SUMÁRIO
I - A derrama, estadual ou regional, é calculada em termos individuais, independentemente de uma sociedade integrar um Grupo de Sociedades, sujeito ao Regime Especial de Tributação pelo Grupo de Sociedades e a sociedade dominante ter a sua sede no território do Continente.
II – Tendo uma sociedade integrante de um Grupo Fiscal a sede da sua actvidade na Região Autónoma da Madeira, é-lhe aplicável a taxa de derrama regional criada pelo Decreto Legislativo Regional (DLR) 14/2010/M de 5 de Agosto e não as taxas previstas no artigo 87º-A do Código do IRC.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro, Dr. João Marques Pinto, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 14 de Junho de 2023, acorda no seguinte:
1. Relatório
Banco A..., com sede social na ..., ..., matriculado na Conservatória do Registo Comercial do Porto e com o numero único de matricula e de identificação fiscal ..., doravante identificado apenas por “Requerente”, veio, no dia 3 de Abril de 2023, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 2º e no artigo 10º do Decreto-Lei 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante identificado apenas pelas iniciais RJAT), requerer a constituição de TRIBUNAL TRIBUTÁRIO com designação do Árbitro pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, para Pronuncia Arbitral do acto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o acto de autoliquidação parcial do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referente ao exercicio de 2021, no valor global de € 40.798,54 (quarenta mil setecentos e noventa e oito euros e cinquenta e quatro cêntimos).
O Requerente veio solicitar ao Tribunal Arbitral que julgue o pedido procedente e, em concreto, que:
(i) Declare a ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa; e, em conformidade,
(ii) Anule a correspondente liquidação e restitua o montante do imposto (IRC) indevidamente pago, acrescido dos respectivos juros compensatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante, quando for caso, identificada pelas iniciais AT).
O Requerente optou por não designar Árbitro.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida em 3 de Abril de 2023.
Em 11 de Abril de 2023, a AT, enquanto entidade Requerida foi notificada da apresentação do pedido.
No dia 12 de Abril de 2023, o Requerente veio juntar a procuração aos autos.
Em 26 de Maio de 2023, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 7 do Artigo 11º do RJAT.
Desta forma, em face do disposto no nº 8 do artigo 11º do RJAT, tendo decorrido o prazo estabelecido no nº 11 do mesmo artigo 11º sem que as Partes se pronunciassem, o Tribunal ficou devida e formalmente constituído em 14 de Junho de 2023, tendo, no mesma data, sido emitido despacho a notificar a Requerida para apresentar a sua resposta ao pedido formulado pelo Requerente e juntar aos autos o processo administrativo.
A AT apresentou a sua resposta em 4 de Setembro de 2023, requerendo em concreto, a improcedência do pedido formulado pelo Requerente, com as devidas e legais consequências.
Em 4 de Dezembro de 2023, foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor:
“Dispensa-se, por falta de objeto, a realização da reunião a que se refere o artº 18º do RJAT.
Dispensa-se a produção de alegações, uma vez que as questões a decidir são exclusivamente de direito e as partes já deixaram bem expressas, nos articulados, as suas posições.
Deverá a Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, dando de tal conhecimento ao CAAD.
A decisão será proferida até ao dia 14 de Dezembro de 2023
Notifique-se.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituido.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4º e 10º nº 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março) e estão devida e correctamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
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Factos considerados provados:
1º - O Requerente, é a sociedade dominante de um grupo de sociedades abrangido pelo Regime Especial de Tributação de Sociedades (RETGS), do qual faz parte a sociedade B..., SGPS, Lda. (adiante resumidamente referido apenas por B...), sociedade com sede social e com o exercicio de actividade na Região Autónoma da Madeira (de ora em diante identificada apenas pelas iniciais RAM).
2º - Na preparação da sua declaração de IRC Modelo 22 individual, a sociedade B... calculou o valor da derrama (regional) devida aplicando a taxa de 2.1.%, prevista para a RAM, apurando, por conseguinte, um valor de € 93.463,49.
3º - A Autoridade Tributária não permitiu a aplicação da taxa de derrama regional em vigor na RAM, mas apenas na taxa de derrama estadual prevista no artigo 87º-A do Código do IRC.
4º - A B... na declaração que submeteu, tendo em atenção a impossibilidade de submissão, optou por calcular a derrama estadual de acordo com o entendimento da AT, tendo, por isso, apurado um valor de € 133.519,13, tendo esta declaração sido validada pela AT.
5º - Em 6 de Junho de 2022 o Requerente, na qualidade de sociedade dominante entregou a Declaração Modelo 22 de IRC do Grupo, procedendo à autoliquidação do imposto no valor de € 993.693,63 e efectuando o seu pagamento.
6º - O valor global da derrama estadual indicado pelo Requerente na declaração Modelo 22 de sociedade dominante do Grupo, no montante de € 957.951,43, foi apurado tendo em consideração o valor da derrama individualmente indicado pela B... na sua declaração Modelo 22 e determinado, como se referiu no ponto anterior, de acordo com o entendimento proferido pela AT.
7º - Na sequência da entrega desta declaração a AT emitiu, em 28 de Julho, a nota de liquidação com o nº 2022..., no montante de € 993.693,63.
8º - Relativamente a esta liquidação, o Requerente apresentou a 29 de Setembro de 2022, uma reclamação graciosa, a que foi atribuído o nº ...2022..., requerendo a sua anulação parcial.
9º - Esta reclamação graciosa foi objecto de indeferimento, tendo o respectivo despacho sido recebido pelo Requerente no dia 5 de Janeiro de 2023.
10º - A reclamação foi indeferida com base no entendimento que as taxas de derrama regional não são aplicáveis a uma sociedade que, mesmo sendo residente na RAM, esteja abrangida pelo RETGS, dada a natureza meramente acesssória do IRC da derrama, devendo, por isso, seguir o mesmo regime do imposto principal.
11º - Ou seja, considerou a AT que a expressão “taxa de IRC” prevista na alinea d) do nº 4 do artigo 69º do respectivo Código, compreende igualmente a derrama, seja a derrama estadual ou regional.
12º - Como se referiu supra, em 3 de Abril de 2023, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral contra o acto de indeferimento desta reclamação graciosa, dando origem ao presente processo.
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Fundamentação da decisão sobre matéria de facto
A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelos Requerentes e no que consta do processo administrativo anexado pela AT.
2. Matéria de Direito
2.1. Fundamentos das posições das Partes
De uma forma resumida, as Partes vêm, no pedido de pronuncia (a Requerente) e na resposta (a Requerida) sustentar as suas posições nos seguintes argumentos:
2.1.1. Posição do Requerente
Na perspectiva do Requerente, a conclusão a retirar da análise efectuada aos três preceitos fundamentais que regulam a questão em apreciação – artigo 69º nº 1 alínea d) do Código do IRC, artigo 4º do Decreto Legislativo Regional (DLR) 14/2010/M e artigo 87º-A do Código do IRC - é que a taxa de derrama a aplicar a uma empresa com sede social e actividade na RAM, ainda que integrada num Grupo de Sociedades, em que a sociedade dominante tem sede em Portugal Continente e que está sujeito ao RETGS, é que a essas sociedades e, neste caso, ao B..., será aplicada a taxa da derrama regional.
Efectivamente, uma interpretação destas normas, quer seja do seu elemento literal, quer seja dos seus elementos histórico, sistemático e teleológico, leva, de forma inevitável e inquestionável a esta conclusão.
Assim, quanto ao elemento literal, entende o Requerente que a expressão “taxa de IRC” prevista no artigo 69º nº 4 alínea d) do Código do IRC, apenas abrange a taxa de IRC fixada no artigo 87º do respectivo Código e, de forma alguma, a pluralidade das taxas de derrama estadual e regional previstas nas diversas normas, em particular nas normas aplicáveis nas Regiões Autónomas.
Este entendimento é reforçado pelo disposto no nº 15 do citado artigo 69º, onde se refere igualmente uma realidade singular e não uma pluralidade de taxas.
No que se refere ao elemento histórico, entende o Requerente que o regime da derrama estadual segue o regime da derrama municipal, o primeiro tipo de derrama prevista e consagrada pelo legislador, em que ficou expressamente consagrado, no seguimento, aliás, do entendimento manifestado pela própria AT, que o cálculo deverá ser feito individualmente para casa sociedade, incidindo sobre o lucro tributável apurado na respectiva declaração individual de imposto.
Assim, à semelhança do regime da derrama municipal, o factor relevante para a derrama estadual (e também para a derrama regional) é o lucro tributável constante da declaração periódica individual das sociedades que integrem um “Grupo Fiscal”, ficando a sociedade dominante desse grupo responsável por inscrever, na declaração colectiva do grupo, o valor resultante da soma das derramas apuradas para cada uma das diferentes sociedades que integram esse grupo.
Quanto ao elemento sistemático, o Requerente salienta, em prieiro lugar, a total semelhança entre a redacção dada ao artigo 4º nº 3 do DLR 14/2010/M e a redacção do artigo 87º nº 3 do Código do IRC, pois ambos referem que “as taxas da derrama estadual incidem sobre o lucro apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo ......”, estipulando, pois, que o cálculo da derrama estadual ou regional, para as entidades enquadradas no RETGS, deve ser feito de forma autónoma e independente.
Da mesma forma, resulta da redacção do nº 3 do artigo 4º do DLR citado que o legislador vem reconhecer a aplicação das taxas de derrama regional a sociedades que estejam abrangidas pelo RETGS.
Por fim, quanto ao elemento teleológico, é entendimento do Requerente que o propósito subjacente ao RETGS, de compensar os prejuízos fiscais e os lucros tributáveis das sociedades do grupo, impõe que a todas seja aplicável a mesma taxa de IRC, ao contrário do que se verifica na aplicação da derrama estadual ou regional, pois, nos termos da lei, a derrama apurada dentro de um grupo deverá corresponder à soma das diversas derramas individuais, não hevando lugar a qualquer tipo de compensação entre sociedades.
Assim sendo, conclui o Requerente, a intenção do legislador no º 4 do artigo 69º do Código do IRC, remeteu, em exclusivo, para a taxa de IRC e não para as diferentes taxas de derrama, de natureza estadual ou regional,as quais serão aplicáveis às diferentes sociedades do Grupo, tendo em consideração as especificidades de cada uma delas.
2.1.2. Posição do Requerida
Por seu lado, a Requerida, na resposta que apresentou, vem sustentar a sua posição nos argumentos que já tinha utilizado no despacho de indeferimento da reclamação graciosa deduzida pelo Requerente.
Considera, pois, a AT que as sociedades integrantes de um “Grupo Fiscal”, ou seja, de um conjunto de sociedade sujeitas ao RETGS, não podem beneficiar de taxas reduzidas previstas em outras disposições legais (cf. artigo 69º nº 4 alínea d) do Código do IRC).
Desta forma, apesar de o legislador não ter referido ou incluído, expressa e explicitamente, naquela norma, a derrama, é entendimento da Requerida, tendo em consideração a natureza jurídico-fiscal da derrama, que a mesma está incluída na colecta de IRC, sendo por isso um adicional a este imposto, tendo, por isso, a mesma natureza do IRC.
Ou, por outras palavras, sendo a derrama um imposto acessório do IRC, deve seguir o mesmo regime deste imposto, enquanto imposto principal, em tudo o que tiver sido expressamente excluído.
Assim sendo, é forçoso concluir que a colecta do IRC, em sentido amplo, integra a colecta da derrama, estadual ou regional.
Para suporte desta posição – natureza acessória e não autónoma da derrama - a AT vem citar o Acordão nº 603/2020 do Tribunal Constitucional, o qual apesar versar sobre uma situação distinta da que se encontra em apreciação (dedução de imposto por dupla tributação internacional), vem confirmar a integração da derrama estadual no cálculo da “fracção de IRC” que consta do artigo 91º nº 1 alinea b) do Código do IRC.
Argumenta ainda a AT que, tendo sido feita a opção pelo RETGS e tendo a sociedade dominante sede no território do Continente, a totalidade dos rendimentos das sociedades desse Grupo fica sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC, à taxa normal mais elevada, pelo que tendo a derrama – estadual ou regional – a natureza de IRC, as sociedades dominadas que tenham a sua sede na RAM, como é o caso do B..., ao integrarem o grupo tributado pelo RETGS, ficarão sujeitas à taxa da derrama estadual e não à da derrama regional.
2.2.Análise das questões suscitadas
2.2.1. Do pedido (i) de anulação da decisão de indeferimento da reclamaçao graciosa e (ii) de anulação parcial da liquidação de IRC
Como resulta de tudo o exposto, a questão fundamental a apreciar por este Tribunal, no âmbito deste processo, será a de apurar se as taxas aplicáveis à derrama de uma sociedade que tem a sua sede social na RAM, mas que integra um grupo de sociedades, sujeita ao RETGS, em que a sociedade dominante tem a sua sede social em território do Continente, são as previstas no artigo 4º do Decreto Legislativo Regional nº 14/2010/M de 5 de Agosto (com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto Legislativo Regional nº 18/2020/M de 31 de Dezembro) ou as que foram fixadas pelo artigo 87º-A do Código do IRC.
Ou, por outras palavras, a aplicação da taxa de derrama regional, consagrada no citado Decreto Legislativo Regional, é afastada, caso a sociedade em questão, mesmo tendo a sua sede e exercendo a sua actividade numa Região Autónoma, integre um determinado Grupo de sociedades, sujeito ao RETGS em que a sociedade dominante tem a sua sede no território continental?
Como se viu supra, o Requerente manifestou o entendimento que as taxas de derrama aplicáveis à sociedade B... (que tem sede na Região Autónoma da Madeira e que integra o Grupo que optou pelo ETGS) são as taxas reduzidas que vêm fixadas no artigo 4º do Decreto Legislativo Regional nº 14/2010/M de 5 de Agosto, enquanto que a Requerida, ao contrário, vem considerar que são aplicáveis as taxas da derrama estadual previstas no artigo 87º-A do Código do IRC.
A questão analisada por este Tribunal prende-se, igualmente, com o âmbito de aplicação do RETGS e das suas regras, nomeadamente a que impõe o apuramento do lucro tributável numa lógica de conjunto, permitindo a compensação entre os lucros e os prejuizos das diversas sociedades, que reúnem as condições para integrar esse Grupo Fiscal.
A resposta a esta questão terá que ser negativam na medida em que esta possibilidade de compensação não foi aplicada de uma forma irrestrita pelo legislador.
De facto, em sede de derrama estadual, determinou o legislador que no caso de sujeitos passivos abrangidos pelo RETGS, a taxa aplicável incide não sobre o lucro tributável apurado ao nível do Grupo (através, como se viu da compensação entre lucros e prejuízos das diferentes sociedades), mas antes sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades considerada “de per si”, isto é, individualmente.
Na verdade, estabelece o citado artigo 87º-A no seu nº 3 o seguinte:
“3 — Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.”
Ou seja, o legislador, ao fazer incidir, de forma clara e inequívoca, a taxa da derrama sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades (apurado na respectiva declaração), determina que o apuramento do respectivo montante deve ser efectuado de forma individual, afastando-se, dessa forma, da lógica de unidade económica subjacente a um Grupo Fiscal tributado pelo RETGS.
Assim sendo, não faz sentido a taxa de derrama estadual ignorar a própria sociedade a que diz directamente respeito, e fazer prevalecer, contrariamente, o grupo onde essa sociedade está integrada.
A derrama estadual vem assumir a forma de derrama regional com a adaptação que foi feita às Regiões Autónomas, no caso concreto das sociedades que tenham a sua sede na RAM , através do Decreto Legislativo Regional (DLR) nº 14/2010/M de 5 de Agosto.
À data dos factos em apreciação por este Tribunal, a redacção do nº 2 do artigo 4º do citado DLR, era, em tudo, idêntica à redacção do nº 3 do artigo 87º-A do Código do IRC, ou seja, vinha estabelecer que as taxas da derrama, nesta caso, da derrama regional, incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo.
Efectivamente, dispõe no referido nº 2 do artigo 4º que “Quando seja aplicável o regime especial de tributável dos grupos de sociedades, a taxa a que se refere o número anterior incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.”
Desta forma, o legislador não veio criar qualquer obstáculo ou impedimento, antes pelo contrário, à aplicação das taxas previstas no DLR 14/2010/M, em caso de sociedades que, como se verifica no caso em apreço, tenham a sua sede e exerçam a sua actividade na RAM, ainda que integrando um Grupo Fiscal, sujeito ao RETGS, e no qual a sociedade dominante tem a sua sede no território do Continente.
Assim, no caso em apreço, a sociedade B..., tendo a sua sede na RAM, deve poder beneficiar da taxa reduzida de derrama regional aplicável nesta Região Autónoma, diferente, pois, da taxa de derrama estadual aplicada às restantes sociedades do Grupo que tenham a sua sede no território do Continente.
Na verdade, a verificação deste facto, não é suficiente para afectar o funcionamento do RETGS naquela que é a sua caracteristica essencial, isto é, a regra da compensação de lucros/prejuizos na determinação do lucro tributável, ao qual é aplicada a taxa mais elevada de IRC.
Por seu lado, as taxas adicionais referentes à derrama estadual ou à derrama regional são alheias a esta realidade, pois as mesmas, como se viu, vão incidir sobre o lucro tributável determinado, de forma individual, para cada uma das sociedades do Grupo, sejam as entidades a ela sujeitas residentes no Continente, ou em qualquer uma das Regiões Autónomas.
A derrama – seja a estadual ou a regional – actua, pois, num segundo momento, após a tributação da matéria colectável do Grupo em sede de IRC, sobre a qual incidiu a taxa normal de IRC mais elevada, mas incidindo apenas sobre um segmento desse lucro tributável (na parte que excede o valor de € 1.500.000,00), e através da aplicação de uma taxa adicional.
Em face de tudo o exposto, entende-se que a sociedade B... deveria ter beneficiado, da taxa reduzida de derrama regional prevista para a RAM e constante do artigo 4º nº 1 do DLR 14/2010/M.
O que no caso concreto, aplicando à matéria colectável de € 4.450.637,70 (resultante da diferença entre € 5.950.637,73 e € 1.500.000,00), a taxa de 2.1%, corresponderia um valor de derrama regional de € 93.463,49.
2.2.2. Do pedido de juros indemnizatórios
O artigo 24.º, n.º 5 do RJAT determina que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que permite concluir pelo reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
O direito a juros indemnizatórios está regulado no artigo 43.º da LGT e no artigo 61º nº 2 e seguintes do CPPT, que determinam, no que se aplica aos presentes autos:
“Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas”.
Artigo 61.º
Juros indemnizatórios
1 – ......................
2 - Em caso de anulação judicial do acto tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar.
3 - Os juros indemnizatórios serão liquidados e pagos no prazo de 90 dias contados a partir da decisão que reconheceu o respectivo direito ou do dia seguinte ao termo do prazo legal de restituição oficiosa do tributo. (anterior 1 - Redação da Lei n.º 55.º-A/2010 - 31/12)
4 - Se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea. (anterior 2 - Redação da Lei n.º 55.º-A/2010 - 31/12)
5 - Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos.
Tendo ficado provado nos presentes autos que o erro na liquidação é imputável aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que não aceitou a declaração inicial do Requerente e impôs, como única forma de permitir a submissão da declaração Modelo 22 da sociedade B..., a sua posição, ilegal, decorrente de uma errada interpretação da lei, em particular dos artigos 69º, 70º e 87º-A do Código do IRC, e do artigo 4º do DLR 14/2010/M.
Como consequência desse erro, o Requerente viu-se privado de meios financeiros que lhe eram devidos.
Determina o artigo 100.º da Lei Geral Tributária, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que “... a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
Nos presentes autos conclui-se que o Requerente pagou em excesso a quantia de € 40.055,24, quantia sobre a qual deve incidir o cálculo dos juros indemnizatórios, que devem ser contados, a partir da data em que foi efetuado pagamento, efectuado no dia 04-06-2022, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
3. Decisão
Termos em que se decide:
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Julgar procedente o pedido arbitral com a anulação da liquidação parcial de IRC com o nº 2022 ... e bem assim a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa a que foi atribuído o nº ...2022..., com as legais consequências;
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Condenar a Requerida a restituir ao Requerente o imposto pago em excesso, no montante de € 40.055,24 (quarenta mil e cinquenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos) acrescido juros indemnizatórios à taxa legal em vigor;
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Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo
4. Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 40.798,54 (quarenta mil setecentos e noventa e oito euros e cinquenta e quatro cêntimos), que não foi contestado pela Requerida, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
5. Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2 142.00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2023
O Árbitro Singular
Dr. João Marques Pinto