Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 348/2014-T
Data da decisão: 2014-11-17  IVA  
Valor do pedido: € 11.907,44
Tema: IVA – Competência material do tribunal arbitral; regularização a favor do sujeito passivo do imposto deduzido nos atos de autoliquidação; reclamação graciosa; tempestividade
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Processo n.º 348/2014-T

Tema: IVA – Competência material do tribunal arbitral; regularização a favor do sujeito passivo do imposto deduzido nos atos de autoliquidação; reclamação graciosa; tempestividade.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            I. RELATÓRIO

1. No dia 22 de abril de 2014, a sociedade comercial “A…, Apartamentos Turísticos, S. A.”, NIPC…, com sede em ..., Almancil (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e a anulação parcial do ato de autoliquidação de IVA referente ao mês de março de 2012, pelo valor de € 11.907,44, e bem assim a declaração de ilegalidade e a anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou relativamente àquele ato de autoliquidação de IVA, sendo Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT). A Requerente juntou 6 (seis) documentos, arrolou 2 (duas) testemunhas e requereu que fosse efetuada a inspeção ao estabelecimento turístico identificado nos autos.  

No essencial e em breve síntese, a Requerente alegou o seguinte:

A Requerente é proprietária de um estabelecimento de alojamento turístico de quatro estrelas sito na Quinta B..., denominado “Quinta B...”, o qual integra todos os elementos típicos que caracterizam um qualquer estabelecimento destinado ao alojamento turístico, sendo que os serviços que nele são prestados não se distinguem dos serviços prestados num vulgar hotel.

Aquele estabelecimento dispõe de 36 unidades de alojamento totalmente equipadas e prontas a utilizar, de infraestruturas de apoio e lazer (receção, bar, piscinas exterior e interior, sauna, ginásio, salão de jogos e espaços comuns de descanso), prestando serviços diários de arrumação e limpeza, reposição de toalhas, roupa de cama e de consumíveis de higiene pessoal, atendimento personalizado, refeições e outros serviços complementares.

O mesmo estabelecimento é procurado exclusivamente para fins não residenciais e o uso por todos os seus clientes é circunscrito a curtos períodos de tempo destinados ao repouso e ao lazer próprios.

A Requerente, naquele seu estabelecimento, presta todos os aludidos serviços ao público em geral, oferecendo, contudo, condições mais vantajosas aos designados membros da Quinta B... . (Clube).

A qualidade de membro do Clube depende de um pagamento anual, que dispensa o pagamento de qualquer outra contraprestação pelo alojamento, conferindo o direito de uso para alojamento temporário de uma determinada unidade de alojamento, durante um determinado período anual, a preços preferenciais. Se um membro do Clube não efetuar o mencionado pagamento anual, perderá definitivamente a sua qualidade de membro e passará a ser tratado como qualquer outro cliente, podendo ocupar uma unidade de alojamento disponível mediante o pagamento do preço cobrado ao público em geral.

Os serviços que são prestados no referido estabelecimento turístico são idênticos para todos os clientes, sejam ou não membros do Clube, os quais se reconduzem ao conceito de alojamento em estabelecimento do tipo hoteleiro, que é tributável à taxa reduzida de IVA.

A Requerente liquidou IVA à taxa reduzida sobre os serviços de alojamento hoteleiro prestados aos clientes que não são membros do Clube. Contudo, liquidou IVA à taxa normal sobre o valor do pagamento anual faturado a clientes membros do Clube pelo alojamento nas mesmas unidades.

Atenta a identidade de serviços prestados a todos os seus clientes, a Requerente entendeu que deveria sujeitá-los a IVA de modo uniforme, pelo que, em 11 de setembro de 2013, deduziu reclamação graciosa contra o ato de autoliquidação de IVA de março de 2012, nos termos do artigo 131.º do CPPT, pela diferença entre o IVA que autoliquidou à taxa normal sobre serviços de alojamento turístico que prestou em março de 2012 – a cujo apuramento serviram de suporte as faturas emitidas nesse período, as quais titulam serviços de alojamento que gozam da taxa reduzida do IVA (verba 2.17 da Lista I anexa ao Código do IVA) – e aquele que sobre os mesmos serviços seria devido à taxa reduzida. A dita diferença integra pois parte do imposto referente ao período de março de 2012, autoliquidado na respetiva declaração periódica de IVA.

A aludida reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 28 de outubro de 2013, proferido pelo substituto de Diretor de Finanças de Faro, com fundamento na extemporaneidade do seu pedido e na circunstância de o IVA reclamado não ter sido suportado pela Requerente, nem esta ter dado azo a qualquer regularização a seu favor nos termos do artigo 78.º do Código do IVA.

O preço estabelecido pela Requerente junto dos seus clientes que são membros do Clube é, desde sempre, um preço final, com IVA incluído, pelo que, qualquer imposto apurado acha-se contido e incorporado nesse preço e corre por conta e risco da Requerente.

Assim, se a Requerente liquidar imposto superior ao devido, verá a sua margem reduzir-se, se liquidar imposto inferior ao devido, terá de suportar a parcela adicional sem que a possa exigir aos seus clientes.

Por outras palavras, o preço estabelecido pela Requerente junto dos clientes membros do Clube não flutua nem está à mercê da taxa de IVA que, a cada momento, seja aplicada. Pois, qualquer imposto apurado, quer seja ou não legalmente devido, acha-se contido e incorporado nesse preço e corre por conta da Requerente.

Aos clientes membros do Clube não assiste, assim, qualquer direito a qualquer reembolso, visto que não pagaram à Requerente qualquer quantia adicional ao valor do encargo anual a que se vincularam.

Sequentemente, a Requerente interpôs recurso hierárquico do ato de indeferimento da reclamação graciosa, o qual não foi decidido no prazo estatuído no artigo 66.º, n.º 5, do CPPT, pelo que se presume tacitamente indeferido.

A Requerente entende, pois, que é ilegal o ato de autoliquidação impugnada, assim como o ato de indeferimento da reclamação graciosa dele apresentada que o confirmou, por violação do disposto na verba 2.17 da Lista I anexa ao Código do IVA em conjugação com a alínea a) do n.º 2 do artigo 18.º do mesmo diploma e com os princípios comunitários da neutralidade fiscal, objetividade e da taxa de tributação uniforme do IVA.

A Requerente alega, ainda, que o objeto da reclamação graciosa consistiu na parte de uma liquidação de um tributo cometida por lei ao próprio sujeito passivo, ou seja, num ato de autoliquidação, sendo que nem o seu fundamento redundou exclusivamente em matéria de direito nem a autoliquidação reclamada foi efetuada de acordo com quaisquer orientações genéricas emitidas pela AT. Assim, não vislumbra quaisquer razões válidas para que o pedido formulado em sede de reclamação graciosa tenha sido considerado extemporâneo quando o prazo legal para a sua apresentação é de dois anos, como decorre do artigo 131.º do CPPT.

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 24 de abril de 2014.

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 11 de junho de 2014, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do art. 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos arts. 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 27 de junho de 2014.

6. No dia 17 de setembro de 2014, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual, para além de haver deduzido a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, com a sua consequente absolvição da instância, e a exceção da extemporaneidade da reclamação graciosa previamente apresentada, com a sua consequente absolvição do pedido, impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente e concluiu pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido. A Requerida não juntou qualquer documento, nem arrolou testemunhas. Na mesma ocasião, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).

No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua contestação:

A Requerida começa por invocar a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral porquanto, no seu entender, a Requerente formula o pedido expresso de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IVA de março de 2012 sendo, porém, notório, atento o por si alegado no pedido de pronúncia arbitral, que o que de facto pretende é a devolução da quantia de imposto que alegadamente foi liquidada indevidamente.

Assim, o pedido (imediato) formulado pela Requerente visa a condenação da AT ao reconhecimento do direito à restituição do IVA que alegadamente liquidou e pagou em excesso.

Ora, segundo a Requerida, o legislador não contemplou, nomeadamente no RJAT, a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária.

Consequentemente, o pedido formulado visando a devolução do montante de € 11.907,44 que a Requerente diz ter liquidado indevidamente consubstancia a existência de uma exceção dilatória que determina a incompetência material do tribunal arbitral, obstando ao conhecimento do pedido e que, portanto, deve determinar a absolvição da Requerida da instância.

Por outro lado, alega a Requerida que o pedido de pronúncia arbitral emerge do indeferimento tácito do recurso hierárquico apresentado pela Requerente na sequência da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa que ela tinha apresentado contra a autoliquidação de IVA referente ao período de imposto de março de 2012, no montante de € 11.907,44. 

Assim, quer a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, quer o indeferimento tácito do recurso hierárquico constituem objeto imediato desta ação, sendo seu objeto mediato os vícios imputados à autoliquidação de IVA referente ao período de março de 2012.

Acontece que, numa situação em que estamos perante a alteração da taxa de IVA aplicável de 23% para 6%, independentemente do valor pago pelo destinatário ser o mesmo, a correção da inexatidão das faturas emitidas quanto à taxa de IVA aplicável e, portanto, quanto ao valor tributável da prestação de serviços, efetua-se através da emissão de notas de crédito e de novas faturas (com os campos do valor tributável e imposto devido corretos face à nova taxa aplicável), nos termos dos artigos 29.º, n.ºs 1 e 7, 44.º, 45.º e 78.º do Código do IVA, as quais devem ser relevadas no campo 40 da declaração periódica referente ao período a que respeita a regularização e nunca através da substituição ou anulação da declaração periódica relativa ao período correspondente às faturas que se anularam. Ou seja, a autoliquidação referente ao período correspondente às faturas cuja taxa se concluiu, posteriormente, estar incorreta, não padece de qualquer erro, tendo por base a contabilização daquelas faturas com a taxa de 23%, devendo pois ser promovido pelo sujeito passivo o procedimento anteriormente descrito.

Nessa linha, prossegue a Requerida afirmando que, independentemente do prazo para o exercício do direito consignado no artigo 131.º do CPPT e da regularização prevista no artigo 78.º, n.º 3, do Código do IVA ser semelhante, o prazo para a regularização de faturas inexatas tem procedimento próprio especial, previsto nas citadas normas do Código do IVA. A Requerente deveria, pois, ao invés de ter apresentado reclamação graciosa da autoliquidação, ter promovido a correspondente regularização.

Pelo que, a matéria reclamada ora impugnada não tem enquadramento em sede de erro de autoliquidação por inexistência desse mesmo erro, sendo por isso a reclamação apresentada intempestiva, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida do pedido.

Por impugnação, afirma a Requerida que não é indiferente que o valor pago pelo cliente, apesar de ser o mesmo, seja formado pela aplicação das taxas de IVA de 6% ou 23%, pois isso tem implicações não só em sede de IVA a entregar ao Estado como também ao nível dos proveitos.

 Ademais, restituir à Requerente o valor de imposto que liquidou e recebeu dos seus clientes (consumidores finais), traduzir-se-ia num enriquecimento sem causa, que a lei nacional e o direito comunitário não consente, pois a Requerente não prova que não tenha repercutido o montante de imposto, resultante do aumento da taxa, aos clientes membros do Clube. Assim, a Requerente pretende a devolução de um montante de imposto que não prova ter efetivamente suportado e, consequentemente, não lhe é devido.

Aliás, o facto de a Requerente admitir que a sua margem ficou reduzida é a confirmação de que foram os clientes quem suportaram o valor de imposto de 23% incluído no preço cobrado pela prestação de serviços efetuada. Mais, se a Requerente diminuiu os seus proveitos, certamente também pagou menos IRC, pelo que não pode agora querer beneficiar de um proveito extraordinário por devolução de imposto que efetivamente não suportou. Com efeito, a Requerente não demonstra ter promovido qualquer reclamação da autoliquidação de IRC do período de 2012, atento o seu entendimento de que teve, no respetivo mês de março, um aumento dos seus proveitos.

7. Em 19 de setembro de 2014, foi proferido despacho a determinar a notificação da Requerente para, querendo, em 10 (dez) dias vir aos autos pronunciar-se relativamente à matéria de exceção alegada pela Requerida.

A Requerente, devidamente notificada, veio pronunciar-se no sentido da improcedência de ambas as exceções invocadas pela Requerida.

8. Em 6 de outubro de 2014, a Requerente, devidamente notificada para o efeito, veio indicar os temas de prova – por referência aos concretos pontos de facto por si alegados que considerava não provados documentalmente – relativamente aos quais pretendia a inquirição das testemunhas arroladas e a respetiva razão de ciência, a fim de o Tribunal decidir sobre a admissão ou não da produção de prova testemunhal. 

Nesse mesmo requerimento, a Requerente declarou prescindir da requerida inspeção ao estabelecimento turístico identificado nos autos.

8. Em 28 de outubro de 2014, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual foi decidido deferir a produção de prova testemunhal, por se afigurar útil para a descoberta da verdade e, portanto, para a boa decisão da causa.

Na mesma data, procedeu-se à inquirição das 2 (duas) testemunhas arroladas pela Requerente.

Finda a inquirição das referidas testemunhas, foram produzidas de forma sucessiva, por Requerente e Requerida, as respetivas alegações orais, mantendo, no essencial, as posições anteriormente enunciadas, reforçadas, na sua perspetiva, pela prova testemunhal produzida.

***

            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

            II.1. Da exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral

A Requerida, na sua resposta, suscita a questão da incompetência material do Tribunal Arbitral por entender que o «pedido (imediato) formulado pela Requerente dirige-se à condenação da Administração Tributária ao reconhecimento do direito à liquidação do IVA que alegadamente liquidou e pagou em excesso». Ora, prossegue a Requerida, atento o disposto no artigo 2.º do RJAT, no leque de competências dos tribunais arbitrais não está contemplada a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária.

Consequentemente, preconiza a Requerida que «o pedido formulado nos presentes autos tendente à devolução do montante de € 11.907,44 que a Requerente diz ter liquidado indevidamente consubstancia a existência de uma excepção dilatória que determina a incompetência material do tribunal arbitral, obstando ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da Requerida da instância».

O âmbito de competência material dos tribunais constitui matéria de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, cumprindo por isso, antes de tudo o mais, proceder à sua apreciação (cfr. artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 96.º e 98.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão, respetivamente, das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

Importa então começar por atentar no pedido formulado pela Requerente:

«Nestes termos e nos demais de Direito que serão doutamente supridos por V. Exa., deve a presente acção arbitral ser julgada inteiramente provada e procedente, e por via disso, com as inerentes consequências de lei, declarado ilegal e parcialmente anulado o acto de autoliquidação de IVA de Março de 2012 pelo valor de € 11.907,44 e bem assim o acto de indeferimento da reclamação necessária em tempo dele apresentada que o confirmou, se necessário após pedido ao Tribunal de Justiça da União Europeia para decidir a título prejudicial sobre a sua compatibilidade com a Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro, e com as regras do direito da União relativas à repetição do indevido, nos termos do artigo 267.º do TFUE.»  

  Afigura-se-nos que decorre com meridiana clareza da literalidade do pedido que o que a Requerente efetivamente pretende é a declaração de ilegalidade e a anulação parcial do ato de autoliquidação de IVA de março de 2012, por via da declaração de ilegalidade e anulação do ato que indeferiu a reclamação graciosa oportuna e previamente apresentada.  

Nessa medida, o pedido formulado pela Requerente está compreendido no âmbito das competências dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, pois nele está incluída a apreciação de pretensões de «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», como decorre do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

Como bem se afirma na decisão proferida no processo n.º 117/2013-T do CAAD: «…a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.»

A pretensão de receber o montante de imposto que tenha sido liquidado de forma ilegal é, pois, uma consequência da eventual declaração de ilegalidade, no âmbito do dever de «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado», estatuído na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, pelo que tal pretensão não contende com a competência dos tribunais tributários que funcionam no CAAD, tanto mais que pressupõe a prévia declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação.   

Nestes termos, é julgada improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o presente processo.

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II.2. Da exceção de extemporaneidade da reclamação graciosa, por inexistência de erro na autoliquidação de IVA

            A Requerida invoca ainda a exceção de extemporaneidade da reclamação graciosa, por inexistência de erro na autoliquidação de IVA, para cujo conhecimento e decisão se torna, porém, necessário fixar previamente a matéria de facto provada e não provada, o que se passa a fazer, após o que se decidirá.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1. FACTOS PROVADOS

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

Nesta parametria, tendo em consideração, nomeadamente, as posições assumidas pelas partes, a prova documental produzida, o PA junto aos autos e os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

1. A Requerente é um sujeito passivo de IRC, com sede em território nacional e enquadrada no regime normal de IVA de periodicidade mensal – cfr. PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5).

2. A Requerente encontra-se coletada pela atividade de “Apartamentos Turísticos com Restaurante – CAE 55118”, tendo iniciado a mesma em 29/12/2004 – cfr. PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5).

3. A Requerente é proprietária de um estabelecimento turístico denominado “Apartamentos Turísticos…”, comercialmente designado por “Quinta B... .”, sito na Rua…, s/, Quinta B..., distrito de ... – cfr. artigo 5.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com esta e PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5).  

4. O referido estabelecimento turístico integra todos os elementos típicos que caracterizam a generalidade dos estabelecimentos destinados ao alojamento turístico, sendo neles prestados os serviços que se prestam nos hotéis – cfr. artigo 6.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimento da testemunha D....

5. O referido estabelecimento dispõe de 36 unidades de alojamento totalmente equipadas e prontas a ocupar e utilizar que gozam de um serviço diário de arrumação e limpeza, reposição de toalhas, roupa de cama e de consumíveis de higiene pessoal – cfr. artigo 7.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimento da testemunha D....

6. O mesmo estabelecimento dispõe de infraestruturas de apoio e lazer, designadamente receção, bar, piscinas exterior e interior, sauna, ginásio, salão de jogos e espaços comuns de descanso – cfr. artigo 8.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimento da testemunha D....

7. No dito estabelecimento são prestados aos respetivos clientes serviços de atendimento personalizado, refeições e serviços complementares específicos – cfr. artigo 9.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimento da testemunha D....

8. O mencionado estabelecimento é procurado exclusivamente para fins não residenciais e o uso por todos os seus clientes é circunscrito a curtos períodos de tempo destinados a repouso e ao lazer dos próprios – cfr. artigo 10.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimento da testemunha D....  

9. A Requerente presta todos os seus serviços ao público em geral, mas oferece condições mais vantajosas aos designados membros do Quinta B... . (abreviadamente designado por Clube) – cfr. artigo 11.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimentos das testemunhas.

10. A qualidade de membro do Clube confere aos clientes o direito de uso para alojamento temporário de uma determinada unidade de alojamento durante uma determinada semana de cada ano, a preços preferenciais – cfr. artigo 13.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimentos das testemunhas.

11. A qualidade de membro do Clube depende de um pagamento anual que dispensa o pagamento de qualquer outra contraprestação pelo alojamento, mas que é tendencialmente inferior ao preço de idêntico alojamento cobrado aos demais clientes – cfr. artigo 14.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimentos das testemunhas.

12. Caso falte a qualquer pagamento anual, o cliente perderá definitivamente a sua qualidade de membro e passará a ser tratado como qualquer outro cliente, podendo apenas ocupar uma unidade de alojamento disponível mediante o pagamento do preço devido por qualquer cliente não membro do Clube – cfr. artigo 15.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimento da testemunha D....

13. O serviço que a Requerente presta a todos os seus clientes, membros e não membros do Clube, é idêntico – cfr. artigo 16.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimentos das testemunhas.

14. O serviço que a Requerente presta a todos os seus clientes, membros e não membros do Clube, consiste em alojamento em estabelecimento do tipo hoteleiro – cfr. artigo 17.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimentos das testemunhas.

15. A Requerente liquidou IVA à taxa reduzida sobre os serviços de alojamento hoteleiro prestados aos clientes que não são membros do Clube, ao passo que sobre o valor do pagamento anual faturado a clientes membros do Clube pelo alojamento nas mesmas unidades, a Requerente vinha liquidando IVA à taxa normal – cfr. artigos 19.º e 20.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimento da testemunha D....

16. No mês de março de 2012, a Requerente liquidou IVA aos seus clientes membros do Clube à taxa de 23% – cfr. artigo 1.º da petição inicial, documentos n.ºs 1, 2 e 4 juntos com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimento da testemunha D....

17. Dada a identidade dos serviços que presta a todos os seus clientes, a Requerente entendeu que devia tratá-los de modo uniforme para efeitos da sua sujeição a IVA – cfr. artigo 21.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimento da testemunha D....

18. Por essa razão – concretamente, alegando, resumidamente, ter havido erro na aplicação da taxa de IVA relativamente aos serviços prestados aos seus clientes, pois a taxa a aplicar às operações em causa seria a taxa reduzida (6%) e não a taxa normal (23%), como por lapso foi aplicada –, deduziu reclamação graciosa contra o ato de autoliquidação de IVA de março de 2012, datado de 10 de maio de 2012, a que corresponde a declaração periódica do IVA n.º…, na qual apurou € 15.754,27 a entregar ao Estado – cfr. artigo 22.º da petição inicial, documento n.º 2 junto com esta e PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5).

19. A referida reclamação graciosa deu entrada no Serviço de Finanças de Loulé - 1, em 11 de setembro de 2013 – cfr. PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5).

20. A predita reclamação graciosa foi indeferida por despacho do substituto do Diretor de Finanças de Faro, datado de 28 de outubro de 2013, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, de que consta, além do mais, o seguinte [cfr. artigo 23.º da petição inicial, documento n.º 2 junto com esta e PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5)]:

«PARECER:

De conformidade com o estabelecido no art. 70.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a reclamante tinha 120 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário (10-05-2012), para deduzir reclamação graciosa, prazo esse que terminou em 7-09-2012. Atendendo a que a reclamação só foi apresentada no dia 10-09-2013 (data de registo nos CTT), sou a considerar que o pedido é extemporâneo.

Por outro lado, mesmo que assim não fosse, tendo em conta que o IVA entregue ao Estado, o aqui reclamado, foi cobrado aos clientes e não suportado pela firma e que por outro lado não conhece este serviço que tenha sido feita qualquer regularização a favor do sujeito passivo (pela retificação do imposto para menos), nem que tenham sido cumpridos os requisitos exigidos pelo art. 78.º, nomeadamente no seu n.º 5, do CIVA, sou de parecer que não poderá ser atendido o pedido da reclamante.» 

21. Esse indeferimento foi notificado à Requerente pelo ofício n.º…da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Faro, de 28.10.2013, remetido por correio registado, conforme registo dos CTT n.º RM …PT – cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial e PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5).

22. Desse indeferimento interpôs a Requerente recurso hierárquico, em 29 de novembro de 2013, sobre o qual não foi proferida qualquer decisão expressa – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial e PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5).

23. O preço anualmente estabelecido pela Requerente junto dos seus clientes membros do Clube pelo serviço de alojamento hoteleiro que lhes presta é, desde sempre, um preço final, com IVA incluído – cfr. artigo 35.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimentos das testemunhas.

24. Qualquer imposto apurado, quer se mostre ou não legalmente devido, acha-se contido e incorporado nesse preço e corre por conta e risco da Requerente – cfr. artigo 36.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimento da testemunha D....

25. Se liquidar imposto superior ao devido, a Requerente verá a sua margem reduzir-se, se liquidar imposto inferior ao devido, a Requerente terá de suportar a parcela adicional sem que a possa exigir aos seus clientes – cfr. artigo 37.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimento da testemunha D....

26. A Requerente assumiu, através da redução da sua margem, o IVA liquidado em março de 2012 resultante da diferença entre a taxa normal incluída no valor faturado aos clientes membros do Clube pelo serviço de alojamento hoteleiro que lhes prestou e a taxa reduzida, o qual ascende a € 11.907,44, em conformidade com o seguinte quadro [cfr. artigo 153.º da petição inicial, documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos com esta, PA junto aos autos (ficheiros PA1 a PA5) e depoimento da testemunha D...]:

Fatura n.º

Data de emissão

Cliente

Unidade de

alojamento

Preço faturado aos membros

do Clube

(a)

IVA liquidado à

taxa normal

(b)

= (a) - (a) / 1,23

IVA devido à taxa

Reduzida

(c)

= (a) - (a) / 1,06

IVA reclamado

(d)

= (b) - (c)

 

129

05-03-2012

102

650,00

121,54

36,79

84,75

114

05-03-2012

 

103

650,00

121,54

36,79

84,75

105

05-03-2012

 

104

650,00

121,54

36,79

84,75

116

05-03-2012

 

106

650,00

121,54

36,79

84,75

109

05-03-2012

 

107

650,00

121,54

36,79

84,75

113

05-03-2012

 

108

650,00

121,54

36,79

84,75

121

05-03-2012

 

109

650,00

121,54

36,79

84,75

110

05-03-2012

 

110

650,00

121,54

36,79

84,75

130

05-03-2012

 

201

1.020,00

190,73

57,74

133,00

124

05-03-2012

 

202

650,00

121,54

36,79

84,75

118

05-03-2012

 

205

650,00

121,54

36,79

84,75

119

05-03-2012

 

206

650,00

121,54

36,79

84,75

128

05-03-2012

 

208

650,00

121,54

36,79

84,75

111

05-03-2012

 

209

650,00

121,54

36,79

84,75

125

05-03-2012

 

301

1.020,00

190,73

57,74

133,00

122

05-03-2012

 

303

884,00

165,30

50,04

115,26

120

05-03-2012

 

304

884,00

165,30

50,04

115,26

115

05-03-2012

 

305

884,00

165,30

50,04

115,26

112

05-03-2012

 

306

884,00

165,30

50,04

115,26

127

05-03-2012

 

308

884,00

165,30

50,04

115,26

108

05-03-2012

 

203/309

1.534,00

286,85

86,83

200,02

126

05-03-2012

 

401

1.104,00

206,44

62,49

143,95

123

05-03-2012

 

402

884,00

165,30

50,04

115,26

117

05-03-2012

 

403

884,00

165,30

50,04

115,26

107

05-03-2012

 

404

884,00

165,30

50,04

115,26

106

05-03-2012

 

405

884,00

165,30

50,04

115,26

154

12-03-2012

 

102

650,00

121,54

36,79

84,75

150

12-03-2012

 

103

650,00

121,54

36,79

84,75

131

12-03-2012

 

104

650,00

121,54

36,79

84,75

136

12-03-2012

 

107

650,00

121,54

36,79

84,75

138

12-03-2012

 

108

650,00

121,54

36,79

84,75

141

12-03-2012

 

110

650,00

121,54

36,79

84,75

156

12-03-2012

 

201

1.020,00

190,73

57,74

133,00

147

12-03-2012

 

202

650,00

121,54

36,79

84,75

152

12-03-2012

 

203

650,00

121,54

36,79

84,75

155

12-03-2012

 

204

650,00

121,54

36,79

84,75

144

12-03-2012

 

206

650,00

121,54

36,79

84,75

142

12-03-2012

 

208

650,00

121,54

36,79

84,75

137

12-03-2012

 

209

650,00

121,54

36,79

84,75

140

12-03-2012

 

210

650,00

121,54

36,79

84,75

149

12-03-2012

 

301

1.020,00

190,73

57,74

133,00

153

12-03-2012

 

302

884,00

165,30

50,04

115,26

146

12-03-2012

 

303

884,00

165,30

50,04

115,26

143

12-03-2012

 

305

884,00

165,30

50,04

115,26

139

12-03-2012

 

306

884,00

165,30

50,04

115,26

151

12-03-2012

 

308

884,00

165,30

50,04

115,26

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12-03-2012

 

309

884,00

165,30

50,04

115,26

157

12-03-2012

 

310

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165,30

50,04

115,26

145

12-03-2012

 

401

1.104,00

206,44

62,49

143,95

133

12-03-2012

 

402

884,00

165,30

50,04

115,26

135

12-03-2012

 

403

884,00

165,30

50,04

115,26

148

12-03-2012

 

404

884,00

165,30

50,04

115,26

132

12-03-2012

 

405

884,00

165,30

50,04

115,26

159

19-03-2012

 

104

650,00

121,54

36,79

84,75

173

19-03-2012

 

106

650,00

121,54

36,79

84,75

163

19-03-2012

 

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121,54

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167

19-03-2012

 

109

650,00

121,54

36,79

84,75

165

19-03-2012

 

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650,00

121,54

36,79

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186

19-03-2012

 

201

1.020,00

190,73

57,74

133,00

176

19-03-2012

 

202

650,00

121,54

36,79

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180

19-03-2012

 

203

650,00

121,54

36,79

84,75

162

19-03-2012

 

204

650,00

121,54

36,79

84,75

185

19-03-2012

 

205

650,00

121,54

36,79

84,75

169

19-03-2012

 

206

650,00

121,54

36,79

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19-03-2012

 

207

650,00

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19-03-2012

 

210

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121,54

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301

1.020,00

190,73

57,74

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183

19-03-2012

 

302

884,00

165,30

50,04

115,26

172

19-03-2012

 

303

884,00

165,30

50,04

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19-03-2012

 

305

884,00

165,30

50,04

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19-03-2012

 

306

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19-03-2012

 

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19-03-2012

 

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884,00

165,30

50,04

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19-03-2012

 

310

884,00

165,30

50,04

115,26

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19-03-2012

 

401

1.104,00

206,44

62,49

143,95

161

19-03-2012

 

402

884,00

165,30

50,04

115,26

170

19-03-2012

 

403

884,00

165,30

50,04

115,26

175

19-03-2012

 

404

884,00

165,30

50,04

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182

19-03-2012

 

405

884,00

165,30

50,04

115,26

198

26-03-2012

 

102

650,00

121,54

36,79

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26-03-2012

 

108

650,00

121,54

36,79

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189

26-03-2012

 

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121,54

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205

650,00

121,54

36,79

84,75

204

26-03-2012

 

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121,54

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50,04

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165,30

50,04

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211

26-03-2012

 

405

884,00

165,30

50,04

115,26

 

27. Em 22 de abril de 2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo – cfr. sistema informático de gestão processual do CAAD.

*

III.1.2. FACTOS NÃO PROVADOS

            Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

*

III.1.3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se no processo administrativo, nas afirmações feitas nos articulados, nos pontos indicados, em que não foi posta em causa a respetiva aderência à realidade, nos documentos juntos aos autos, referenciados em relação a cada um dos pontos, cuja correspondência à realidade não foi questionada e, ainda, na prova testemunhal produzida.

Relativamente aos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas – as quais depuseram de forma objetiva e isenta, pelo que os seus depoimentos nos merecem total credibilidade – importa aqui fazer uma brevíssima súmula dos mesmos, referindo os seus aspetos essenciais:

(i)                 D…

É, há 6 anos, diretor do estabelecimento turístico hoteleiro denominado “Quinta B... .”, propriedade da Requerente.

Descreveu as infraestruturas daquele estabelecimento turístico e os serviços que nele são prestados aos respetivos clientes, sendo que umas e outros são similares aos de um qualquer hotel.

No tocante aos clientes que são membros do Quinta B... ., designado abreviadamente por Clube, descreveu as condições que lhes são aplicadas, seja quanto a preços, seja quanto a estadias no dito estabelecimento turístico – efetuam um pagamento anual, habitualmente até 31 de janeiro de cada ano, de um valor fixo (podendo ser revisto anualmente, embora não o tenha vindo a ser, nem vá ser para o próximo ano), a fim de utilizarem uma determinada unidade de alojamento, por um determinado período (normalmente, uma semana), numa dada altura do ano –, tendo dito que estes clientes beneficiam de condições mais vantajosas do que o público em geral, mas usufruem de serviços iguais aos que são prestados ao restantes clientes.

Mais referiu que os preços são sempre apresentados/publicitados aos clientes com IVA incluído, ou seja, são preços finais, sendo que aplicam a taxa 6% de imposto a todos os seus clientes.

No entanto, no período a que se reportam os factos em causa, confirma que foi aplicada a taxa de 23% aos clientes membros do Clube. Quando alteraram a taxa de imposto aplicada a estes clientes para 6%, os preços das anuidades que estes têm de pagar não sofreram qualquer alteração.

Referiu ainda que se for entendido que a taxa de IVA aplicável aos clientes do Clube é de 23%, terá de ser a Requerente a suportar a diferença para mais entre essa taxa e a taxa de 6% que está a ser aplicada, pois não pode exigir qualquer pagamento adicional aos clientes.  

(ii)               E…

É cliente há 23 anos do estabelecimento turístico hoteleiro denominado “Quinta B... .”, propriedade da Requerente, sendo membro do Quinta B... ., designado abreviadamente por Clube.

Costuma ficar ali instalado em maio (2 semanas), julho (4 semanas) e outubro (2 semanas), fazendo-o quer enquanto membro do Clube, quer como um cliente normal, sendo que nunca sentiu, por tal facto, qualquer tratamento diferenciado.

Referiu que o valor das anuidades que tem de pagar antecipadamente – o qual não tem oscilado nos últimos anos – é sempre um preço fixo/final – isto é, não é um dado valor, acrescido de IVA –, sempre assim tendo sido.

Mais disse que nunca a Requerente lhe exigiu o pagamento e/ou cobrou qualquer valor adicional àquela anuidade, relativamente ao alojamento.

Afirmou que a maior parte dos clientes membros do Clube sabem da existência deste processo relacionado com IVA cobrado e pago a mais, mas, segundo o que disse, não tem conhecimento de que algum desses clientes pretenda exigir qualquer reembolso à Requerente. Ele próprio não pretende exigir o reembolso de qualquer quantia, pois entende que não existe qualquer razão para que a Requerente o deva fazer.

*

III.2. DE DIREITO

            As questões a apreciar e decidir são as seguintes:

(A) Matéria de exceção

A exceção de extemporaneidade da reclamação graciosa, por inexistência de erro na autoliquidação de IVA.

(B)  Questão objeto do processo

A questão a decidir nestes autos consiste em saber se, apesar de a Requerente ter liquidado indevidamente aos clientes membros do Clube IVA à taxa normal e não tendo sido efetuada qualquer retificação, tem direito a impugnar o ato de autoliquidação de março de 2012 com fundamento na ilegalidade dessa autoliquidação e, em consequência, reaver o IVA liquidado e pago em excesso.

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III.2.1. DA MATÉRIA DE EXCEÇÃO

§ Único. Da exceção de extemporaneidade da reclamação graciosa, por inexistência de erro na autoliquidação de IVA

A Requerida alega que não estamos perante um caso de erro na autoliquidação (de IVA referente ao mês de março de 2012), mas sim perante uma situação de faturas (emitidas em março de 2012) inexatas (quanto à taxa de IVA aplicável).

Nessa sequência, a Requerida propugna então que a correção daquela inexatidão se faz por via da emissão de notas de crédito e de novas faturas (com os campos do valor tributável e imposto devido corretos face à nova taxa aplicável), as quais devem ser relevadas no campo 40 da declaração periódica referente ao período em que foi efetuada a regularização, nos termos dos artigos 29.º, n.ºs 1 e 7, 36.º, 44.º, 45.º e 78.º, todos do Código do IVA; assim, diz a Requerida, aquela regularização nunca é efetuada mediante a substituição ou anulação da declaração periódica relativa ao período correspondente às faturas que se anularam.

Ora, sendo o erro na autoliquidação um pressuposto essencial para a dedução da reclamação graciosa prevista no artigo 131.º do CPPT, uma vez que este inexiste, não poderia a Requerente ter lançado mão desse meio impugnatório. 

Nessa medida, defende a Requerida, a reclamação graciosa em referência, que teve por substrato legal o artigo 131.º do CPPT, foi apresentada extemporaneamente; aliás, a extemporaneidade da reclamação graciosa foi um dos fundamentos para o seu indeferimento (cfr. facto 20. do probatório).

Sendo que, segundo a Requerida, pese embora o prazo consignado no artigo 131.º do CPPT ser semelhante ao previsto no n.º 3 do artigo 78.º do Código do IVA, este último não aproveita à Requerente uma vez que esta não seguiu o sobredito procedimento especial próprio legalmente previsto para a regularização de faturas inexatas.

Nesta parametria, a Requerida invoca a exceção de extemporaneidade da reclamação graciosa, por inexistência de erro na autoliquidação de IVA, peticionando a respetiva procedência e, consequentemente, a sua absolvição do pedido, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 3, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Cumpre apreciar e decidir.

Antes de mais, importa sublinhar que é a possibilidade de conhecimento do presente pedido de pronúncia arbitral que aqui está em causa, pois se se concluir pela extemporaneidade da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, poderemos efetivamente depararmo-nos com a preclusão do direito de impugnação contenciosa da Requerente, exercido por via da interposição desta ação, o que consubstanciará uma exceção perentória que, nos termos do n.º 3 do artigo 576.º do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos factos articulados pela autor, assim sobrevindo o não conhecimento de meritis e a consequente absolvição do pedido.

Isto posto. O artigo 98.º do Código do IVA prevê o regime regra de revisão oficiosa e exercício do direito à dedução do IVA, estabelecendo o seguinte:

            1 - Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária.

            2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente. 

            3 - Não se procede à anulação de qualquer liquidação quando o seu valor seja inferior ao limite previsto no n.º 4 do artigo 94.º.

            Este preceito legal comporta, pois, duas estatuições, a saber: no seu n.º 1 impõe à AT a obrigação de proceder à revisão oficiosa, nos casos ali previstos; e no seu n.º 2 estabelece um prazo geral e supletivo para que os sujeitos passivos de IVA promovam, a seu favor, a retificação do imposto liquidado e deduzido.

            Relativamente ao prazo de quatro anos previsto naquele n.º 2, o mesmo apenas será aplicável na falta de disposições especiais, as quais podemos encontrar no artigo 78.º do Código do IVA.

            Assim, importa atentar nos n.ºs 2, 3 e 6 daquele artigo 78.º, os quais rezam o seguinte:

            2 - Se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador de serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.

            3 - Nos casos de facturas inexactas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos.

            6 - A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.

            Em face destas normas legais, podemos agrupar as situações em que existe a faculdade (e, eventualmente, a obrigatoriedade) de regularização do IVA liquidado e deduzido, da seguinte forma:

            «i) A alteração superveniente das condições objectivas e subjectivas que presidiram à realização das operações, traduzida na anulação da operação ou na redução do seu valor tributável;

            ii) A inexactidão da factura ou o erro material ou de cálculo na transcrição dos seus elementos para a contabilidade ou declarações periódicas de IVA dos sujeitos passivos;

            iii) O erro de enquadramento da operação, espelhado na factura ou na contabilidade dos sujeitos passivos.»[1]

No caso sub judice, importa dilucidar se estamos perante faturas inexatas, como alega a Requerida, ou perante uma situação de erro de direito, como defende a Requerente, pois desse enquadramento vai depender a decisão da exceção em apreço.

Relativamente ao que se deve entender por fatura inexata, decorre do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do Código do IVA, na redação vigente à data dos factos, que, para além da obrigação de pagamento do imposto, os sujeitos passivos têm que «emitir uma factura ou documento equivalente por cada transmissão de bens ou prestação de serviços». Como resulta do n.º 7 do mesmo artigo 29.º, na redação aplicável à data dos factos, «deve ainda ser emitida factura ou documento equivalente quando o valor tributável de uma operação ou o imposto correspondente sejam alterados por qualquer motivo, incluindo inexactidão».

O n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, estipula os diversos requisitos que as faturas devem observar, determinando, à data dos factos, que «as facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.

No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável».

Uma vez que os requisitos que as faturas devem observar estão expressamente previstos no n.º 5 do citado artigo 36.º, estaremos então perante uma situação de inexatidão da fatura quando um dos requisitos a que a mesma se encontra adstrita não está observado, ou seja, «subsumir-se-á neste conceito uma factura cuja emissão foi efectuada sem respeito pelos requisitos do artigo 36.º do Código do IVA»[2].

Dito isto, vejamos agora o que deve ser entendido por erro de enquadramento ou erro de direito.

Neste conspecto, será útil começarmos por definir o que deve ser entendido por erro de facto para, em face deste, delimitarmos o conceito de erro de direito.

Assim, consideramos que estão abrangidas pelo erro de facto «as situações em que o sujeito passivo efectua uma incorrecta representação da realidade factual (a qual determina a sua subsunção a uma norma incorrecta)»[3], sendo que «o erro de facto que não origine um consequente erro de direito, não terá qualquer relevância para estes efeitos, porquanto o mesmo não terá qualquer influência no quantum do imposto a deduzir ou a liquidar»[4].

            Por contraposição, o erro de direito verifica-se nas «situações em que, não obstante a correcta representação da realidade factual, o sujeito passivo se equivoca na determinação da norma aplicável»[5], ou seja, em que se verifica um erro de enquadramento, por o sujeito passivo ter feito uma incorreta interpretação da situação fática ou uma errada aplicação do direito e, consequentemente, liquida ou deduz imposto a mais ou a menos.

Atento o exposto, podemos então afirmar que estaremos perante situações de inexatidão das faturas quando, não obstante um correto enquadramento da operação, o sujeito passivo indica uma taxa de IVA incorreta ou o montante de imposto é incorretamente computado ou indicado na fatura.

Já não «estaremos perante uma situação enquadrável neste conceito sempre que a rectificação da dedução tenha causa em erro, i.e., não estaremos no âmbito das facturas inexactas, nas situações em que a liquidação em excesso decorra de uma incorrecta representação da realidade factual ou de uma incorrecta determinação da norma aplicável ao caso concreto»[6].

Como referem Alexandra Martins e Pedro Moreira, «a inexactidão, nestas situações de erro de direito, não é específica da factura, a qual não é propriamente inexacta: ela apenas reflecte um erro de direito que lhe é anterior. Dito de outra forma, (…), há [nas situações de erro de direito] uma coincidência entre a vontade do sujeito passivo e aquilo que o sujeito passivo verte na factura»[7], enquanto que, nas situações de faturas inexatas, observa-se «uma dissociação entre a sua vontade e a sua declaração»[8].

Aqui chegados, volvendo ao caso concreto, é mister concluir que o lapso cometido pela Requerente em torno da taxa de IVA aplicável aos serviços prestados aos seus clientes membros do Clube, o qual teve reflexo nas faturas emitidas em março de 2012 e, consequentemente, na autoliquidação de IVA desse mesmo período, consubstancia manifestamente uma situação de erro de enquadramento ou erro de direito. Efetivamente, em virtude de uma incorreta ou incompleta interpretação da lei, a Requerente aplicou àqueles serviços uma taxa de IVA (23%) superior à legalmente aplicável (6%)[9].

Desta forma, uma vez que, contrariamente ao propugnado pela AT, entendemos que não estamos perante quaisquer faturas inexatas, mas sim perante um erro de enquadramento ou erro de direito, bem andou a Requerente ao ter lançado mão da reclamação graciosa, nos termos do disposto no artigo 131.º do CPPT, a qual, tendo sido deduzida em 11 de setembro de 2013 (cfr. facto 19. do probatório), se mostra absolutamente tempestiva, pois a declaração periódica do IVA correspondente à autoliquidação de imposto de março de 2012, que dela foi objeto, foi entregue em 10 de maio de 2012 (cfr. facto 18. do probatório)[10].

Nestes termos, é julgada improcedente a exceção de extemporaneidade da reclamação graciosa, por inexistência de erro na autoliquidação de IVA.

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III.2.2. DA QUESTÃO OBJETO DO PROCESSO

            III.2.2.1. Enunciação da questão

            No presente processo está em causa dilucidar se, apesar de a Requerente ter liquidado indevidamente aos clientes membros do Clube IVA à taxa normal e não tendo sido efetuada qualquer retificação, tem direito a impugnar o ato de autoliquidação de março de 2012 com fundamento na ilegalidade dessa autoliquidação e, em consequência, reaver o IVA liquidado e pago em excesso.

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            III.2.2.1. Apreciação da questão

            Importa começar por realçar que estamos perante um imposto – o IVA – de matriz europeia e, portanto, sujeito à regulamentação emanada dos órgãos próprios da União Europeia pelo que, nessa medida, temos de ter presente a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre esta matéria, a qual se nos impõe, como corolário da obrigatoriedade do reenvio prejudicial, estatuída no § 3 do artigo 267.º do TFUE.

            Por outro lado, atenta a matéria de facto provada (cfr. factos 3. a 8., inclusive, e 14. do probatório), afigura-se inequívoco que os serviços prestados pela Requerente aos clientes membros do Clube, no referido estabelecimento hoteleiro, aos quais aplicou a taxa normal de IVA (23%), estão sujeitos à taxa reduzida de IVA (6%), como decorre da aplicação conjugada do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IVA e da verba 2.17 da Lista I anexa ao mesmo compêndio legal.

            Consequentemente, resulta assente que a autoliquidação de IVA de março de 2012 enferma efetivamente de ilegalidade; aliás, esta conclusão não é colocada em causa pela Requerida (cfr., entre outros, o artigo 87.º da resposta).

            Assim, o pomo da discórdia advém da posição da Requerida – adotada na esteira do entendimento seguido na decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida pela Requerente – no sentido de considerar que a Requerente carece de legitimidade para peticionar a declaração daquela ilegalidade e receber a quantia de imposto indevidamente liquidada, por a Requerente não ser lesada pela ilegal liquidação de IVA, pois este foi integralmente repercutido nos clientes membros do Clube (cfr., entre outros, os artigos 78.º e 89.º da resposta). Segundo a Requerida, restituir à Requerente o montante de imposto que liquidou e recebeu dos seus clientes, «traduzir-se-ia num enriquecimento sem causa, que a lei nacional e o direito comunitário não consente» (artigo 60.º da resposta).

            Isto posto.

            Como referido no acórdão de 11 de julho de 2014, proferido no processo arbitral n.º 78/2014-T – no qual é tratada uma questão idêntica à dos presentes autos e cuja solução de direito merece a nossa concordância, pelo que o iremos seguir de perto [tendo, aliás, em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º, n.º 3, do CC)] –, «se é certo que há situações deste tipo em que se pode configurar uma situação de enriquecimento sem causa que justifica o não reconhecimento de legitimidade para impugnar liquidações de tributos repercutidos em terceiros, também há situações em que isso não sucede, como já reconheceu o TJUE no acórdão de 06-09-2011, proferido no processo n.º C-398/09 (…) em que se entendeu o seguinte:

            «As regras do direito da União relativas à repetição do indevido devem ser interpretadas no sentido de que a repetição do indevido só pode dar lugar a um enriquecimento sem causa na hipótese de os montantes indevidamente pagos por um sujeito passivo, por força de um imposto cobrado num Estado-Membro em violação do direito da União, terem sido repercutidos directamente no comprador».

            Por outro lado, como se entendeu no acórdão do TJUE de 21-02-2000, proferido no processo n.º C-441/98, «embora o direito comunitário não se oponha a que um Estado-Membro recuse o reembolso de taxas cobradas em violação das suas disposições desde que se prove que esse reembolso provocará um enriquecimento sem causa, exclui a aplicação de toda e qualquer presunção ou regra de prova destinada a fazer recair no operador em causa o ónus de provar que os encargos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e destinada a impedir a apresentação de elementos de prova para contestar uma alegada repercussão».

            Assim, em sintonia com esta jurisprudência do TJUE, a resposta à questão da legitimidade da Requerente para pedir a declaração de ilegalidade dos actos de autoliquidação de IVA, depende de apurar, à face das concretas circunstâncias de facto, se com o reembolso à Requerente do IVA liquidado ilegalmente se gera ou não uma situação de enriquecimento sem causa. Ou, doutra perspectiva, a solução da questão depende de saber se a Requerente foi ou não lesada pela liquidação ilegal.»      

            Como resulta da factualidade provada, a Requerente assumiu, através da redução da sua margem, o IVA liquidado em março de 2012 resultante da diferença entre a taxa normal incluída no valor faturado aos clientes membros do Clube pelo serviço de alojamento hoteleiro que lhes prestou e a taxa reduzida, o qual ascende a € 11.907,44 (cfr. facto 26. do probatório).

            Efetivamente, provou-se que o preço cobrado pela Requerente aos seus clientes membros do Clube pelo serviço de alojamento hoteleiro que lhes presta é, desde sempre, um preço final, com IVA incluído (cfr. facto 23. do probatório). Por isso, qualquer imposto apurado, quer se mostre ou não legalmente devido, acha-se contido e incorporado nesse preço e corre por conta e risco da Requerente (cfr. facto 24. do probatório); ou seja, se liquidar imposto superior ao devido, a Requerente verá a sua margem reduzir-se, se liquidar imposto inferior ao devido, a Requerente terá de suportar a parcela adicional sem que a possa exigir aos seus clientes (cfr. facto 25. do probatório).

            Tal como se aduziu no citado acórdão proferido no processo arbitral n.º 78/2014-T, essa «prática da Requerente compreende-se perfeitamente, pois, tendo a taxa normal sido aplicada aos clientes que eram membros do clube e não ao público em geral, a manutenção de um rendimento fixo pelos serviços a que acrescesse o IVA teria como consequência que os membros do clube teriam um tratamento mais desfavorável do que o público em geral quanto ao preço que pagariam pelos mesmos serviços, o que não teria razoabilidade, pois é óbvio que se a qualidade de membro do clube pode justificar alguma discriminação em relação ao público em geral, a discriminação será positiva, traduzida num preço mais favorável, e não negativa».  

            Nesta parametria, tal como naquele acórdão arbitral que vimos citando, também na situação sub judice temos de «concluir que as consequências da ilegalidade da liquidação de IVA recaíram sobre a Requerente e não sobre os membros do clube a quem cobrou IVA à taxa normal, pois estes membros beneficiaram de uma diminuição do rendimento da Requerente, em medida igual á diferença entre a taxa normal e a taxa reduzida de IVA, para que o preço que pagaram pelos serviços não excedesse o que era pago pelo público em geral, relativamente aos mesmos serviços.

            Sendo assim, a restituição à Requerente, como consequência da ilegalidade da liquidação, do valor do IVA suportado em excesso não implicará uma situação de enriquecimento sem causa, pois, apesar da aparente repercussão desse excesso nos clientes membros do clube, a realidade é a de que foi a Requerente que o suportou, o que se torna patente quando se constata que o preço pago pelos membros do clube era anual e fixo, não tendo sido alterado» quando a Requerente passou a liquidar IVA à taxa reduzida a todos os clientes, como decorre dos depoimentos prestados pelas testemunhas que foram inquiridas.

            Acresce que, ao contrário do propugnado pela Requerida, não tem aqui aplicação o disposto no n.º 5 do artigo 78.º do Código do IVA, norma que preceitua que, quando o imposto sofrer «rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efetuada quanto este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução».

            Porquanto, o campo de aplicação desta norma abrange apenas os casos em que a retificação do imposto é feita pelo próprio sujeito passivo, ou seja, dele estão excluídos os casos em que existe «uma declaração jurisdicional de ilegalidade, que tem como corolário o dever da Autoridade Tributária e Aduaneira reconstituir a situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado (artigos 100.º da LTG e 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT), independentemente de o adquirente dos serviços ter ou não conhecimento da ilegalidade» (acórdão proferido no processo arbitral n.º 78/2014-T).

            Termos em que se conclui que o ato de indeferimento da reclamação graciosa do ato de autoliquidação de IVA referente ao mês de março de 2012, padece de erro sobre os pressupostos de direito, por erro de interpretação do disposto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT e no artigo 78.º, n.º 5, do Código do IVA, o que justifica a sua anulação (cfr. art. 135.º do CPA)[11].

Ademais, julga-se parcialmente ilegal o ato de autoliquidação de IVA referente ao mês de março de 2012, com a consequente anulação parcial desse mesmo ato, na parte relativa ao montante de € 11.907,44.

***

            IV. DECISÃO

            Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral;

b)      Julgar improcedente a exceção de extemporaneidade da reclamação graciosa, por inexistência de erro na autoliquidação de IVA;

c)      Julgar procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa interposta contra o ato de autoliquidação de IVA do mês de março de 2012;

d)     Julgar procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade parcial e anulação parcial do ato de autoliquidação de IVA do mês de março de 2012, na parte relativa ao montante de € 11.907,44.

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VALOR DO PROCESSO:

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 11.907,44 (onze mil novecentos e sete euros e quarenta e quatro cêntimos).

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CUSTAS:

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

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Lisboa, 17 de novembro de 2014.

 

O Árbitro,

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

 

 



[1] Alexandra Martins e Pedro Moreira, “Regularizações de IVA - A Alteração Superveniente dos Elementos da Operação, o Erro Material ou de Cálculo e o Erro de Enquadramento ou de Direito”, in AA. VV., Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 61-62.

[2] Afonso Arnaldo e Tiago Albuquerque Dias, “Afinal qual o prazo para deduzir IVA? Regras de Caducidade e (In)segurança Jurídica”, in AA. VV., Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, p. 39.

No mesmo sentido, entre outras, vide decisão proferida no processo arbitral n.º 245/2013-T.

[3] Afonso Arnaldo e Tiago Albuquerque Dias, loc. cit., pp. 45-46.

[4] Idem, ibidem.

[5] Idem, ibidem.

[6] Idem, ibidem, p. 39.

[7] Loc. cit., p. 65.

[8] Idem, ibidem.

[9] Não existe controvérsia quanto ao enquadramento em sede de IVA dos serviços em apreço e, portanto, quanto à taxa de IVA que legalmente lhes é aplicável.  

[10] Sendo que, se decorresse o prazo de 2 anos estatuído no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, sem que tivesse sido apresentada a reclamação graciosa, a Requerente poderia, ainda, até ao limite do prazo de 4 anos após aquela autoliquidação de IVA, apresentar um pedido de revisão oficiosa, nos termos do disposto no artigo 78.º, n.ºs 1 e 2, da LGT. Como refere Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6.ª Edição, Lisboa, Áreas Editora, 2011, pp. 413-414), «na LGT, (…), previu-se com carácter geral a possibilidade de revisão oficiosa dos actos tributários a favor dos contribuintes não como um meio alternativo ou dependente dos meios de impugnação administrativa e judicial (reclamação graciosa, recurso hierárquico e impugnação judicial), mas sim como um meio complementar destes, cuja utilização só é possível quando não for já viável a utilização daqueles meios de impugnação».

[11] A Requerente não formula qualquer pedido expresso relativamente à decisão tácita de indeferimento do recurso hierárquico que interpôs do ato de indeferimento da reclamação graciosa. No entanto, não decorre daí qualquer consequência nefasta para a pretensão da Requerente, pois constitui jurisprudência corrente a ideia de que os n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT encerram «uma mera ficção legal para proteção do administrado, com finalidades exclusivamente adjectivas», não devendo pois ser interpretados «no sentido de imporem ao interessado a reação contenciosa contra o indeferimento presumido (se assim fosse, o indeferimento tácito geraria caso decidido ou resolvido)» (Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3.ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 90). Efetivamente, o «indeferimento tácito é uma ficção jurídica destinada a possibilitar ao interessado o acesso aos tribunais, para obter tutela para os seus direitos ou interesses legítimos, nos casos de inércia da administração tributária sobre pretensões que lhe foram apresentadas. Tratando-se de uma faculdade de acesso à via contenciosa, da não impugnação do indeferimento tácito não advêm consequências negativas para o interessado» (Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Lisboa, Encontro da Escrita, 2012, p. 483). Assim, o legislador estabeleceu aqui o indeferimento tácito não com a verdadeira natureza de ato administrativo – o que obrigaria o interessado a impugná-lo contenciosamente de forma imediata –, mas sim enquanto gerador da faculdade de presumir um ato negativo – o que dispensa o uso do silêncio como objeto de impugnação. Consequentemente, constituída a situação de inércia da Administração Tributária relativamente à decisão do recurso hierárquico, o ato de indeferimento da reclamação graciosa converte-se em ato final do procedimento.