Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 592/2021-T
Data da decisão: 2023-12-18  Selo  
Valor do pedido: € 633.118,76
Tema: SGPS. Inaplicabilidade da isenção de Imposto do Selo do art. 7.º, n.º 1, e) do CIS, por não configurar Instituição Financeira.
Versão em PDF

Sumário:

Os juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido, por instituições de crédito a sociedades SGPS, cujas filiais ou participadas não exerçam atividades no setor financeiro, não podem beneficiar da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, uma vez que não podem ser qualificadas como Instituições Financeiras à luz do direito nacional e do direito da União Europeia.

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 26 de novembro de 2021, Alexandra Coelho Martins (presidente), José Coutinho Pires e João Marques Pinto, acordam no seguinte:

 

 

I.         Relatório

 

A...– SGPS, S.A., adiante “Requerente”, com o número único de matrícula e pessoa coletiva ..., com sede na ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, na redação vigente.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

 

A Requerente pretende a anulação do despacho, datado de 23 de junho de 2021, de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra as (auto)liquidações de Imposto do Selo que lhe foram legalmente repercutidas por parte das instituições de crédito CEMG, Novo Banco e Santander Totta, referentes aos meses de janeiro a maio de 2019, relativas a operações de crédito, no valor total de € 633.118,76, bem como a anulação dos referidos atos de autoliquidação de imposto. Peticiona ainda juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) em 17 de setembro de 2021 e, de seguida, notificado à AT.

 

Nos termos do disposto do artigo 5.º, n.º 3, alínea a), do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo. As Partes,  notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de recusar.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 26 de novembro de 2021.

 

            Em 10 de janeiro de 2022, a Requerida apresentou Resposta, com defesa por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”).

 

Não tendo sido suscitada, nem identificada matéria de exceção, nem havendo lugar a prova testemunhal, o Tribunal Arbitral, por despacho de 14 de janeiro de 2022, determinou a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (v. artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT).

A Requerente apresentou alegações em 16 de fevereiro de 2022, reafirmando a posição expressa no pedido de pronúncia arbitral. A AT contra alegou em 7 de março de 2022, remetendo para a posição expressa na Resposta.

 

Por despacho de 21 de março de 2022, o Tribunal Arbitral determinou a suspensão da instância, por estar pendente no Tribunal de Justiça um processo de reenvio prejudicial[1] relativo à mesma questão de direito suscitada na presente ação, respeitante à qualificação das SGPS como instituições financeiras, para efeitos de aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, que a norma nacional remete para a legislação comunitária (leia-se, direito da União Europeia).

 

Por despachos de 10 de maio de 2022 e de 22 de julho de 2022, foi sucessivamente prorrogado o prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

 

Na sequência do Acórdão do Tribunal de Justiça do processo C-207/22, proferido em 26 de outubro de 2023, o Tribunal Arbitral determinou a cessação da suspensão da instância e a notificação da Requerente para o pagamento da taxa arbitral subsequente, indicando a data de prolação da decisão.

 

Posição da Requerente

 

De acordo com a Requerente, a isenção de Imposto do Selo estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do respetivo Código, dos juros e comissões cobrados, das garantias prestadas e, bem assim, da utilização de crédito concedido por instituições de crédito a sociedades cuja forma e objeto preencham os tipos de “instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na lei comunitária” abrange as Sociedades Gestoras de Participações Sociais (“SGPS”).

 

Considera a Requerente que a situação sub iudice preenche a norma de isenção, tendo em conta que o Imposto do Selo em causa resulta de (i) operações de financiamento / utilização de crédito (e respetivos juros e eventuais comissões); (ii) os créditos foram concedidos por instituições de crédito domiciliadas em Portugal (iii) a uma sociedade de direito português (a própria Requerente), cuja forma se reconduz a um dos tipos de instituição financeira de entre os previstos na legislação comunitária, a SGPS.

 

Para a Requerente, em linha com o já decidido no processo arbitral n.º 911/2019-T e outra jurisprudência arbitral que enumera, apesar de a transposição da Diretiva 2013/36/UE para o direito interno apelar a um conceito mais restritivo de “Instituição Financeira”, considerando como tal “as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”, no que tange à aplicação da isenção do Imposto do Selo, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código não remete para o direito interno, mas para o Direito da União Europeia.

 

O que significa que a definição (mais restritiva) constante do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na redação vigente) releva para os demais efeitos da regulação das sociedades gestoras de participações sociais e não para o específico aspeto da isenção de Imposto do Selo, no qual prevalece a latitude do disposto no artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) da citada Diretiva 2013/36/UE.

 

A Requerente, como sociedade gestora de participações sociais que é, tem as suas aquisições e património constituídos por participações sociais noutras sociedades, representativas de pelo menos 10% do capital social dessas outras sociedades, detidas por, pelo menos, um ano, e o seu objeto único consiste na gestão destas participações adquiridas para serem mantidas, a par da prestação acessória de serviços técnicos de administração e gestão a essas participadas e da concessão de crédito às mesmas, nos termos do regime legal das SGPS (v. artigos 1.º, 2.º, n.º 2, 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, na redação vigente).

Sendo as “instituições financeiras” definidas, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, como sociedades de gestão de ativos, com exclusão das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e das sociedades gestoras de participações de seguros mistas, a Requerente, na qualidade de sociedade gestora de participações não pertencente ao setor dos seguros, enquadra-se nesta categoria.

 

O conceito de “Instituição Financeira” inclusivo de sociedades que se dedicam à detenção e gestão de participações, vem de trás, do artigo 4.º, ponto 5) da Diretiva 2006/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, e vai aprofundar-se no futuro, conforme contemplado na Proposta de Diretiva que aplica uma cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transações financeiras[2].

 

Por outro lado, acrescenta a Requerente que, para efeitos de aplicação da isenção de Imposto do Selo aqui em causa, a Requerida já considerou estar-se perante uma Instituição Financeira no caso de um fundo de investimento imobiliário, mesmo que de subscrição particular, por apelo à legislação sobre branqueamento de capitais (Diretiva 2005/60/CE). Bem como com respeito aos Fundos de Capital de Risco (“FCR”) e Sociedades de Capital de Risco (“SCR”). Sustenta não existir razão para tratar de forma distinta as SGPS. Cita também jurisprudência arbitral no sentido da qualificação dos fundos de investimento como instituições financeiras para efeitos de aplicação da isenção de Imposto do Selo em apreço.

 

A Requerente argui ainda a inconstitucionalidade do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, na redação em vigor à data dos factos, quando interpretado, como pretende a Requerida, no sentido de excluir da lista de mutuárias suscetíveis de beneficiar da isenção, na qualidade de “instituições financeiras”, as SGPS. Isto, num contexto em que a norma é interpretada, como acabado de referir, incluindo os fundos de investimento imobiliário, as simples sociedades de gestão de fundos de investimento e os fundos de capital de risco, entre outros, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias (artigos 2.º - “Estado de direito democrático” e artigo 13.º - “Princípio da igualdade”, ambos da Constituição da República Portuguesa).

Conclui que a interpretação da Requerida – que restringe o âmbito subjetivo da isenção a mutuários que atuam como entidade financeira, ou que fazem parte do sistema financeiro e atuam no mercado dos serviços e produtos financeiros – não tem suporte legal, além de que essas propriedades também não se verificam nos fundos de capital de risco (FCR) e sociedades de capital de risco (“SCR”) que a AT conclui serem de abranger na norma de isenção em apreço (artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo).

 

Posição da Requerida

 

Segundo a Requerida, não se verificam as ilegalidades invocadas pela Requerente, não podendo esta ser qualificada, para efeitos de aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, como Instituição Financeira ou sociedade financeira, pelo que as operações subjacentes às liquidações contestadas estão sujeitas a este imposto.

 

Para a Requerida, os atos legislativos da União Europeia invocados pela Requerente, nomeadamente a Diretiva 2013/36/UE, reportam-se ao enquadramento legal que rege as atividades bancárias, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e empresas de investimento. Não basta ser SGPS para ser qualificada como Instituição Financeira. Essa SGPS tem de ter participações em sociedades que sejam instituições de crédito ou empresas de investimento, nos termos do artigo 117.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGIC”). E tanto assim é que as matérias reguladas pela Diretiva 2013/36/UE e Regulamento (UE) 575/2013 não são aplicáveis à Requerente. Salienta que a posição que propugna foi já acolhida em diversas decisões arbitrais.

 

No tocante à exclusão das sociedades gestoras de participações sociais do setor dos seguros e das sociedades gestoras de participações sociais mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1 da Diretiva 2009/138/CE, justifica-se precisamente porque essas entidades integram a definição de “Entidades do setor financeiro”, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, ponto 23) da Diretiva e do artigo 4.º, ponto 27) do Regulamento (UE) 575/2013, e não porque todas as sociedades gestoras de participações sociais, mesmo as do setor não financeiro, aí estivessem pressupostas (no artigo 4.º, ponto 26) do mesmo Regulamento).

Assim, a definição de “Instituição Financeira” constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) da Diretiva 2013/36/UE e do artigo 4.º, ponto 26) do Regulamento 575/2013 serve os objetivos de um quadro regulatório dedicado às atividades de natureza financeira e às instituições de crédito e empresas de investimento.

 

Interpretação que tem reflexo na transposição para o direito nacional da definição de “Instituição Financeira” pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, de 20 de outubro, que circunscreve as SGPS assim qualificadas às que sejam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, como consta do artigo 2.º-A do RGIC.

 

Por outro lado, a referência à Proposta de Diretiva do Conselho que aplica uma cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transações financeiras (Documento COM/2013/071 final - 2013/0045) não tem efeito útil, pois trata-se de um documento em fase de discussão que não integra o acervo legislativo.

 

A Requerida também não considera pertinente a alegada discriminação entre as SGPS e outros tipos de entidades, por serem diferentes realidades que não postulam idêntico regime.

 

 

II.        Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, relativa a atos de autoliquidação de Imposto do Selo, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), tendo em conta que o indeferimento da reclamação graciosa foi notificado em 9 de julho de 2021[3], por ofício datado de 23 de junho de 2021, e que a presente ação deduzida em 16 de setembro de 2021.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Não foram identificadas questões prévias a apreciar, nem nulidades.

 

 

III.      Questão a Apreciar

 

É apenas uma, e de direito, a questão submetida à apreciação deste Tribunal Arbitral. Prende-se com a aplicação da isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do respetivo Código, relativa a juros, comissões, garantias prestadas e utilização de crédito concedido por instituições de crédito (bancos) à Requerente. Está em causa determinar se as SGPS cujas filiais ou participadas não exerçam atividades no setor financeiro (como a Requerente) podem ser qualificadas como “Instituições Financeiras” na aceção do direito da União Europeia e, dessa forma, integrar o elemento subjetivo da mencionada norma de isenção.

 

A questão que se suscita reclama a interpretação do direito da União Europeia e foi objeto do processo de reenvio prejudicial C-207/2022, com Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no passado dia 26 de outubro de 2023, que infra se analisa, após a fixação da matéria de facto.

 

IV.       Fundamentação de Facto

 

1.         Factos Assentes

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A A... – SGPS, S.A., aqui Requerente, é uma sociedade gestora de participações sociais, sedeada em Portugal, cujo objeto social consiste na “gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”, em linha com o previsto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro – cf. documentos 5 (certidão permanente) e 6 (contrato de sociedade).
  2. As atividades desenvolvidas pelas participadas da Requerente não são enquadráveis no setor financeiro, nem no (sub)setor segurador, e respeitam, entre outros, à área imobiliária e da construção civil, perfuração e desenvolvimento mineiro, agricultura e prestação de serviços corporativos (intra-grupo) – cf. documento7 (relatório e contas de 2019). 
  3. A Requerente recorreu a financiamento junto de instituições de crédito, através da celebração dos seguintes contratos:
    1. Contrato de crédito celebrado com o Novo Banco, em 23 de janeiro de 2015, ao qual foi atribuída a referência n.º ...  – cf. documento 8;
    2. Contrato de crédito celebrado com o Banco Espírito Santo, S.A. (de que o Novo Banco é sucessor) em 29 de junho de 2012, ao qual foi inicialmente atribuída a referência n.º ..., tendo a mesma sido alterada em consequência de um aditamento ao contrato para a referência n.º...– cf. documento 9;
    3. Contrato de crédito celebrado com o Novo Banco, em 29 de abril de 2019, ao qual foi atribuída a referência n.º ... – cf. documento 10;
    4. Contrato de depósito à ordem celebrado com o Novo Banco, ao qual foi atribuída a referência n.º ... – por acordo;
    5. Contrato de mútuo celebrado com a CEMG, em 5 de janeiro de 2018, ao qual foi atribuída a referência n.º ...– cf. documento 11;
    6. Contrato de assunção de dívida originariamente celebrado com o Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A., em 31 de Outubro de 2013, e subsequentes aditamentos celebrados com o Santander Totta, tendo-lhe sido atribuída a referência n.º...– cf. documento 12;
    7. Contrato de crédito originariamente celebrado com o Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A., em 28 de junho de 2012, e subsequentes aditamentos celebrados com o Santander Totta, ao qual foi atribuída a referência n.º...– cf. documento 13.
  4. As instituições de crédito mutuantes identificadas no ponto que antecede são, ou foram à data relevante, todas domiciliadas (com sede) em Portugal – cf. documentos 14, 15, 16, 17, 18 e 19.
  5. As instituições de crédito mutuantes liquidaram e pagaram ao Estado Imposto do Selo, na qualidade de sujeitos passivos, nos termos do Código do Imposto do Selo e da Verba 17 da respetiva Tabela Geral (“TGIS”), em relação aos financiamentos mencionados no ponto C supra – cf. documentos 1 a 3 e 20.
  6. Tendo repercutido este Imposto do Selo à Requerente, enquanto utilizadora dos créditos em causa (mutuária) que, por conseguinte, suportou integralmente este imposto, conforme sintetizado no quadro seguinte – cf. documentos 1 a 3 e 20 a 23:

 


Instituição de crédito

Data da liquidação

Guia do Imposto do Selo n.0

Natureza do Gasto

 

Valor de Imposto

CEMG

jan/19

...

Utilização de crédito bancário

€ 797,15

abr/19

...

Utilização de crédito bancário

€ 534,01

Subtotal CEMG

€ 1.331,16

Novo Banco

mar/19

...

Utilização de crédito bancário

€ 601,64

abr/ 19 e mai/19

...

Utilização de crédito bancário

€ 525.023,70

mai/19

...

Utilização de crédito bancário

€ 93.987,02

Subtotal Novo Banco

€ 619.612,36

Santander Totta

jan/19

...

Utilização de crédito bancário

€ 6.910,23

mar/19

...

Utilização de crédito bancário

€ 5.265,01

Subtotal Santander Totta

€ 12.175,24

 

TOTAL

€ 633.118,76

 

 

  1. Em discordância das liquidações de Imposto do Selo objeto dos presentes autos (ponto F antecedente), a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, cujo indeferimento lhe foi notificado, por via eletrónica, através de ofício datado de 23 de junho de 2021 – cf. documento 4.
  2. Não se conformando com o indeferimento da Reclamação Graciosa e mantendo a discordância relativa às (auto)liquidações de Imposto do Selo vertentes, a Requerente apresentou no CAAD, em 16 de setembro de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. documento 5 junto pela Requerente e registo de entrada do ppa no SGP do CAAD.

 

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, tendo em conta as posições assumidas pelas Partes que não apresenta qualquer divergência.

 

Com relevo para a decisão, não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

 

V.        Do Direito

 

  1. Isenção de Imposto do Selo em Operações Financeiras. Enquadramento das SGPS como “Instituições Financeiras” à Luz do Direito da União Europeia

 

  1. Quadro Legal

 

            Atenta a questão de direito a apreciar, relativa à qualificação da Requerente como “Instituição Financeira”, na aceção do Direito da União Europeia, para efeitos de aplicação do regime de isenção de Imposto do Selo, importa, desde logo, ter em conta o disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código deste imposto[4], segundo o qual:

 

Artigo 7.º

Outras isenções

1 – São também isentos do imposto:

[…]

  1. Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;

 

            Neste âmbito, a Requerente reveste a forma e o objeto de uma SGPS, pelo que interessa também considerar o disposto no Regime Jurídico das SGPS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, com as alterações subsequentes[5], que caracteriza este tipo de entidades e que, no que à matéria dos autos releva, regula o seguinte:

 

Artigo 1.º

Sociedades gestoras de participações sociais

            1 – As sociedades gestoras de participações sociais, adiante designadas abreviadamente por SGPS, têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas.

            2 – Para efeitos do presente diploma, a participação numa sociedade é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

            3 – Para efeitos do número anterior, considera-se que a participação não tem carácter ocasional quando é detida pela SGPS por período superior a um ano.

            4 – As SGPS podem adquirir e deter participações de montante inferior ao referido no n.º 2, nos termos dos n.ºs 3 a 5 do artigo 3.º

 

Artigo 2.º

Tipo de sociedade e requisitos especiais do contrato

1 – As SGPS podem constituir-se segundo o tipo de sociedades anónimas ou de sociedades por quotas.

2 – Os contratos pelos quais se constituem SGPS devem mencionar expressamente como objecto único da sociedade a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, nos termos do n.º 2 do artigo anterior.

3 – O contrato da sociedade pode restringir as participações admitidas, em função quer do tipo, objecto ou nacionalidade das sociedades participadas quer do montante das participações.

4 – A firma das SGPS deve conter a menção «sociedade gestora de participações sociais» ou a abreviatura SGPS, considerando-se uma ou outra dessas formas indicação suficiente do objecto social.

 

Artigo 3.º

Participações admitidas

1 – As SGPS podem adquirir e deter quotas ou acções de quaisquer sociedades, nos termos da lei.

2 – As SGPS podem adquirir e deter participações em sociedades subordinadas a um direito estrangeiro, nos mesmos termos em que podem adquirir e deter participações em sociedades sujeitas ao direito português, salvas as restrições constantes dos respectivos contratos e ordenamentos jurídicos estrangeiros.

3 – Com excepção do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 1.º, as SGPS só podem adquirir e deter acções ou quotas correspondentes a menos de 10% do capital com direito de voto da sociedade participada nos seguintes casos:

  1. Até ao montante de 30% do valor total das participações iguais ou superiores a 10% do capital social com direito de voto das sociedades participadas, incluídas nos investimentos financeiros constantes do último balanço aprovado;
  2. Quando o valor de aquisição de cada participação não seja inferior a 1 milhão de contos, de acordo com o último balanço aprovado;
  3. Quando a aquisição das participações resulte de fusão ou de cisão da sociedade participada;
  4. Quando a participação ocorra em sociedade com a qual a SGPS tenha celebrado contrato de subordinação.

4 – No ano civil em que uma SGPS for constituída, a percentagem de 30% referida na alínea a) do número anterior é reportada ao balanço desse exercício.

5 – Sem prejuízo da sanção prevista no n.º 1 do artigo 13.º, a ultrapassagem, por qualquer motivo, do limite estabelecido na alínea a) do n.º 3 deve ser regularizada no prazo de seis meses a contar da sua verificação.

6 – Em casos excepcionais, o Ministro das Finanças, a requerimento da SGPS interessada, poderá, mediante despacho fundamentado, prorrogar o prazo estabelecido no número anterior.

 

Artigo 4.º

Prestação de serviços

1 – É permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas a) a c) do n.º 3 do artigo 3.º ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação.

2 – A prestação de serviços deve ser objecto de contrato escrito, no qual deve ser identificada a correspondente remuneração.

3 - (Revogado).

 

Artigo 5.º

Operações vedadas

1 – Às SGPS é vedado:

  1. Adquirir ou manter na sua titularidade bens imóveis, exceptuados os necessários à sua própria instalação ou de sociedades em que detenham as participações abrangidas pelo n.º 2 do artigo 1.º, os adquiridos por adjudicação em acção executiva movida contra os seus devedores e os provenientes de liquidação de sociedades suas participadas, por transmissão global, nos termos do artigo 148.º do Código das Sociedades Comerciais;
  2. Antes de decorrido um ano sobre a sua aquisição, alienar ou onerar as participações abrangidas pelo n.º 2 do artigo 1.º e pelas alíneas a) a c) do n.º 3 do artigo 3.º, excepto se a alienação for feita por troca ou o produto da alienação for reinvestido no prazo de seis meses noutras participações abrangidas pelo citado preceito ou pelo n.º 3 do artigo 3.º ou ainda no caso de o adquirente ser uma sociedade dominada pela SGPS, nos termos do n.º 1 do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais;
  3. Conceder crédito, excepto às sociedades que sejam por ela dominadas nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2 – Para efeitos da alínea c) do número anterior, a concessão de crédito pela SGPS a sociedades em que detenham participações aí mencionadas, mas que não sejam por ela dominadas, só será permitida até ao montante do valor da participação constante do último balanço aprovado, salvo se o crédito for concedido através de contratos de suprimento.

3 – As operações a que se refere a alínea c) do n.º 1, efectuadas nas condições estabelecidas no número anterior, bem como as operações de tesouraria efectuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, não constituem concessão de crédito para os efeitos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

4 – As SGPS e as sociedades em que estas detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º, deverão mencionar, de modo individualizado, nos documentos de prestação de contas, os contratos celebrados ao abrigo da alínea c) do n.º 1 e as respectivas posições credoras ou devedoras no fim do ano civil a que os mesmos documentos respeitam.

5 – O prazo previsto na parte final da alínea b) do n.º 1 é alargado para a data correspondente ao fim do segundo exercício seguinte ao da realização da alienação, quando se trate de participação cujo valor de alienação não seja inferior a 1 milhão de contos.

6 – O valor de aquisição inscrito no balanço das SGPS relativo aos bens imóveis destinados à instalação de sociedades em que possuam as participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º não pode exceder 25% do capital próprio das SGPS.

 

            Sobre o conceito de “Instituição Financeira” na legislação da União, interessa convocar o disposto no artigo 4.º, ponto 26) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, para o qual remete o artigo 3.º, ponto 22) da Diretiva 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento. Dispõe o citado artigo 4.º ponto 22) o seguinte:

“Artigo 4.º

Definições

1.    Para efeitos do presente regulamento, aplicam-se as seguintes definições:

       26)    “Instituição financeira”: uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º , n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE;”

 

  1. O conceito de “Instituição Financeira” delimitado pelo Tribunal de Justiça

 

            Como acima mencionado, o critério decisório da presente ação no ponto em análise respeita à invocada qualificação das SGPS – categoria classificatória na qual se enquadra a Requerente – como Instituições Financeiras, para efeitos de aplicação da isenção transcrita do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, remetendo o elemento subjetivo da norma nacional para a definição constante da legislação comunitária (leia-se, do Direito da União Europeia).

 

Sobre esta questão existe jurisprudência arbitral com posições antagónicas[6], residindo a divergência na interpretação do mencionado conceito de “Instituição Financeira”, à luz do disposto no artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) da Diretiva 2013/36/UE e no artigo 4.º, ponto 26 do Regulamento (UE) n.º 575/2013.

 

Para a Requerida a definição europeia tem por pressuposto estarmos no âmbito do exercício da atividade bancária ou de investimento que lhe seja equiparada, ou seja, as sociedades gestoras de participações sociais mencionadas no artigo 4.º, ponto 26 do Regulamento n.º 575/2013 (UE), como fazendo parte integrante do conceito de “Instituição Financeira”, são somente as que detenham participações em sociedades que sejam instituições de crédito ou empresas de investimento e que estejam abrangidas pelo quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às atividades bancárias.

 

Com ponto de vista distinto, a Requerente entende que a definição de “Instituição Financeira” não contém a apontada limitação à atividade bancária e de empresas de investimento e reporta-se, de forma genérica, a empresas cuja atividade principal é a aquisição de participações que denomina especificamente de “sociedades gestoras de participações”, tal como o é a Requerente, apenas estando excluídas as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e de seguros mistas, exclusão que, é pacífico, não abrange a Requerente.

 

Apesar de estar em causa a interpretação de uma norma fiscal de direito interno, emitida dentro das competências próprias do legislador português, que não tem a sua fonte no direito da União Europeia, ponto é que o legislador optou para aquele remeter, dentro da livre margem de decisão que lhe assiste.

 

A jurisprudência do Tribunal de Justiça tem entendido ser de ampliar o âmbito de projeção do direito europeu às denominadas situações puramente internas, estendendo, de forma concomitante, o âmbito da sua própria jurisdição, sempre que o legislador nacional, regule essas situações de acordo com o modelo das diretivas europeias. Declara o Tribunal de Justiça que “em tais casos, existe um interesse certo da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos retomados do direito da União sejam objeto de interpretação uniforme, quaisquer que sejam as condições em que devam ser aplicadas” (v. Acórdãos de 22 de março de 2018, C-327/16, Marc Jacob, ponto 34; de 14 de março de 2013, C-32/11, Allianz Hungária, ponto 20; e de 15 de novembro de 2016, C-268/15, Ullens de Schooten, ponto 53).

 

Assim, ainda que os factos não estejam diretamente abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito da União, a adesão da legislação nacional às (ou em consonância com as) soluções acolhidas pelo Direito da União, para situações em que todos os elementos estão confinados a um só Estado-Membro, é encarada como uma “remissão implícita” para o direito europeu.

Suscitando-se dúvidas em relação a um conceito de direito da União Europeia, o órgão competente para as dilucidar é o Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).

 

E, como acima referido, sobre esta matéria, foi colocada ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial idêntica, em sede de outro processo arbitral a correr termos no CAAD (processo arbitral n.º 565/2020-T), formulada nos seguintes termos:

 

            Uma SGPS que tem por objeto exclusivo a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, e que, neste âmbito, adquire e detém com caráter duradouro essas participações, em regra não inferiores a 10% do capital social das sociedades participadas, sendo a atividade destas últimas enquadrável na gestão de infraestruturas de transportes, abrangendo a conceção, construção e gestão de estradas/autoestradas, pode ser considerada uma “Instituição Financeira” na aceção da Diretiva 2013/36/EU e do Regulamento (EU) 575/2013?

 

 No Acórdão de 26 de outubro proferido pelo Tribunal de Justiça no processo C-207/2022 (respeitante à ação arbitral n.º 565/2020-T), conclui-se que o conceito de “Instituição Financeira” estabelecido pelos diplomas de direito da União (Diretiva 2013/36 e Regulamento n.º 575/2013, atrás mencionados) não deve abranger “uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro”.

 

Essencial para alcançar esta conclusão na perspetiva do Tribunal de Justiça é o facto de aqueles diplomas se integrarem no quadro regulatório (europeu) do setor financeiro, e terem por objeto estabelecer as regras relativas ao acesso à atividade, à supervisão e a diversos requisitos aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento , sendo o principal elemento do regime aplicável às ditas instituições financeiras, definido pela Diretiva 2013/36, respeitante à possibilidade de estas exercerem atividades do setor financeiro noutro Estado-Membro, no âmbito das liberdades fundamentais de estabelecimento e de prestação de serviços.

 

Em tal disciplina, especificamente dirigida à regulação de entidades que operam no setor financeiro, não têm cabimento as entidades (sociedades), como a Requerente, que não desenvolvam atividade financeira, nem tenham enquadramento nesse setor (como seria, por exemplo, o caso de uma SGPS que encabeçasse um grupo financeiro, composto por instituições de crédito e/ou sociedades financeiras).

 

Para este efeito, fundamenta o Tribunal de Justiça nos seguintes moldes:

 

54      Em primeiro lugar, no que diz respeito à redação do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36, esta disposição refere que, para efeitos desta diretiva, se deve entender por «instituição financeira» uma instituição financeira na aceção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013.

 

55        O artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, deste regulamento, lido em conjugação com o seu artigo 4.º, n.º 1, ponto 3, enuncia que, na aceção do referido regulamento, entende‑se por «instituição financeira» uma empresa que não seja uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento e uma sociedade de gestão de ativos. Este artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, exclui, em contrapartida, do conceito de «instituição financeira» as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas.

 

56        Esta disposição menciona, assim, de maneira geral, que as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações estão abrangidas pelo conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, e, na sua versão aplicável às datas pertinentes dos processos principais, exclui deste conceito unicamente as instituições de crédito, as empresas de investimento e algumas sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.

 

57        A este respeito, importa especificar que, embora o artigo 1.º, ponto 2, alínea a), iii), do Regulamento 2019/876 preveja uma nova redação do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013, que também exclui do conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, as sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial, resulta da decisão de reenvio no processo C‑290/22 que esta nova redação não é aplicável ratione temporis aos processos principais.

 

58        Além disso, embora a redação do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 vise as empresas cuja atividade principal é o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, atividades essas que integram o setor financeiro, a utilização da conjunção coordenativa «ou» indica que o legislador da União não quis que o exercício direto de uma ou mais dessas atividades fosse um critério de definição do conceito de «instituição financeira», na aceção do Regulamento n.º 575/2013.

 

59        Não obstante, importa também sublinhar que resulta da redação do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas devem ser consideradas «instituições financeiras», na aceção deste regulamento.

 

60        Ora, por um lado, o artigo 4.º, n.º 1, ponto 20, do referido regulamento enuncia que, na aceção deste, se entende por «companhia financeira» uma instituição financeira que não seja uma companhia financeira mista e cujas filiais sejam exclusiva ou principalmente instituições de crédito, empresas de investimento ou instituições financeiras, sendo pelo menos uma destas filiais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento.

 

61        Por outro lado, resulta do artigo 4.º, n.º 1, ponto 21, do Regulamento n.º 575/2013, lido em conjugação com o artigo 2.º, ponto 15, da Diretiva 2002/87, que deve ser considerada uma «companhia financeira mista», na aceção deste regulamento, uma empresa‑mãe, que não é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, a qual em conjunto com as suas filiais, de que pelo menos uma é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, e com quaisquer outras entidades, constitui um conglomerado financeiro.

 

62        Afigura‑se assim que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas constituem tipos de sociedades concretamente definidas que se caracterizam simultaneamente pelo facto de a sua atividade principal consistir na aquisição de participações e pela existência de relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento.

 

63        Daqui resulta que a referência expressa, no artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não teria nenhuma utilidade se esta disposição devesse ser entendida, pelo simples facto de visar as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações, como integrando sistematicamente no conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, todas as sociedades que exercem essa atividade principal.

 

64        No entanto, como a advogada‑geral salientou no n.º 41 das suas conclusões, resulta dos próprios termos do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 que a lista das instituições financeiras enunciada nesta disposição não é exaustiva. Por conseguinte, da referência, nesta disposição, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não se pode deduzir que a inexistência de certas relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento obsta necessariamente à qualificação de «instituição financeira», na aceção deste regulamento.

 

65        Em segundo lugar, o contexto em que o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 se inserem demonstra que o legislador da União definiu o regime aplicável às instituições financeiras com base na existência de uma relação entre estas e o exercício de determinadas atividades do setor financeiro.

 

66      Antes de mais, o principal elemento do regime aplicável às instituições financeiras definido pela Diretiva 2013/36 diz respeito à possibilidade de estas exercerem, no âmbito da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, atividades do setor financeiro noutro Estado‑Membro.

 

67        Com efeito, o artigo 34.º desta diretiva, sob a epígrafe «Instituições financeiras» e que constitui o único artigo da diretiva que se refere unicamente às instituições financeiras, autoriza essas instituições, em certas condições, a exercerem noutro Estado‑Membro as atividades constantes do anexo I da referida diretiva. Este artigo concretiza, assim, o princípio, enunciado no considerando 20 da mesma diretiva, segundo o qual é conveniente alargar, em certas condições, o benefício do reconhecimento mútuo a determinadas operações financeiras quando as mesmas sejam exercidas por uma instituição financeira filial de uma instituição de crédito.

68        Por conseguinte, o facto de uma empresa ser qualificada de «instituição financeira», na aceção da Diretiva 2013/36, é desprovido de interesse, para efeitos da aplicação do seu artigo 34.º, se essa empresa não pretender exercer atividades do setor financeiro.

69        Em seguida, o Regulamento n.º 575/2013 prevê, para efeitos da aplicação dos requisitos prudenciais impostos por este regulamento, uma série de consequências para a atribuição, a uma determinada empresa, da qualificação de «instituição financeira».

 

70        Mais precisamente, resulta do artigo 18.º, n.º 1, do referido regulamento que as instituições de crédito e as empresas de investimento que sejam obrigadas a cumprir os requisitos do mesmo regulamento com base na sua situação consolidada procedem, em princípio, a uma consolidação integral, nomeadamente, de todas as instituições financeiras que são suas filiais ou, se for caso disso, filiais da mesma companhia financeira‑mãe ou da companhia financeira mista‑mãe.

 

71        Em contrapartida, esta disposição não impõe que se realize uma consolidação prudencial que inclua todas as filiais das instituições e das empresas de investimento.

 

72        Além disso, decorre do artigo 4.º, n.º 1, ponto 27, do Regulamento n.º 575/2013 que as instituições financeiras constituem «entidades do setor financeiro», à semelhança, nomeadamente, das instituições de crédito, das empresas de investimento e das empresas de seguros.

 

73        Ora, resulta do artigo 36.º, n.º 1, alíneas g) a i), do artigo 56.º, alíneas c) e d), e do artigo 66.º, alíneas b) a d), deste regulamento que os investimentos, realizados pelas instituições de crédito e pelas empresas de investimento, nas entidades do setor financeiro estão sujeitos a um regime específico que implica, em particular, determinadas deduções no cálculo dos fundos próprios dessas instituições e dessas empresas.

 

74        As participações qualificadas das instituições de crédito e das empresas de investimento fora do setor financeiro são, em contrapartida, regidas por regras diferentes, previstas, nomeadamente, no artigo 36.º, n.º 1, alínea k), e nos artigos 89.º e 90.º do referido regulamento, regras que podem, em especial, implicar uma ponderação dessas participações no cálculo dos requisitos de fundos próprios ou uma proibição dessas participações, quando estas excedam determinadas percentagens de fundos próprios da instituição de crédito ou da empresa de investimento em causa.

 

75        Decorre do exposto que o Regulamento n.º 575/2013 define as regras relativas à consolidação e aos requisitos prudenciais das instituições de crédito e das empresas de investimento que, na medida em que sejam próprias das participações nas instituições financeiras ou noutras entidades do setor financeiro e que difiram das regras aplicáveis às participações fora do setor financeiro, podem ser vistas como estando baseadas na tomada em consideração da especificidade das atividades desse setor.

 

76        Ora, tal lógica seria posta em causa em caso de aplicação das regras próprias das participações nas entidades do setor financeiro a uma participação fora desse setor de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento, pelo simples facto de esta última participação ser gerida por intermédio de uma filial dessa instituição ou dessa empresa cuja atividade consista na aquisição de participações.

 

77        Por último, o artigo 5.º da Diretiva 2013/36 prevê a coordenação interna das atividades das autoridades competentes para a supervisão não só das instituições de crédito e das empresas de investimento mas também das instituições financeiras, estabelecendo assim uma relação entre, por um lado, a supervisão prudencial do setor financeiro e, por outro, o controlo das instituições financeiras.

 

78        Do mesmo modo, o artigo 117.º, n.º 1, e o artigo 118.º desta diretiva enunciam as obrigações de cooperação entre as autoridades competentes dos Estados‑Membros aplicáveis às instituições financeiras, sem alargar esse regime às entidades não pertencentes ao setor financeiro nas quais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento detenha participações.

 

79        Em terceiro lugar, resulta do artigo 1.º da Diretiva 2013/36 e do artigo 1.º do Regulamento n.º 575/2013 que estes atos têm por objeto definir as regras relativas ao acesso à atividade, à supervisão e a diversos requisitos aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento. Também decorre do considerando 5 desta diretiva e do considerando 14 deste regulamento que os referidos atos têm, nomeadamente, por objetivo contribuir para a realização do mercado interno no setor das instituições de crédito.

 

80        Resulta de todos os elementos precedentes que uma empresa cuja atividade principal não esteja relacionada com o setor financeiro, por não exercer, nem diretamente nem por intermédio de participações, uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I da Diretiva 2013/36, não pode ser considerada uma instituição financeira, na aceção da Diretiva 2013/36 e do Regulamento n.º 575/2013.

 

81        Por conseguinte, há que responder às questões submetidas que o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.

[…]

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE, e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012,

devem ser interpretados no sentido de que:

uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.

 

Retomando o caso concreto, interessa relembrar que ficou demonstrado nos presentes autos que a Requerente, na qualidade de sociedade holding ou de cúpula, detém participações sociais relevantes em entidades (sociedades) cuja atividade não é enquadrável no setor financeiro e segurador, pelo que não deve ser qualificada como “Instituição Financeira”.

            Da não qualificação da Requerente como “Instituição Financeira”, de acordo com o direito da União Europeia (uma vez que, reitera-se, as filiais e participadas não desenvolvem atividade no setor financeiro), decorre ser-lhe inaplicável a norma de isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código deste imposto, por não se verificar um pressuposto essencial.

 

            Desta forma, não se constata a ilegalidade material, consubstanciada em erro de direito, alegada pela Requerente, quer em relação aos atos tributários, quer ao ato de segundo grau que os manteve, sendo devido o Imposto do Selo liquidado nas operações em causa.

 

            Relativamente à inconstitucionalidade invocada pela Requerente com fundamento na violação do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição) e do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição), pelo facto de o conceito de Instituição Financeira abranger entidades como os fundos de investimento imobiliário, sociedades de gestão de fundos de investimento e fundos de capital de risco, e não abranger as SGPS, afigura-se que a Requerente não cumpriu o ónus da sua suscitação adequada, nomeadamente no que se refere à “precisa delimitação do seu objeto, mediante a especificação da norma, segmento normativo ou a dimensão normativa que se entende ser inconstitucional (acórdãos n.ºs 450/06, 21/06, 578/07, 131/08) e a indicação das razões pelas quais se considera verificada a violação de normas ou princípios constitucionais (acórdãos n.ºs 645/06, 708/06, 630/08), não bastando uma referência genérica a essas normas ou princípios ou a imputação da inconstitucionalidade aos próprios actos jurídicos que são objeto de impugnação judicial” – v. decisão arbitral no processo n.º 14/2021-T.

 

            Em qualquer caso, importa notar as SGPS têm um regime próprio e objetivos distintos daqueles que presidem aos fundos de investimento e às suas sociedades gestoras. Ora, o princípio da igualdade, na vertente de uniformidade da lei de imposto, postula o tratamento igual de contribuintes que se encontrem em situações iguais, o que não se afigura ser o caso. Por outro lado, na ótica da proibição do arbítrio, a diferenciação dos regimes aplicáveis às diversas tipologias de entidades teria de ser desprovida de fundamento racional ou desproporcionada, o que a Requerente não logrou demonstrar (v. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e n.º 695/2014).

 

* * *

 

Por fim, resta referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil, nos termos do disposto nos artigos 608.º e 130.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

  1. Juros Indemnizatórios

 

A Requerente peticiona juros indemnizatórios, ao abrigo do preceituado no artigo 43.º da LGT. Contudo, como se viu supra, as liquidações de Imposto do Selo e o ato de segundo grau que as manteve não padecem das ilegalidades invalidantes que lhe foram imputadas pela Requerente, pelo que improcede, por não estarem reunidos os respetivos pressupostos constitutivos, o pedido de juros indemnizatórios, porquanto não se verifica o pagamento de prestação tributária em excesso, nem a ocorrência de erro imputável aos serviços da Requerida.

 

 

            VI.       Decisão

 

À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação arbitral totalmente improcedente, com as legais consequências.

 

 

VII.     Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 633.118,76, correspondente ao valor das liquidações de Imposto do Selo cuja anulação se pretende, não impugnado pela Requerida – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do RCPAT.

 

VIII.    Custas

 

            Custas no montante de € 9.486,00 (nove mil quatrocentos e oitenta e seis euros) a cargo da Requerente, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de dezembro de 2023

 

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins, relatora

 

José Coutinho Pires

 

João Marques Pinto

 



[1] Processo C-207/22, Lineas – Concessões de Transportes, SGPS, S.A., no âmbito do processo arbitral 565/2020-T.

[2] V. Documento COM/2013/071 final - 2013/0045, capítulo II, secção 3.3.2.

[3] Nos termos do disposto no artigo 39.º, n.º 10 do CPPT.

[4] Aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, na versão em vigor após a Reforma do Património, operada pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, e alterações subsequentes.

[5] Cf. Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro; Decreto-Lei n.º 378/98, de 27 de novembro; e Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de dezembro.

[6] V . a título meramente exemplificativo, decisões arbitrais n.ºs 911/2019-T e 110/2020-T, no sentido preconizado pela Requerente, e n.ºs 856/2019-T e 37/2020-T, no sentido defendido pela Requerida.