Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 523/2023-T
Data da decisão: 2024-01-24   Outros 
Valor do pedido: € 7.593.862,10
Tema: CSR - Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) - Conformidade com o direito europeu - Repercussão de impostos indiretos - Reembolso do imposto.
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Sumário:

I – A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontram atribuídos à concessionária;

II – A recusa do reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, apenas é admissível se a Administração Tributária provar que o imposto foi suportado, na íntegra ou parcialmente, por uma pessoa diferente do sujeito passivo, de modo que o reembolso pudesse gerar um enriquecimento sem causa;

III – A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico não pode ser efetuada através de meras presunções.

 

DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A…, S.A., titular do número único de identificação fiscal …, com sede em Rua …, n.ºs …, … Porto, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação sobre a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), referentes ao período de junho a dezembro de 2018, no montante global de € 344.128,63, e aos anos de 2019, no montante global de € 3.029.395,49, e de 2020, no montante global de € 4.220.337,98, bem como dos despachos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa contra eles deduzidos, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta a Requerente o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma sociedade cujo objeto social consiste na exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos e, no contexto da sua atividade, com base nas declarações de introdução no consumo, procedeu à liquidação conjunta do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) e da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), relativos aos meses de junho a dezembro de 2018, e aos anos de 2019 e 2020, sendo o montante total correspondente à CSR de € 7.593.862,10.

 

Não concordando com a liquidação de CSR apresentou, em 15 de julho de 2022, três pedidos de revisão oficiosa, contra os atos de liquidação, que foram objeto de indeferimento pelos despachos de 5 de abril de 2023 do Diretor da Alfândega de Leixões.

 

A tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118/CE, que faz depender a criação de impostos especiais de consumo (IEC) não harmonizados, como é o caso da CSR, da dupla condição de respeitar a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de terem como fundamento um “motivo específico”.

 

De acordo com a jurisprudência do TJUE, este “motivo específico” não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita, exigindo-se uma ligação direta entre a utilização da receita e a finalidade do imposto, que não se verifica sempre que a receita gerada pelo imposto esteja afeta a despesas suscetíveis de serem financiadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”.

 

As razões invocadas pelo legislador para a criação da CSR (Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto) estão na necessidade de encontrar receitas próprias para financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., entretanto substituída pela Infraestruturas de Portugal, IP, S.A, tendo uma finalidade puramente orçamental, não estando em causa qualquer objetivo de política ambiental, energética ou social.

 

E, por conseguinte, a CSR deve considerar‑se um imposto desconforme ao artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118/CE, sendo ilegal por violação de Direito Europeu.

 

Por outro lado, a Requerente tem direito ao reembolso da contribuição indevidamente cobrada, não se encontrando demonstrado que se tenha verificado uma efetiva repercussão do imposto no preço de venda dos combustíveis de modo a concluir-se que haja enriquecimento sem causa do sujeito passivo.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita as exceções dilatórias da incompetência do tribunal em razão da matéria e em razão da causa de pedir e da caducidade do direito de ação com base na intempestividade dos pedidos de revisão oficiosa.

 

Quanto à matéria de fundo, considera que existe um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, tendo em consideração que a Lei n.º 55/2007 atribui a concessão da rede rodoviária nacional à EP-Estradas de Portugal, EPE (atual Infraestruturas de Portugal, S.A.) e o Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13/11, que definiu as bases da concessão, prevê a CSR entre as fontes de financiamento da concessionária, pelo que os objetivos que lhe estão subjacentes devem ser analisados à luz desse diploma, que prevê, no n.º 4 da alínea b) da Base 2, que cabe à concessionária “prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”.

 

Verificando-se assim o “motivo específico” que constitui a razão de ser da CSR.

 

Por outro lado, o reembolso de impostos indevidamente liquidados ao contribuinte apenas é admissível quando não produzam o enriquecimento sem causa. No caso, a carga fiscal resultante da incidência da CSR é repercutida nos consumidores finais através do correspondente aumento do preço, o que resulta da própria estrutura tributária da CSR, pelo que o reembolso dos montantes pagos a título de CSR configuraria uma situação de enriquecimento sem causa.

 

Conclui no sentido da declaração de extinção da instância com base nas exceções dilatórias invocadas e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral.

 

2. Na resposta à matéria de exceção, a Requerente refere que a CSR não apresenta a estrutura comutativa própria das contribuições e constitui em substância um imposto, sendo que a jurisprudência tem reconhecido a competência contenciosa dos tribunais arbitrais para apreciarem a legalidade de pretensões relativas à CSR.

 

Por outro lado, o pedido arbitral da Requerente tem por objeto a declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação impugnados, na parte que respeitam à CSR, não tendo sido peticionada a fiscalização abstrata da legalidade de quaisquer normas jurídicas, sendo que a adequação do meio processual afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir.

 

Quanto à invocada caducidade do direito de ação, afirma-se que o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007 se limita a remeter para o Código dos Impostos Especiais de Consumo a liquidação, cobrança e pagamento da CSR, sem introduzir qualquer alteração no âmbito das garantias dos contribuintes, e, designadamente, quanto à possibilidade de revisão dos atos tributários com fundamento em erro imputável aos serviços. E, no caso, estando em causa atos de liquidação com datas entre 12 julho de 2018 e 12 de janeiro de 2021, os pedidos de revisão, apresentados em 15 de julho de 2022, cumprem o prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT.

 

3. Por despacho arbitral de 21 de dezembro de 2023, considerando-se não haver novos elementos sobre que as partes se devessem pronunciar, determinou-se a dispensa da reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, relegando-se para final a apreciação da matéria de exceção.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º, e dos n.os 2 e 3 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a Requerente designou como árbitro, com o pedido de pronúncia arbitral, o Senhor Dr. João Taborda da Gama, tendo a Requerida nomeado o Senhor Prof. Doutor Miguel Patrício, tendo estes comunicado a aceitação no prazo aplicável e, conjuntamente e ao abrigo do artigo 11.º, n.º 6 do RJAT, remetido a designação do Árbitro-Presidente ao Conselho Deontológico do CAAD, a qual recaiu sobre o Senhor Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha..

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n. 7, do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado nos n.os 7 e 8 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 24 de outubro de 2023.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

II – Saneamento

 

Incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria

 

5. A Autoridade Tributária começa por suscitar a questão da incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria por considerar que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição financeira, e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, defendendo a este propósito o entendimento expresso no acórdão proferido no processo arbitral n.º 714/2020-T, que teve por objeto a Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético (CESE).

 

É esta pois a questão que primeiramente cabe analisar.

 

A competência contenciosa dos tribunais arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

 

O artigo 4.º, n.º 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

 

E o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que, no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria n.º 287/2019, de 3 de setembro, dispõe o seguinte:

 

“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.

 

A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa, por conseguinte, um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral. Tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos tribunais arbitrais, mas poderia estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.

Ainda a este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, depois seguido por diversos outros arestos, consignou o seguinte:

 

“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT].

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.

 

No caso, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária. Haverá de concluir-se, nestes termos, que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos - com a exclusão de outros tributos - e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.

 

6. A constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.

 

A LGT, aprovada em 1998, passou a incluir entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.

 

A doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade pública a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas” (Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4.ª edição, Coimbra, pág. 1095). Neste sentido, as contribuições são tributos com uma estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 287).

 

Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias, designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa, admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 365/2008).

 

Ou seja, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.

 

7. A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A., sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).

 

A mesma contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A, no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).

 

A contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).

 

O produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui receita própria da atualmente denominada Infraestruturas de Portugal, S.A. (artigo 6.º).

 

A atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objeto de financiamento através da Contribuição de Serviço Rodoviário foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E., pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).

 

8. À luz do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a Contribuição de Serviço Rodoviário constitui uma contribuição financeira.

 

Como se refere no acórdão proferido no Processo n.º 629/2021-T, corroborado pelo acórdão tirado no Processo n.º 304/2022-T, a Contribuição de Serviço Rodoviário não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3.º, n.º 2), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (artigo 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3.º, n.º 2).

 

Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da atividade administrativa que se encontra atribuída à EP - Estradas de Portugal, E. P. E., é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Quando é certo que o artigo 2.º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”

           

Nestes termos, o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respetivos utilizadores, que são os beneficiários da atividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E., verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”.

 

Não existindo, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos.

 

9. Resta acrescentar que o regime jurídico da CSR não é equiparável ao previsto para a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE).

 

Com efeito, a CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária que tem “por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético”, incidindo sobre as pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional.

A receita obtida é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do sector energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida e ou pressão tarifárias e do financiamento de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional (artigo 11.º).

 

Assim sendo, a CESE tem por base uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional à entidade à qual são consignadas as receitas.

 

Não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respetivos sujeitos passivos, nem preenche o requisito de unilateralidade que caracteriza o imposto, uma vez que não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita, nem se destina à satisfação das necessidades financeiras do Estado, antes se pretendendo que o sector energético contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua atividade.

 

Trata-se, nestes termos, de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa, que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efetiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira.

 

Por todas as considerações anteriormente expendidas, essa caracterização não é extensiva à CSR, pelo que não é aplicável ao caso a jurisprudência arbitral – como é o caso do acórdão proferido no Processo n.º 714/2020-T – que veio declarar a incompetência do tribunal arbitral ratione materiae para a apreciação de litígios que tinham como objeto a Contribuição sobre o Sector Energético.

 

Por todo o exposto, a alegada exceção da incompetência material do tribunal arbitral com fundamento na qualificação da CSR como contribuição financeira, mostra-se ser improcedente.

 

Incompetência material do tribunal em razão da causa de pedir

 

10. A Autoridade Tributária suscitou ainda a exceção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do presente pedido na medida em que se pretende discutir a legalidade do regime da CSR no seu todo e a sua própria conformidade constitucional.

 

A arguição assenta num evidente equívoco.

 

A Requerente formulou um pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do ato de liquidação de CSR referente aos meses de junho a dezembro de 2018, e aos anos de 2019 e 2020, invocando, como causa de pedir, a desconformidade da contribuição com a Diretiva 2008/118/CE relativa ao Regime Geral dos Impostos Especiais de Consumo, não tendo suscitado a inconstitucionalidade de qualquer das normas do respetivo regime jurídico.

 

Mas, ainda que o tivesse feito, importa reter que a Constituição admite o controlo difuso de constitucionalidade pelos tribunais (artigo 204.º) e prevê o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (artigo 280.º, n.º 1).

 

A desaplicação de normas pelos tribunais, por iniciativa oficiosa ou por suscitação das partes, corresponde a uma forma de fiscalização concreta de constitucionalidade para que os tribunais têm competência própria, não se confundindo com a competência do Tribunal Constitucional, que intervém em sede de recurso de constitucionalidade ou no âmbito da fiscalização abstrata da constitucionalidade (artigo 281.º da CRP).

 

Por outro lado, o referido artigo 204.º da Constituição, ao admitir o controlo difuso da constitucionalidade, refere-se genericamente aos tribunais, não distinguindo entre tribunais estaduais e tribunais arbitrais, e o artigo 280.º, ao definir o âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, admite o recurso de constitucionalidade relativamente a decisões dos tribunais, referindo-se a decisões de quaisquer tribunais. E, como o Tribunal Constitucional tem também vindo a afirmar, os tribunais arbitrais (necessários ou voluntários) são também tribunais, dispondo do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais (entre outros, o Acórdão n.º 181/2007, de 8 de março de 2007, Processo n.º 343/2005).

 

Como é bem de ver, ainda que tivesse sido suscitada, no pedido arbitral, a inconstitucionalidade de qualquer das normas do regime da CSR, nada obstava a que o tribunal arbitral se pronunciasse sobre a questão de constitucionalidade no âmbito do controlo difuso a que se refere o artigo 204.º da Constituição.

 

Estando em causa, no caso vertente, a desconformidade da CSR com a Diretiva 2008/118/CE, não pode deixar de concluir-se, do mesmo modo, pela competência contenciosa do tribunal para a apreciação do litígio.

 

As normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8.º da Constituição).

 

A impugnação judicial de um ato de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito convencional.

 

Torna-se claro que não existe qualquer obstáculo a que o tribunal arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade do ato de liquidação baseado em desconformidade da CSR com Diretiva europeia, sendo manifestamente improcedente a invocada exceção de incompetência do tribunal em razão da causa de pedir.

 

Intempestividade do pedido de revisão oficiosa

 

11. A Autoridade Tributária alega ainda a caducidade do direito de ação com base na intempestividade dos pedidos de revisão oficiosa, por considerar que os pedidos de revisão oficiosa não poderiam ser apresentado no prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, porquanto esse prazo apenas é aplicável quando o ato de liquidação seja imputável a um erro dos serviços, e, na situação do caso, encontrando-se a Administração vinculada ao princípio da legalidade e tendo efetuado a liquidação em estrita observância das normas legais, não ocorreu qualquer erro de direito imputável aos serviços. Refere ainda que os pedidos de revisão e consequente reembolso por erro na liquidação, no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, encontra-se sujeito ao regime específico constante do CIEC, por efeito da remissão efetuada pelo artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto.

 

É esta a questão que cabe agora analisar.

 

Como se afirma, entre outros, nos acórdãos do STA de 14 de Março de 2012 (Processo n.º 01007/11) e de 8 de Março de 2017 (Processo n.º 01019/14), a revisão oficiosa do ato tributário pode ser efetuada a pedido do contribuinte no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago) quando houver erro imputável aos serviços, devendo entender-se como tal o erro material, o erro de facto ou o erro de direito, independentemente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação.

 

É o que resulta do disposto no artigo 78.º, n.º 7, da LGT, pelo qual a revisão oficiosa, nos termos previstos no n.º 1 desse artigo, pode ser desencadeada pelo sujeito passivo mediante requerimento dirigido ao órgão competente da Administração Tributária e com base nos mesmos pressupostos legais: no prazo de quatro anos e com fundamento em erro imputável aos serviços. O que se tem entendido como uma decorrência do princípio da justiça e da verdade material (cfr., neste sentido, Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento Tributário, 5.ª edição, Coimbra, págs. 227-228; Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 605, e Leonardo Marques dos Santos, “A revisão do ato tributário, as garantias dos contribuintes e a fiscalidade internacional”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Economia, Finanças Públicas e Direito Fiscal, Vol. II, págs. 14 e segs.).

 

Conforme é também jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei.

Por outro lado, como é evidente, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela Autoridade Tributária na apreciação do pedido de revisão, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo contribuinte na formulação do pedido de impugnação judicial. Sendo que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adotado pela Administração nas decisões de indeferimento expresso dos pedidos de revisão oficiosa.

 

Acresce que não tem qualquer aplicação ao caso o regime específico dos artigos 15.º a 20.º do CIEC.

 

Há que fazer notar, a este propósito, que o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que cria a Contribuição de Serviço Rodoviário, apenas remete para o CIEC o procedimento de liquidação e cobrança do imposto, remissão que igualmente é efetuada para a LGT e o CPPT, significando que, nesse âmbito, haverá de ter-se em consideração as disposições conjugadas do CIEC e da demais legislação tributária aplicável.

 

Por outro lado, o regime específico previsto nos artigos 15.º e seguintes do CIEC abrange o reembolso com fundamento em erro na liquidação ou em caso de expedição ou exportação, ao passo que o que está em causa no presente processo arbitral não é um qualquer pedido de reembolso, mas a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação da CSR por violação do direito europeu e que carece de ser analisada à luz da Diretiva 2008/118/CE e da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

 

E, nestes termos, a referida norma remissiva não põe em causa o regime de revisão dos atos tributários a que se refere o artigo 78.º da LGT.

 

Tendo sido invocado um erro imputável aos serviços e verificando-se que os pedidos de revisão oficiosa deram entrada em 15 de julho de 2022 e reportam-se a atos de liquidação da CSR no período compreendido entre junho e dezembro de 2018 e nos anos de 2019 e 2020, no momento da apresentação dos pedidos de revisão oficiosa não tinha ainda decorrido o prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT.

 

Tendo sido a Requerente notificada do indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa em 17 de abril de 2023 e apresentado o pedido arbitral em 17 de julho seguinte, o pedido arbitral é igualmente tempestivo.

 

Não se verifica, por conseguinte, a pretendida caducidade do direito de ação.

 

III - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

12. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

A) A Requerente é uma sociedade que tem como objeto social, entre outras atividades, a exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos.

B) No contexto da sua atividade, e com base nas declarações de introdução no consumo por esta realizadas, a Administração Tributária procedeu a atos de liquidação conjunta de Imposto sobre Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) relativos aos meses de junho a dezembro de 2018 e aos anos de 2019 e 2020.

C) Nos meses de junho a dezembro de 2018 e nos anos de 2019 e 2020, a Requerente introduziu no mercado gasolina e gasóleo rodoviário nos seguintes valores em litros.

 

Junho a dezembro de 2018:

 

Mês

Gasóleo

Gasolina 95

Gasolina 98

Junho

 - 

 32 927,00 

 2 733,00

Julho

 - 

 32 759,00 

 7 977,00

Agosto

 - 

 65 353,00 

 2 971,00

Setembro

 - 

 75 322,00 

 5 969,00

Outubro

 403 242,00 

 169 373,00 

 9 999,00

Novembro

 499 762,00 

 257 073,00 

 12 093,00

Dezembro

 1 276 700,00 

 461 678,00 

 38 273,00

TOTAL GLOBAL

2 179 704,00

1 094 485,00

80 015,00

 

Em 2019:

 

Mês

Gasóleo

Gasolina 95

Gasolina 98

Janeiro

 1 772 092,00 

 532 015,00 

 51 112,00

Fevereiro

 2 792 095,00 

 816 060,00 

 61 462,00

Março

 3 560 056,00 

 1 000 827,00 

 65 427,00

Abril

-

 32 974,00 

 3 025,00

Maio

 31 982,00 

-

-

Junho

 4 034 511,00 

 1 291 337,00 

 83 480,00

Julho

 1 700 605,00 

 706 186,00 

 46 754,00

 

 

 

 

Agosto

-

 29 707,00 

 2 980,00

Setembro

-

 29 750,00 

 3 001,00

Outubro

 5 075 690,00 

 1 241 207,00 

 88 033,00

Novembro

 3 061 643,00 

 587 460,00 

 42 291,00

Dezembro

 1 772 092,00 

 532 015,00 

 51 112,00

TOTAL GLOBAL

22 028 674,00

6 267 523,00

447 565,00

 

Em 2020:

 

 

Mês

Gasóleo

Gasolina 95

Gasolina 98

Janeiro

 3 077 504,00 

 905 294,00 

 45 351,00

Fevereiro

 5 144 958,00 

 1 477 468,00 

 97 153,00

Março

 - 

 - 

 -

Abril

 - 

 - 

 -

Maio

 4 894 003,00 

 1 447 460,00 

 157 859,00

Junho

 4 034 511,00 

 1 291 337,00 

 83 480,00

Julho

 - 

 - 

 -

Agosto

 - 

 - 

 -

Setembro

 4 512 998,00 

 1 290 774,00 

 152 633,00

Outubro

 7 926 819,00 

 2 161 597,00 

 169 467,00

Novembro

 977 403,00 

 186 725,00 

 8 975,00

Dezembro

 3 077 504,00 

 29 217,00 

 4 040,00

TOTAL GLOBAL

30 568 196,00

8 789 872,00

718 958,00

 

D) Nos meses de junho a dezembro de 2018, a Requerente suportou um montante global correspondente a atos de liquidação de ISP, CSR e outros tributos de € 1.801.089,01, e um montante parcelar de € 344.128,63, correspondente aos atos de liquidação de CSR, de acordo com o quadro que segue:

 

 

Mês

Gasóleo

CSR  Gasóleo

Gasolina 95

CSR  Gasolina 95

Gasolina 98

CSR Gasolina 98

Junho

 - 

0,00 €

 32 927,00 

2 864,65 €

 2 733,00 

237,77 €

Julho

 - 

0,00 €

 32 759,00 

2 850,03 €

 7 977,00 

694,00 €

Agosto

 - 

0,00 €

 65 353,00 

5 685,71 €

 2 971,00 

258,48 €

Setembro

 - 

0,00 €

 75 322,00 

6 553,01 €

 5 969,00 

519,30 €

Outubro

 403 242,00 

44 759,86 €

 169 373,00 

14 735,45 €

 9 999,00 

869,91 €

Novembro

 499 762,00 

55 473,58 €

 257 073,00 

22 365,35 €

 12 093,00 

1 052,09 €

Dezembro

 1 276 700,00 

141 713,70 €

 461 678,00 

40 165,99 €

 38 273,00 

3 329,75 €

TOTAL GLOBAL

 2 179 704,00 

241 947,14 €

 1 094 485,00 

95 220,20 €

 80 015,00 

6 961,31 €

 

E) Em 2019, a Requerente suportou um montante global correspondente a atos de liquidação de ISP, CSR e outros tributos de € 15.013.907,67, e um montante parcelar de € 3.029.395,49, correspondente aos atos de liquidação de CSR, de acordo com o quadro que segue:

.

Mês

Gasóleo

CSR  Gasóleo

Gasolina 95

CSR  Gasolina 95

Gasolina 98

CSR Gasolina 98

Janeiro

 1 772 092,00 

196 702,21 €

 532 015,00 

46 285,31 €

 51 112,00 

4 446,74 €

Fevereiro

 2 792 095,00 

309 922,55 €

 816 060,00 

70 997,22 €

 61 462,00 

5 347,19 €

Março

 3 560 056,00 

395 166,22 €

 1 000 827,00 

87 071,95 €

 65 427,00 

5 692,15 €

Abril

-

0,00 €

 32 974,00 

2 868,74 €

 3 025,00 

263,18 €

Maio

 31 982,00 

3 550,00 €

-

0,00 €

-

0,00 €

Junho

 4 034 511,00 

447 830,72 €

 1 291 337,00 

112 346,32 €

 83 480,00 

7 262,76 €

Julho

 1 700 605,00 

188 767,16 €

 706 186,00 

61 438,18 €

 46 754,00 

4 067,60 €

Agosto

-

0,00 €

 29 707,00 

2 584,51 €

 2 980,00 

259,26 €

Setembro

-

0,00 €

 29 750,00 

2 588,25 €

 3 001,00 

261,09 €

Outubro

 5 075 690,00 

563 401,59 €

 1 241 207,00 

107 985,01 €

 88 033,00 

7 658,87 €

Novembro

 3 061 643,00 

339 842,37 €

 587 460,00 

51 109,02 €

 42 291,00 

3 679,32 €

Dezembro

 1 772 092,00 

0,00 €

-

0,00 €

-

0,00 €

TOTAL GLOBAL

22. 028 674,00

2 445 182,81 €

 6 267 523,00 

545 274,50 €

 447 565,00 

38 938,16 €

 

F) Em 2020, a Requerente suportou um montante global correspondente a atos de liquidação de ISP, CSR e outros tributos de € 22.731.843,28, e um montante parcelar de € 4.220.337,98, correspondente aos atos de liquidação de CSR, de acordo com o quadro que segue:

 

Mês

Gasóleo

CSR  Gasóleo

Gasolina 95

CSR  Gasolina 95

Gasolina 98

CSR Gasolina 98

Janeiro

 3 077 504,00 

341 602,94 €

 905 294,00 

78 760,58 €

 45 351,00 

3 945,54 €

Fevereiro

 5 144 958,00 

571 090,34 €

 1 477 468,00 

128 539,72 €

 97 153,00 

8 452,31 €

Março

 - 

 - 

 - 

 - 

 - 

 -

Abril

 - 

 - 

 - 

 - 

 - 

 -

Maio

 4 894 003,00 

543 234,33 €

 1 447 460,00 

125 929,02 €

 157 859,00 

13 733,73 €

Junho

 4 034 511,00 

447 830,72 €

 1 291 337,00 

112 346,32 €

 83 480,00 

7 262,76 €

Julho

 - 

 - 

 - 

 - 

 - 

 -

Agosto

 - 

 - 

 - 

 - 

 - 

 -

Setembro

 4 512 998,00 

500 942,78 €

 1 290 774,00 

112 297,34 €

 152 633,00 

13 279,07 €

Outubro

 7 926 819,00 

879 876,91 €

 2 161 597,00 

188 058,94 €

 169 467,00 

14 743,63 €

Novembro

 977 403,00 

108 491,73 €

 186 725,00 

16 245,08 €

 8 975,00 

780,83 €

Dezembro

 - 

 - 

 29 217,00 

2 541,88 €

 4 040,00 

351,48 €

TOTAL GLOBAL

 30 568 196,00 

3 393 069,76 €

 8 789 872,00 

 764 718,86 €

 718 958,00 

62 549,35 €

 

G)  Em 15 de julho de 2022, a Requerente apresentou pedidos de revisão oficiosa contra os atos de liquidação relativos a junho a dezembro de 2018, 2019 e 2020, que constam do documento n.º 4 junto ao pedido arbitral, que aqui se dá como reproduzido.

H) Por ofícios de 15 de março de 2023, a Requerente foi notificada dos projetos de decisão dos pedidos de revisão oficiosa, no sentido do indeferimento, conforme o documento n.º 5 junto ao pedido arbitral, que aqui se dá como reproduzido.

I) Em 4 de abril de 2023, a Requerente exerceu o direito de audição prévia relativamente aos projectos de decisão, conforme o documento n.º 6 junto ao pedido arbitral, que aqui se dá como reproduzido.

J) Por despachos do Diretor da Alfândega de Leixões, de 5 de abril de 2023, os pedidos de revisão oficiosa foram indeferidos.

L) O despacho de indeferimento referente ao pedido de revisão oficiosa apresentado contra os atos de liquidação da CSR relativos a junho a dezembro de 2018 teve por base a informação dos serviços 1 -ENG/2023, da Unidade dos Grandes Contribuintes, que aqui se dá como reproduzida.

M) O despacho de indeferimento referente ao pedido de revisão oficiosa apresentado contra os atos de liquidação da CSR relativos a 2019 teve por base a informação dos serviços 2 -ENG/2023, da Unidade dos Grandes Contribuintes, que aqui se dá como reproduzida.

N) O despacho de indeferimento referente ao pedido de revisão oficiosa apresentado contra os atos de liquidação da CSR relativos a 2020 teve por base a informação dos serviços 3 -ENG/2023, da Unidade dos Grandes Contribuintes, que aqui se dá como reproduzida.

O) As informações dos serviços 1-ENG/202, 2-ENG/2023 e 3-ENG/2023, extraíram as seguintes conclusões:

Ao longo da presente informação foram apresentados os factos e os argumentos que permitem concluir inequivocamente que a CSR foi incluída no preço de venda dos combustíveis alienados pela R Star.

A CSR não é faturada separadamente nem reconhecida contabilisticamente numa conta de gastos ou rendimentos específicos, sendo como se demonstrou, a CSR em conjunto com o ISP, registados na conta “Compra mercadorias – ISP”, e subsequentemente incorporados na conta de CMVMC.

Em conformidade com o tratamento plasmado na NCRF 18 – Inventários, o procedimento contabilístico adotado pela R Star vai no sentido do seu reconhecimento numa conta de compras (e não como gasto do período) incorporado no CMVMC. A inclusão da CSR no CMVMC constitui o reconhecimento por parte da empresa que esta (tal como os restantes impostos: ISP e taxa de carbono) incorpora o preço de custo dos combustíveis e consequentemente é incluída no preço de venda dos combustíveis.

Adicionalmente, atendendo a que o peso da CSR no preço de venda dos combustíveis é superior à margem bruta apurada pelo contribuinte, não pode invocar-se que a mesma não foi incluída no preço de venda dos combustíveis pois tal significaria admitir-se que a empresa estaria a praticar preços de venda inferiores aos respetivos preços de custo, prática comercial proibida pela legislação nacional.

A R Star trata contabilisticamente os impostos (ISP, CSR e taxa de carbono) como um todo, não registando de forma individualizada cada uma das rubricas, considerando que o peso destes impostos (CSR incluída) representa cerca de 33% do CMVMC, e que a margem bruta de comercialização é diminuta (logo se infere que representa sensivelmente o mesmo peso no preço de venda dos combustíveis), não é razoável admitir a hipótese da CSR não estar incluída no preço de venda, e que é um encargo suportado pela R Star.

Face ao exposto, conclui-se que a CSR está a ser incluída na CMVMC e subsequentemente no preço de venda dos combustíveis, e naturalmente constitui um encargo dos adquirentes dos combustíveis (e do consumidor final dos combustíveis na cadeia de revenda), mas de forma alguma constitui um encargo da R Star, premissa validada pelos procedimentos contabilísticos adotados pelo sujeito passivo, em conformidade com a norma contabilística. Acresce que, atendendo à margem bruta de comercialização apurada de 7,53%, e respetivo peso da CSR no CMVMC, não é admissível argumentar-se que esta contribuição não foi incluída no preço de venda dos combustíveis, pois tal como referido, conduziria à prática ilegal de preços de venda inferiores ao respetivo custo, o que seria, para além disso, económica e financeiramente inviável.

P) A Requerente foi notificada dos despachos de indeferimento em 17 de abril de 2023.

Q) O pedido arbitral deu entrada em 17 de julho de 2023.

 

Factos não provados

 

Não se provou que tenha havido efetiva repercussão, parcial ou integral, da contribuição de serviço rodoviário liquidada pela Requerente nos consumidores finais.

 

Motivação da matéria de facto

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

Matéria de direito

 

13. A questão que vem primeiramente colocada é a de saber se a Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto – que constitui um imposto incidente sobre os combustíveis rodoviários também sujeitos ao Imposto sobre Produtos Petrolíferos, e que se encontra enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118/CE –, tem um “motivo específico” na aceção do artigo 1.º, n.º 2, dessa Diretiva.

 

Nos termos da referida Lei n.º 55/2007, a Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A., sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).

 

A mesma contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A, no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).

 

A contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).

 

O produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui receita própria da atualmente denominada Infraestruturas de Portugal, S.A. (artigo 6.º).

 

A atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objeto de financiamento através da Contribuição de Serviço Rodoviário foi atribuída, em regime de concessão, à atual Infraestruturas de Portugal, S.A. pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de Novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).

 

À luz do regime jurídico sucintamente exposto, a Requerente sustenta que a Contribuição de Serviço Rodoviário foi criada por razões de ordem puramente orçamental, em vista à angariação de receitas próprias para financiamento da empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, em violação do direito europeu, e, especialmente, do referido artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE.

 

Em contraposição, a Autoridade Tributária sustenta que a atividade da Infraestruturas de Portugal tem subjacente a prossecução de objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se pode entender como “motivo específico” ou a “razão de ser” da criação da contribuição e não pode circunscrever-se a uma mera finalidade de natureza orçamental.

 

Suscita-se ainda a divergência entre as partes quanto ao direito ao reembolso do imposto suportado pelo sujeito passivo em face possível repercussão do imposto no consumidor final.

 

Conformidade da Contribuição de Serviço Rodoviário com o direito europeu

 

14. Analisando a primeira questão, interessa começar por ter presente a Diretiva 2008/118/CE, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo, entre outros, dos produtos energéticos, e, em especial, o seu artigo 1.º, n.º 2, que tem a seguinte redação:

 

“Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.”

 

Interpretando esta disposição na perspetiva de saber se a CSR prossegue um “motivo específico” na aceção da Diretiva, o despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido em reenvio prejudicial requerido no âmbito do Processo n.º 564/2020-T, começou por assinalar que “para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa” (parágrafo 25). Acrescentando que “só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo quando prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respetivo consumo” (parágrafo 27).

 

No desenvolvimento destes critérios gerais, o despacho do TJUE, na parte que mais releva, formula ainda as seguintes considerações:

 

“29. No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.º 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo 1.°, n.º 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.

30. Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar-se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (-).

31. Em terceiro lugar, como resulta do n.º 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto-lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.

32. No entanto, como foi salientado no n.º 15 do presente despacho, resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam-se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.

33. Em quarto lugar, os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redação da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.

34. Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes.

35. Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar atendendo às indicações que figuram nos n.ºs 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (-)”.

 

15. Revertendo à situação do caso, o que se constata é que a Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (atual Infraestruturas de Portugal, S.A.), sendo o financiamento assegurado pelos respetivos utilizadores, como contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, utilização essa que é verificada pelo consumo dos combustíveis. Ademais, o produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui uma receita própria da Infraestruturas de Portugal, S.A., e o financiamento da rede rodoviária nacional apenas subsidiariamente é assegurado pelo Estado.

 

A atividade de financiamento, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (agora denominada Infraestruturas de Portugal, S.A.) pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro. Nas bases da concessão igualmente se prevê que, entre outros rendimentos, a Contribuição de Serviço Rodoviário constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro II do anexo às presentes bases” (Base 2, n.º 4, alínea b)).

 

No quadro II do anexo apenas se estabelece, na Parte I, alguns objetivos de redução de sinistralidade por referência a certos indicadores de atividade (número de pontos negros, gravidade dos acidentes nas travessias urbanas, número de vítimas mortais) e, na Parte II, alguns objetivos de sustentabilidade ambiental em vista a assegurar, tendencialmente, os indicadores ambientais que aí são referenciados.

 

Como resulta, com clareza, do despacho do Tribunal de Justiça proferido em reenvio prejudicial, as receitas provenientes da CSR destinam-se essencialmente a assegurar o financiamento da rede rodoviária mediante a consignação à Infraestruturas de Portugal, S.A., e têm uma finalidade puramente orçamental. Nem a estrutura do imposto revela a intenção de desmotivar o consumo dos combustíveis. E, por outro lado, a finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR de modo a poder considerar-se conforme o direito europeu é apresentada em termos muito genéricos, não tendo sido sequer feita a prova – que incumbia à Autoridade Tributária – de que tenham sido cumpridos os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se encontram definidos no quadro II do anexo às bases da concessão.

 

Haverá de concluir-se, face a todo o exposto, que a CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental.

 

 

 

 

Reembolso da contribuição indevidamente liquidada

 

16. A segunda questão em debate respeita a saber se o reembolso da CSR indevidamente liquidada ao contribuinte é admissível quando a carga fiscal resultante da incidência do imposto é repercutida nos consumidores finais através do correspondente aumento do preço, gerando uma situação de enriquecimento sem causa.

 

Quanto a esta matéria, e para considerar apenas os aspetos mais relevantes em apreciação, o Tribunal de Justiça pronunciou-se nos seguintes termos.

 

“38. (…) Assim, um Estado-Membro está, em princípio, obrigado a reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União, ao abrigo das regras processuais nacionais aplicáveis e no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (-).

39. A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas (-).

40. Por conseguinte, incumbe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar o respeito pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, incluindo quando nada conste a este respeito no direito nacional.

(…)

42. Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido (-).

43. Constituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá-la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo (-).

(…)

45. Não se pode, no entanto, admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (-).

46. O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (-).

47. Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas (-)”.

 

Como sublinha ainda o TJUE, “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (parágrafo 44).

 

17. No caso vertente, não há prova evidente de que tenha havido uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores, de modo a poder a admitir-se que o reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, podia traduzir-se numa situação de enriquecimento sem causa por parte do operador.

 

Para efetuar essa demonstração, a Autoridade Tributária limita-se a juntar as informações internas dos serviços que serviram de base ao indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa, a que se referem as alíneas L), M) e N) da matéria de facto, e cujas conclusões constam da alínea O), que partem de meras ilações ou considerações genéricas, que, em substância, não permitem concluir que o imposto tenha sido parcial ou integralmente repercutido.

 

Com efeito, as informações em causa fazem apelo ao próprio objetivo legislativo da criação da CSR, que terá sido o de onerar os utilizadores da rede rodoviária mediante o agravamento dos custos dos combustíveis. Reporta-se ao critério contabilístico do registo do custo das mercadorias vendidas adotado pela Requerente para inferir que esta incorpora no preço da venda os custos inerentes à CSR. E argumenta ainda com a margem de comercialização para justificar que o operador não poderia deixar de repercutir o imposto sob pena de praticar preços de venda inferiores ao custo. 

 

Ou seja, a Autoridade Tributária, para justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores, assenta em meros juízos presuntivos, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas.

 

Ora, como resulta com evidência do despacho proferido pelo TJUE em reenvio prejudicial e outra jurisprudência nele citada, não é admissível a prova da repercussão de impostos indiretos através de presunção. E, como se refere no parágrafo 45, acima transcrito, mesmo que exista uma obrigação legal de incorporar o imposto no preço de custo do produto, essa obrigação, por si só, não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutido. Não podendo extrair-se, por conseguinte, do tratamento contabilístico do custo das mercadorias vendidas, quando este custo deva incluir todos os gastos incorridos, incluindo a incidência do imposto, que a totalidade do imposto tenha sido repercutida no consumidor final. 

 

Resta acrescentar, tal como foi também assinalado pelo Tribunal de Justiça, que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo e mesmo que viesse a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas.

 

Pelo que sempre seria necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o contribuinte teria beneficiado, ao menos parcialmente, por efeito da repercussão do imposto.

 

Por todo o exposto, não pode opor-se ao pedido de reembolso do imposto indevidamente liquidado uma suposta situação de enriquecimento sem causa por efeito da repercussão do imposto nos consumidores.

 

No sentido exposto nos antecedentes n.ºs 14., 15., 16. e 17. se pronunciaram os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 564/2020-T, 24/2023-T e 113/2023-T.

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

18. A Requerente requer a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação impugnados, na parte relativa à CSR, no valor total de € 7.593.862,10, com todas as consequências legais, incluindo o pagamento de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Nos casos de pedido de revisão oficiosa, em face do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 10 de maio de 2017, Processo n.º 01159/14).

 

No caso, os pedidos de revisão oficiosa foram apresentados em 22 de julho de 2022, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde 23 de julho de 2023, ou seja, a partir de um ano depois da apresentação do pedido de revisão oficiosa, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, incidentes sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, calculados à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

 

III – Decisão

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos de liquidação de CSR impugnados;
  2. Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios calculados desde 23 de julho de 2023 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 7.593.862.10, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação de CSR a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Notifique.

 

Lisboa, 24 de janeiro de 2024

 

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

Carlos Fernandes Cadilha (relator)

 

O Árbitro vogal

 


 

João Taborda da Gama

 

O Árbitro vogal

 

 

Miguel Patrício