não cumpriu voluntariamente a referida decisão arbitral, pelo que a Requerente apresentou, em março de 2023, a execução do julgado que correu termos com o n.º .../23...BELRS no Tribunal Tributário de Lisboa - Unidade Orgânica ...;
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A AT não contestou a referida execução, mas em 26 de abril de 2023 apresentou nesse processo um requerimento a tentar justificar o atraso na restituição do imposto e juros devidos, alegando, nomeadamente, que 2018 era um ano “caduco”;
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Somente em 22 de maio de 2023 a Requerente recebeu o IRS indevidamente cobrado;
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Até à data de apresentação do pedido de pronúncia arbitral que originou o presente processo, a AT apenas tinha dado cumprimento parcial â decisão arbitral, uma vez que não pagou os juros devidos;
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A AT emitiu, com data de 22 de abril de 2023, a liquidação n.º 2023 ... que apurou um montante de imposto de € 200.625,61 já integralmente pago pela Requerente;
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Posteriormente, a AT emitiu uma nova liquidação de IRS referente ao ano 2018, com o n.º 2023 ..., impugnada nos presentes autos, na qual foi apurado um montante de imposto € 273.450,56, acrescido de juros de mora de € 7.102,92, tendo também emitido a liquidação de demonstração de juros n.º 2023..., bem como a demonstração de acerto de contas n.º 2023..., no montante de € 79.927,87, correspondente à diferença entre o valor já pago, de € 200.625,61, e o novo valor, de € 273.450,56, acrescido de juros de mora de € 7.102,92;
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A Requerente entende que este ato de liquidação é extemporâneo, uma vez que foi praticado em 06/05/2023, muito depois de findar o prazo de execução espontânea, que ocorreu a 25/01/2023 (30 dias úteis após a data do trânsito em julgado, que ocorreu a 14/12/2022);
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Segundo a Requerente, a AT apenas pode praticar novo ato de liquidação referente ao mesmo facto tributário quando cumpra as normas respeitantes à execução de decisões anulatórias (artigos 102.º da LGT, 172.º e 173.º do CPTA, aplicável ex vi do referido artigo 102.º da LGT), ou seja, quando o faça dentro do prazo para a execução das sentenças;
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Entende, assim, a Requerente que a liquidação em causa foi efetuada muito para além do prazo para a execução espontânea da sentença, sendo por isso ilegal;
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Para além de ser extemporânea, a Requerente sustenta que a liquidação em causa não pode ser qualificada como corretiva;
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A liquidação impugnada não corresponde à execução de decisão arbitral que anulou a liquidação inicial;
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A requerente entende que a liquidação impugnada configura uma liquidação adicional de natureza autónoma, que não tem a ver com a execução de julgado, carecendo de qualquer fundamento legal;
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O direito de a Requerida liquidar IRS relativamente a rendimentos auferidos pela Requerente em 2018 caducou a 31/12/2022, conforme resulta do disposto no n.º 4 do artigo 45.º da LGT, pelo que a liquidação impugnada está ferida de ilegalidade;
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A Requerente invoca, também, o vício de falta de fundamentação do ato de liquidação impugnado;
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Segundo a Requerente, na informação que pretendeu dar concretização prática à reconstituição da situação jurídica através da demonstração da liquidação, a Requerida não indica quais as correções efetuadas e os seus fundamentos, limitando-se a especificar as verbas que alegadamente foram “corrigidas”;
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A Requerente, como qualquer destinatário normal, não consegue aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela requerida para efetuar a liquidação impugnada;
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A Requerente invoca, ainda, o vício de falta de audiência prévia, na medida em que, apesar do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, que prevê o direito de audição antes da liquidação, a Requerente foi alvo de uma liquidação adicional cujo procedimento decorreu sem audiência prévia do sujeito passivo;
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Por fim, a Requerente sustenta a existência de erro nos pressupostos de facto e, consequentemente, erro na aplicação das normas de incidência, que ferem de ilegalidade a liquidação impugnada.
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É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada somente por “Requerida” ou “AT”).
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O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 29-05-2023.
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A Requerida foi notificada da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral em 30-05-2023.
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Os signatários foram designados como árbitros pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos termos dos números 2, alínea a), e 3 do artigo 6.º do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e nos termos legalmente previstos.
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Em 13-07-2023 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 31-07-2023.
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Na mesma data foi a Requerida notificada para apresentar Resposta.
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A Requerida apresentou a sua Resposta em 02-10-2023, na qual apresenta defesa por exceção, invocando a incompetência material do tribunal, com os seguintes fundamentos:
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O objeto do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente tem por objeto, segundo a Requerida, uma liquidação de IRS que foi emitida pela AT no âmbito das diligências praticadas para execução do julgado resultante da decisão arbitral proferida no processo que correu termos no CAAD com o nº 157/2022-T;
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A liquidação impugnada, liquidação nº 2023..., foi produzida automaticamente pelo sistema de liquidações de IRS como consequência de um lapso praticado na recolha do documento de correção que originou a liquidação nº 2023..., com imposto a pagar no montante de € 200.625,61;
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Ou seja, a Requerida alega que a liquidação impugnada ainda é uma liquidação corretiva do IRS de 2018, porque decorre das diligências praticadas para cumprimento do dever de execução da aludida decisão arbitral, ainda que se deva a um lapso de recolha da DC;
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A competência dos tribunais arbitrais é circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, não se inserindo no âmbito das competências dos tribunais arbitrais as questões relacionadas com a execução de julgados, pelo que tem de se concluir, segundo a Requerida, pela incompetência material do Tribunal Arbitral para se pronunciar sobre a forma como são concretizadas as decisões judiciais, devendo ser julgada procedente a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral com as devidas e legais consequências.
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Em 03-10-2023, o Tribunal arbitral proferiu despacho para a Requerente se pronunciar, querendo, sobre a exceção de incompetência material do tribunal suscitada, na sua resposta, pela Requerida.
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Em 09-10-2023, a Requerente pronunciou-se sobre a exceção suscitada pela Requerida, sustentando, em síntese, que:
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Ao contrário do alegado pela AT, não está em causa qualquer execução do jugado, a qual já correu termos com o n.º .../23...BELRS no Tribunal Tributário de Lisboa - Unidade Orgânica ..., e findou pelo pagamento do imposto ilegalmente cobrado acrescido dos respetivos juros;
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Para além de não ser verdadeira, a alegação de que se trata de uma liquidação para execução do julgado é nova e nunca essa “fundamentação” foi remetida à Requerente;
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Mesmo que assim não fosse, não estava a Requerente impedida de impugnar a liquidação em causa junto do CAAD;
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O processo de execução de julgado não tem a natureza adequada à impugnação de uma liquidação adicional, pois visa dar cumprimento coercivo a uma decisão, o que aconteceu no supra referido processo n.º .../23...BELRS que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa - Unidade Orgânica ...;
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Assim, no entender da Requerente, deve improceder a exceção de incompetência material suscitada pela Requerida.
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Em 16-10-2023, a Requerente informou os autos de que em 11-10-2023 rececionou um despacho proferido (por delegação) pela Subdiretora-Geral da AT para Aérea de Gestão Tributária – IR, a “revogar” a liquidação de IRS n.º 2023..., bem como os respetivos juros de mora, impugnada nos presentes autos, o que, segundo a Requerente, determina a inutilidade superveniente da lide, com custas a suportar pela Requerida.
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Em 18-10-2023, a Requerida pronunciou-se, reiterando, por um lado, a alegação de que deve ser julgada procedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral com as devidas e legais consequências e, por outro lado, sem conceder, manifestando o entendimento de que, tendo a liquidação impugnada sido “revogada” por despacho de 09/10/2023, da Subdiretora-Geral para a Área da Gestão Tributária do Imposto sobre o Rendimento, deve, subsidiariamente, ser julgada procedente a exceção da inutilidade superveniente da lide por não existir já na ordem jurídica o ato de liquidação objeto dos autos.
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Em 16/11/2023, a Requerida apresentou requerimento através do qual informou o Tribunal de que “conforme esclarecimento entretanto prestado pela Direcção de Finanças de Lisboa – Divisão de Justiça Contenciosa, serviço responsável pela concretização do aludido julgado arbitral em conformidade com aquele despacho de 09/10/2023 que revogou a liquidação impugnada, que se procedeu à emissão de um novo DC destinado a substituir a liquidação anulada por outra liquidação correctiva devidamente corrigida”, acrescentando que, com base nesta correção, foi emitida, em 08/11/2023, a liquidação n.º 2023..., com vista a produzir os efeitos pretendidos com a decisão arbitral proferida no processo n.º 157/2022-T, o que, no entender da Requerida, reforça a sua alegação de que se verifica a exceção de incompetência material do tribunal arbitral.
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Em 20/11/2023, o tribunal arbitral proferiu um despacho através do qual concedeu à Requerente o prazo de dez dias para, querendo, se pronunciar sobre o requerimento e documentos anexos apresentados pela Requerida em 16/11/2023.
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A Requerente pronunciou-se em 27/11/2023, reiterando, no essencial, os argumentos contidos na resposta à exceção de incompetência material do tribunal, suscitada pela Requerida.
II – FACTOS RELEVANTES
§1. Factos provados
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Consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente apresentou no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) um pedido de pronúncia arbitral, que viria a dar origem ao processo n.º 157/2022-T, para anulação do ato de liquidação oficiosa de IRS 2021..., bem como da liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ... e respetivo acerto de contas n.º 2021..., no valor de € 127.355,79;
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Em 08 de novembro de 2022 foi proferida decisão arbitral que julgou procedente o pedido de anulação do ato de liquidação oficiosa de IRS 2021..., bem como da liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ... e respetivo acerto de contas n.º 2021 ...;
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A AT não cumpriu voluntariamente a decisão arbitral, pelo que a Requerente apresentou, em março de 2023, ação para execução do julgado, que correu termos com o n.º .../23...BELRS no Tribunal Tributário de Lisboa - Unidade Orgânica ...;
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No âmbito desse processo, a AT apresentou um requerimento no qual refere, designadamente, que:
[…]
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A AT emitiu, com data de 22/04/2023, a liquidação n.º 2023 ... que apurou um montante de imposto de € 200.625,61 já integralmente pago pela requerente, pelo que deu origem a nota nula;
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Nessa liquidação é expressamente referido que a “liquidação efetuada corresponde à execução da decisão proferida no processo contencioso identificado, no âmbito do qual foi remetida a V. Exa a respetiva fundamentação”;
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Em 06/05/2023, a AT emitiu uma nova liquidação de IRS referente ao ano 2018, com o n.º 2023..., impugnada nos presentes autos, na qual foi apurado um montante de imposto € 273.450,56, acrescido de juros de mora de € 7.102,92, tendo também emitido a liquidação de demonstração de juros n.º 2023..., bem como a demonstração de acerto de contas n.º 2023..., no montante de € 79.927,87, correspondente à diferença entre o valor já pago, de € 200.625,61, e o novo valor, de € 273.450,56, acrescido de juros de mora de € 7.102,92;
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Em 22/05/2023, a Requerente recebeu o IRS indevidamente cobrado, tendo posteriormente recebido os juros devidos;
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Em consequência dos pagamentos efetuados pela AT, em 05/06/2023, o Tribunal Tributário de Lisboa entendeu, no âmbito do processo n.º 312/23.5BELRS, que “os presentes autos perderam o seu objeto, porquanto com o efetivo pagamento das quantias peticionadas, por parte da Administração Tributária, ficou demonstrado o cumprimento do julgado, pelo que, perdendo o litígio o seu objeto, mostra-se inútil o prosseguimento da presente lide, de harmonia com o disposto no artigo 277º alínea e) do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi do artigo 1º e 35º do CPTA, ex vi artigo 146º, nº 1 do CPPT, reiterando-se que a Exequente veio manifestar que concordava com a suficiência dos pagamentos efetuados, requerendo a concomitante extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide”;
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Em 26/05/2023, a Requerente submeteu ao CAAD o pedido de constituição de tribunal arbitral, que viria a dar origem aos presentes autos;
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Em 11/10/2023, a Requerida foi notificada do despacho, de 09/10/2023, proferido (por delegação) pela Subdiretora-Geral da AT para Aérea de Gestão Tributária – IR, que “revoga” a liquidação de IRS n.º 2023..., impugnada nos presentes autos, bem como os respetivos juros de mora.
§2. Factos não provados
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Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.
§3. Motivação quanto à matéria de facto
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Cabe ao Tribunal selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada [artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].
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Os factos pertinentes para a decisão são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito [cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
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Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo por base a prova documental junta aos autos, e considerando as posições assumidas pelas partes, e não contestadas, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.
III – MATÉRIA DE DIREITO
§1. Apreciação da exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria
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Cumpre conhecer da exceção de incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, suscitada pela Requerida.
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O artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), estabelece o seguinte:
“Artigo 2.º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
c) (Revogada).
2 - Os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade.”
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Alega a Requerida que o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral consiste numa liquidação de IRS que foi emitida “no âmbito das diligências praticadas para execução do julgado resultante da decisão arbitral proferida no processo que correu termos no CAAD com o nº 157/2022-T”, e que, consequentemente, o referido objeto não se insere no âmbito das competências dos tribunais arbitrais, uma vez que o artigo 2.º do RJAT não abrange as questões relacionadas com a execução de julgados.
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Não assiste, todavia, razão à Requerida, uma vez que o PPA vem deduzido da notificação de uma liquidação de cujo teor consta expressamente que o contribuinte, ora Requerente, dela pode deduzir reclamação graciosa ou impugnação judicial, assim tendo sucedido, sendo o tribunal arbitral competente para dela conhecer, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT;
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Ou seja, não existe qualquer obstáculo legal à impugnação da liquidação objeto dos autos, nem está excluída a competência do tribunal arbitral para dela conhecer.
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Acresce que, conforme resulta da matéria de fato dada como assente, o Tribunal Tributário de Lisboa, onde correu o processo de execução fiscal, entendeu que se encontrava verificada a exceção de inutilidade superveniente da lide, uma vez que “… ficou demonstrado o cumprimento do julgado, pelo que, perdendo o litígio o seu objeto, mostra-se inútil o prosseguimento da presente lide …”.
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Assim sendo, não se vê como pode a liquidação contestada nos presentes autos ainda dizer respeito à execução da decisão arbitral em causa.
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Razões pelas quais se julga improcedente a exceção de incompetência material do tribunal arbitral, suscitada pela Requerida.
§2. Apreciação da exceção de inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de anulação
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O n.º 1 do artigo 13.º do RJAT prevê o seguinte:
“Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º”.
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À luz da terminologia do atual Código do Procedimento Administrativo (CPA), a destruição de atos com fundamento em invalidade não configura uma “revogação”, mas sim uma “anulação administrativa”, conforme resulta do artigo 165.º do CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT:
“Artigo 165.º
Revogação e anulação administrativas
1 - A revogação é o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade.
2 - A anulação administrativa é o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade.”
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A anulação administrativa produz efeitos retroativos, nos termos do artigo 163.º, n.º 2, do CPA.
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Findo o prazo definido no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, a AT fica impossibilitada de praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos (n.º 3 do artigo 13.º do RJAT).
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No caso sub judice, o ato tributário que constitui o objeto principal do litígio – liquidação de IRS n.º 2023..., emitida em 06/05/2023 – foi objeto de anulação administrativa pela Requerida em 09/10/2023, tendo o respetivo despacho sido notificado à Requerente em 11/10/2023, ou seja, em momento posterior à constituição deste Tribunal, que ocorreu em 31/07/2023.
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Ambas as Partes estão de acordo que, com a anulação administrativa do ato de liquidação impugnado, está integralmente satisfeita a pretensão formulada pela Requerente, o que gera a inutilidade superveniente da lide.
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Conforme referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele ter sido atingido por outros meios” (Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, Almedina, Coimbra, 4ª edição, reimpressão 2021, página 561).
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Verifica-se, assim, no caso sub judice, a inutilidade superveniente da lide, o que configura uma exceção dilatória, que é causa de extinção da instância e implica a absolvição da Requerida da instância, nos termos dos artigos 277.º, alínea e), e 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
IV – DECISÃO
Termos em que decide este Tribunal Arbitral declarar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, e absolver a Requerida da instância.
V- VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 79.927,87.
VI – CUSTAS
O n.º 4 do artigo 22.º do RJAT determina que “[d]a decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral, quando o tribunal tenha sido constituído nos termos previstos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º”.
No caso em apreço, a causa de extinção da instância quanto aos pedidos de anulação é imputável à Requerida, pois o ato de anulação administrativa é posterior à data de constituição do Tribunal Arbitral.
O n.º 1 do artigo 527.º do Código de Processo Civil estabelece que “[a] decisão […] condena em custas a parte que a elas houver dado causa …”.
No caso em apreço, a causa de extinção da instância é imputável à Requerida, pelo que, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 536.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29º, n.º 1, alínea e) do RJAT, lhe é imputável a responsabilidade pela totalidade das custas do presente processo.
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 4 de Dezembro de 2023
Os árbitros,
Fernando Araújo
(Presidente)
Manuel Lopes da Silva Faustino
Paulo Nogueira da Costa
(Relator)
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