SUMÁRIO:
Encontra-se abrangido pela al. d) do n.º 7 do art. 10.º do CIRS, para efeitos de exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel destinado a habitação própria e permanente, a utilização do valor de realização na aquisição de contrato de seguro financeiro do ramo vida com um período inicial de 8 anos prorrogável por declaração do sujeito passivo adquirente.
ACÓRDÃO ARBITRAL
PROCESSO N.º 276/2023-T
Os árbitros Professora Doutora Regina de Almeida Monteiro, Árbitro Presidente, Dr. Vítor Braz e João Menezes Leitão, árbitros vogais, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. Relatório[1]
1. A..., a seguir designado por “Requerente”, contribuinte n.º ..., residente na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01, com as alterações subsequentes (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT), apresentou, em 14.04.2023, pedido de pronúncia arbitral, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), no qual peticionou que deve ser anulada a demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2022..., referente a 2021, e substituída por outra na qual seja considerado o montante de €600.000,00 para efeitos de exclusão de tributação do valor de realização proveniente da alienação onerosa de imóvel, bem como a restituição ao Requerente da importância por ele paga correspondente à coleta de €63.713,08 resultante da liquidação referida e feito o acerto de contas com a coleta a constar da liquidação de substituição a efetuar pela AT.
2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do presente tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no competente prazo.
Em 06.06.2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Em consonância com a al. c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 26.06.2023.
3. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, em sustentação da peticionada anulação da liquidação de IRS respeitante ao ano de 2021, bem como da decisão da reclamação graciosa que a manteve, os seguintes motivos essenciais:
i) o Requerente procedeu à venda no ano de 2021 do imóvel destinado à sua habitação própria e permanente, do que resultou a realização de uma mais-valia de €1.200.000,00, deduzida dos encargos de €106.403,74, sendo que uma parte do valor de realização no montante de €1.448.379,73 foi reinvestida na aquisição da propriedade de outro imóvel e a outra parte na aquisição de um contrato de seguro financeiro do ramo vida, em que assumiu as condições de tomador do seguro e pessoa segura, tendo pago um prémio de €600.000,00;
ii) nos termos do art. 10.º, n.º 7 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo são excluídos de tributação quando o valor de realização deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para aquisição do imóvel e do reinvestimento previsto na alínea a) do n.º 5 do mesmo art. 10.º, seja utilizado para a aquisição de um seguro financeiro do ramo vida;
iii) em consequência, na liquidação do IRS do Requerente deveria ter sido considerado o reinvestimento de €600.000,00 na aquisição do seguro financeiro do ramo vida, o que não sucedeu, pois apenas foi tido em conta o valor de €1.448.379,73 reinvestido na aquisição doutro imóvel, por a AT ter entendido, dado o contrato de seguro ter sido celebrado pelo período de oito anos, que não estava de acordo com a exigência legal de manutenção do seguro durante pelo menos dez anos;
iv) se é verdade que o período inicial de vigência do contrato de seguro é de oito anos, não é menos verdade que esse prazo pode ser prorrogado por uma ou mais vezes, a pedido do tomador do seguro como prevê o artigo 6.º, n.º 1 do contrato de seguro;
v) a possibilidade de o contribuinte que adquiriu o seguro financeiro do ramo vida não vir a cumprir quer com o limite anual de 7,5% do valor investido por cada prestação regular periódica quer com o prazo dos dez anos encontra-se regulada no n.º 8 do art. 10.º do CIRS, pelo que é só e quando isso vier a acontecer que será tributado o ganho antes excluído de tributação;
vi) o que não se pode é partir logo do princípio de que o contribuinte não irá observar até final os requisitos legalmente estabelecidos, para desconsiderar o reinvestimento na aquisição de contrato de seguro financeiro do ramo vida, como fez a AT no caso vertente;
vii) não há motivo para não conceder a exclusão de tributação ao contribuinte que celebrou contrato de seguro financeiro do ramo vida com o período inicial de oito anos, mas prorrogável;
viii) é, pois, incorreta a liquidação de IRS do Requerente feita pela AT relativamente ao ano de 2021, na medida em que a mesma não considera para efeitos de exclusão de tributação o valor de €600.000,00 utilizado na aquisição de contrato de seguro financeiro do ramo vida, o que infringe o art. 10.º, n.º 7 do CIRS, padecendo por isso o ato de liquidação impugnado do vício de violação de lei.
O Requerente arrolou prova testemunhal, a saber, a testemunha B..., funcionário bancário.
4. A Requerida, ao abrigo do n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, juntou aos autos o procedimento administrativo de reclamação graciosa com o n.º ...2022... (a seguir PA) e apresentou resposta, na qual, convocando e dando por reproduzida a informação emitida no âmbito da decisão da reclamação graciosa, peticionou a improcedência do pedido de pronúncia arbitral por não provado, alegando, em súmula, o seguinte:
i) não é possível aferir, no caso em apreço, o requisito previsto na al. d) do n.º 7 do art. 10.º do CIRS, que dispõe que o investimento na aquisição do Contrato de Seguro Financeiro do Ramo Vida visa, exclusivamente, proporcionar ao adquirente ou ao respetivo cônjuge ou unido de facto uma prestação regular periódica durante um período igual ou superior a 10 anos, de montante máximo anual igual a 7,5 % do valor investido (€ 45.000,00);
ii) verifica-se que o Contrato de Seguro Financeiro do Ramo Vida foi celebrado por um prazo de 8 anos, tendo o Requerente junto apenas três declarações por si elaboradas e assinadas, as quais não detêm força probatória suficiente, não se encontrando juntos aos autos quaisquer documentos complementares que comprovem a verificação dos requisitos previstos na al. d) do n.º 7 do art. 10.º do CIRS;
iii) em consequência, a liquidação sub judice encontra-se dentro da legalidade.
5. Por despacho de 15.09.2023 da Presidente do Tribunal Arbitral dispensou-se a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, atendendo a que não foram suscitadas exceções de que caiba conhecer preliminarmente, nem há irregularidades a suprir, o processo não se apresenta como especialmente complexo no plano da tramitação processual, e quanto à requerida prova testemunhal por não existir matéria de facto controvertida relevante para decisão da causa que possa ser esclarecida com a produção de prova testemunhal.
No mesmo despacho, foi concedida às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, o que apenas foi concretizado pelo Requerente, conforme requerimento de 04.10.2023.
Foi indicada como data para a prolação da decisão final o termo do prazo fixado no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT (26.12.2023).
II. Saneamento
6. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, em conformidade com o preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, na alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º, na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e do n.º 1 do artigo 11.º, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão devidamente representadas (artigo 4.º e artigo 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03).
O processo não enferma de nulidades e não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. Thema Decidendum
7. A questão objeto do litígio concerne à legalidade da liquidação de IRS sindicada, em atenção aos requisitos estabelecidos no n.º 7 do art. 10.º do CIRS, especificamente quanto à condição imposta pela alínea d) do referido número, relativamente à não consideração, para efeitos de exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel destinado a habitação própria e permanente, da utilização do valor de realização, na parte correspondente ao montante de €600.000,00, na aquisição de contrato de seguro financeiro do ramo vida.
IV. Fundamentação de Facto
A. Factos provados
8. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
I. O Requerente, com o número de contribuinte ..., nasceu em 18.01.1958 e encontra-se reformado desde 15.01.2019, conforme dados cadastrais do Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes reproduzidos a pp. 37 e segs. do PA e documentos emitidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social Brasileiro juntos como doc. n.º 6 ao pedido de pronúncia arbitral e a p. 97 do PA.
II. O Requerente vendeu em 22.01.2021 pelo preço de €2.200.000,00 o prédio urbano sito em ..., na Avenida ..., n.ºs ... e ... e Rua ..., em Lisboa, que se destinava à sua habitação própria e permanente (factualidade não controvertida conforme art. 14.º do pedido de pronúncia arbitral e art. 4.º da resposta; cfr. igualmente o contrato de venda formalizado por documento particular com termo de autenticação junto como doc. n.º 2 ao pedido de pronúncia arbitral).
III. No dia 21.07.2021, o Requerente celebrou com a C... Seguros um contrato de seguro financeiro do ramo vida, na modalidade de Instrumento de Captação de Aforro Estruturado (ICAE)/Produto Financeiro Complexo, com a apólice n.º..., em que assumiu as condições de tomador do seguro e pessoa segura, com pagamento de um prémio comercial único no montante de €600.000,00, conforme documentos n.ºs 8, 9 e 10 ao pedido de pronúncia arbitral e a pp. 98 e segs. do PA.
IV. No contrato de seguro referido no ponto anterior, nas condições particulares estipulou-se como início do seguro 21.07.2021 e como termo 21.07.2029 e, nas condições gerais, ficou clausulado o seguinte:
- artigo 6.º:
“1. O contrato tem início às 0 (zero) horas do dia indicado nas Condições Particulares e a duração do contrato é de 8 (oito) anos e 1 (um) dia, podendo o prazo ser prorrogado, por uma ou mais vezes, a pedido do Tomador do Seguro.
2. O Contrato cessa nas seguintes situações:
a) Vencimento do Contrato, caso não haja lugar a prorrogação;
b) Resgate Total por solicitação do Tomador do Seguro, sem prejuízo do referido na alínea c) do número 5 do artigo. 4.º;
c) Caso não sejam cumpridos os requisitos mínimos de permanência para manter a Apólice em vigor, de acordo com o número 4 do artigo 11º;
d) Nos demais casos previstos na Lei, nomeadamente em caso de anulação ou resolução;
e) Resgate por morte da Pessoa Segura. (...)
- artigo 7.º:
1. O prémio único é devido antecipadamente pelo Tomador do Seguro, devendo respeitar o valor mínimo estabelecido pelo Segurador. O valor mínimo do prémio único é €600.000,00. (...)
- artigo 11.º:
1. O Tomador do Seguro poderá solicitar em qualquer momento por escrito e desde que que se encontre pago o prémio, o resgate total ou parcial do contrato.
2. O direito de resgate só pode ser exercido pelo Tomador do Seguro e sem prejuízo das limitações decorrentes dos direitos atribuídos ao Beneficiário Aceitante.
3. O Tomador do Seguro receberá o valor resultante da multiplicação do número de Unidades de Conta resgatadas pela cotação subsequente à data do pedido, deduzido do encargo de resgate, de 1,00% durante o primeiro ano de vigência da apólice e de 0,00% nos anos seguintes.
4. Em caso de resgate parcial, o valor remanescente das Unidades de Conta, não poderá ser inferior a €100.000,00, caso em que deverá proceder ao resgate total.
5. Em caso de Resgate por morte da Pessoa Segura, apenas é possível efectuar resgate total, não sendo aplicada qualquer comissão.
V. O Requerente emitiu, com data de 21.07.2021, três declarações em relação ao seguro acima indicado, conforme documentos n.ºs 13, 14 e 15 juntos ao pedido de pronúncia arbitral e a pp. 106 e segs. do PA, com o seguinte conteúdo:
- “Declaração de Propósito e Condição a ser observada pelo Tomador do Seguro.
Conforme o estipulado pelo artigo 11 das Condições Gerais do C... ANM, o Sr. A..., devidamente identificado como o Tomador do Seguro e, portanto, o único titular do direito de resgate conforme disposto no item 2 do artigo 11, se compromete a respeitar a regra definida no Artigo 10, número 7 D do CIRS de exclusivamente solicitar resgates que visem proporcionar ao tomador do seguro ou a seu respetivo cônjuge, uma prestação periódica de montante máximo anual igual a 7,5% do valor investido desta forma auto restringindo seu direito conferido pela item 1 da referida Cláusula 11 das Condições Gerais do C... ANM de resgate livre do valor disponível”;
- “Compromisso de Renovação do Seguro.
Conforme o estipulado pelo artigo 8 [sic] número 1 das Condições Gerais do C... ANM, o Sr. A..., devidamente identificado como o Tomador do Seguro e, portanto, titular do direito de prorrogação unilateral do contrato, se compromete a renovar o C... ANM por mais oito anos, tempestivamente, de forma a assegurar o cumprimento da Declaração de Propósito e Condição a ser observada pelo Tomador do Seguro conforme declaração nesse sentido arquivada com os demais documentos desse Seguro”;
- “Política de resgate periódico a ser observada pelo Tomador do Seguro.
Conforme o estipulado pelo artigo 11 das Condições Gerais do C... ANM, o Sr. A..., devidamente identificado como o Tomador do Seguro e, portanto, o único titular do direito de resgate conforme disposto no item 2 do artigo 11, se compromete a efetuar resgates periódicos anuais dentro do intervalo de 21 de Julho de cada ano até o término de cada ano fiscal, a partir do ano de 2022, que correspondam ao valor de 4.500 cotas do ICAE ANM de forma a atender o disposto no Artigo 10, número 8 do CIRS”.
VI. Com a venda referida em II, o Requerente realizou uma mais-valia de €1.200.000,00, deduzida dos encargos de €106.403,74, tendo a parte do valor de realização de €600.000,00 sido reinvestida na aquisição do contrato de seguro financeiro do ramo vida acima descrito (factualidade não controvertida; cfr. ainda a declaração de rendimentos junta como doc. n.º 1 ao pedido de pronúncia arbitral e a pp. 14 e segs. do PA).
VII. Em 26.06.2022, o Requerente submeteu, na qualidade de residente, a sua declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS (n.º ...-2021-...) respeitante ao ano de 2021, com inclusão dos Anexos G e J, conforme doc. n.º 1 ao pedido de pronúncia arbitral e a pp. 14 e segs. do PA.
VIII. No indicado anexo G (mais-valias e outros incrementos patrimoniais), o Requerente indicou as seguintes operações de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e de reinvestimento (cfr. o doc. referido no ponto antecedente):
• Quadro 4 - ALIENAÇÃO ONEROSA DE DIREITOS REAIS SOBRE BENS IMÓVEIS - Freguesia: ...- Artigo ...-U
Data de realização
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Valor de realização
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Data de aquisição
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Valor de aquisição
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Despesas
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2021.01
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€2.200.000,00
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01.2018
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€1.000.000,00
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€106.403,74
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• Quadro 5 - REINVESTIMENTO DO VALOR DE REALIZAÇÃO DE IMÓVEL DESTINADO A HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE.
- INTENÇÃO DE REINVESTIMENTO
5006 - Valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito) na aquisição da propriedade de outro imóvel (...): €1.600.000,00
5012 - Valor de realização que pretende reinvestir na aquisição de um contrato de seguro (...): €600.000,00
- REINVESTIMENTO EFETUADO NA AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE DE OUTRO IMÓVEL APÓS A ALIENAÇÃO
5008 - Valor de realização reinvestido no ano da declaração após a data da alienação (sem recurso ao crédito): €1.448.379,73
- REINVESTIMENTO EFETUADO NA AQUISIÇÃO DE UM CONTRATO DE SEGURO APÓS A ALIENAÇÃO
5013 - Valor de realização reinvestido, no prazo de 6 meses, no ano da declaração após a data de alienação: €600.000,00
- IDENTIFICAÇÃO MATRICIAL DO IMÓVEL OBJETO DE REINVESTIMENTO: Freguesia: ... - Artigo:...– U – Fração I
IX. O Requerente foi objeto da liquidação de IRS referente a 2021 com o n.º 2022 ..., com valor a pagar de €63.713,08, a qual não considerou o reinvestimento na aquisição do contrato de seguro financeiro do ramo vida no montante de €600.000,00 (factualidade não controvertida conforme arts. 4.º e 25.º do pedido de pronúncia arbitral e arts. 3.º e 4.º da resposta; cfr. também a demonstração de liquidação junta como doc. n.º 3 ao pedido de pronúncia arbitral e a pp. 24 e segs. do PA).
X. O Requerente apresentou em 23.09.2022 via internet contra a referida liquidação de IRS reclamação graciosa (procedimento n.º ...2022...), no qual requereu a respetiva correção no sentido de ser considerado o reinvestimento na aquisição do contrato de seguro do ramo vida, nos termos do n.º 7 do art. 10.º do CIRS (cfr. documento a fls. 2 do PA).
XI. O Requerente foi notificado do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa para efeitos do exercício do direito de audição (conforme doc. n.º 4 ao pedido de pronúncia arbitral e a pp. 87 e segs. do PA), projeto de decisão esse que se sustentou em informação em que se considerou o seguinte:
- “A questão controvertida, nos presentes autos, prende-se com a tributação de mais-valias, nos termos do art.º 10.º e do art.º 43.º e seguintes do CIRS, nomeadamente, no que diz respeito ao reinvestimento na aquisição de contrato de seguro, nos termos do nº 7 do art.º 10.º do CIRS.
Atendendo aos valores declarados, verifica-se que foi apurada uma mais-valia, nos termos da al. a) do nº 1, da al. a) do n.º 4 do art.º 10.º, do art.º 44.º, do art.º 46.º, do art.º 50 e do art.º 51.º do CIRS, no montante de €1.093.596,26:
Valor de realização - (valor de aquisição x coeficiente + despesas)
€2.200.000,00 - (€1.000.000,00 x 1.00 + €106.403,74)
€2.200.000.00 - €1.106 403.74
MV = €1.093.596,26
Ora, são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as condições previstas no nº 5, no nº 6 e no nº 7 do art.º 10 do CIRS.
No caso em apreço, verifica-se que o ora reclamante manifestou a intenção de reinvestimento do montante de €1.600.000,00, na aquisição de novo bem imóvel destinado à habitação própria e permanente, e do montante de €600.000,00, destinado a aquisição de contrato de seguro, o que dá o montante total de €2.200.000,00, correspondente ao valor de realização.
Ora, no que diz respeito à questão controvertida nos presentes autos, referente ao reinvestimento na aquisição de contrato de seguro, dispõe o n° 7 do art.° 10.º do CIRS (...).
Verifica-se desde logo que o ora reclamante, não obstante ter manifestado a intenção de proceder ao reinvestimento, tinha apenas 63 anos de idade, à data da transmissão do imóvel, pelo que, não só não se encontra verificado aquele requisito, como também não se encontram comprovados os restantes requisitos.
Assim, no cálculo da mais-valia a tributar, apenas foi tido em conta o reinvestimento na aquisição de novo bem imóvel, apurada da seguinte forma:
Valor reinvestido / valor a reinvestir × 100
€1.600.000,00 / €2.200,000,00 × 100 = 72,7272% (Percentagem do valor de realização reinvestido)
100 - 72,72727 = 27,2727% (Percentagem do valor de realização não reinvestido)
€1.093.596,26 x 27,2727% = €298.253,525 × 50% = €149.126,76 (Mais-valia tributada)”.
XII. O Requerente exerceu o direito de audição relativamente ao projeto de decisão da reclamação graciosa nos termos que resultam da comunicação de 06.12.2022, acompanhada de documentos, junta como doc. n.º 5 ao pedido de pronúncia arbitral e a pp. 90 e segs. do PA, no qual invocou o seguinte:
“O reclamante começa por informar que é reformado desde 15/1/de 2019, conforme documento apresentado na data de hoje, emitido pelo Instituto Nacional do Seguro Social Brasileiro em 28/11/2022, comprovando-se desta forma o cumprimento do requisito previsto no art. 10º, nº 7 al b) do CIRS.
A informação da situação de reforma já constava da Declaração Mod. 3 do IRS, no Anexo J.
Relativamente ao seguro apresentou o reclamante o comprovativo do Contrato de Seguro Financeiro do Ramo Vida, celebrado com a C... Vida, em 21 de Julho de 2021, ou seja, antes de decorridos 6 meses após a venda do imóvel (22 de Janeiro de 2021) que gerou a mais valia, verificando-se desta forma o cumprimento do requisito constante da al. c) do identificado artigo.
O contrato de seguro foi celebrado pelo período inicial de 8 anos, por ser o único período inicial permitido, contudo prorrogável por uma ou mais vezes, a pedido do Tomador do Seguro, conforme é determinado pelo artº 6º nº 1 das Condições Gerais da Apólice, cuja cópia igualmente fica hoje entregue.
Posteriormente à celebração do contrato de Seguro, o reclamante enviou para a seguradora 3 declarações para cumprimento do disposto na al. d) do supra identificado artigo, cujas cópias apresenta na presente data, a saber:
1- A Declaração de Propósito na qual assume o compromisso de limitar a solicitação de resgates que visem proporcionar ao tomador do seguro ou ao seu cônjuge, uma prestação periódica de montante máximo anual igual a 7,5% do valor investido;
2-O compromisso de Renovação do Seguro por mais 8 anos, para além do período inicial e
3-A política de resgate periódico na qual se compromete a efetuar resgates periódicos anuais dentro do intervalo de 21 de Julho de cada ano até ao término do ano fiscal, que correspondam ao valor de 4.500 cotas (ou 7,5%) do ICAE AMN.
Para além da entrega das cópias das declarações identificadas em 1, 2 e 3 e se assim entenderem necessário, poderão requerer diretamente à seguradora comprovativo de que as mesmas se encontram arquivadas junto da documentação do Fundo.
Em face do exposto considera-se que estão apresentadas todas as provas comprovativas do cumprimento de todos os requisitos exigidos pelo identificado n° 7 do art. 10º, razão pela qual deve a decisão projetada ser alterada para uma decisão que defira a reclamação apresentada e em consequência proceda à anulação da nota de liquidação emitida, com a devolução da quantia paga”.
XIII. O Requerente foi notificado em 31.01.2023, mediante 2.ª notificação de 27.01.2023, da decisão de 19.12.2023 de indeferimento da reclamação graciosa, que manteve o valor da liquidação de IRS referente a 2021 de €63.713,08, conforme doc. n.º 7 ao pedido de pronúncia arbitral e a pp. 120 e segs. do PA, decisão que se dá por reproduzida, a qual assenta em “Informação Complementar” relativa à “Audição Prévia”, de que se destacam os excertos seguintes:
“Após análise da presente exposição e dos documentos juntos aos autos pelo ora reclamante, cumpre aferir se se encontram verificados os requisitos previstos no nº 7 do art.º 10.º do CIRS, e consequentemente, se se encontram excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa do bem imóvel. (...).
Assim, verifica-se o seguinte:
• Na data da transmissão do imóvel, o ora reclamante encontrava-se, comprovadamente, em situação de reforma desde 15-01-2019;
• Foi celebrado um Contrato de seguro financeiro do ramo vida – Apólice nº...– com início a 21-07-2021, dentro do prazo de seis meses a contar da data da alienação do bem imóvel a qual ocorreu a 22-01-2021, sendo o valor do prémio no montante de €600.000,00;
• Foi manifestada a intenção de proceder ao reinvestimento, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação.
No entanto, não é possível aferir do requisito previsto na al. d) do nº 7 do art.º 10.º do CIRS, a qual dispõe que o investimento na aquisição do Contrato de Seguro Financeiro do Ramo Vida vise, exclusivamente, proporcionar ao adquirente ou ao respetivo cônjuge ou unido de facto uma prestação regular periódica durante um período igual ou superior a 10 anos, de montante máximo anual igual a 7,5 % do valor investido (€ 45.000,00).
Ora, no caso em apreço, verifica-se que o Contrato de seguro financeiro do Ramo Vida foi celebrado, por um prazo de 8 anos, tendo o ora reclamante junto apenas três declarações por si elaboradas e assinadas, as quais não detêm força probatória suficiente, não se encontrando juntos aos autos quaisquer documentos complementares que comprovem a verificação dos requisitos previstos na al. d) do nº 7 do art.º 10.º do CIRS.
Mais se informa que dispõe o n.º 8 do art.º 10.º do CIRS que “Não há lugar ao benefício referido no número anterior se o reinvestimento não for efetuado no prazo referido na alínea c), ou se, em qualquer ano, o valor das prestações recebidas ultrapassar o limite fixado na alínea d), ou se for interrompido o pagamento regular das prestações, sendo esse ganho objeto de tributação no ano em que se conclua o prazo para reinvestimento, ou que seja ultrapassado o referido limite ou no ano em que seja interrompido o pagamento regular das prestações, respetivamente.”
Assim, não sendo possível aferir da verificação do requisito da al. d) do nº 7 do art.º 10.º do CIRS, afigura-se ser de manter o sentido da decisão, indeferindo-se a pretensão do ora reclamante”.
B. Factos não Provados
9. Com relevo para a decisão da causa em face das alegações das partes, o Tribunal julga como não provada a seguinte factualidade:
A. O Requerente procedeu ao pagamento integral do valor de €63.713,08 resultante da demonstração de liquidação de IRS n.º 2022 ... .
C. Motivação da Decisão da Matéria de Facto
10. A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada, para além do reconhecimento de factos não controvertidos pelas partes, resultou da análise crítica dos documentos juntos aos autos com o pedido de pronúncia arbitral e dos constantes do processo administrativo, que integra o processo de reclamação graciosa, como indicado em relação a cada facto julgado provado nos vários números do probatório.
Quanto ao facto dado não provado, trata-se de matéria que foi alegada pelo Requerente apenas no art. 9.º do pedido de pronúncia arbitral, com o seguinte teor: “Tal decisão foi de indeferimento da reclamação graciosa, assim se mantendo o valor da liquidação de IRS referente a 2021 efetuada pela AT, com um valor a pagar de €63.713,08, que, de resto, o requerente já pagou”. Porém, não foi apresentado qualquer documento comprovativo do alegado pagamento, pelo que não se mostra feita prova desse facto. No PA apenas se detetaram referências a que foi requerido o pagamento em prestações e a cumprimento de plano de prestações, cujos termos não surgem indicados, pelo que à míngua de outros elementos probatórios, que não foram sequer invocados pelo Requerente, resta concluir pela não demonstração dessa factualidade.
V. Do Mérito. Fundamentação de Direito
11. O n.º 7 do art. 10.º do CIRS, na redação da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, aplicável ratione temporis, dispõe o seguinte:
“7 - Os ganhos previstos no n.º 5 são igualmente excluídos de tributação, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel e, se aplicável, do reinvestimento previsto na alínea a) do n.º 5, seja utilizado para a aquisição de um ou mais de um dos produtos seguintes:
i) Contrato de seguro financeiro do ramo vida;
ii) Adesão individual a um fundo de pensões aberto; ou
iii) Contribuição para o regime público de capitalização
b) O sujeito passivo ou o respetivo cônjuge ou unido de facto, na data da transmissão do imóvel, se encontre, comprovadamente, em situação de reforma ou tenha, pelo menos, 65 anos de idade;
c) A aquisição do contrato de seguro financeiro do ramo vida, a adesão individual a um fundo de pensões aberto ou a contribuição para o regime público de capitalização seja efetuada nos seis meses posteriores contados da data de realização;
d) Sendo o investimento realizado por aquisição de contrato de seguro financeiro do ramo vida ou da adesão individual a um fundo de pensões aberto, estes visem, exclusivamente, proporcionar ao adquirente ou ao respetivo cônjuge ou unido de facto uma prestação regular periódica durante um período igual ou superior a 10 anos, de montante máximo anual igual a 7,5 % do valor investido;
e) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação”.
O n.º 5 deste mesmo artigo 10.º, para que remete o citado n.º 7, prevê a exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
Releva também, para o enquadramento legal atinente à resolução do litígio, considerar o disposto no n.º 8 do referido art. 10.º que determina o seguinte:
“8 - Não há lugar ao benefício referido no número anterior se o reinvestimento não for efetuado no prazo referido na alínea c), ou se, em qualquer ano, o valor das prestações recebidas ultrapassar o limite fixado na alínea d), ou se for interrompido o pagamento regular das prestações, sendo esse ganho objeto de tributação no ano em que se conclua o prazo para reinvestimento, ou que seja ultrapassado o referido limite ou no ano em que seja interrompido o pagamento regular das prestações, respetivamente.
Exposto o quadro legal pertinente, cabe, então, proceder à resolução, no circunstancialismo fáctico apurado, do litígio concreto aqui em julgamento.
12. A questão que, nos presentes autos, se mostra controvertida em relação à aplicação do disposto no n.º 7 do art. 10.º do CIRS limita-se estritamente à condição imposta pela respetiva alínea d) quanto à aquisição de contrato de seguro financeiro do ramo vida que vise, exclusivamente, proporcionar ao adquirente uma prestação regular periódica durante um período igual ou superior a 10 anos, de montante máximo anual igual a 7,5% do valor investido.
Com efeito, compulsando os elementos de natureza procedimental dados como provados nos n.ºs X, XI, XII e XIII do probatório, observa-se que, após uma primeira referência ao não preenchimento da condição atinente à idade do Requerente, como previsto na al. b) do n.º 7 do art. 10.º do CIRS (facto provado n.º XI), foi subsequentemente reconhecida pela AT, com exceção do indicado na referida al. d), a verificação de todos os demais requisitos atinentes à exclusão de tributação dos ganhos de mais-valias em causa. Como se consignou na Informação citada no n.º XIII do probatório: i) “Na data da transmissão do imóvel, o ora reclamante encontrava-se, comprovadamente, em situação de reforma desde 15-01-2019” – o que envolve o preenchimento da alínea b) do n.º 7; ii) “Foi celebrado um Contrato de seguro financeiro do ramo vida – Apólice nº...– com início a 21-07-2021, dentro do prazo de seis meses a contar da data da alienação do bem imóvel” – o que envolve o preenchimento da alínea a), subalínea i) e alínea c) do n.º 7; iii) “Foi manifestada a intenção de proceder ao reinvestimento, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação” – o que envolve o preenchimento da alínea e) do n.º 7.
Foi, pois, como se disse, recusado pela AT unicamente o preenchimento dos requisitos resultantes da alínea d) do n.º 7 do art. 10.º do CIRS, com base na consideração (cfr. n.º XIII do probatório) de que “não é possível aferir do requisito previsto na al. d) do nº 7 do art.º 10.º do CIRS” porquanto “o Contrato de seguro financeiro do Ramo Vida foi celebrado, por um prazo de 8 anos, tendo o ora reclamante junto apenas três declarações por si elaboradas e assinadas, as quais não detêm força probatória suficiente, não se encontrando juntos aos autos quaisquer documentos complementares”.
Esta consideração, pelas razões que seguidamente se expõem, carece de sustentação material e legal, pelo que se impõe reconhecer, por erro nos pressupostos, a ilegalidade da liquidação de IRS e da decisão da reclamação graciosa sindicadas quanto à não consideração, para efeitos de exclusão de tributação dos ganhos de mais-valias, do montante de €600.000,00 do valor de realização proveniente da alienação onerosa do imóvel referido no ponto n.º II do probatório, que foi utilizado na aquisição de seguro financeiro do ramo vida (cfr. facto provado n.º III).
13. Desde logo, cabe assinalar, em termos interpretativos (art. 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 9.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil), que a proposição normativa da alínea d) do n.º 7 do art. 10.º do CIRS não determina, na sua letra, qualquer modelo contratual ou estrutura de estipulação contratual mediante a qual o contrato de seguro financeiro do ramo vida proporcione, exclusivamente, durante um período igual ou superior a 10 anos, uma prestação regular periódica, de montante máximo anual igual a 7,5% do valor investido. Assim, não é adotada pela lei uma especificação e seleção exclusiva do modo da fixação contratual da duração igual ou superior a dez anos do período durante o qual tem de ter lugar a atribuição da prestação regular periódica.
Como tal, a delimitação negocial desse período tanto pode resultar de uma fixação inicial da duração do contrato de 10 ou mais anos, como pode advir de uma ampliação subsequente da sua vigência, como sucede, designadamente, pela via da prorrogação contratual, que consiste na modificação do prazo da duração inicial do contrato em momento prévio ou contemporâneo ao seu termo, em ordem ao alargamento da sua vigência para além do tempo inicialmente previsto. E bem se compreende a irrelevância de um distinguo neste âmbito, porquanto o incentivo fiscal pretendido, que constitui a ratio desta particular exclusão da tributação das mais valias, de investimento na aquisição de um produto financeiro que, dentro de certos pressupostos, faculte uma prestação regular periódica de montante máximo anual igual a 7,5% do valor investido durante um período igual ou superior a 10 anos, ocorre, económica e materialmente, em qualquer uma dessas modalidades de fixação da duração do contrato. O que releva é que, por força do contrato de seguro financeiro do ramo vida celebrado, possa decorrer um período de, pelo menos, 10 anos de pagamento das prestações regulares e periódicas. Desta forma, é esta interpretação que garante que a disposição em causa permite obter, de modo efetivo, a finalidade perseguida pelo legislador.
Precisamente, no caso sub judice, o contrato de seguro financeiro do ramo vida celebrado pelo Requerente em 21.07.2021 (cfr. facto provado n.º III) estipula, em sede de condições gerais, no seu art. 6.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), uma duração de “8 (oito) anos e 1 (um) dia”, suscetível de prorrogação “por uma ou mais vezes, a pedido do Tomador do Seguro”, cessando o contrato na data do seu vencimento apenas “caso não haja lugar a prorrogação” (cfr. o clausulado descrito no facto provado n.º IV). Deste modo, na decorrência do que acima se explicitou, o referido seguro encontra ab initio cabimento na previsão da alínea d) do n.º 7 do artigo 10.º do CIRS.
14. Observa-se, por outro lado, que o Requerente assumiu, na própria data da celebração do seguro, o compromisso de proceder à prorrogação do prazo do contrato, “por mais oito anos, tempestivamente”, de forma a assegurar “resgates que visem proporcionar ao tomador do seguro ou a seu respetivo cônjuge, uma prestação periódica de montante máximo anual igual a 7,5% do valor investido” (cfr. as transcrições das declarações indicadas no ponto n.º V do probatório), o que, evidentemente, se dirige, como expressis verbis consta das referidas declarações, ao cumprimento das condições estabelecidas pela alínea d) do n.º 7 do artigo 10.º do CIRS.
Em face disto, não se alcança a valia da argumentação da Requerida de que não é possível aferir no caso o requisito previsto na alínea d) do n.º 7 do art. 10.º do CIRS já que as três declarações elaboradas e assinadas pelo Requerente “não detêm força probatória suficiente”.
Os documentos em apreço detêm a força probatória que resulta de serem documentos particulares, datados e assinados pelo Requerente (arts. 373.º, n.º 1 e 374.º, n.º 1 do Código Civil). Consabidamente, a força probatória de um documento particular (cfr. art. 376.º, n.º 1 do Código Civil) circunscreve-se a que as declarações (de ciência ou de vontade) que dele constam foram feitas pelo respetivo subscritor. Assim, a força probatória em causa prende-se com a existência das declarações documentadas, portanto, que o autor do documento fez as declarações que neste lhe são atribuídas, não com a sua exatidão ou verosimilhança.
Sucede, porém, que o que pode relevar in casu para a aplicação da alínea d) do n.º 7 do artigo 10.º do CIRS é a eficácia jurídico-negocial dessas declarações de vontade do Requerente em relação à Seguradora, designadamente quanto à prorrogação do contrato de seguro de modo a assegurar durante 10 anos resgates que visem proporcionar ao tomador do seguro ou ao seu cônjuge uma prestação periódica de montante máximo anual igual a 7,5% do valor investido.
Ora, não se vê fundamento material para rejeitar, relativamente à qualificação tributária relevante para a aplicação do disposto na alínea d) do n.º 7 do artigo 10.º do CIRS, essa eficácia jurídico-negocial no âmbito da relação contratual estabelecida com a Seguradora, porquanto, como se reporta no facto provado n.º XII, o Requerente, no exercício do seu direito de audição, para além da entrega de cópias das referidas declarações mencionadas no facto provado n.º V, expressamente indicou que, se assim o entendesse necessário, a AT poderia requerer diretamente à Seguradora comprovativo de que as mesmas se encontravam arquivadas junto da documentação do Fundo. Não se vê que a AT tenha adotado tal diligência, pelo que não pode ser acolhida a referência meramente conclusiva e não fundada à falta de força probatória desses documentos.
15. Por fim, importa destacar que o cumprimento das condições estabelecidas pela alínea d) do n.º 7 do artigo 10.º do CIRS se afere mediante a verificação da subsistência temporal dos requisitos legalmente previstos sob pena de resolução do benefício. Com efeito, a fruição do benefício em causa encontra-se condicionada ao cumprimento de condições futuras durante certo espaço temporal, precisamente, a atribuição de uma prestação regular periódica durante um período igual ou superior a 10 anos, de montante máximo anual igual a 7,5% do valor investido.
Ora, como resulta do disposto no n.º 8 do artigo 10.º do CIRS, “[n]ão há lugar ao benefício referido” se for interrompido o pagamento regular das prestações, sendo o ganho inicialmente excluído objeto de tributação no ano em que seja interrompido o pagamento regular das prestações.
Assiste, assim, razão ao Requerente (arts. 47.º e 48.º da PI) quando faz notar que “se é certo que o ora requerente pode não vir a observar e respeitar os aludidos requisitos, designadamente o prazo mínimo de 10 anos, não é menos certo que se e quando isso viesse a acontecer, seria então tributado o ganho antes excluído de tributação”, não podendo é “partir-se logo do princípio de que o contribuinte não irá observar até final os requisitos legalmente estabelecidos, para desconsiderar o reinvestimento na aquisição de contrato de seguro financeiro do ramo vida, como fez a AT no caso vertente”.
Em suma, padece de erro sobre os pressupostos a rejeição da exclusão de tributação em razão do disposto na alínea d) do n.º 7 do artigo 10.º do CIRS perante a celebração de um contrato de seguro financeiro do ramo vida com o período inicial de oito anos mas prorrogável, o que implica, como se antecipou, a ilegalidade da liquidação de IRS sindicada, e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que a manteve, na medida em que não foi considerado, para efeitos de exclusão de tributação, o valor de €600.000,00 utilizado pelo Requerente na aquisição do indicado contrato de seguro financeiro do ramo vida.
VI. Reembolso do Imposto pago
16. O Requerente peticiona também, no seu pedido de pronúncia arbitral, que “deverá a AT restituir ao requerente a importância por ele paga correspondente à coleta constante da liquidação impugnada, feito o acerto de contas com a coleta a constar da liquidação de substituição a efetuar pela AT”.
Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, a “decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários” “[r]estabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que abrange o pagamento de juros indemnizatórios, como resulta do n.º 5 desse artigo 24.º, bem como do artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi al. a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Sucede que, nos presentes autos, não foi dado como provado (cfr. acima no n.º 9 a factualidade não provada) que o Requerente tenha procedido ao pagamento integral do valor de €63.713,08 resultante da demonstração de liquidação de IRS n.º 2022... .
Em consequência, sem prejuízo da vinculação da AT à regulação legal acima indicada, designadamente ao restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, não se julga procedente, por não provado, o pedido de condenação da Requerida ao reembolso do imposto liquidado.
VII. Decisão
Termos em que se decide:
a) julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade, com consequente anulação, da liquidação de IRS n.º 2022..., referente a 2021, quanto à não consideração, para efeitos de exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóvel destinado a habitação própria e permanente, do montante de €600.000,00 respeitante à aquisição de seguro financeiro do ramo vida, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa a seu respeito deduzida;
b) julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no reembolso do imposto liquidado, sem prejuízo da vinculação decorrente do disposto no art. 24.º, n.º 1 do RJAT;
c) condenar a Requerida nas custas processuais, dada a procedência do pedido de ilegalidade dos atos sindicados.
VIII. Valor do Processo
Fixa-se, em conformidade com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, no art. 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o valor do processo em €63.713,08 (sessenta e três mil setecentos e treze euros e oito cêntimos), que constitui a importância do imposto objeto de impugnação na liquidação sindicada.
IX. CUSTAS
De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e nos artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 4.º, n.º 5 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.448,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência do pedido de ilegalidade dos atos sindicados.
Notifique-se.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2023
A Presidente do Tribunal Arbitral
(Regina de Almeida Monteiro)
O Árbitro vogal
(Vítor Braz)
O Árbitro vogal (relator)
(João Menezes Leitão)
[1] Segue-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, com atualização, em conformidade, da grafia constante das citações efetuadas.