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Sumário:
I - O art.º 43.º, n.ºs 3 e 4, do CIRS não pressupõe a aplicação do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, mas apenas remete para a definição efetuada por aquele diploma, do que sejam micro e pequenas empresas.
II – Se o Decreto-Lei n.º 372/2007 em questão apenas se aplica às sociedades cuja sede ou direção efetiva se situem em Portugal tal não ocorrerá pela definição de micro e pequenas empresas ali formulada, mas por força das normas gerais de aplicação das leis, relacionadas com a territorialidade destas, para as quais o art.º 43.º, n.ºs 3 e 4, do CIRS não remete.
III – Tendo em conta que a letra dos n.ºs 3 e 4 do art.º 43.º do CIRS: (i) não resulta que tal regime seja aplicável unicamente às mais valias geradas por micro e pequenas empresas com sede ou direção efetiva em território nacional; (ii) e que uma interpretação dos mesmos normativos nesse sentido seria contrária aos elementos racional e teleológico da interpretação, por conduzirem a uma solução contrária ao imperativo de assegurar o princípio comunitário de liberdade de circulação de capitais, o referido regime não permite distinguir entre mais valias geradas por micro e pequenas empresas com sede ou direção efetiva em território nacional e mais valias geradas por micro e pequenas empresas com sede ou direção efetiva noutro Estado Membro ou em país terceiro.
IV - O artigo 63.º e o artigo 65.º, n.º 1, TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro que sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a esse mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por residentes, não obstante a faculdade concedida aos não residentes de optarem.
Os Árbitros Guilherme W. d´Oliveira Martins, Ana Rita do Livramento Chacim e João Santos Pinto, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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Os Requerentes, A..., titular do número de identificação fiscal ..., residente em ... ..., ..., Paraguay e B..., titular do número de identificação fiscal..., residente na Rua ..., n.º..., ...-... Cantanhede (doravante abreviadamente designados conjuntamente por “Requerentes”), notificados da decisão de indeferimento parcial proferida no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa n.º ...2022... (cf. Doc. 1, composto pelas notificações da mesma decisão a cada um dos dois Requerentes), na qual se discutiu a legalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2022 ... e da demonstração de liquidação de juros e demonstração de acerto de contas n.º 2022 ..., através das quais a Administração Tributária apurou um valor total a pagar de € 744.925,16 (setecentos e quarenta e quatro mil novecentos e vinte e cinco euros e dezasseis cêntimos) a título de IRS do ano de 2021 e um valor total de € 92,05 (noventa e dois euros e cinco cêntimos) a título de juros de mora (Docs. 2 e 3, que se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais), vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, requerer a constituição de Tribunal Arbitral em Matéria Tributária e Pedir a Pronúncia Arbitral de declaração de ilegalidade e consequente anulação da mencionada decisão de indeferimento, proferida pela Senhora Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Coimbra e, bem assim, do referido ato de liquidação de IRS e da demonstração de liquidação de juros e demonstração de acerto de contas, o que fizeram nos seguintes termos e com os seguintes fundamentos:
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No dia 21 de abril de 2015, o Requerente A... adquiriu 2.800.000 (dois milhões e oitocentas mil) ações da C..., uma micro empresa constituída segundo as leis de Delaware, com sede em ..., Estados Unidos da América, pelo valor de $ 280.00 (duzentos e oitenta dólares), que correspondem a € 257,07 (duzentos e cinquenta e sete euros e sete cêntimos) - cf. documento comprovativo de constituição da C..., declaração de subscrição de ações, respetiva tradução, e comprovativo de transferência bancária, que se juntam, respetivamente, como Docs. 4, 5 e 6, e que se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
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Seguidamente, no dia 5 de março de 2018, o Requerente A... adquiriu 1.303.540 (um milhão, trezentas e três mil, quinhentas e quarenta) ações da mesma empresa – C... - pelo valor de $ 130.36 (cento e trinta dólares e trinta e seis cêntimos), que correspondem a € 105,90 (cento e cinco euros e noventa cêntimos) - cf. declaração de subscrição de ações, respetiva tradução, e comprovativo de transferência bancária, que se juntam, respetivamente, como Docs. 7 e 8 e que se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
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Observe-se a seguinte tabela que sumaria a aquisição de ações pelo Requerente A...:
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Primeira Aquisição
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Segunda Aquisição
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Total
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Data de Aquisição
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21 de abril de 2015
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5 de março de 2018
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N/A
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Número de Ações
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2.800.000
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1.303.540
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4.103.540
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Valor da Aquisição
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$ 280.00 | € 257,07
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$ 130.36 | € 105,90
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$ 410.36 | € 362,97
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Conclui-se, assim, que o Requerente A... adquiriu um total de 4.103.540 (quatro milhões, centro e três mil e quinhentas e quarenta) ações, por um valor total de $ 410.36 (quatrocentos e dez dólares e 36 cêntimos) que correspondem a € 362,97 (trezentos e sessenta e dois euros e noventa e sete cêntimos) - cf. cit. Docs. 5 a 8.
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Em 2021, o Requerente A..., alienou todas as ações da C... que detinha, pelo valor total de € 2.675.748,02 (dois milhões, seiscentos e setenta e cinco mil, setecentos e quarenta e oito euros e dois cêntimos), tendo recebido este valor em duas tranches – uma primeira tranche no valor de
€ 1.288.050,16 (um milhão, duzentos e oitenta e oito mil e cinquenta euros e dezasseis cêntimos), e uma segunda tranche no valor de € 1.387.697,86 (um milhão, trezentos e oitenta e sete mil, seiscentos e noventa e sete euros e oitenta e seis cêntimos) - cf. comprovativos de transferência bancária, que se juntam, respetivamente, como Docs. 9 e 10 e que se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
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No dia 8 de abril de 2022, os Requerentes apresentaram a sua Declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2021 (cf. comprovativo da declaração n.º ..., que se junta como Doc. 11 e que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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Note-se que, em todos dos momentos relevantes para esta questão, nomeadamente no momento da alienação das ações e na entrega da Declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2021, o Requerente A... era residente na mesma morada que a sua mulher (a Requerente B...) – ou seja, residiam ambos em Portugal, na Rua ..., n.º ..., ...-...Cantanhede, tendo apenas alterado a sua morada no dia 19 de outubro de 2022 (cf. informação constante no sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira).
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Na sequência da submissão desta declaração, os Requerentes foram notificados da liquidação de IRS aqui contestada, através da qual a Administração Tributária apurou um valor a pagar de € 744.925,16 (cf. cit. Doc. 2).
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Os Requerentes procederam ao pagamento do imposto liquidado pela Administração Tributária no dia 30 de agosto de 2022 (cf. comprovativo de pagamento que se junta como Doc. 12 e que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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Seguidamente (e inexplicavelmente), apesar de os Requerentes terem procedido ao pagamento do imposto devido no dia 30 de agosto de 2020, a Administração Tributária notificou os Requerentes da demonstração de liquidação de juros no valor de € 92,05, por juros de morada correspondentes a um dia de atraso no pagamento do imposto devido (cf. cit. Doc. 3).
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Novamente, e apesar de não poderem concordar com esta liquidação de juros, os Requerentes procederam ao pagamento da liquidação de juros no valor de € 92,05 (cf. comprovativo de pagamento que se junta como Doc. 13 e que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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Todavia – e pelas razões que se expõem nos parágrafos § 2.º e §3.º, infra – os Requerentes entendem que os atos tributários aqui contestados são ilegais e devem ser anulados, com o consequente reembolso do IRS indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios a seu favor.
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Por considerarem que a emissão dos referidos atos é ilegal, os Requerentes apresentaram, no dia 14 de dezembro de 2022, uma Reclamação Graciosa, solicitando à Administração Tributária que anulasse os atos contestados, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios a seu favor (cf. Doc. 14).
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No entanto, no dia 23 de janeiro de 2023, os Requerentes foram notificados do despacho de indeferimento da referida Reclamação Graciosa, proferido pela Senhora Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Coimbra (cf. cit. Doc. 1)
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De acordo com a informação que sustenta esta decisão, a Administração Tributária considera que “[o] conceito e critérios de qualificação das pequenas e microempresas previstos no Decreto-Lei n.º 372/2007, aplica-se apenas no âmbito do território nacional sujeito à soberania do Estado Português (…)” (cf. página 4 do cit. Doc. 1, realce acrescentado).
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Ainda, no que diz respeito aos juros liquidados aos Requerentes, a Administração Tributária referiu que “[n]o momento em que se efetuam transferências, o valor das mesmas não é automático, obedece a algumas regras das quais o operador é alertado, onde é informado qual o dia em que o valor fica disponível, que regra geral só fica disponível ao terceiro dia útil” (cf. página 5 do cit. Doc. 1).
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Não obstante, os Requerentes, continuam a entender que os atos de liquidação em causa são ilegais porque, conforme será explicado nos capítulos seguintes,
(i) a liquidação é ilegal pois considerou, erradamente, as mais-valias resultantes da alienação de participações sociais declaradas no ponto 952 do quadro 9.2 do Anexo J em 100%, antes de aplicar a taxa tributação autónoma de 28%, quando deveria ter considerado as mesmas apenas em 50%; e
(ii) a liquidação de juros é ilegal na medida em que os Requerentes procederam ao pagamento do imposto devido dentro do respetivo prazo para o seu pagamento voluntário (ou seja, até 31 de agosto de 2022).
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Em face do exposto, os Requerentes vêm solicitar a constituição de Tribunal Arbitral em Matéria Tributária e pedir a pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação acima identificado e da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2022... …
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…com todas as consequências previstas no artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária e nos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária, designadamente o reembolso aos Requerentes do imposto e dos juros pagos em excesso, acrescidos de juros indemnizatórios a seu favor.
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Acrescenta ainda que no Anexo J da Declaração modelo 3 apresentada pelos Requerentes, no quadro 9.2, os Requerentes, por lapso (e em seu prejuízo), enganaram-se no preenchimento do campo 952, mais concretamente no que diz respeito ao valor da aquisição.
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Os Requerentes declararam (erradamente) apenas o valor de € 257,07 (duzentos e cinquenta e sete euros e sete cêntimos), em vez do valor correto de € 362,97 (trezentos e sessenta e dois euros e noventa e sete cêntimos).
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Tal sucedeu por, por lapso, os Requerentes terem apenas considerado o valor gasto na primeira aquisição de ações da C... pelo Requerente A... …
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…em vez do valor total realmente gasto pelo Requerente A... na totalidade de ações cuja alienação foi declarada na referida Declaração modelo 3.
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De facto, como se expôs no Capítulo §1.º, o Requerente A... adquiriu por duas vezes ações da empresa C...:
uma primeira, no dia 21 de abril de 2015, um total de 2.800.000 ações, por € 257,07; e
uma segunda, no dia 5 de março de 2018, um total de 1.303.540 ações, por € 105,90…
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…perfazendo um total de € 362,97 gastos pelo Requerente A... na aquisição de ações (cf. cit. Docs. 5 a 8).
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Assim, no Anexo J da Declaração modelo 3 apresentada pelos Requerentes, no quadro 9.2, deve ser considerada a alienação onerosas de partes sociais e outros valores mobiliários – correspondente à alienação de ações da empresa C... declarada, mas com os seguintes valores:
Valor de realização: € 2.675.748,02;
Valor de aquisição: € 362,97.
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No que respeita a este ponto, na sua decisão final, a Administração Tributária deu razão aos Requerentes, referindo que “quando à reclamação relativamente ao valor da aquisição das ações que por erro do R., foi mal declarado, nada obsta á sua correção do valor de aquisição para o valor pretendido tal como foi comprovado” (cf. página 5 do cit. Doc. 1, realce acrescentado).
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Ora, relativamente à referida alienação, face a um valor de aquisição de € 362,97 (trezentos e sessenta e dois euros e noventa e sete cêntimos) e um valor de realização de € 2.675.748,02 (dois milhões, seiscentos e setenta e cinco mil e setecentos e quarenta e oito euros e dois cêntimos), resulta uma mais-valia de € 2.675.385,05 (dois milhões, seiscentos e setenta e cinco mil trezentos e oitenta e cinco euros e cinco cêntimos).
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De acordo com os valores constantes da referida liquidação, esta mais-valia foi considerada (erradamente) em 100% e, posteriormente, tributada à taxa autónoma de 28%.
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Esta não consideração das mais-valias em 50% aquando da sua tributação, é ilegal.
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O n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS refere o seguinte: “O saldo referido no
n.º 1, respeitante às operações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor”.
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Já o seu n.º 4 refere: “Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro”.
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Por seu lado, o artigo 2.º, n.º 3 do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 de 6 de novembro diz que “Na categoria das PME, uma micro empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros”.
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Ora, a C... trata-se precisamente de uma micro empresa, na medida em que emprega menos de 10 pessoas e o seu balanço anual não excede os 2 milhões de euros.
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A contabilidade da C... foi assegurada, até ao momento da venda em causa, pela reputada D... (“D...”), uma das 100 maiores empresas de contabilidade e consultoria dos Estados Unidos.
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Através do documento comprovativo do balanço anual de 2021, é notório que o balanço desta empresa foi muito inferior aos 2 milhões de euros previstos no artigo 2.º, n.º 3 do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 de 6 de novembro (cf. documento representativo do balanço anual de 2021 e a respetiva tradução, que se junta como Doc. 15 e que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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Veja-se, ainda, o relatório anual de Delaware que mostra a empresa não ser cotada em bolsa e ter um volume de negócios abaixo do limite (cf. Doc. 16 que ora se junta e se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, também disponível em https://icis.corp.delaware.gov/Ecorp/EntitySearch/NameSearch.aspx).
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E no que respeita ao número de trabalhadores, a C... trabalhou desde a sua constituição com a reputada E..., Inc. (“E...”), líder de mercado nos Estados Unidos no fornecimento de software e serviços de gestão de recursos humanos.
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Através da análise dos documentos emitidos pela E..., facilmente se conclui que a C... contava apenas com 2 (dois) trabalhadores, número este que é bastante inferior ao limite máximo de 10 trabalhadores previstos no artigo 2.º, n.º 3 do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007 de 6 de novembro para que seja considerada uma micro empresa (cf. declarações salariais e fiscais e respetiva tradução, que se juntam como Docs. 17 e 18 e que se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).
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Não restando dúvidas de que se trata de uma micro empresa na acessão do referido Decreto-Lei, a única possível justificação para a Administração Tributária ter considerado a mais-valia em 100% em vez dos 50% previstos no referido artigo 43.º, n.ºs 3 e 4 do Código do IRS, seria devido ao facto de a sede e/ou direção efetiva da sociedade em questão ser fora de Portugal.
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Foi precisamente esta a acessão da Administração Tributária na decisão notificada aos Requerentes: “[o] conceito e critérios de qualificação das pequenas e microempresas previstos no Decreto-Lei n.º 372/2007, aplica-se apenas no âmbito do território nacional sujeito à soberania do Estado Português (…)” (cf. página 4 do cit. Doc. 1).
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Tal consideração por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira é discriminatória, na medida em que aplica um regime diferenciado conforme se trate de uma sociedade sediada (e/ ou com direção efetiva) ou não, em Portugal.
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De facto, o artigo 63.º, relativo à liberdade de circulação de capitais, do Tratado de Funcionamento da União Europeia ("TFUE") estatui que:
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“1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
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2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.”
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Note-se que o citado artigo do TFUE proíbe qualquer restrição à circulação de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
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Daqui resulta claramente que é proibida a restrição à alienação de participações sociais de um sujeito passivo residente em Portugal, independentemente do país de sede e/ou direção efetiva da sociedade em questão.
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Em suma, de facto, conclui a Requerente que não resulta da letra dos n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do Código do IRS a sua exclusiva aplicação a micro e pequenas empresas com sede ou direção efetiva em território nacional.
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Ao não considerar os n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do Código do IRS aplicáveis à sociedade em questão apenas por esta se encontrar sediada fora de território português, tal seria uma interpretação ilegal e discriminatória.
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Tal como conclui o CAAD, no processo já referido [Processo n.º 703/2018-T, de 30 de agosto de 2019], a solução “de restringir o regime dos n.ºs 3 e 4 do art.º 43.º do CIRS aplicável às mais valias geradas por micro e pequenas empresas com sede ou direção efetiva em território nacional diretamente contrária à liberdade de circulação de capitais, tal como cristalinamente definida pelo TJUE, na medida em que restringiria injustificadamente o investimento em micro e pequenas empresas com sede ou direção efetiva noutros Estados Membros (no caso, na França), não se poderá, à luz dos elementos racionais e teleológico da interpretação, considerar que o legislador pretendeu consagrar uma solução tal flagrantemente violadora dos seus compromissos comunitários”.
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E nem se diga que esta conclusão não é válida para uma empresa sediada num Estado terceiro e não num Estado-Membro da União Europeia.
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É que, como expressamente indica o artigo 63.º do TFUE estatui que “são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros” (realce acrescentado), pelo que a proibição de restrições é transversal, aplicando-se igualmente a residentes num Estado terceiro.
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A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese o seguinte:
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A questão que se coloca é a de saber se os requerentes deveriam ter beneficiado da redução de 50% prevista no n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS.
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Quanto ao n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS neste propósito, importa antes de mais indagar, se o benefício previsto no n.º 3 do artigo 43.º do Código se aplica apenas às transmissões de participações sociais de micro e pequenas empresas com sede em Portugal ou, pelo contrário, abrange também as PMEs com sede no estrangeiro.
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Com o devido respeito, não podemos concordar com a posição dos demandantes sobre este aspeto.
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Como é consabido, o elemento literal é apenas um dos elementos interpretativos, devendo ter-se em consideração, a par deste elemento, o elemento teleológico e o elemento sistemático.
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A este respeito, não é demais referir o disposto no artigo 9.º do Código Civil, que estatui o seguinte (n.º 1):
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“A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstruir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstancias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
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Resulta, assim, que a interpretação jurídica tem como ponto de partida, a letra da lei.
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Esta é também o seu limite, não podendo o intérprete, considerar “o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (cf. n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil).
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No entanto, a interpretação jurídica deve socorrer-se “dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica”.
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São estes:
a) o elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada];
b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema;
c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objetivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis).
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Ora, o argumento que a redação do n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS não restringe este benefício às PMEs com sede em Portugal, afigura-se-nos redutor e alheio aos “elementos” lógicos que devem estar presentes na interpretação jurídica.
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Com efeito, cremos que seja fundamental à interpretação do n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS ter em consideração os elementos histórico e teleológico.
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Do ponto de vista histórico, há que ter presente que este benefício foi introduzido no código do IRS em 2010, pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho, numa altura em que o país atravessava uma forte crise económica e se tornou necessário aprovar um conjunto de medidas de apoio às pequenas e médias empresas, que constituem o “grosso” do tecido empresarial.
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Foi, assim, com o propósito apoiar as micro e pequenas empresas portuguesas, que foi aprovado o referido diploma, introduzindo-se no código do IRS o n.º 3 do artigo 43.º.
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Este objetivo foi assumido pelo legislador, de forma clara e inequívoca, na própria proposta daquele diploma (Proposta 257/XI).
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Consta, então, daquela proposta, que:
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Finalmente, porque importa, também, nesta ocasião significar a urgência da recuperação financeira das empresas, em particular das pequenas e médias empresas nacionais, muitas delas de matriz familiar, preconiza-se um regime fiscal mais favorável às mais-valias geradas na alienação onerosa de partes sociais, nos termos definidos no artigo 10.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS.
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Para além do contexto histórico em que aquela disposição foi aprovada, retira-se também daquele trecho, a finalidade prosseguida com a aprovação daquele preceito: apoiar as pequenas e médias empresas nacionais.
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Assim, tendo presente o contexto e a finalidade prosseguida pela referida norma, afigura-se-nos claro que este benefício se destinou a apoiar as PMEs nacionais, não sendo possível outra interpretação que não a de que este benefício se circunscreve às PMEs com sede em Portugal, não se aplicando às PMEs com sede no estrangeiro.
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Na realidade, estender este benefício às PMEs com sede no estrangeiro seria defraudar a intenção legislativa de apoio à recuperação e competitividade das PMEs nacionais.
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Afigura-se-nos, assim, que a circunstância de a letra da lei não circunscrever o n.º 3 do artigo 43.º às PMES sediadas em Portugal não impede uma interpretação restritiva do mesmo, devendo ter-se em consideração os outros elementos que relevam no âmbito da interpretação jurídica.
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Quanto à violação da liberdade de capitais, a questão que neste ponto se coloca é se a circunscrição do n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS às PMEs com sede em Portugal constitui uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais a nível europeu, atendendo a que este princípio também se aplica aos países terceiros.
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A redução à matéria coletável prevista no n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS constitui, a par de outras medidas, uma medida destinada a apoiar as PMEs nacionais.
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Do ponto de vista tributário, esta norma constitui um benefício fiscal, pelo que se define uma medida de carácter excecional instituída para “tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem” (cf. n.º 1 do artigo 13.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais - EBF).
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Assim, tendo presente a natureza dos benefícios fiscais, de exceções à tributação regra, concluímos que é próprio dos benefícios fiscais a introdução desigualdades a nível da tributação.
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Desta forma, a questão que se coloca é se a diferenciação introduzida com o benefício fiscal se encontra ou não justificada face ao interesse que visa proteger.
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Transpondo para o direito comunitário, a questão coloca-se em termos semelhantes, isto é, se perante a existência ou possível existência de uma restrição a uma das liberdades fundamentais, tal restrição se encontra justificada.
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Com efeito, é este o entendimento seguido pelo próprio TJUE.
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Ora, o Estado Português não pode, nem poderia, determinar os requisitos legais para que uma sociedade com sede ou estabelecimento estável sita nos EUA seja considerada como PME.
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E, que a existir, seriam, seguramente, reguladas por regimes legais substancialmente diferentes atentas as discrepâncias socioeconómicas entre os dois países.
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E, mesmo admitindo a hipótese absurda de isso poder ser possível, ainda assim caberia perguntar à luz de que ordenamento jurídico seria reconhecida a dita sociedade como PME: se à luz do regime jurídico português, se à luz do regime jurídico americano?
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E nem se diga que pelo facto de legislador não ter referido no n.º 3 do artigo 43.º do CIRS que a qualificação de PME se restringia às sociedades com sede ou direção efetiva em Portugal, que isso quer significar necessariamente que é também possível qualificar como PME realidades jurídicas societariamente constituídas de acordo com as regras de outros ordenamentos jurídicos.
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O legislador não fez verter essa condição no mencionado artigo 43.º, n.º 3 do CIRS, dado que a aludida interpretação decorre logicamente do campo de aplicação territorial do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro e do âmbito de aplicação da soberania do Estado Português.
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A Autoridade Tributária nunca poderia determinar se a empresa em questão se trata (ou não) de uma entidade passível de ser classificada como PME, nem do probatório carreado para os autos resulta qualquer prova nesse sentido.
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Os Requerente obtiveram no estrangeiro, no ano de 2021 rendimentos resultantes da venda de partes sociais da sociedade C..., com sede nos Estados Unidos América, rendimentos da Categoria G, nos termos do artigo 10.º , n.º 1, alínea b) do Código do IRS, pelo valor de € 2.675.385,05, os quais foram inscritos no anexo J.
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Neste enquadramento, foi declarado o rendimento referente a mais-valias pela alienação de participações sociais numa sociedade sedeada nos Estados unidos América.
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Trata-se assim de um rendimento de mais-valias decorrentes da alienação onerosa de partes sociais de empresa sedeada no estrangeiro, tributável nos termos do n.º 4 do artigo 10.º do CIRS. Sendo estes ganhos (saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias) resultantes da alienação das partes sociais serão tributados à taxa autónoma de 28%, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 72.0 do CIRS, caso não se opte pelo englobamento, nos termos do n.º 13 do mesmo artigo, opção essa que os Requerentes não fizeram.
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Entende-se, portanto, não assistir razão aos demandantes no por si peticionado nos presentes autos, não merecendo, pois, qualquer censura o ato recorrido, dado que o mesmo resulta do escrupuloso cumprimento do quadro legal aplicável.
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Razão pela qual, deve igualmente soçobrar o pedido de condenação de pagamento de juros indemnizatórios.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 20-04-2023, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 24-04-2023. Em 12-06-2023, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou o Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 12-06-2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Singular ficou, assim, constituído em 30-06-2023, tendo sido proferido despacho arbitral, na mesma data, em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.
A AT apresentou a sua Resposta, em tempo, em 18-09-2023.
Em 09-10-2023 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:
«1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental, dispensando a prova testemunhal arrolada pela Requerente.
2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença.
3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite da prolação da decisão final.
4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.
Não houve pronúncia de qualquer das partes, tendo a Requerente apresentado um requerimento em 20-11-2023, juntando, para conhecimento, “o Acórdão do Tribunal de Justiça, proferido a 16 de novembro de 2023 no processo n.º C‑472/22, no qual se discutiu uma questão com toda a relevância para os presentes Autos”.
POSTO ISTO:
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3 e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Tudo visto, cumpre decidir.
II. DECISÃO
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MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
São dados como assentes todos os factos invocados pelo Requerente e admitidos pela Requerida, a saber:
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No dia 21 de abril de 2015, o Requerente A... adquiriu 2.800.000 (dois milhões e oitocentas mil) ações da C..., uma micro empresa constituída segundo as leis de Delaware, com sede em ..., ..., ..., Estados Unidos da América, pelo valor de $ 280.00 (duzentos e oitenta dólares), que correspondem a € 257,07 (duzentos e cinquenta e sete euros e sete cêntimos) - cf. documento comprovativo de constituição da C..., declaração de subscrição de ações, respetiva tradução, e comprovativo de transferência bancária, que se juntam, respetivamente, como Docs. 4, 5 e 6, e que se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
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Seguidamente, no dia 5 de março de 2018, o Requerente A... adquiriu 1.303.540 (um milhão, trezentas e três mil, quinhentas e quarenta) ações da mesma empresa – C... - pelo valor de $ 130.36 (cento e trinta dólares e trinta e seis cêntimos), que correspondem a € 105,90 (cento e cinco euros e noventa cêntimos) - cf. declaração de subscrição de ações, respetiva tradução, e comprovativo de transferência bancária, que se juntam, respetivamente, como Docs. 7 e 8 e que se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
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Observe-se a seguinte tabela que sumaria a aquisição de ações pelo Requerente A...:
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Primeira Aquisição
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Segunda Aquisição
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Total
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Data de Aquisição
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21 de abril de 2015
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5 de março de 2018
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N/A
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Número de Ações
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2.800.000
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1.303.540
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4.103.540
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Valor da Aquisição
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$ 280.00 | € 257,07
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$ 130.36 | € 105,90
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$ 410.36 | € 362,97
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Conclui-se, assim, que o Requerente A... adquiriu um total de 4.103.540 (quatro milhões, centro e três mil e quinhentas e quarenta) ações, por um valor total de $ 410.36 (quatrocentos e dez dólares e 36 cêntimos) que correspondem a € 362,97 (trezentos e sessenta e dois euros e noventa e sete cêntimos) - cf. cit. Docs. 5 a 8.
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Em 2021, o Requerente A..., alienou todas as ações da C... que detinha, pelo valor total de € 2.675.748,02 (dois milhões, seiscentos e setenta e cinco mil, setecentos e quarenta e oito euros e dois cêntimos), tendo recebido este valor em duas tranches – uma primeira tranche no valor de € 1.288.050,16 (um milhão, duzentos e oitenta e oito mil e cinquenta euros e dezasseis cêntimos), e uma segunda tranche no valor de € 1.387.697,86 (um milhão, trezentos e oitenta e sete mil, seiscentos e noventa e sete euros e oitenta e seis cêntimos) - cf. comprovativos de transferência bancária, que se juntam, respetivamente, como Docs. 9 e 10 e que se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
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No dia 8 de abril de 2022, os Requerentes apresentaram a sua Declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2021 (cf. comprovativo da declaração n.º..., que se junta como Doc. 11 e que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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Note-se que, em todos dos momentos relevantes para esta questão, nomeadamente no momento da alienação das ações e na entrega da Declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2021, o Requerente A... era residente na mesma morada que a sua mulher (a Requerente B...) – ou seja, residiam ambos em Portugal, na Rua ..., n.º ..., ...... Cantanhede, tendo apenas alterado a sua morada no dia 19 de outubro de 2022 (cf. informação constante no sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira).
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Na sequência da submissão desta declaração, os Requerentes foram notificados da liquidação de IRS aqui contestada, através da qual a Administração Tributária apurou um valor a pagar de € 744.925,16 (cf. cit. Doc. 2).
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Os Requerentes procederam ao pagamento do imposto liquidado pela Administração Tributária no dia 30 de agosto de 2022 (cf. comprovativo de pagamento que se junta como Doc. 12 e que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
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Seguidamente, apesar de os Requerentes terem procedido ao pagamento do imposto devido no dia 30 de agosto de 2020, a Administração Tributária notificou os Requerentes da demonstração de liquidação de juros no valor de € 92,05, por juros de morada correspondentes a um dia de atraso no pagamento do imposto devido (cf. cit. Doc. 3).
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Novamente, e apesar de não poderem concordar com esta liquidação de juros, os Requerentes procederam ao pagamento da liquidação de juros no valor de € 92,05 (cf. comprovativo de pagamento que se junta como Doc. 13 e que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
A.2. Factos dados como não provados
Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
B. DO DIREITO
B.1. QUANTO AO MÉRITO
B.1.A. DA INTEGRAÇÃO DO ARTIGO 43.º, N.º 3 E 4, do CIRS NO DIREITO FISCAL NACIONAL
Conforme é consensual entre as partes, a questão que se coloca[2] é a de saber a questão controvertida reside em saber se o regime previsto no artigo 43.º, n.ºs 1, 3 e 4 do CIRS é, ou não, aplicável às situações em que as mais-valias decorram da alienação de partes de capital social de sociedades que não tenha a sua sede e/ou direção efetiva em Portugal, nomeadamente em países terceiros.
É a seguinte a redação da norma referida:
«1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes. (...)
3 - O saldo referido no n.º 1, respeitante às operações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor.
4 - Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.»
Por seu lado o art.º 2.º, n.º 2, do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, para o qual a norma do CIRS transcrita remete, dispõe que:
«Na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros.»
Face a esta norma, e aos factos dados como provados, verifica-se que a empresa cujas participações sociais geraram as mais valias tributadas na liquidação objeto da presente ação arbitral se qualifica como pequena empresa, uma vez que preenche para o ano de 2021, todos os requisitos exigidos: número de trabalhadores, volume de negócios e balanço total.
Desta forma, apenas cumpre apreciar se a norma a circunstância de a empresa em questão ser uma entidade não residente (sem sede ou direção efetiva em território nacional), mais concretamente nos EUA, contende, ou não, com a aplicação da suprarreferida norma do art.º 43.º, n.ºs 3 e 4, do CIRS aplicável.
Relativamente a esta questão, diga-se, desde logo, que o art.º 43.º, n.ºs 3 e 4, do CIRS aplicável não pressupõe a aplicação do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, mas apenas remete para a definição efetuada por aquele diploma, do que sejam micro e pequenas empresas.
Assim, se o DL em questão apenas se aplica às sociedades cuja sede ou direção efetiva se situem em Portugal tal não ocorrerá pela definição de micro e pequenas empresas ali formulada, mas por força das normas gerais de aplicação das leis, relacionadas com a territorialidade destas, para as quais o art.º 43.º, n.ºs 3 e 4, do CIRS não remete.
Não está, assim, em causa, o Estado português, achar-se competente para definir o conceito de micro e de pequenas empresas localizadas fora dos limites da sua jurisdição, e como tal, sujeitos à soberania de outro Estado. Com efeito, o Estado português define o que é micro e pequena empresa para si (e deve fazê-lo, como adiante se verá, respeitando as imposições comunitárias a que se vinculou, relativas à liberdade de circulação de capitais), e não o que é micro e pequena empresa para outros Estados.
Também não está em causa, ao contrário do parece sugerir a Requerida, que “o conceito e critérios de qualificação das pequenas e microempresas previstos no Decreto-Lei n.º 372/2007, aplica-se apenas no âmbito do território nacional sujeito à soberania do Estado Português.
Ora, nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007, como tem sido reconhecido jurisprudencialmente, a remissão feita pelo CIRS para aquele DL é uma remissão material, não pressupondo que as empresas em questão gozem, formalmente, da qualificação de micro ou pequena empresa, reconhecida nos termos desse mesmo DL, o que torna a argumentação completamente irrelevante.
B.1.B. DA INTEGRAÇÃO DO ARTIGO 43.º, N.º 3 E 4, DO CIRS NO DIREITO PRIMÁRIO DA UE QUANDO EM CAUSA ESTEJAM RENDIMENTOS (GANHOS DE MAIS-VALIAS IMOBILIÁRIAS) OBTIDOS POR NR RESIDENTES EM ESTADOS TERCEIROS
Subjaz à questão fundamental a apreciar nos autos[3], para então se decidir quanto à peticionada anulação, apurar a conformidade do regime jurídico Português de tributação em IRS de rendimentos de Mais-Valias na transmissão de bens imóveis (sitos em Portugal) com as normas que, no Direito Primário da UE, consagram as liberdades fundamentais. Em concreto, com a liberdade de circulação de capitais, quando em causa estejam rendimentos (ganhos de mais-valias imobiliárias) obtidos por residentes em Estados terceiros, no confronto com o regime aplicável aos Residentes.
Deve ter-se em conta a Jurisprudência do TJUE (neste sentido pode ver-se o Despacho do TJUE de 6 de Setembro de 2018, Proc. C-184/18, ou o Acórdão no Caso Jahin, de 18 de Janeiro de 2018, Proc. C-45/17), já também refletida na nossa Jurisprudência (pode ver-se o Acórdão do TCA Sul, Proc. 1358/08.9BESNT, de 08.05.2019, prolatado após e em aplicação, no processo origem, do referido Despacho do TJ, e Decisões Arbitrais – v. Proc. 846/2019-T, entre outros).
O Artigo 63.° do TFUE estabelece a livre circulação de capitais não apenas entre Estados-Membros (“EM”) mas igualmente entre EM e Estados terceiros, proibindo de modo geral todas as restrições aos movimentos de capitais entre os EM e entre os EM e países terceiros . Donde, o racional seguido pelo TJ no Acórdão Hollmann será, à partida, o aplicável, mutatis mutandis, para o efeito, ao caso dos residentes em Estados terceiros.
E é precisamente com apelo ao decidido pelo TJUE no Acórdão Hollmann e demais Jurisprudência neste alicerçada (incluindo o Despacho do TJ que vimos de aflorar), que, como bem se compreende, os Requerentes nestes autos fundamentam a sua posição no sentido de o regime que lhe foi aplicado ser violador do Direito da eu (DUE).
No caso dos não residentes que residam em EM da UE ou no EEE vigoram atualmente, e já assim ao tempo dos factos (rendimentos obtidos em 2021), dois regimes alternativos, a saber,
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o plasmado no n.º 1, al. a), do art.º 72.º e,
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por outro lado, o constante dos n.ºs 13 e 14 (cfr. numeração ao tempo dos factos, atualmente n.ºs 14 e 15) do mesmo art.º 72.º.
O primeiro faz aplicar uma taxa especial, fixa, ao tempo dos factos (e ainda atualmente), de 28%, ao total do ganho de mais-valias, enquanto que o segundo se traduz na aplicação do regime aplicável aos Residentes (em seguida sumariado), muito embora sem a consequência (que ocorre no caso dos Residentes) de a tributação dos demais rendimentos obtidos pelo sujeito passivo no ano, independentemente da sua natureza e de qual seja a respetiva Categoria em IRS, resultar afetada (por força do englobamento obrigatório do ganho de mais-valias imobiliárias).
Já no caso dos Residentes é aplicável, com carácter de obrigatoriedade (sem possibilidade de opting out), o regime resultante do art.º 43.º, n.º 2, nos termos do qual, em conjugação com os demais artigos do CIRS, no essencial percorridos , à base tributável (o ganho de mais-valias imobiliárias ) é aplicada uma redução de 50% e, então, essa base tributável (o valor do ganho pela metade) acresce (por englobamento) aos demais rendimentos obtidos, mundialmente, pelo sujeito passivo no ano em causa. Depois então se aplicando a tabela geral de taxas do art.º 68.º ao montante global dos rendimentos – e não apenas aos rendimentos da respetiva Categoria G. Taxas essas progressivas, por escalões, e que vão até um valor de taxa marginal de 48%, à qual ainda poderá acrescer, no escalão máximo dos rendimentos, uma taxa adicional de, no máximo, 5% (cfr. art.º 68.º-A). Assim no quadro de um imposto único, de base alargada e de formação sucessiva, com progressividade, por escalões.
Tendo em conta a existência de Jurisprudência (maxime Acórdão de 11.10.2007, do TJUE, no Caso Hollman, proc.º C-443/06) em que se determina que a liberdade de circulação de capitais consagrada nos Tratados se opõe a uma legislação nacional/a uma norma como a do art.º 43.º, n.º 2 do CIRS que sujeita as mais-valias em causa “a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a esse mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente”, tendo em conta a alteração legislativa entretanto operada pelo legislador nacional , e tendo em vista a aplicação efetiva e a interpretação uniforme do DUE, o TJUE veio declarar que “O artigo 63.º e o artigo 65.º, n.º 1, TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro (…) que (…) sujeita sistematicamente os não residentes a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a esse mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por residentes, não obstante a faculdade concedida aos não residentes de optarem (…).” Mantém-se pois, na base da sua nova pronúncia, o entendimento (firmado no Acórdão Hollmann) no sentido de que estamos perante situações objetivamente comparáveis (a dos Residentes versus a dos NR), e, ainda, de que o distinto tratamento se não justifica por razões imperiosas de interesse geral/necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.
Considerando que de acordo com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STA de 09.12.2020 “o n.º 2 do art.º 43.º do CIRS (…) ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art.º 63.º do TFUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido (...), previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da EU ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.”.
Acrescente-se ainda o Acórdão do TJUE invocado pela Requerente e proferido a 16 de novembro de 2023 no processo n.º C‑472/22, no qual se discutiu uma questão com toda a relevância para os presentes Autos, e que conclui o seguinte:
“O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática fiscal de um Estado‑Membro, em matéria de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, que reserva um benefício fiscal, que consiste na redução para metade da tributação das mais‑valias geradas pela transmissão de participações sociais, apenas às transmissões de participações sociais em sociedades estabelecidas nesse Estado‑Membro, com exclusão das transmissões de participações sociais em sociedades estabelecidas noutros Estados‑Membros”.
Ora, conforme referido pela Requerente, esta decisão é totalmente aplicável ao caso dos presentes Autos, como expressamente indica o artigo 63.º do TFUE que estatui que “são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, pelo que a proibição de restrições é transversal.
E retornando mais concretamente ao caso, com referência ao no ano em que os Requerentes obtiveram os rendimentos de cuja tributação aqui se trata (2021), submeteram os mesmos a respetiva declaração de rendimentos Modelo 3, como residentes para efeitos fiscais em Portugal – matéria não controvertida pela AT. . Por conseguinte, ficou sujeito a tributação do ganho de mais-valias em questão (o que não contesta), desde logo nos termos conjugados dos art.ºs 9.º, n.º 1, al. a), 10.º, n.º 1, al.b), 13.º, n.º 1, 15.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, al. i) (todos supra). E na Liquidação em crise tendo sido aplicado o art.º 72.º, n.º 1, al. a), a saber, a taxa especial de 28% sobre montante total do ganho de mais-valias obtido em resultado da venda do bem imóvel em causa.
Verifica-se, assim, que ao caso não foi aplicado o art.º 43.º, n.º 2 e - em aplicação, como devido, da Jurisprudência identificada - deveria diferentemente tê-lo sido, sob pena de ser violada a liberdade de circulação de capitais.
A pretendida redução, a metade, para efeitos de tributação, do ganho de mais-valias, deve, nestes termos, proceder. Em face do exposto, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando as liquidações de IRS impugnadas, com o consequente reembolso do valor pago em excesso, nos termos expostos.
B.2. QUANTO À RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA EM EXCESSO ACRESCIDA DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT, que dispõe que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea” ”( CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).
O n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral” (CAAD, proc. nº 277/2020-T; CAAD, proc. nº 220/2020-T).
Na sequência da anulação parcial do ato impugnado, a Demandante terá direito a ser reembolsada do imposto indevidamente pago, o que é efeito da própria anulação parcial, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.
Quanto ao direito a juros indemnizatórios, dispõe o art.º 43º nº 3 LGT que “são também devidos juros indemnizatórios (...) d) em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.
É o caso nos presentes autos, na medida em que os Requerentes efetuaram o pagamento do imposto liquidado pela administração tributária, pelo que deverão ser ressarcidos do montante indevidamente pago em sede de IRS, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios à luz do preceituado nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
Pelo que há que concluir que, transitada a presente decisão arbitral em julgado, os Requerentesterão direito a ser ressarcidos nos termos do art. 43º, nº 3, al. d) da LGT, através do pagamento de juros indemnizatórios.
C. DECISÃO
Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:
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Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial da liquidação, uma vez que a mesma deve considerar o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, correspondente ao valor de imposto pago em excesso pelos Requerentes no cálculo das mais valias tributáveis apuradas sobre 50% de € 2.675.748,02;
E em consequência:
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Ordenar a devolução aos Requerentes dos referidos montantes em excesso apurados, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados da data do seu pagamento até integral reembolso.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 744.925,16, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 10.710,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 21 de dezembro de 2023
Os Árbitros,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
(Ana Rita do Livramento Chacim)
(João Santos Pinto)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
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