Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 122/2022-T
Data da decisão: 2023-12-07  Selo  
Valor do pedido: € 468.176,31
Tema: Imposto do Selo - Isenção: artigo 7º, nº1, alínea e) do CIS.
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SUMÁRIO:

I.  Nos termos da alínea e) do n.° 1 e n.° 7, ambos do artigo 7.° do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, “as sociedades financeiras e instituições financeiras as sociedades de capital de risco, bem como as sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”.

II. Esta isenção, à semelhança de todas as outras, enquadra-se no conceito de benefício fiscal fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento.

III. Não é possível extrair da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".

IV. A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.ºs 1 e 7 do artigo 7.° do CIS.

V. O artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Ricardo Rodrigues Pereira e A. Sérgio de Matos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

A... SGPS, S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., ..., ..., ...-... ..., com o capital social de € 50.000.000,00, estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de ... (doravante “A... SGPS” ou “requerente”), veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, requerer a Constituição de Tribunal Arbitral.

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 3 de março de 2022.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 22 de abril de 2022, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 26 de junho de 2023.

Por despacho de 8 de agosto de 2022, o TAC proferiu o seguinte despacho:

“1. Designa-se o dia 28 de setembro de 2022, pelas 10h00 horas, nas instalações do CAAD, para realização da audiência para produção de prova testemunhal.

2. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

A audiência foi realizada na data designada e as partes apresentaram as respetivas alegações.

 

 

            A instância foi suspensa em 11 de novembro de 2022, a aguardar quer a decisão, em sede de reenvio prejudicial, a ser proferida pelo TJUE, no âmbito do processo C-290/2022, quer a consequente comunicação a ser proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo.

            A decisão foi proferida pelo TJUE em 26 de outubro de 2023, sem que o STA tivesse comunicado a este processo. No entanto, como a decisão do TJUE é pública, cumpre decidir.

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1      Posição da Requerente

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

  1. A requerente é uma SGPS, isto é, uma sociedade gestora de participações sociais (Docs. n.ºs 6 e 7), prevista e regida pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro (e alterações subsequentes), que como tal exerce uma atividade económica de forma apenas indireta, e é SGPS domiciliada em Portugal (Docs. n.ºs 6 e 7).
  2. Com efeito, a A... SGPS tem o papel de intermediário no circuito financeiro e económico, incluindo a intermediação do financiamento dos atores económicos que são as suas participadas.
  3. Isto mesmo se comprova nos Relatórios e Contas da requerente relativos aos períodos de tributação relevantes de 2015, 2016 e 2017 aqui em causa (Docs. n.ºs 8, 9 e 10, respetivamente), que aqui se juntam nas páginas relevantes.
  4. Assim, na prossecução do respetivo objeto, e no âmbito da atividade que desenvolve, a requerente tem vindo a recorrer a financiamento junto de instituições de crédito, sendo que no que respeita às liquidações de Imposto do Selo aqui em causa são de destacar os seguintes contratos:
  5. Contrato de organização, montagem, colocação, garantia de subscrição, agente pagador e instituição registadora de programa de emissões de papel comercial celebrado com o Finibanco S.A. (instituição posteriormente integrada na CEMG), em Setembro de 2010 (cfr. Doc. n.º 11) sobre o qual foi emitida, a 1 de Setembro de 2015, uma livrança no montante de € 5.300.000,00 (cfr. Doc. n.º 12) identificada com a referência n.º...;
  6. Contrato de crédito celebrado com a CEMG, ao abrigo do acordo de reestruturação da dívida do Grupo B... (no qual se insere a requerente), de modo a que a requerente efectuasse o pagamento antecipado da livrança associada ao contrato supra referido, de 17 de Dezembro de 2015 (cfr. Doc. n.º 13), tendo sido identificado com a referência n.º ...;
  7. Contrato de crédito celebrado com a CGD, em 28 de Dezembro de 2012 (cfr. Doc. n.º 14), ao qual foi atribuída a referência n.º ...;
  8. Contrato de crédito celebrado com a CGD, em 28 de Dezembro de 2012 (cfr. Doc. n.º 15), ao qual foi atribuída a referência n.º ..., posteriormente alterada para o n.º  ... na sequência de um aditamento ao contrato;
  9. Contrato de crédito celebrado com o Novo Banco, em 6 de Agosto de 2010 (cfr. Doc. n.º 16), ao qual foi atribuída a referência n.º..., posteriormente alterada para n.º ... em virtude de um aditamento ao contrato;
  10. Contrato de crédito celebrado com o Novo Banco, em 21 de Dezembro de 2012 (cfr. Doc. n.º 17), ao qual atribuída a referência n.º ..., posteriormente alterada para n.º ... em virtude de um aditamento ao contrato;
  11. Contrato de crédito celebrado com o Novo Banco, em 28 de Novembro de 2014 (cfr. Doc. n.º 18), ao qual foi atribuída a referência n.º..., posteriormente alterada para n.º ... em virtude de um aditamento ao contrato;
  12. Contrato de crédito celebrado com o Novo Banco, em 19 de Novembro de 2013 (cfr.  Doc. n.º 19), ao qual foi inicialmente atribuída a referência n.º ..., posteriormente alterada para n.º ... em virtude de um aditamento ao contrato;
  13. Contrato de crédito celebrado com o Novo Banco, em 19 de Novembro de 2013 (cfr. Doc. n.º 20), ao qual foi inicialmente atribuída a referência n.º ..., posteriormente alterada para n.º ..., em virtude de um aditamento ao contrato;
  14. Contrato de crédito celebrado com o Novo Banco, em 19 de Novembro de 2013, (cfr. Doc. n.º 21), ao qual foi inicialmente atribuída a referência n.º..., posteriormente alterada para n.º..., em virtude de um aditamento ao contrato;
  15. Contrato de crédito celebrado com o Novo Banco, em 19 de Novembro de 2013, (cfr. Doc. n.º 22), ao qual foi inicialmente atribuída a referência n.º..., posteriormente alterada para n.º ..., em virtude de um aditamento ao contrato.
  16. As instituições de crédito (na modalidade de bancos) mutuantes acima identificadas, a CEMG, a CGD e o Novo Banco são também domiciliadas em Portugal (Docs. n.ºs 23 a 25 e 26 a 28),
  17. e liquidaram e entregaram (ao Estado) Imposto do Selo, na qualidade de sujeitos passivos[1], com referência àqueles financiamentos, nos termos designadamente da Verba 17 da TGIS, que fizeram constar das suas declarações mensais de Imposto do Selo[2] (Docs. n.ºs 1, 2 e 3; e certificação do contabilista certificado da A... SGPS que aqui se junta adicionalmente como Doc. n.º 29).
  18. Nos termos previstos na lei[3], a CEMG, a CGD e o Novo Banco repercutiram o encargo do referido Imposto do Selo na esfera da A... SGPS – enquanto utilizadora dos créditos em causa (mutuária) –, que, por conseguinte, suportou integralmente este imposto – cfr. os Docs. n.ºs 1, 2, 3 e 29, e ainda os Docs. n.ºs 30, 31 e 32 correspondentes à documentação de faturação/cobrança emitida pela CEMG, pela CGD e pelo Novo Banco[4], respetivamente.
  19. Em suma, no âmbito das operações de crédito com a CEMG, a CGD e o Novo Banco, o mutuário/utilizador do crédito A... SGPS suportou Imposto do Selo liquidado pelas instituições de crédito referidas, nos termos supra documentados[5].
  20. Atenta a qualidade dos intervenientes nos financiamentos (utilização de crédito) a que respeita o Imposto do Selo supra referenciado, a liquidação deste é indevida, e, por conseguinte, padece de ilegalidade.
  21. Da listagem supra, está aqui em causa o Imposto do Selo dos períodos de Março de 2015 a Janeiro de 2017, conforme quadro síntese com a segregação destes períodos que aqui se volta a reproduzir:

 

Instituição de crédito

Data da liquidação

Guia do Imposto do Selo (n.º)

Natureza do Gasto

Valor de Imposto

(€)

 

 

CEMG

jun/15[6]

...

Utilização de crédito

€ 26.500,00

 

abr/16

...

Juros

€ 495,19

 

ago/16

...

Juros

€ 447,79

 

out/16

...

Juros

€ 431,70

 

jan/17

...

Juros

€ 419,11

 

 

 

Subtotal CEMG

€ 28.293,79

 

CGD

mar/15

...

Juros

€ 7.505,90

 

dez/15[7]

...

Utilização de crédito, juros e comissões

€ 74.392,62

 

mar/16

...

Utilização de crédito e juros

€ 131.553,92

 

abr/16

...

Juros

€ 2.077,53

 

jul/16

...

Juros

€ 1.880,61

 

set/16

...

Juros

€ 1.682,62

 

jan/17

...

Juros

€ 1.562,39

 

 

Subtotal CGD

€ 220.655,59

 

 

Novo Banco

fev/16

...

 Utilização de crédito, juros e comissões

€ 150.658,81

 

mar/16

...

Utilização de crédito, juros e comissões

€ 40.458,89

 

jun/16

...

Utilização de crédito, juros e comissões

€ 9.508,40

 

set/16

...

Utilização de crédito, juros e comissões

€ 9.167,48

 

jan/17

...

Utilização de crédito, juros e comissões

€ 9.433,34

 

 

Subtotal Novo Banco

€ 219.226,92

 

 

TOTAL

 

 

€ 468.176,31

 

                 

 

 

II.2      Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

  1. Como resulta bem explicitado na decisão arbitral proferida no processo n.º 37/2020-T e mais recentemente, na proferida no processo n.º 559/2020-T, a Requerente não pode ser qualificada como instituição financeira, de crédito ou sociedade financeira para efeitos da referida norma de isenção.
  2. Conforme consta daqueles textos legislativos, as disposições do Regulamento devem ser interpretadas em conjunto com as disposições da Diretiva, pelo que, em conjunto, constituem o enquadramento legal que rege as atividades bancárias, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento.
  3. De todo o modo, cabe sublinhar que os referidos atos legislativos da União Europeia visam a harmonização e a coordenação das legislações nacionais relativamente às chamadas “Instituições”, que abrangem (cf., artigo 4.º, ponto 3) do Regulamento UE n.º 575/2013) as “Instituições de crédito” e as “Empresas de investimento”, pelo que as demais entidades, entre as quais as “Instituições financeiras”, desempenham um papel instrumental ou coadjuvante, no contexto das matérias objeto de regulação, seja no quadro do exercício das liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços, seja da supervisão das instituições numa base consolidada ou dos requisitos de fundos próprios.
  4. As disposições do Regulamento devem ser interpretadas em conjunto com as disposições da Diretiva, pelo que, em conjunto, constituem o enquadramento legal que rege as atividades bancárias, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento.
  5. Por outro lado, há a reter que, para a determinação das sociedades ou entidades contrapartes nas operações previstas na norma de isenção do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, o legislador indica que as “sociedades ou entidades” abrangidas são aquelas “cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”.
  6. Ou seja, no processo de identificação há que atender à “forma e objeto” das entidades em causa, in casu, das SGPS em geral.
  7. À luz das definições constantes dos atos legislativos da União Europeia citados, no ppa entende-se que qualquer sociedade gestora de participações sociais sujeita ao regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, é subsumível no conceito de “instituição financeira”, e, consequentemente, como tal deve ser considerada para efeitos do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo.
  8. Contudo, não tem razão, sendo importante distinguir entre as SGPS referidas, pois não basta ser SGPS para ser qualificada como instituição financeira.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Fundamentação

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

  1. O pedido arbitral foi apresentado na sequência do indeferimento do recurso hierárquico, cujos termos correram sob o procedimento n.º ...2019..., junto da DSIMT,
  2. interposto da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, cujos termos correram sob o procedimento n.º ...2019..., junto da DSIMT, apresentado a 30-01-2019,
  3. apresentado contra as liquidações de imposto do selo (Verba 17 da TGIS – operações financeiras), realizadas entre os meses de março de 2015 a janeiro de 2017, pela CEMG, no valor de € 28.293,79, pela CGD, no valor de € 220.655,59, e pelo NOVO BANCO, no valor de € 219.226,92, e legalmente repercutidas à Requerente, cujo cômputo perfaz os € 468.176,31 contestados nos autos, com o fundamento de, em sua opinião, estar isenta de imposto, alegando para tanto que, na qualidade de SGPS e titulares do encargo do imposto, configura um tipo “particular de instituição financeira”, preenchendo por isso o conceito de instituições financeiras previsto na legislação comunitária e, nessa medida entendem beneficiar da isenção de imposto prevista no Art.º 7º, n.º 1, alínea e) do CIS.
  4. Nos referidos procedimentos foi proferida decisão final de indeferimento, para cujas respetivas fundamentações se remete.
  5. Inconformada com a decisão proferida em sede de recurso hierárquico, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[8], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

IV.2.A. Enquadramento geral

 

A alínea e) do n.° 1 do artigo 7.° do CIS, já identificado, visa isentar as operações financeiras strictu sensu promovidas no âmbito da atividade bancária e de intermediação financeira entre instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária. Estão em causa situações contempladas nas verbas 17 e 10 da Tabela Geral de Imposto do Selo, conforme decorre do n.° 1 do artigo 1.° do CIS, quando as entidades concedentes do crédito ou da garantia e as entidades utilizadores do crédito ou beneficiárias da garantia, umas e outras, sejam domiciliadas nos Estados Membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado.

A alínea e), do n.° 1, do artigo 7.° do CIS divide-se em duas partes, com a subdivisão de uma delas:

a)            uma primeira, de natureza objetiva, onde se enunciam taxativamente "os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido";

b)           a segunda, de natureza subjetiva, que se subdivide em duas secções:

a.            "instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras";

b.            “sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças";

O n.° 7 do artigo 7.° do CIS dispõe ainda que a isenção prevista na alínea e) do n.° 1 "apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea.”

Assim, nos termos da alínea e) do n.° 1 e n.° 7, ambos do artigo 7.° do CIS, estão isentas de imposto, quando nelas intervenham, os sujeitos ali identificados, que são as instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, nas seguintes operações:

- utilização do crédito concedido;

- garantia prestada na concessão do crédito;

- juros cobrados pela concessão do crédito;

- comissões cobradas "diretamente destinadas" à concessão do crédito.

Da leitura das disposições ficamos a compreender que esta isenção, à semelhança de todas as outras, tem uma delimitação fechada. Por este modo, os benefícios fiscais como tal, saem da indisponibilidade própria do quadro normativo tributário e entram no campo da disponibilidade, fora daquilo que constitui o núcleo essencial da tributação.

Não obstante afastarem as normas de incidência, os benefícios fiscais também estão submetidos à reserva de lei, por via do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa. Na verdade os motivos que justificam a integração dos benefícios fiscais no âmbito da exigência constitucional de reserva de lei, apesar do seu carácter desonerador, tem que ver com a excecionalidade que caracteriza os benefícios fiscais , mas também com a necessidade de uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, quando se discriminam positivamente contribuintes, sem perder de vista o princípio da coerência sistemática que necessariamente rege o sistema fiscal.

Ademais, esta excecionalidade evidenciada resulta de uma opção política de fundo centrada no incentivo individual, de natureza económica, social e cultural, do comportamento dos sujeitos passivos.

Em concreto no caso sub judice, e não obstante a inexistência de uma norma geral de incidência percebe-se que o selo visa tributar manifestações da capacidade contributiva. Deste modo, a extrafiscalidade associada aos benefícios fiscais deste imposto derroga necessariamente aquela capacidade contributiva identificada. É de assinalar, nesse sentido, que os benefícios fiscais no imposto do selo inserem-se em dois grupos:

a)            o primeiro que chamamos benefícios fiscais acessórios, e que por razões de uniformidade tributária, associa a extrafiscalidade dos benefícios criados, à extrafiscalidade criada para outros impostos estaduais, como sejam o IRC e IRS.

Esta extrafiscalidade por associação não retira o valor atribuído nos outros tributos. Apenas uniformiza o tratamento dos sujeitos passivos ou contribuintes, cujo comportamento é desagravado por razões extrafiscais. Isto vem demonstrar que não é o carácter eclético do legislador no imposto do selo que impede uma determinada uniformidade no tratamento das matérias que merecem relevância extrafiscal, dado o acolhimento constitucional devido, que legitima a cedência da capacidade contributiva.

b)           o segundo grupo, que abrange os benefícios fiscais exclusivos do imposto. Estes são, porém em menor número, e visam objetivos muitos concretos.

São de apontar dois exemplos: o dos benefícios respeitantes aos contratos de futuros e opções (previstos no artº 7º/1, alíneas c) e d) do CIS e os respeitantes aos contratos de reporte de valores mobiliários realizados em bolsa (previstos no artigo artº 7º/1, alínea m) do CIS). Estão aqui em causa, como legitimadores da derrogação à capacidade contributiva, os artigos 61.º e 87.º, ambos da CRP. O legislador cria, assim, condições para propiciar à celebração de determinados contratos relativos a valores mobiliários, pela remoção de barreiras, tendo em vista o financiamento de entidades públicas e privadas, atraindo o investimento interno e externo, potenciando os interesses dos adquirentes.

Com relevância para o caso concreto, o núcleo essencial do imposto, no que respeita às operações financeiras identificadas na verba 17 da Tabela Geral, é desta forma recortado pelo artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do mesmo CIS, derrogando a igualdade, pelo revestimento de um benefício ao investimento e à desoneração do crédito. E esse recorte do núcleo essencial, pelo referido benefício, determina que os elementos objetivos e subjetivos nele constantes não possam sofrer qualquer ampliação ou derrogação para além do previsto.

Por isso, desde logo, nos parece que encontrar argumentos que extravasem esta delimitação fechada de um benefício fiscal exclusivo do IS serão abusivos e desprovidos de qualquer fundamento. 

Ora vejamos sobre a admissibilidade e limites da remissão para todos os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.

Na lei portuguesa não encontramos uma definição de “instituição financeira”, limitando-se o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei 298/12, de 31/12, a proceder à enumeração de entidades que qualifica casuisticamente como “Instituições de crédito” (artigo 3.º), “Empresas de investimento” (artigo 4.º-A) e “Sociedades financeiras” (artigo 6.º), e, no artigo 6.º n.º1, alínea b) refere que são instituições financeiras  as referidas nas subalíneas ii) e iv da alínea z) do artigo 2.º-A, nas quais se incluem: i)As sociedades  financeiras de crédito; ii) As sociedades de investimento; iii) As sociedades de locação financeira; iv) As sociedades de factoring; v) As sociedades de garantia mútua; vi) As sociedades gestoras de fundos de investimento; vii) As sociedades de desenvolvimento regional; viii) As agências de câmbio; ix) As sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos; x) As sociedades financeiras de microcrédito.”   

 

IV.2.B. Do entendimento expresso no processo C-290/22 do TJUE

 

Esta opção do legislador nacional vai, aliás, no mesmo sentido do Direito das União, que aliás está bem expresso no processo C-290/22, cuja parte relevante aqui se transcreve:

“52      Com as questões submetidas, que importa examinar em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.

53      Segundo jurisprudência constante, decorre das exigências da aplicação uniforme do direito da União e do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme, tendo em conta não só os seus termos mas também o contexto desta disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa [v., neste sentido, Acórdão de 30 de março de 2023, M. Ya. M. (Repúdio da sucessão por um co‑herdeiro), C‑651/21, EU:C:2023:277, n.° 41 e jurisprudência referida].

54      Em primeiro lugar, no que diz respeito à redação do artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36, esta disposição refere que, para efeitos desta diretiva, se deve entender por «instituição financeira» uma instituição financeira na aceção do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013.

55      O artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, deste regulamento, lido em conjugação com o seu artigo 4.°, n.° 1, ponto 3, enuncia que, na aceção do referido regulamento, entende‑se por «instituição financeira» uma empresa que não seja uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento e uma sociedade de gestão de ativos. Este artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, exclui, em contrapartida, do conceito de «instituição financeira» as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas. 

56      Esta disposição menciona, assim, de maneira geral, que as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações estão abrangidas pelo conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, e, na sua versão aplicável às datas pertinentes dos processos principais, exclui deste conceito unicamente as instituições de crédito, as empresas de investimento e algumas sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.

57      A este respeito, importa especificar que, embora o artigo 1.°, ponto 2, alínea a), iii), do Regulamento 2019/876 preveja uma nova redação do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013, que também exclui do conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, as sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial, resulta da decisão de reenvio no processo C‑290/22 que esta nova redação não é aplicável ratione temporis aos processos principais.

58      Além disso, embora a redação do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 vise as empresas cuja atividade principal é o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, atividades essas que integram o setor financeiro, a utilização da conjunção coordenativa «ou» indica que o legislador da União não quis que o exercício direto de uma ou mais dessas atividades fosse um critério de definição do conceito de «instituição financeira», na aceção do Regulamento n.° 575/2013.

59      Não obstante, importa também sublinhar que resulta da redação do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas devem ser consideradas «instituições financeiras», na aceção deste regulamento.

60      Ora, por um lado, o artigo 4.°, n.° 1, ponto 20, do referido regulamento enuncia que, na aceção deste, se entende por «companhia financeira» uma instituição financeira que não seja uma companhia financeira mista e cujas filiais sejam exclusiva ou principalmente instituições de crédito, empresas de investimento ou instituições financeiras, sendo pelo menos uma destas filiais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento.

61      Por outro lado, resulta do artigo 4.°, n.° 1, ponto 21, do Regulamento n.° 575/2013, lido em conjugação com o artigo 2.°, ponto 15, da Diretiva 2002/87, que deve ser considerada uma «companhia financeira mista», na aceção deste regulamento, uma empresa‑mãe, que não é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, a qual em conjunto com as suas filiais, de que pelo menos uma é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, e com quaisquer outras entidades, constitui um conglomerado financeiro. 

62      Afigura‑se assim que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas constituem tipos de sociedades concretamente definidas que se caracterizam simultaneamente pelo facto de a sua atividade principal consistir na aquisição de participações e pela existência de relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento.

63      Daqui resulta que a referência expressa, no artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não teria nenhuma utilidade se esta disposição devesse ser entendida, pelo simples facto de visar as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações, como integrando sistematicamente no conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, todas as sociedades que exercem essa atividade principal.

64      No entanto, como a advogada‑geral salientou no n.° 41 das suas conclusões, resulta dos próprios termos do artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 que a lista das instituições financeiras enunciada nesta disposição não é exaustiva. Por conseguinte, da referência, nesta disposição, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não se pode deduzir que a inexistência de certas relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento obsta necessariamente à qualificação de «instituição financeira», na aceção deste regulamento.

65      Em segundo lugar, o contexto em que o artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 se inserem demonstra que o legislador da União definiu o regime aplicável às instituições financeiras com base na existência de uma relação entre estas e o exercício de determinadas atividades do setor financeiro.

66      Antes de mais, o principal elemento do regime aplicável às instituições financeiras definido pela Diretiva 2013/36 diz respeito à possibilidade de estas exercerem, no âmbito da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, atividades do setor financeiro noutro Estado‑Membro.

67      Com efeito, o artigo 34.° desta diretiva, sob a epígrafe «Instituições financeiras» e que constitui o único artigo da diretiva que se refere unicamente às instituições financeiras, autoriza essas instituições, em certas condições, a exercerem noutro Estado‑Membro as atividades constantes do anexo I da referida diretiva. Este artigo concretiza, assim, o princípio, enunciado no considerando 20 da mesma diretiva, segundo o qual é conveniente alargar, em certas condições, o benefício do reconhecimento mútuo a determinadas operações financeiras quando as mesmas sejam exercidas por uma instituição financeira filial de uma instituição de crédito. 

68      Por conseguinte, o facto de uma empresa ser qualificada de «instituição financeira», na aceção da Diretiva 2013/36, é desprovido de interesse, para efeitos da aplicação do seu artigo 34.°, se essa empresa não pretender exercer atividades do setor financeiro.

69      Em seguida, o Regulamento n.° 575/2013 prevê, para efeitos da aplicação dos requisitos prudenciais impostos por este regulamento, uma série de consequências para a atribuição, a uma determinada empresa, da qualificação de «instituição financeira».

70      Mais precisamente, resulta do artigo 18.°, n.° 1, do referido regulamento que as instituições de crédito e as empresas de investimento que sejam obrigadas a cumprir os requisitos do mesmo regulamento com base na sua situação consolidada procedem, em princípio, a uma consolidação integral, nomeadamente, de todas as instituições financeiras que são suas filiais ou, se for caso disso, filiais da mesma companhia financeira‑mãe ou da companhia financeira mista‑mãe. 

71      Em contrapartida, esta disposição não impõe que se realize uma consolidação prudencial que inclua todas as filiais das instituições e das empresas de investimento.

72      Além disso, decorre do artigo 4.°, n.° 1, ponto 27, do Regulamento n.° 575/2013 que as instituições financeiras constituem «entidades do setor financeiro», à semelhança, nomeadamente, das instituições de crédito, das empresas de investimento e das empresas de seguros.

73      Ora, resulta do artigo 36.°, n.° 1, alíneas g) a i), do artigo 56.°, alíneas c) e d), e do artigo 66.°, alíneas b) a d), deste regulamento que os investimentos, realizados pelas instituições de crédito e pelas empresas de investimento, nas entidades do setor financeiro estão sujeitos a um regime específico que implica, em particular, determinadas deduções no cálculo dos fundos próprios dessas instituições e dessas empresas.

74      As participações qualificadas das instituições de crédito e das empresas de investimento fora do setor financeiro são, em contrapartida, regidas por regras diferentes, previstas, nomeadamente, no artigo 36.°, n.° 1, alínea k), e nos artigos 89.° e 90.° do referido regulamento, regras que podem, em especial, implicar uma ponderação dessas participações no cálculo dos requisitos de fundos próprios ou uma proibição dessas participações, quando estas excedam determinadas percentagens de fundos próprios da instituição de crédito ou da empresa de investimento em causa.

75      Decorre do exposto que o Regulamento n.° 575/2013 define as regras relativas à consolidação e aos requisitos prudenciais das instituições de crédito e das empresas de investimento que, na medida em que sejam próprias das participações nas instituições financeiras ou noutras entidades do setor financeiro e que difiram das regras aplicáveis às participações fora do setor financeiro, podem ser vistas como estando baseadas na tomada em consideração da especificidade das atividades desse setor.

76      Ora, tal lógica seria posta em causa em caso de aplicação das regras próprias das participações nas entidades do setor financeiro a uma participação fora desse setor de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento, pelo simples facto de esta última participação ser gerida por intermédio de uma filial dessa instituição ou dessa empresa cuja atividade consista na aquisição de participações.

77      Por último, o artigo 5.° da Diretiva 2013/36 prevê a coordenação interna das atividades das autoridades competentes para a supervisão não só das instituições de crédito e das empresas de investimento mas também das instituições financeiras, estabelecendo assim uma relação entre, por um lado, a supervisão prudencial do setor financeiro e, por outro, o controlo das instituições financeiras.

78      Do mesmo modo, o artigo 117.°, n.° 1, e o artigo 118.° desta diretiva enunciam as obrigações de cooperação entre as autoridades competentes dos Estados‑Membros aplicáveis às instituições financeiras, sem alargar esse regime às entidades não pertencentes ao setor financeiro nas quais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento detenha participações.

79      Em terceiro lugar, resulta do artigo 1.° da Diretiva 2013/36 e do artigo 1.° do Regulamento n.° 575/2013 que estes atos têm por objeto definir as regras relativas ao acesso à atividade, à supervisão e a diversos requisitos aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento. Também decorre do considerando 5 desta diretiva e do considerando 14 deste regulamento que os referidos atos têm, nomeadamente, por objetivo contribuir para a realização do mercado interno no setor das instituições de crédito.

80      Resulta de todos os elementos precedentes que uma empresa cuja atividade principal não esteja relacionada com o setor financeiro, por não exercer, nem diretamente nem por intermédio de participações, uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I da Diretiva 2013/36, não pode ser considerada uma instituição financeira, na aceção da Diretiva 2013/36 e do Regulamento n.° 575/2013.

81      Por conseguinte, há que responder às questões submetidas que o artigo 3.°, n.° 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.°, n.° 1, ponto 26, do Regulamento n.° 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.”

 

No quadro exposto, a Requerente não é uma entidade financeira - nem sequer numa interpretação lato sensu -, não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu (BCE) no âmbito da sua atividade.

Realce-se que a Requerente não cabe sequer no artigo 117.º do RGICSF, nos termos do qual “só ficam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal as sociedades gestoras de participações sociais quando as participações detidas, direta ou indiretamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto em uma ou mais instituições de crédito ou sociedades financeiras”. Além de se tratar de uma norma de direito nacional, com finalidade de natureza estritamente prudencial, a Requerente, atento o seu objeto, não se subsume sequer no seu âmbito.

Invoca a Requerente jurisprudência do CAAD, a saber, a Decisão Arbitral proferida no processos n.º 911/2019-T 819/2019-T, 3/2020-T, 110/2020-T, 502/2020-T, 81/2021-T (relativo a Imposto do Selo suportado pela requerente com as operações de crédito aqui em causa por referência ao período de Março a Outubro de 2017), 281/2021-T, 334/2021-T, como contendo argumentos válidos para considerar esta isenção como sendo aplicável a esta entidade).

No entanto os argumentos neles contidos, salvo o devido respeito, interpretam grosseiramente o ordenamento jurídico no sentido de que a norma do artigo 7.º, n. º1, alínea e) do CIS remete para um conceito europeu de instituição financeira, que não encontra guarida nos normativos europeus aplicáveis. Na realidade, como ficou demonstrado, a remissão do conceito que é feita naquelas decisões arbitrais à Diretiva 2013/36/UE e ao Regulamento UE 575/2013, desconsidera por completo que os instrumentos financeiros têm como objeto o sector bancário e as entidades sujeitas à supervisão bancária, pelo que tais instrumentos não podem abranger (nem abrangem) simples SGPS.

No mesmo sentido, na interpretação de qualquer definição, incluindo a de “participação” (constante do artigo 4.º, do “Regulamento”) não nos podemos alhear que as mesmas são instrumentais à aplicação deste normativo, ou seja, tornar efetivo o seu âmbito e regime jurídico artigo 4.º, n.º1, do “Regulamento”. A definição de participação, sobretudo relevante para efeitos de supervisão prudencial, não pode, assim, deixar de referir-se às que são detidas pelas entidades que atuam no mercado bancário e financeiro, nos termos e para os efeitos dos diplomas acima mencionados. Para esse efeito basta atentar nas definições de Companhia financeira e Companhia financeira mista [cfr. artigo 4.º, pontos  20) e 21) do “Regulamento” ].

Argumenta a Requerente que: “Por referência justamente às sociedades gestoras de participações, a norma comunitária em referência apenas exclui do conceito de instituições financeiras as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE” [ ver artigo 4.º , 26) do “Regulamento”] .

Ou seja, na ótica da Requerente, se a norma comunitária se limita a excluir expressamente estas entidades do conceito de instituição financeira, então é porque todas as outras integram o conceito de instituição financeira. Ora, esta interpretação não tem o mínimo apoio literal, sistemático nem teleológico dos preceitos em causa. Repete-se, a interpretação da norma tem de ter em conta que estamos a tratar de entidades que, pela sua atividade, estão sujeitas aos requisitos prudenciais e regime de supervisão a que se refere o “Regulamento”, no domínio do setor bancário e financeiro, como ficou dito.    

Finalmente, também não tem qualquer paralelo o “papel de intermediação do financiamento da participada”, que a Requerente alega, confrontado com aquele que é exclusivamente desempenhado pelas instituições de crédito – “atividade de receção, do público, de depósitos ou outros fundos reembolsáveis, para utilização por conta própria” (artigo 8.º do RGICSF).

Em síntese, podemos concluir que a Requerente, enquanto entidade meramente gestora de participações sociais, não preenche os requisitos que levam a classificar uma entidade como instituição financeira, a saber: i) O formal (pois não consta da enumeração dos diplomas Europeus mencionados, nem do nacional); e ii) O material, uma vez que a sua atividade não releva do mercado bancário e financeiro, de modo a convocar a aplicação do regime de supervisão constante da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013 e o RGICSF.

A ausência dos referidos requisitos conduz à impossibilidade de ser atribuída, a qualquer SGPS, a isenção de Imposto do Selo nos termos previstos na alínea e) do n.ºs 1 e 7 do artigo 7.° do CIS.

Assim, não ocorre, por tudo isto, a violação de lei invocada pela Requerente:

a)            Não só porque o conceito de benefício fiscal (no qual se enquadra o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS) é fechado, protegido por uma garantia reforçada de legalidade, controlo, transparência e igualdade efetiva, que não admite violação da coerência sistemática que rege o sistema fiscal e todo o ordenamento;

b)           Mas também porque que não é possível extrair de todo do regime jurídico do RGICSF ou da Diretiva n.° 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.° 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de "instituição financeira".

 

IV.2.C. Quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas

 

Quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas nos artigos 106.º e 107.º da ppa veio a Requerente suscitar que a orientação da Requerida ao pretender corrigir qualquer putativa deficiência em norma que brigue com o quantum do imposto devido, é indevida, porquanto só o legislador pode corrigi-la, alterando para o efeito a lei.

E não é qualquer legislador, porquanto as leis nestas matérias de impostos e benefícios fiscais estão abrangidas pela reserva de lei da Assembleia da República.

Seria, pois, inconstitucional a norma que permitisse tal correção por quem tem mera função de intérprete e aplicador da lei. A incidência e o afastamento da incidência dos impostos via benefícios fiscais são, constitucionalmente falando, reserva de lei da Assembleia da República, como tal insuscetíveis de serem modificadas casuisticamente por via administrativa ou outra, a pretexto de que, no critério do aplicador da lei a Assembleia da República devia ter legislado assim, ou assado, e não o fez.

E mais ainda, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, na redação em vigor à data dos factos (2017 e 2018), é inconstitucional quando interpretado (conforme pretendido pela AT) no sentido de excluir da lista de mutuárias suscetíveis de beneficiar da isenção, na qualidade de instituições financeiras, as sociedades gestoras de participações sociais, num contexto em que é interpretado como incluindo os fundos de investimento imobiliário, as simples sociedades de gestão de fundos de investimento, os fundos de capital de risco, etc., por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias, (artigos 2.º - Estado de direito – e 13.º, da Constituição).

Não assiste à Requerente qualquer razão quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas.

Como ficou demonstrado, o resultado interpretativo a que se chegou é o que resulta da conjugação dos elementos interpretativos de ordem literal, sistemático e teleológico e não viola quaisquer normas ou princípios constitucionais. Pelo contrário, a acolher-se a tese da Requerente, no sentido de poder ser classificada como uma instituição financeira, é que conduziria o Tribunal a criar verdadeiramente uma norma que não existe nem na nossa jurídica nem na comunitária, com violação do princípio da separação de poderes.

Também não colhe qualquer violação do princípio da igualdade. Repare-se no absurdo da Requerente ao pretender colocar-se em pé de igualdade, na aplicação do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, tal como acontece com os seus mutuários, quando a mesma, pela sua natureza e atividade, não está sujeita aos requisitos e regime jurídico especialmente exigente em matéria de preenchimento de regras prudenciais, a que estão sujeitas as entidades submetidas à Diretiva e ao “Regulamento”. Entre essas regras, temos, repete-se, as disposições relativas ao acesso à atividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, e, ainda, as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, etc. Regime este que, como vimos, se encontra justificado, na valoração feita pelos legisladores, quer da União, quer nacional, a garantir a estabilidade do mercado bancário e financeiro. 

 

  1. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

a.            Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

b.            Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

  1. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 468.176,31, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

  1. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 7.344,00, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido principal foi totalmente improcedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 7 de dezembro de 2023.

 

Os Árbitros,

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

(A. Sérgio de Matos)



[1] Cf. n.º 1 do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 23.º, ambos do Código do Imposto do Selo.

[2] As referidas declarações foram emitidas nos termos previstos pela Portaria n.º 523/2003, de 4 de Julho, que determina que as entidades obrigadas ao pagamento do Imposto do Selo devem proceder à entrega das correspondentes importâncias utilizando o modelo aprovado, sendo a sua apresentação feita por transmissão electrónica de dados ou através das entidades existentes para o efeito, devendo a identificação da natureza dos actos sujeitos a Imposto do Selo ser feita de acordo com a codificação constante do referido modelo.

[3] Cf. alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo: “considera-se titular do interesse económico (…) na concessão do crédito, o utilizador do crédito”. E a alínea g): “Nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas;”. Etc.

[4] De salientar que, no caso do Novo Banco, a diferença entre o montante total de imposto do selo suportado pela A... SGPS (de € 219.226,92) e o montante suportado pelos documentos de facturação e cobrança do banco (de € 140.104,35), correspondente a € 79.122,57 resultou do facto de que este montante de imposto se encontra associado a juros que foram capitalizados, e relativamente aos quais não houve qualquer fluxo financeiro entre a A... SGPS e o Novo Banco, razão pela qual não foi emitido um documento bancário autónomo, juntando-se aqui, contudo, o suporte contabilístico para os referidos valores como Doc. n.º 33.

[5] Cf. declaração das entidades mutuantes com identificação das declarações de liquidação do imposto supra juntas como Docs. n.ºs 1, 2 e 3 e Doc. n.º 29 (onde consta o imposto do selo aqui em causa).

[6] O montante de € 27.772,00 inscrito na declaração emitida pela CEMG (cfr. Doc. n.º 1) foi estornado no montante de € 1.272,00.

[7] O montante de € 97.525,81 inscrito na declaração emitida pela CGD (cfr. Doc. n.º 2) por referência a Dezembro de 2015 e relativo à utilização de crédito no âmbito do contrato de crédito n.º ... foi liquidado apenas em Março 2016, pelo que deverá ser desconsiderado no valor total de imposto liquidado por referência a 2015.

[8] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.