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DECISÃO ARBITRAL
SUmÁRIO:
I - A falta de apresentação, no prazo legal, da Declaração Modelo 22, determina que a AT, nos termos da alínea b) do n. 1 do artigo 90.º do CIRC, empreenda liquidação oficiosa de IRC e a notifique ao respectivo destinatário que incumpriu as suas obrigações declarativas;
II - Atenta a natureza provisória da liquidação oficiosa e perante a apresentação da declaração de rendimentos em falta no decurso do prazo de caducidade, a AT fica vinculada a realizar as diligências instrutórias e inspetivas necessárias à prossecução do interesse público e à descoberta da verdade material, com o inerente apuramento da matéria coletável do período de tributação em causa e a proceder às correções que se mostrem necessárias, isto é, à consequente liquidação adicional ou à anulação (total ou meramente parcial) da liquidação oficiosa antes realizada;
III - A interposição pelo sujeito passivo de reclamação graciosa dirigida àquela liquidação oficiosa de IRC, em data posterior à apresentação da declaração de rendimentos em falta, mas em respeito pelo prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no art.º 101.º do CIRC e, por remissão daquele, igualmente previsto no art.º 45.º da LGT, leva a que a AT não possa abster-se de considerar os elementos declarados, realizando, para o efeito, as diligências necessárias para confirmar (ou infirmar) os valores declarados, em vista à fixação do lucro tributável, pelo que, não o tendo feito ou, rectius, fazendo-o de forma manifestamente insuficiente, deixa que permaneça na ordem jurídica um acto de liquidação que está enfermo (porquanto, em excesso ou por defeito de quantificação) com fundamento em violação de lei e errónea quantificação.
I. Relatório:
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A..., Lda., pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., apresentou, em 31.5.2023, pelas 20:51 horas, um pedido de pronúncia arbitral, invocando o regime previsto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) e considerando a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à sua jurisdição por força do disposto na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
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No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.
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Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 20.7.2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.
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Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 8.8.2023 para apreciar e decidir o objecto do processo.
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Em 2.10.2023, a Requerida apresentou Resposta, defendendo-se por impugnação, refutando os vícios imputados pela Requerente à liquidação oficiosa de IRC, de 2018, n.º 2020 ... e ainda às correspondentes liquidações de Juros Compensatórios n.ºs 2020 ... e 2020 ..., que se cifravam, respectivamente, em 25.648,98 € e 455,15 €, num total sindicado de 26.104,13 € e ora colocadas em crise.
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Em 16.11.2023, foi proferido e inserido no Sistema de Gestão Processual do CAAD (doravante SGP) despacho que, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 16º, alíneas c) e e), 19º,nº 1 e 29º, nº 2 do RJAT), e do princípio da proibição de actos inúteis (art.º 130º do Código de Processo Civil, ex vi da alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT): i) dispensava a produção de declarações de parte; ii) dispensava a reunião prevista no art.º 18º do RJAT; iii) interpelava da Requerida a juntar o PA; iv) interpelava a Requerente a juntar os documentos protestados juntar aquando da apresentação do PPA; e finalmente v) convidava as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas.
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Em 18.11.2023, a Requerente apresentou alegações finais onde, no essencial, para além de repristinar o que já havia aduzido no PPA e quanto à interpelação para junção dos documentos protestados juntar diz: “[O]s Documentos n.º 4 e 5, protestados juntar com o Pedido de Pronúncia Arbitral, correspondiam à Declaração Modelo 22 e à IES resultantes desta primeira verificação contabilística. Na medida em que, posteriormente, foram substituídos, encontrando-se as últimas declarações fiscais nos autos, considerou-se desnecessário juntar estes documentos.”
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A Requerida não apresentou alegações finais. Não obstante interpelada nesse sentido no despacho de 18.11.2023, não apresentou o Processo Administrativo a que se refere o no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2021, de 20 de Janeiro.
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A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2021... entretanto apresentada e dirigida à apreciação da legalidade da liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, de 2018, n.º 2020 ... e ainda à apreciação da legalidade das correspondentes liquidações de Juros Compensatórios n.ºs 2020 ... e 2020 ..., que se cifravam, respectivamente, em 25.648,98 € e 455,15 €, num total sindicado de 26.104,13 €; bem como ii) na consequente declaração de ilegalidade daqueles mesmos actos de liquidação, reportados ao exercício de 2018, por estarem enfermados do vício de violação de lei; iii) Em consequência do eventual decretamento da ilegalidade daqueles actos de liquidação, na restituição à Requerente do valor pago em excesso, no montante de 21.104,13 €; iv) No pagamento à Requerente de juros indemnizatórios correspondentes, por estarem preenchidos os pressupostos do art.º 43.º da LGT.
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Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
I.A) Alegações da Requerente:
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No Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante PPA), começa a Requerente por admitir que não entregou, dentro do prazo legalmente previsto para o efeito, a declaração de rendimentos – Modelo 22 – respeitante ao exercício de 2018.
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Explica que o atraso na entrega da referida declaração resultou de constrangimentos operacionais com origem no extravio de documentação, pelo que, aduz, teve de pedir segundas vias de facturas justificativas dos gastos em que incorreu e ainda de contratar um novo contabilista certificado.
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Realizado o trabalho contabilístico de recuperação da escrita, tendente ao apuramento do resultado do exercício respeitante a 2018, a Requerente diz ter-se apercebido de que havia sido emitida uma liquidação oficiosa de IRC, para 2018, cujo valor não quadrava (e até se afastava de forma significativa) com os valores apurados na sequência da aludida recuperação da contabilidade.
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No seguimento da liquidação oficiosa de IRC emitida pela AT e aqui sindicada, afirma a Requerente ter apresentado, “(...) em 31 de Maio de 2021, Reclamação Graciosa contra a liquidação de IRC de 2018 (...), tendo, depois da emissão da liquidação oficiosa, conseguido apresentar a Declaração Modelo 22 e a IES com elementos preparados pela nova contabilista certificada, elementos estes que a Requerente julgava, à data, estarem correctos (...).”
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Mesmo depois de entregue a referida reclamação graciosa, diz a Requerente que a contabilidade, não obstante recuperada, ainda não se encontrava correcta, pelo que foram declarados valores (na referida declaração Modelo 22 e na IES) que tinham na base contas incorretas, aludindo até a “falhas contabilística graves”, o que constatou em face do argumentário esgrimido pela AT quer em sede de projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, quer até em sede de decisão final entretanto anulada por interposição de recurso hierárquico que suscitava a questão da preterição de formalidade legal consubstanciada na falta de notificação para audição nos termos do art.º 60.º da LGT.
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Não deixando de aduzir, no artigo 22.º do PPA, no sentido de que “(...)iniciou a partir daí um trabalho suportado e assessorado por contabilistas e advogados externos aos contratados pela empresa, incorrendo nos custos necessários para garantir que a contabilidade da sociedade refletia de forma fidedigna aquilo que foram os resultados reais da empresa no período e que todos os erros contabilísticos apontados fossem tão prontamente quanto possível corrigidos.”
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Prossegue a Requerente ao aduzir que realizado o “(...) trabalho exaustivo de recuperação contabilística (...) apresentou novo balancete analítico (...), com todas as correções identificadas pela Autoridade Tributária devidamente efetuadas e outras correções, pela Requerente identificadas, também levadas a cabo, bem como documentação de suporte.”
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Depois de discorrer sobre as correcções efectuadas na contabilidade e sobre a documentação de suporte que juntou e até sobre a forma como se deve ler a informação que foi disponibilizada, sustenta a Requerente que entregou à AT os elementos contabilísticos que considerou pertinentes para demonstrar como calculara o seu resultado tributável relativo a 2018 e, assim, infere-se, para demonstrar também que a matéria colectável que estava na liquidação oficiosa era desajustada e manifestamente excessiva.
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E partindo da informação contabilística que estava no aludido balancete analítico, refere a Requerente, nos artigos 33.º e 34.º do PPA, que os réditos ali considerados ascendiam a 220.623,38 €; os gastos a 256.861,74, donde, o resultado líquido contabilístico (negativo) seria de -36.238,36, pelo que, considerando-se a contabilidade corrigida, sustenta aquela que apurou prejuízos fiscais e não a matéria colectável que suportou o valor a pagar constante da liquidação oficiosa aqui sindicada, admitindo ainda que o valor a entregar ao Estado seria apenas de 4.048,83 €, resultante de tributações autónomas.
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A Requerente levanta ainda a questão de saber se “(...) a AT recorreu aos meios ao seu dispor (como as declarações entregues pela Requerente, o ficheiro SAF-T entretanto remetido, o e-fatura, entre outros) para tentar apurar qual o efectivo resultado tributável da Requerente.”
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A propósito dos ficheiros SAF-T enviados pela Requerente à AT em cumprimento de obrigações acessórias que sobre si impendem e quanto a uma aventada e suposta omissão de rendimentos que alegadas diferenças na facturação poderiam induzir, esclarece aquela, em requerimento superveniente entrado no SGP do CAAD em 16.10.2023, que as mesmas são explicáveis e não são da sua responsabilidade.
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Esclarece: “A Requerente tinha feito entrega atempada de ficheiros SAF-T para o exercício de 2018 mas, no processo de revisão contabilística por si levado a cabo (...) ao notar vários erros de contabilidade, da responsabilidade do seu Contabilista Certificado à data, a Requerente percebeu que os ficheiros SAF-T submetidos à AT não correspondiam ao total de facturação do período (isto é, o valor total de facturação submetido via SAF-T era inferior àquele que a Requerente efectivamente tinha feito e apresentou em reclamação graciosa). (...) Essa diferença foi, aliás, notada pela própria AT, que no projecto de decisão, elaborado antes de receber a informação actualizada e corrigida pela Requerente, em sede de direito de audição, mas já depois de esta ser corrigida, menciona "Do cruzamento das faturas contabilizadas e as constantes na base de dados da AT, verificou-se (...) foram contabilizadas faturas que não foram comunicadas". (...) Em escrupuloso cumprimento das suas obrigações, e verificado o erro, findo o exercício de revisão contabilística, a Requerente enviou, em 30.05.2022, através do Contabilista Certificado, novos ficheiros SAF-T de substituição para cada um dos meses de 2018. (...) À data de hoje, esses novos ficheiros continuam em estado de "Aguarda Processamento", situação que se repete há vários meses: (...).”
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E partindo da informação que dá conta do envio de novos ficheiros SAF-T e visando explicar a suposta divergência de valores e até a ausência de omissão de facturação, a Requerente prossegue afirmando como segue: “(...) uma análise rápida por parte da Requerente parece encontrar explicação para o valor de €323.359,88 que a AT diz verificar na sua "aplicação informática": a "aplicação informática" está a considerar a soma dos dois SAF-T de cada mês (isto é, o originalmente submetido e o submetido a 30.05.2022, para substituição). (...) Ou seja, ainda que o ficheiro SAF-T entregue posteriormente apareça na situação "Aguarda processamento", está a impactar a informação da Requerente, gerando uma duplicação da facturação (...).”, que demonstra nos artigos 24.º e seguintes do aludido requerimento superveniente.
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Conclui a Requerente como segue: “[F]ica claro, assim, que o valor declarado pela Requerente no balancete remetido à AT em sede de direito de audição está correcto, reflecte a realidade da sua facturação, não contém nenhuma omissão e é consistente com os ficheiros SAF-T que a Requerente re-submeteu à AT, mas que continuam a aguardar processamento.”
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Partindo da informação constante do e-fatura onde estão declarados fornecimentos e declaradas prestações de serviços no montante líquido de 27.581,04 € (montante de 28.189,86 € - Notas de crédito de 608,82 €), a dado passo na Resposta alude-se à circunstância das rubricas referentes a custos (contas 62 e 68), quando comparadas com o que está no Balancete analítico apresentado pela Requerente (onde constam os valores inscritos, respetivamente, naquelas contas de 173.529,64 € e de 28.841,98 €), evidenciarem divergência muito relevante.
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Nos artigos 30.º e seguintes do Requerimento superveniente entrado no SGP do CAAD em 16.10.2023, esclarece a Requerente a aludida divergência mencionando: “(...) tivesse sido analisado devidamente o balancete enviado e os respectivos ficheiros de suporte e seria claro que a diferença, por exemplo, na conta 62, face ao e-fatura, diz respeito aos muitos fornecedores estrangeiros (não pertencentes ao mercado nacional) com que a Requerente, à data, trabalhava.”
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Nos artigos 41.º e 43.º do PPA aduz a Requerente no sentido de que não lhe foram solicitados quaisquer elementos ou explicações e ainda que a AT não cumpriu com o dever de colaboração consagrado nos artigos 59.º da LGT e 48.º do CPPT.
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Prossegue a Requerente dizendo que “(...) disponibilizou todos os documentos contabilísticos necessários para o apuramento da verdade material e, caso a AT não os entendesse, ou tivesse dúvidas sobre os mesmos, deveria ter solicitado mais informações à Requerente, conforme decorre do princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da LGT, que determina que a AT deve realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, e também do princípio da colaboração.”
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Traz ainda à colação o disposto no art.º 55.º da LGT, referindo que a AT se encontra vinculada aos princípios da legalidade, da justiça, da imparcialidade e do respeito pelas garantias dos contribuintes.
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Não deixando de explicitar a letra do n.º 4 do art.º 59.º da LGT.
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Mais aduz a Requerente no sentido de que “(...) o IRC a pagar pela Requerente não pode deixar de ser apurado de acordo com as regras contabilísticas e fiscais em vigor, sob pena de desrespeito pelas normas da CRP e do Código do IRC, o que seria manifestamente ilegal.”
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E ainda que: “[A]tendendo aos documentos apresentados, e aos esclarecimentos prestados supra, não pode deixar de se concluir que a Requerente fez prova de que, conforme resulta da contabilidade, o resultado líquido de 2018 foi de (€36.238,36), e não o montante que consta da liquidação oficiosa de IRC.”
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Peticiona a Requerente: i) seja o PPA julgado procedente, por provado, e em consequência, se declare a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação oficiosa de IRC de 2018 e correspondentes liquidações de juros compensatórios e, indirectamente, se declare também a ilegalidade das referidas liquidações, procedendo-se à respectiva anulação; ii) seja ordenada a restituição à Requerente dos montantes indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais;.
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A Requerida apresentou Resposta, na qual alega:
I.B) Alegações da Requerida:
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Na Resposta, a Requerida começa por aludir à circunstância da Requerente haver reclamado graciosamente da Liquidação Oficiosa de IRC de 2018 aqui sindicada, onde aquele defendia que “(...) a mesma não refletia a realidade contabilística da empresa, apresentando nessa data, 31-05-2021, uma DM22, onde alegadamente declarava os reais valores obtidos (prejuízo fiscal de € 7.280,31).”
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Dá nota a Requerida de que foi proferida decisão de indeferimento sobre a aludida reclamação, admitindo, no entanto, haver sido conferida de forma errada a possibilidade da ali reclamante exercer o direito de audição previsto no art.º 60.º da LGT.
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Prossegue a Requerida referindo que em cumprimento de decisão proferida em sede de recurso hierárquico e em face do errado cumprimento do disposto no art.º 60.º da LGT, promoveu-se nova notificação para o exercício do direito de audição.
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Aduzindo a Requerida como segue: “[D]epois, foi convolada em definitivo a decisão de indeferimento da reclamação em apreço, salientando-se que a mesma foi sustentada no facto da contabilidade do sujeito passivo não estar organizada de acordo com o estabelecido no artigo 123º e artigo 17º, nº 3, ambos do CIRC, nem os documentos apresentados possibilitarem a comprovação do efetivo resultado tributável auferido pelo sujeito passivo.”
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Não se detendo, diz a Requerida no artigo 19 da sua Resposta: “Com efeito, refere-se na decisão impugnada que o sujeito passivo contabilizou como gasto na subconta 6221521 os valores de 76.739,84 € (lançamento 15), e de 6.559,91 € (lançamento 17), e na subconta 62152 o valor de 30.999,55 € (lançamento 6).”
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Referindo a Requerida, no artigo seguinte daquela peça, como segue: “Para justificar estes valores, remeteu um conjunto de documentos sem numeração e sem qualquer justificação, o que, no entender dos Serviços da AT que apreciaram a petição de reclamação, impossibilita a comprovação dos gastos contabilizados apresentados no Balancete e, consequentemente, o apuramento do prejuízo fiscal declarado, incumprindo-se assim com o disposto na alínea a) do nº 2 do citado artigo 123 º do CIRC.
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Fazendo notar que da leitura da informação de suporte à apreciação da Reclamação enviada pela Requerente, se pode inferir que “(...) o sujeito passivo considerou gastos relativos a multas fiscais (subcontas 688831), no montante de 15.868,12 €, e outras penalidades (subconta 688838), no montante de 1.861,62 €, que não são aceites fiscalmente, não dando assim cumprimento ao disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 23º - A do CIRC.”
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E ainda que do cruzamento das faturas contabilizadas com as constantes da base de dados da AT, se retira que “(...) foram comunicadas à AT faturas que não foram contabilizadas e foram contabilizadas faturas que não foram comunicadas, tendo assim sido incumprido o artigo 20º e o nº 8 do artigo 123º, ambos do CIRC.”
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Concluindo a AT que, assim, a ali Reclamante não demonstrou “(...) que o resultado por si apurado e declarado na DM22 que submeteu à AT, corresponde ao rendimento/resultado fiscal efetivamente obtido no ano de 2018.”
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Notificada a ali Reclamante para o exercício do direito à participação, diz-se no artigo 24 da Resposta, que aquela veio apresentar novo Balancete que passou a reflectir e a integrar as correções antes identificadas AT e ainda outras correções identificadas pela ali Reclamante.
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Prossegue a Requerida dizendo que feita a necessária apreciação dos novos elementos trazidos ao processo pela ali Reclamante, verificaram que: “(…) existiram alterações ao Balancete posteriores ao apresentado na petição que resultou no presente processo.”
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E ainda que: « [V]erifica-se, contudo, que não foram apresentados os extratos de conta corrente e que os documentos enviados no CD não se encontram numerados, registados e organizados, não estando assim cumpridas as normas contabilísticas aplicáveis, o que impossibilita a comprovação dos gastos contabilísticos e o correto apuramento do resultado líquido do período.”
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Partindo da constatação de que a Requerente não se conformou com a decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação, traz a Requerida à colação as alíneas a) e b) do n.º 3 do art.º 17.º e ainda o art.º 123.º do CIRC, sustentando, aliás fundada na análise levada à prática no procedimento de reclamação, no sentido de que “(...) a contabilidade do sujeito passivo não estava organizada de forma a poder comprovar-se que o resultado efetivamente obtido era aquele que declarou na última das DM22 submetidas - DM22 de Substituição datada de 21.06.2022 (prejuízo fiscal no montante de 11.904,71 €).”
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Repisando a Requerida no sentido de que os elementos referidos no CD que a Requerente enviou à AT não se encontravam numerados, registados e organizados e, além disso, faltavam elementos julgados necessários para análise, como eram os extratos de conta corrente.
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E partindo daqui sustenta a Requerida não fazer sentido alegar-se que a AT, “(...) por forma a dar cumprimento ao princípio da verdade material, deveria ter solicitado à requerente esclarecimentos adicionais e ainda o envio de outros elementos de contabilidade, pois, a tarefa de organização desses elementos, e envio À AT dos que estavam em falta, cabe unicamente ao requerente.”
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E não se detendo, aduz a Requerida no sentido de que, mesmo nesta sede arbitral, a Requerente mostra alguma relutância em apresentar os referidos elementos da sua contabilidade, aludindo ao Doc. n.º 9 junto ao PPA e ainda aos documentos n.ºs 4 e 5 protestados juntar.
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Não deixando a Requerida de referir que, no PPA, defende a Requerente que “(...) a AT poderia colmatar as insuficiências verificadas, porquanto tem em seu poder um vasto conjunto de informações as quais permitem suprir a falta de elementos não enviados pelo contribuinte (E- Fatura, Ficheiro SAF-T, DM22 entregues, etc.).”
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E a propósito desta alegação recorda a Requerida que “(…) da análise solicitada aos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de ... por forma a ser apreciada a reclamação graciosa interposta relativamente ao exercício de 2018, foi informado que, em sede de e-fatura o contribuinte comunicou à AT faturas que não foram contabilizadas e foram contabilizadas faturas que não foram comunicadas.
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E como que confirmando o que os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ... constataram, mas agora por consulta directa e própria ao e-factura, afirma a Requerida ter verificado que “(…) nela consta uma faturação líquida de 323.359,88 € (valor bruto de 324.579,39 € - notas de crédito de 1.219,51 €), quando o valor inscrito na conta 72 - Prestações de Serviços, do SNC, é de 219.583,14 € (vide Balancete - Doc. nº 10 dos Anexos ao Pedido Arbitral), FACTO QUE SE TRADUZ NUMA INEXPLICÁVEL OMISSÃO DE RENDIMENTOS SUJEITOS A IRC, NESTE PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2018, NO MONTANTE DE €103.776,74 €.”
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Diz mais: “[A]nalisando também as rubricas referentes a custos, em sede de e-fatura, verifica-se que ao contribuinte foram declaradas fornecimentos e prestações de serviços, no montante líquido de 27.581,04 € (montante de 28.189,86 € - Notas de crédito de 608,82 €). (...) Contudo, no Balancete, os valores inscritos respetivamente nas contas 62 - Fornecimentos e Serviços Externos e, 68 - Outros Gastos, foram de 173.529,64 € e de 28.841,98 €.
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Em jeito de conclusão refere a Requerida, fundada, basicamente, na falta de apresentação dos extratos de conta corrente e cópias dos respetivos documentos de suporte aos registos contabilísticos devidamente organizados e numerados sequencialmente; na falta de apresentação de balancetes analíticos, nomeadamente o anterior ao encerramento das contas de 2018; na inexplicável diferença negativa no montante de €103.776,74 entre os rendimentos registados contabilisticamente e o valor da faturação sem IVA emitida, não se poder chegar à conclusão pretendida pelo sujeito passivo de que o resultado tributável efetivamente obtido no exercício de 2018, foi o por si mencionado numa DM22 submetida á AT em 21.06.2022, ou seja, prejuízo fiscal de 11.904,71 €.
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Retirando daqui a Requerida que não assiste razão à Requerente, não merecendo, pois, qualquer censura o acto recorrido, dado que o mesmo resulta do escrupuloso cumprimento do quadro legal aplicável, pelo que, deve ser mantido na ordem jurídica.
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Peticionando seja julgado improcedente o PPA por não provado e, consequentemente, devendo ser absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
II. Thema decidendum:
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O thema decidendum reporta-se à questão de saber se as liquidações sindicadas enfermam de vício de violação de lei que lhe é assacado pela Reclamante, por errónea subsunção do caso concreto ao direito aplicável, designadamente, por errónea subsunção nos artigos 90.º, n.º 1, alínea b) e n.º 12, do CIRC e, ademais, se perante a apresentação da declaração de rendimentos (a primeira e depois a de substituição) por parte do sujeito passivo, após ser notificada da liquidação oficiosa, se impunha à AT a confirmação dos elementos delas constantes, sob pena de violação dos princípios do inquisitório e da tributação pelo lucro real e, em caso afirmativo, quais as consequências que daí decorrem para os actos impugnados; não devendo olvidar-se que recai sobre o sujeito passivo – e não sobre a AT - o ónus da prova do excesso da quantificação da matéria tributável, ónus esse que não é satisfeito com a mera apresentação das declarações de rendimentos (a primeira e a de substituição), uma vez que, tais declarações não beneficiam da presunção de veracidade consagrada no n.º 1 do artigo 75.º, da LGT, por não ter sido apresentada no prazo previsto no artigo 120.º do CIRC.
Cumpre, então, agora, proferir decisão.
III. SANEAMENTO:
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O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer da liquidação oficiosa de IRC e JC ora impugnadas, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
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Quanto à competência do CAAD para apreciação da (i)legalidade de actos de primeiro, segundo e terceiro grau, considera o tribunal que é actualmente entendimento pacífico tanto na Jurisprudência como na Doutrina que os actos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos – ou seja, actos de segundo grau - poderão ser arbitráveis junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um acto de liquidação de imposto - i.e., de um acto de primeiro grau.
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Naquele sentido, adequado se mostra trazer à colação jurisprudência arbitral (concretamente a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 272/2014-T do CAAD que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&listPage=180&id=614 ) e doutrina (Jorge Lopes de Sousa que, no seu “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” e Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”), que sustenta que a jurisdição arbitral é competente para arbitrar pretensões relativas à declaração da legalidade de actos de liquidação de tributos - actos de primeiro grau - quando, num acto de segundo grau, a AT se tenha pronunciado relativamente à legalidade de tal acto.
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Assim sendo, o Tribunal considera-se competente para a apreciação da pretensão da Requerente, em virtude de esta respeitar também à apreciação da legalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito da reclamação graciosa n.º ...2021...despoletada pela Requerente com referência aos actos tributários (de liquidação) de IRC e JC, respeitantes ao ano de 2018, tendo a AT, nessa mesma decisão de indeferimento e tal como veremos adiante no ponto Y) do probatório, apreciado a legalidade daqueles actos de liquidação.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
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A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). O prazo para apresentação do PPA deve contar-se do conhecimento do despacho de indeferimento que recaiu sobre a reclamação Graciosa apresentada. O Ofício n.º ..., do Serviço de Finanças do ..., a coberto do qual foi dada a conhecer à Requerente a referida decisão de indeferimento total da reclamação graciosa está datado de 6.4.2023 (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA). Nos termos do n.º 1 do art.º 39.º do CPPT, a notificação presume-se efectuada no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte e esse quando esse dia não seja útil, donde, admitindo-se que a data do registo postal coincide com a data aposta no Ofício junto aos autos como Doc. n.º 1, ou seja, 6.4.2023, a Requerente presume-se notificada da decisão de indeferimento acima referida no dia 10.4.2023 (tal como está no ponto Y) do probatório, a Requerente admite que foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação em 11.4.2023), data a partir da qual se conta o prazo de 90 dias para a interposição do pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, pelo que, o mesmo se revelou efectivamente tempestivo, na medida em que se iniciou a sua contagem em 11.4.2023 e o seu dies ad quem ocorreu em 10.7.2023 (já que o dia 9.7.2023 era domingo e porquanto o prazo para a interposição do PPA é ainda um prazo substantivo, aplicando-se o art.º 279.º do Código Civil), o que significa que na contagem daquele prazo não se deveria incluir o dia em que ocorreu o evento – o chamado dia zero – a partir do qual o prazo começou a correr (10.4.2023), de forma continua, e caso terminasse a um sábado, domingo ou feriado (como terminava), deveria transferir-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte – 10.7.2023, ou seja, quod erat demonstrandum, tendo sido apresentado em 31.5.2023, pelas 20:51 horas, considera-se tempestivamente interposto o PPA.
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O processo não enferma de nulidades.
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Não foram identificadas questões que obstassem ao conhecimento do mérito.
IV. DECISÃO:
IV.A) Factos que se consideram provados:
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Antes de entrarmos na apreciação do mérito das questões submetidas a julgamento, cumpre-nos fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:
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Em 9.12.2020, foi emitida a liquidação oficiosa de IRC n°2020..., reportada ao exercício de 2018 e que se cifrava em 26.104,13 €, com data limite de pagamento voluntário fixada em 1.2.2021, (Cfr. Demonstração de liquidação de IRC junta como Doc. n.º 2 ao PPA);
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Da notificação que deu a conhecer a liquidação referida no ponto A) do probatório, consta que tal liquidação foi: "(...) efetuada nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, por falta de entrega da declaração de rendimentos, conforme nota demonstrativa junta.” (Cfr. Demonstração de liquidação de IRC junta como Doc. n.º 2 ao PPA);
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Foram igualmente emitidas as subsequentes liquidações de Juros, nomeadamente, a Demonstração de Liquidação de Juros n.º 2020 ... e Demonstração de Liquidação de Juros n.º 2020 ... e a Demonstração de acerto de contas com o n.º da compensação 2020 ... . (Cfr. Cabeçalho da Reclamação Graciosa junta ao PPA como Doc. n.º 3);
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A Reclamante foi notificada a 31.12.2020, nos termos do n.º 10 do artigo 39 do CPPT, através da plataforma VIACTT, dos actos tributários identificados nos pontos A) e C) do probatório (Cfr. art.º 1.º da Reclamação Graciosa junta ao PPA como Doc. n.º 3);
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A liquidação oficiosa identificada no ponto A) do probatório teve por base “Matéria colectável não isenta” de 122.138,04 €, apurando-se uma colecta total de IRC coincidente com o “IRC a pagar” de 25.648,98 € e ainda Juros Compensatórios de 455,15 € (Facto não controvertido e Demonstração de liquidação de IRC junta como Doc. n.º 2 ao PPA);
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A Requerente não procedeu à entrega, dentro do prazo legalmente determinado para o efeito, do acto declarativo periódico correspondente à Declaração Modelo 22, respeitante ao exercício de 2018. (Acordo das partes. Cfr. art.º 6.º do PPA e art.º 2.º da Resposta);
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O incumprimento da obrigação declarativa referida no ponto F) do probatório radicou em constrangimentos operacionais originados pelo extravio de documentação, o que levou a que a Requerente a pedir segundas vias de facturas que justificavam os gastos em que havia incorrido e a contratar um novo contabilista certificado tendente à relevação contabilística daqueles documentos. (Acordo das partes. Cfr. art.º 7.º do PPA e art.º 3.º da Resposta);
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Notificada a Requerente da liquidação oficiosa de IRC e JC referidas nos pontos A) e C) do probatório, constatou que os valores de matéria colectável e de IRC a pagar em nada correspondiam aos que eram os valores por aquela apurados. (Facto não controvertido e art.º 10.º do PPA);
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Em 31.5.2021 e no seguimento das liquidações oficiosas de IRC e JC emitidas pela AT e referidas nos pontos A) e C) do probatório, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra aquela liquidação oficiosa de IRC de 2018 (Facto não controvertido. Cfr. Doc. n.º 3 junto ao PPA e que consubstancia a petição de reclamação);
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Ultrapassados os constrangimentos referidos no ponto G) do probatório, a Requerente submeteu, via internet, em 31.5.2021, a Declaração Modelo 22, do exercício de 2018, com o número de identificação 2018-... e submeteu ainda, pela mesma via, a Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal (IES naquele mesmo dia. (Cfr. art.º 5º do Doc. n.º 3 junto ao PPA e acordo das partes na medida em que a Requerida, não juntando o PA, não contradita esta factualidade);
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Em 31.5.2021, ou seja, aquando da entrega da reclamação graciosa referida no ponto I) do probatório e da entrega da Declaração Modelo 22 e da IES, referidas no ponto J) da factualidade relevante, a contabilidade da Requerente ainda não se encontrava correcta, na medida em que foram ali declarados valores que tinham por base contas incorrectas. (Facto não controvertido. Cfr. art.º 13.º do PPA);
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No dia 29.4.2022, a Requerente tomou conhecimento, ao questionar, por e-mail, o Serviço de Finanças de ... sobre a fase em que se encontrava o procedimento de Reclamação Graciosa apresentado, de que havia sido proferida decisão na qual se determinou o seu indeferimento, sem que, previamente, se houvesse conferido àquela o direito de audição a que se refere o art.º 60.º da LGT (Cfr. Doc. n.º 6 junto ao PPA e art.ºs 14.º e 15º do PPA);
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Não se conformando a Requerente com a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, em Junho de 2022, apresentou Recurso Hierárquico. (Cfr. Doc. n.º 7 junto ao PPA e art.º 19.º do mesmo);
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Na sequência do deferimento do Recurso Hierárquico referido no ponto M) da factualidade relevante, determinou a AT, através do Ofício n.º ..., de 4.1.2023, que a Requerente fosse notificada para exercer o direito de audição prévia, relativamente à Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação de IRC e JC, respeitante ao exercício de 2018. (Cfr. Doc. n.º 7 e Doc. n.º 8 juntos ao PPA e art.º 19.º do mesmo);
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Quando confrontada com a decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa, proferida em violação do direito à participação e enviada por email pelo Serviço de Finanças do ..., “(...) entretanto anulada pelo deferimento do Recurso Hierárquico, a Requerente verificou que, de facto, existiam falhas contabilísticas graves às quais era alheia por ter confiado, nos termos da lei, a responsabilidade de elaboração da contabilidade organizada e respetivas peças financeiras à sua contabilista certificada.” Tal como está no art.º 14.º da petição que consubstanciou o Recurso Hierárquico, a reclamação graciosa vinha indeferida com os seguintes fundamentos: “k) O sujeito passivo contabilizou como gasto na sua conta 6221521 o valor de 76.739,84 € - lançamento 15 - e o valor de 6.559,91 € - lançamento 17 - e na subconta 65152 o valor de 30.999,55 € - lançamento 6. Remeteu, para alegadamente justificar estes lançamentos, um conjunto de documentos sem numeração e sem qualquer justificação, o que impossibilita a comprovação dos gastos contabilizados apresentados no balancete e, consequentemente, o apuramento do resultado fiscal (prejuízo fiscal) declarado, incumprindo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do referido artigo 123.º do CIRC. l) Acresce ainda que considerou gastos que não são aceitos fiscalmente relativos a multas fiscais (subconta 688831) no montante de 15.868,12 € e a outras penalidades (subconta 688838), no montante de 1.861,62 €, incumprindo o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC. m) Do cruzamento das faturas contabilizadas e os constantes na base dados das AT, verificou-se que foram comunicadas à AT faturas que não foram contabilizadas e foram contabilizadas faturas que não foram comunicadas, incumprindo assim o disposto no artigo 20.º e no n.º 8 do artigo 123.º, ambos do CIRC.” (Factualidade não controvertida. Cfr. art.º 21.º do PPA e art.º 14.º do Doc. n.º 7 junto ao PPA e ainda artigos 19.º a 22.º da Resposta);
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Visando corrigir as “falhas contabilísticas” verificadas e referidas no ponto O) do probatório, a Requerente “(...) iniciou a partir daí um trabalho suportado e assessorado por contabilistas e advogados externos aos contratados pela empresa, incorrendo nos custos necessários para garantir que a contabilidade da sociedade reflectia de forma fidedigna aquilo que foram os resultados reais da empresa no período e que todos os erros contabilísticos apontados fossem tão prontamente e tanto quanto possível corrigidos.” (Facto não controvertido. Cfr. art.º 22.º do PPA);
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Em Janeiro de 2023, o direito de audição foi exercido pele Requerente sobre o projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa. (Cfr. Doc. n.º 8 junto ao PPA e art.º 25.º do mesmo);
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No art.º 10.º e 11.º da petição que consubstanciou o direito de audição e referida no ponto Q) da factualidade relevante, diz-se: “10.º (...) depois de realizado o trabalho de apuramento do resultado, resulta do balancete revisto que: a. Os ganhos da Reclamante ascenderam a €220.623,38 e os gastos a €256.861,74; b. Os montantes a considerar como gasto, lançados nas subcontas #6221521 e #62152, foram devidamente corrigidos para reflectir a realidade documental e de despesa efectiva, correspondendo agora a conta #622152 a um total de €122.269,31; c. Todos os justificativos das acima mencionadas despesas encontram-se na pen que se enviará pelo correio com o original desta Audição Prévia (cfr. Documento n.º 3), devidamente organizadas em pastas que correspondem ao número de conta contabilística (pelo balancete); d. No que concerne à comunicação e contabilização de facturas, os valores são agora coerentes quer em termos das vendas, quer em termos das compras, tendo-se procedido também à entrega do ficheiro SAF-T de substituição, que reflecte a realidade da facturação da empresa que, por erro de contabilidade, à data, não tinham sido corretamente submetidos, por razões alheias à gerência da Requerente. 11.º A Requerente aceita a correcção relativa às multas fiscais e às outras penalidades que não são fiscalmente dedutíveis, erro que tinha ocorrido sem o conhecimento da equipa de gestão da Requerente.” (Facto não controvertido. Cfr. Doc. n.º 8 junto ao PPA);
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O balancete analítico reportado a 2018, foi junto à petição que consubstanciou o direito de audição como Doc. n.º 8 e reflecte “todas as correções identificadas pela Autoridade Tributária devidamente efetuadas e outras correções, pela Requerente identificadas, também levadas a cabo, bem como documentação de suporte.” (Facto não controvertido. Cfr. art.º 26 do PPA);
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Uma das correcções realizadas na contabilidade consubstanciava-se na circunstância de os valores lançados na conta #22- Fornecedores e respectivas subcontas haverem sido relevados em conjunto e não de forma separada por fornecedor. Corrigido o erro de relevação contabilística, “(...) foram criadas tantas subcontas quantos os fornecedores existentes e foram colocadas em cada subconta (em termos documentais, em cada pasta, que corresponde a uma subconta) os documentos respectivos, nomeadamente facturas (Cfr. art.º 10.º do Doc. n.º 8 junto ao PPA – Direito de Audição – e Doc. n.º 3 junto àquele Doc. n.º 8 e ainda Doc. n.º 9 junto ao PPA que a Requerente protestou juntar e que em 7.9.2023 juntou aos autos mediante requerimento e acervo documental junto que entrou no SGP do CAAD naquela data);
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Analisados conjuntamente o balancete analítico reportado ao ano de 2018 e o acervo probatório a que se refere o ponto T) da factualidade relevante, inferem-se, rigorosamente, os valores facturados por cada fornecedor à Requerente e cujas facturas estão a titular os respectivos custos em que aquela incorreu. (Facto não controvertido. Cfr. Doc. n.º 9 e Doc. n.º 10 juntos aos autos e ainda art.º 29.º do PPA);
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Resulta do balancete analítico (revisto) referido no ponto U) do probatório que, em 2018: a. Os ganhos da Requerente ascenderam a 220.623,38 € e os gastos a 256.861,74 €; b. O resultado líquido contabilístico foi de -29.788,23 € em função do que está no aludido balancete, embora a Requerente refira o valor de -36.238,36 €. (Facto não controvertido. Cfr. Doc. n.º 10 junto aos autos e ainda art.º 33.º do PPA);
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Levando-se em conta a relevação contabilística corrigida, consubstanciada e sintetizada no balancete analítico a que se reporta o ponto V) do probatório, a Requerente terá apurado prejuízos fiscais e não lucro no período de tributação de 2018, resultando apenas um valor a pagar de 4.048,83 € de tributações autónomas. (Facto não controvertido. Cfr. art.º 34.º do PPA);
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Na última Declaração Modelo 22 submetida, ou seja, na declaração de substituição datada de 21.6.2022, a Requerente apurou prejuízo fiscal que se cifrou em 11.904,71 €. (Cfr. art.º 30.º da Resposta);
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Em 11.4.2023, a Requerente foi notificada, por via postal, da decisão final de indeferimento que recaiu sobre a Reclamação Graciosa apresentada, fundada no seguinte: “Da análise feita aos fatos apresentados verifica-se que existiram alterações ao balancete posteriores ao apresentado na petição que resultou no presente processo. Verifica-se, contudo, que não foram apresentados os extractos de conta corrente e que os documentos enviados no CD não se encontram numerados, registados e organizados, não estando assim cumpridas as normas contabilísticas aplicáveis, o que impossibilita a comprovação dos gastos contabilísticos e o correto apuramento do resultado líquido do período. Assim, verifica-se que os elementos apresentados não justificam a procedência do pedido feito durante todo o procedimento de reclamação pelo que se propõe a ratificação do projeto decisão de indeferimento total. (Facto não controvertido. Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA e art.ºs 4.º e 35.º do PPA);
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Antes de proferida a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e subsequentemente ao exercício do direito de audição, não foram solicitados quaisquer elementos ou explicações adicionais à Requerente. (Facto não controvertido. Cfr. art.º 35.º do PPA);
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A Requerente enviou, em 30.05.2022, através do Contabilista Certificado, novos ficheiros SAF-T, de substituição, para cada um dos meses de 2018 e que, no e-factura, se mantêm em estado de “Aguarda processamento”. (Facto não contestado. Cfr. art.º 20 do requerimento superveniente entrado no SGP do CAAD em 16.10.2023);
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Os ficheiros SAF-T referidos no ponto AA) do probatório, estão a impactar a informação da Requerente, ou seja, estão a gerar uma duplicação dos dados de facturação daquela comunicados através do e-factura. (Facto não contestado. Cfr. arts.º 23.º a 25.º do requerimento superveniente entrado no SGP do CAAD em 16.10.2023);
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As liquidações de IRC e JC de 2018, melhor identificadas nos pontos A) e C) do probatório, foram pagas. (Cfr. § 2.º do petitório. Facto não controvertido, dizendo-se até, no art.º 46º da Resposta, não estarem reunidos os requisitos para que pudessem ser atribuídos uma vez que as liquidações não enfermavam de qualquer ilegalidade, o que pressupõe o respectivo pagamento das liquidações de IRC e JC de 2018);
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Em 31.5.2023, pelas 20:51 horas, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD);
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O pedido foi aceite em 1.6.2023, pelas 18:09 horas (Cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD).
IV.B) Factos não provados:
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Não obstante a Requerida haver dito na sua resposta que no âmbito da instrução do procedimento de reclamação graciosa foi solicitada a intervenção dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., não ficou provado que tal intervenção se houvesse concretizado. A tal propósito aduz a Requerida no sentido de que aqueles serviços da AT informaram que, em sede de e-fatura, o contribuinte comunicou à AT faturas que não foram contabilizadas e foram contabilizadas faturas que não foram comunicadas. No entanto, nenhum documentos foi junto aos autos que confirme essa intervenção.
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Mais: É a própria Resposta que admite que por consulta directa e própria ao e-factura, a Requerida verificou que ali “(…) consta uma faturação líquida de 323.359,88 € (valor bruto de 324.579,39 € - notas de crédito de 1.219,51 €), quando o valor inscrito na conta 72 - Prestações de Serviços, do SNC, é de 219.583,14 € (vide Balancete - Doc. nº 10 dos Anexos ao Pedido Arbitral), FACTO QUE SE TRADUZ NUMA INEXPLICÁVEL OMISSÃO DE RENDIMENTOS SUJEITOS A IRC, NESTE PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2018, NO MONTANTE DE €103.776,74 €.” Diz mais: “[A]nalisando também as rubricas referentes a custos, em sede de E-fatura, verifica-se que ao contribuinte foram declaradas fornecimentos e prestações de serviços, no montante líquido de 27.581,04 € (montante de 28.189,86 € - Notas de crédito de 608,82 €). (...) Contudo, no Balancete, os valores inscritos respetivamente nas contas 62 - Fornecimentos e Serviços Externos e, 68 - Outros Gastos, foram de 173.529,64 € e de 28.841,98 €.”
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Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.
IV.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
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Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
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Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).
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A convicção sobre os factos dados como provados e não provados (acima explicitados) assentou na análise crítica da prova e fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária e, nomeadamente, na prova documental junta aos autos pela Requerente, conforme remissão feita a propósito de cada ponto do probatório, sendo indicado expressamente em cada um daqueles pontos o(s) documento(s) que contribuíram para a extração do correspondente facto.
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A valoração dos documentos atendeu ao seu valor probatório, ao seu teor e aos factos que os mesmos comprovam, em si mesmos ou em conjugação com os demais.
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O n.º 2 do art.º 417.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT, dispõe como segue: “Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.” Por outro lado, nos termos do que dispõe a alínea f) do art.º 16.º do RJAT, a todos os intervenientes no processo arbitral, e também às partes, é imposto o respeito pelo princípio da cooperação e da boa-fé processual. A inversão do ónus da prova apresenta-se como uma sanção civil à violação do princípio da cooperação das partes para a descoberta da verdade material, consagrado no nº 1 do acima transcrito art.º 417° do CPC, quando tal falta de cooperação vai ao ponto de tornar particularmente difícil a produção de prova a produzir nos autos e tendente à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa. Os princípios da boa-fé e da cooperação determinam que as partes processuais adoptem uma conduta colaborante com o Tribunal no sentido da descoberta da verdade material. No caso dos autos, a falta de cooperação da Requerente traduziu-se na manifesta e injustificada falta de junção dos documentos contabilísticos a que nos reportaremos adiante e também da falta de junção dos documentos protestados juntar mesmo depois de interpelada nesse sentido, apesar de essa falta se mostrar explicada em sede de alegações finais com a inutilidade da sua junção. Já a falta de cooperação da Requerida traduziu-se na não junção, igualmente injustificada, do PA. A falta de colaboração das partes, sem qualquer justificação, será livremente apreciada para efeitos probatórios e poderá ser valorada como comportamento que determina, para cada uma das partes, a inversão do ónus da prova.
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Os factos não provados resultam da inexistência de prova.
IV.D) Matéria de Direito (fundamentação):
IV.D1) Da invocada ilegalidade da liquidação oficiosa de IRC de 2018 fundada em violação de lei por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito e excesso de quantificação:
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O dissenso, aqui, prende-se com a eventual ilegalidade de uma liquidação oficiosa de IRC, relativa a 2018, que tem como norma habilitante a alínea b), do n.º 1, do art.º 90.º do Código do IRC e que, segundo a Requerente, não espelha a real situação tributária daquela naquele exercício, na medida em que a AT desconsidera, na perspectiva da Requerente, sem fundamento material, o prejuízo fiscal autoliquidado na Declaração Modelo 22 apresentada para além do prazo legalmente previsto para o efeito, mas em respeito pelo prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no art.º 101.º do CIRC e, por remissão daquele, igualmente previsto no art.º 45.º da LGT (cfr. Declaração Modelo 22 de IRC de 2018, submetida em 31.5.2021, a que se refere o ponto J) do probatório) e, depois de feitas algumas correcções, o prejuízo fiscal (de 11.904,71 €) autoliquidado na Declaração Modelo 22 de substituição apresentada também para além do prazo legalmente previsto para o efeito, mas igualmente em respeito pelo prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no art.º 101.º do CIRC e, por remissão daquele, igualmente previsto no art.º 45.º da LGT (cfr. Declaração Modelo 22 de IRC de 2018, submetida em 21.6.2022, a que se refere o ponto X) do probatório).
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É consabido que as referidas Declarações Modelo 22 (a primeira e a de substituição) apenas poderão ser valoradas pela AT, desde que acompanhadas por documentação e meios probatórios que permitam ajuizar sobre a veracidade e aderência à realidade dos dados ali inscritos, esforço probatório que o Tribunal avaliará se foi realizado pela Requerente, i.e., o cerne da questão decidenda é mesmo a de saber se a Requerente realizou este esforço probatório com o envio dos documentos que empreendeu. Vejamos,
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Tal como resulta do ponto D) do probatório, a Requerente foi notificada da liquidação oficiosa de IRC, de 2018, sendo que, tal liquidação oficiosa, emergiu na sequência de a Requerente haver faltado ao cumprimento das suas obrigações declarativas, donde, constatada tal falta, a lei impõe à AT o dever funcional de proceder a uma liquidação oficiosa cujo objectivo é prevenir a caducidade do direito à liquidação[1], ou seja, caso o contribuinte não entregue a respectiva Declaração Modelo 22 do IRC, mais não seja, emerge e em princípio subsistirá, a liquidação oficiosa a que se reporta a alínea b) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC que, na sua redacção à data dos factos, dispunha: “[A] liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos: 1. a) (...): b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o maior dos seguintes montantes: 1) A matéria coletável determinada, com base nos elementos de que a administração tributária e aduaneira disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0,75; 2) A totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada; 3) O valor anual da retribuição mínima mensal.”
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Contudo, tal como está nos pontos J) e X) do probatório, dentro do prazo para a reclamação graciosa e ainda em respeito pelo prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no art.º 45º da LGT, entregou a Requerente a respectiva Declaração Modelo 22 e subsequentemente outra Declaração Modelo 22 de substituição, ou seja, deu cumprimento ao acto declarativo periódico em sede de IRC, para o ano de 2018 e, atento o resultado da autoliquidação que apurou prejuízo para efeitos fiscais no montante de 11.904,71 €, não procedeu ao pagamento de qualquer montante de imposto porquanto inexigível por inexistente.
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Tal declaração de rendimentos apresentada fora do prazo legalmente previsto para o efeito, não beneficia da presunção de verdade estabelecida no art.º 75.º da LGT. A este respeito, recupera-se aqui argumentação do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Maio de 2016, proferido no processo n.º 0415/15 que a dado passo diz: “[A] entrega tardia da declaração de rendimentos não tem necessariamente por efeito a anulação da liquidação oficiosa da liquidação de IRC na medida da diferença para menos, [...], pois que os valores aí declarados, por si só, não se presumem verdadeiros.»
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Importando trazer à discussão os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, proferidos nos processos nºs 506/14.4BEBJA e 751/11.4BELRS, de 25.06.2019 e 20.02.2020([2]) e donde se pode intuir que tal “não presunção” não é estendida à contabilidade, desde que devidamente organizada. Com efeito, ali se diz que se atentarmos no artigo 75.º, n.º 1 da LGT “[o] mesmo parece dissociar a apresentação tardia (fora de prazo) da declaração legal do contribuinte, dos “dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal” pois que contempla a palavra chave “apresentadas” por referência às declarações dos contribuintes e a palavra “organizadas” por referência à contabilidade ou escrita; o que parece poder conduzir à interpretação de que uma declaração de IRS([3]) apresentada tardiamente, mas com suporte em contabilidade imaculada, organizada de acordo com regras legais, não faz estender a não presunção da sua veracidade a esta contabilidade que uma vez apreciada em sede inspectiva poderá fazer reassumir a presunção de verdade da declaração apresentada fora de prazo.”
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Daqui se inferindo, aliás, com meridiana clareza, que efectuada oficiosamente uma liquidação de IRC, fundada na ausência de cumprimento das obrigações declarativas do contribuinte e ancorada na alínea b) do n.º 1 do art.º 90º do CIRC, esta só poderá ser anulada, por inexistência de facto tributário ou excesso de liquidação, se o contribuinte apresentar reclamação contra tal liquidação, exibindo, concomitantemente[4], elementos de prova que permitam demonstrar tal inexistência ou tal excesso de quantificação na liquidação oficiosa.
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Foi exactamente isso que a Requerente fez, i.e., tal como está no ponto J) do probatório, apresentou Reclamação Graciosa controvertendo a liquidação oficiosa aqui sindicada, porquanto, sustentava, se mostrava enfermada de ilegalidade por excesso de quantificação, na medida em que, em função da autoliquidação que concretizou com a entrega da Declaração Modelo 22 referida no ponto I) do probatório, tinha apurado prejuízo fiscal no exercício de 2018 e não lucro tributável.
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Certo sendo que a Reclamação Graciosa interposta veio a ser indeferida tal como está no ponto L) da factualidade relevante, fundado, tal indeferimento, no seguinte: “k) O sujeito passivo contabilizou como gasto na sua conta 6221521 O valor de 76.739,84 € - lançamento 15 - e o valor de 6.559,91 € - lançamento 17 - e na subconta 65152 o valor de 30.999,55 € - lançamento 6. Remeteu, para alegadamente justificar estes lançamentos, um conjunto de documentos sem numeração e sem qualquer justificação, o que impossibilita a comprovação dos gastos contabilizados apresentados no balancete e, consequentemente, o apuramento resultado fiscal (prejuízo fiscal) declarado, incumprindo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do referido artigo 123.º do CIRC. l) Acresce ainda que considerou gastos que não são aceitos fiscalmente relativos a multas fiscais (subconta 688831) no montante de 15.868,12 € e a outras penalidades (subconta 688838), no montante de 1.861,62 €, incumprindo o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC. m) Do cruzamento das faturas contabilizadas e os constantes na base dados da AT, verificou-se que foram comunicadas à AT faturas que não foram contabilizadas e foram contabilizadas faturas que não foram comunicadas, incumprindo assim o disposto no artigo 20.º e no n.º 8 do artigo 123.º, ambos do CIRC.” e depois repristinada subsequentemente à decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico apresentado e após o exercício do direito de audição, novamente indeferida, fundando-se, tal indeferimento, no seguinte, em face do que está no ponto Y) do probatório: “Da análise feita aos factos apresentados verifica-se que existiram alterações ao balancete posteriores ao apresentado na petição que resultou no presente processo. Verifica-se, contudo, que não foram apresentados os extractos de conta corrente e que os documentos enviados no CD não se encontram numerados, registados e organizados, não estando assim cumpridas as normas contabilísticas aplicáveis, o que impossibilita a comprovação dos gastos contabilísticos e o correto apuramento do resultado líquido do período.(...).”, donde, segundo se afirma na informação que suporta a decisão de indeferimento da reclamação, ter-se-á constatado que os elementos apresentados não justificavam a procedência do pedido, ou seja, intui-se, não eram suficientes para comprovar os valores que a ali Reclamante pretendia fossem considerados.
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A Requerente não só apresentou e identificou os actos de autoliquidação do IRC que entretanto empreendeu (ainda que extemporaneamente), como juntou o balancete analítico (revisto) que está referido no ponto V) do probatório e donde resulta que: i) Os ganhos da Requerente ascenderam a 220.623,38 €; ii) os gastos a 256.861,74 €; iii) O resultado líquido contabilístico foi de -29.788,23 €, em função do que está no aludido balancete, embora a Requerente refira o valor de -36.238,36 €. Tal como está no ponto T) do probatório, quanto aos valores lançados na conta #22- Fornecedores e respectivas subcontas e ao facto de haverem sido relevados em conjunto e não de forma separada por fornecedor, isso mesmo foi corrigido, tendo sido criadas tantas subcontas quantos os fornecedores existentes e tendo sido colocadas em cada subconta os documentos respectivos, nomeadamente facturas que estavam todas juntas como Doc. n.º 3 junto à petição que consubstanciou o direito de audição. Levando-se em conta a relevação contabilística corrigida, consubstanciada e sintetizada no aludido balancete analítico, a Requerente terá apurado prejuízos fiscais e não lucro no período de tributação de 2018. (Cfr. ponto W) do probatório). Acrescendo dizer que, faltando extractos contabilísticos (como a AT diz que faltavam) ou qualquer outro elemento, sempre poderia aquela interpelar os representantes legais da Requerente no sentido da sua apresentação ou até, alternativa e desejavelmente, sempre poderia a AT (ou, rectius, deveria), no âmbito dos poderes inspectivos que detém, iniciar procedimento inspectivo no sentido de confirmar ou infirmar a expressão material da autoliquidação de substituição empreendida e que apurou prejuízo fiscal de 11.904,71 € (Cfr. ponto X) do probatório).
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E nem se diga que que esses actos inspectivos (quando muito, meramente internos) foram materialmente realizados em sede de instrução do procedimento de reclamação em face da análise empreendida pela AT aos elementos de prova enviados pela Requerente. Trazendo-se aqui à colação, também, a factualidade dada acima como não provada.
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A questão de saber se a Requerente havia efectivamente incorrido em prejuízo fiscal que obstaria à tributação em sede de IRC, no exercício de 2018, exigia exame à escrita que só podia ser empreendido mediante o dealbar de procedimento inspectivo.
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Diga-se ademais e a tal propósito que muitos dos elementos entregues com a reclamação graciosa ou até aquando do exercício do direito de audição, eram já do conhecimento efectivo da AT, sendo que, também por isso, entende o Tribunal Arbitral Singular que controverso era advogar-se, liminarmente, a insuficiência de elementos de prova demonstrativos das autoliquidações empreendidas pela Requerente e ancorar, nessa insuficiência, in limine, o indeferimento da reclamação graciosa interposta.
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Além de que quaisquer outros elementos contabilísticos que a AT pudesse considerar relevantes e que não lhe houvessem sido disponibilizados e que estivessem a suportar a Declaração Modelo 22 apresentada intempestivamente, em sede de IRC, para o ano de 2018, estavam segundo diz a Requerente (e o tribunal não tem razões fundadas para vacilar quanto a isso) disponíveis para que a AT pudesse exercer sobre eles os procedimentos inspectivos que entendesse adequados e que resultassem do estatuído, a tal propósito, no Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado pelo DL n.º 413/98, de 31 de Dezembro[5]. Mais. Tal como está no probatório, após o exercício do direito à participação na formação do proposto acto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, a Requerente entregou balancete analítico rectificado que está a ancorar os lançamentos contabilísticos empreendidos; bem como cópia integral dos documentos de suporte à contabilidade que estão a titular os custos incorridos com os fornecimentos adquiridos aos seus fornecedores.
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O Tribunal não ignora que a Requerente não apresentou: i) quaisquer extratos contabilísticos, nomeadamente, extractos de todas as contas movimentadas no exercício de 2018; ii) Balanço iii) Demonstração de Resultados; iv) Cópia dos Livros Selados; v) Diário; vi) Documentos de suporte dos movimentos contabilísticos, a que se refere a alínea a) do n.º 2 do art.º 123º do CIRC, excepto, suporte magnético com os documentos que estavam a titular operações realizadas pelos seus fornecedores; e nem mesmo vii) Documentos que fazem parte do processo de documentação fiscal a que se refere o art.º 130º do CIRC.
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Intuindo-se daqui que há um défice probatório não negligenciável que não só não foi suprido em sede de procedimento gracioso, como também o não foi nos presentes autos.
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Não obstante, foi entregue acervo probatório que demonstrava, pelo menos de forma indiciária, que o resultado contabilístico apresentado (negativo, incorrendo, por isso, a Requerente em prejuízo) estava nos antípodas da matéria colectável determinada de 122.138,04 € (Cfr. ponto E) do probatório), mas inadequado era retirar-se a asserção de que os documentos enviados eram insuficientes e tinham erros, tendo em vista uma correcta validação do acto de autoliquidação que a Requerente pretendia substituísse o acto de liquidação oficiosa aqui controvertido.
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Entendendo o Tribunal Arbitral Singular que, in casu, dificilmente poderia colher a tese da insuficiência de prova, visando-se com isso que o acto de liquidação oficiosa que em sede graciosa se controvertia haveria de manter-se na ordem jurídico-tributária, já que, essa prova foi ao menos indiciariamente feita e, na parte em que eventualmente não logrou a Requerente concretizá-la, parecia estar aquela (em função do que está no ponto Z) do probatório), à disposição da Administração Tributária para o efeito, podendo ser convenientemente avaliada pelo credor tributário, em sede de inspecção, toda a prova adicional que entendesse necessária.
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É verdade que, nos termos da lei e faltando o cumprimento do acto declarativo periódico, a AT podia, como fez, empreender a liquidação oficiosa que aqui se controverte.
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O que não podia era deixar de corrigir essa mesma liquidação oficiosa caso o respectivo sujeito passivo cumprisse entretanto a respectiva obrigação declarativa nos exactos termos em que o determina, sem mais, o n.º 12 do art.º 90º do CIRC. Vejamos,
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A Requerente é uma pessoa colectiva residente que, no dizer do CIRC, exerce a título principal uma actividade comercial, industrial ou agrícola. Face ao estatuído na alínea b) do n.º 1 do art.º 117º do CIRC, os sujeitos passivos daquele imposto, ou os seus representantes, são obrigados a apresentar a declaração periódica de rendimentos, que, de acordo com o n.º 1 do art.º 120º do mesmo Código, é enviada anualmente, por transmissão electrónica de dados, até ao último dia do mês de Maio do ano seguinte àquele a que respeitam os respectivos rendimentos, no pressuposto de que, como in casu, o período de tributação é coincidente com o ano civil.
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Relativamente ao exercício de 2018 e como visto, a Requerente desrespeitou o momento do cumprimento daquelas obrigações declarativas, certo sendo que, tão-só em 31.5.2021 e, depois, em 21.6.2022, logrou entregar as declarações de rendimentos respeitantes ao exercício de 2018 e, tal como se infere do probatório, fê-lo subsequentemente à recepção da liquidação de que entretanto reclamou graciosamente e aqui se sindica.
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E constatada a falta de apresentação da declaração de rendimentos, a liquidação é efectuada, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 90º do CIRC, pela Direcção-Geral dos Impostos e tem por base “o maior dos seguintes montantes: 1) A matéria coletável determinada, com base nos elementos de que a administração tributária e aduaneira disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0,75; 2) A totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada; 3) O valor anual da retribuição mínima mensal.”
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Partindo daquele dispositivo (alínea b) do n.º 1 do art.º 90º do CIRC) a Administração Tributária liquidou oficiosamente o IRC de 2018, apurando imposto e JC a pagar, para 2018, de 26.104,13 €. (Cfr. ponto A) do probatório).
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Ora são exactamente estes actos de liquidação que são objecto da presente lide, já que a liquidação oficiosa não obsta a que a obrigação declarativa a que se refere o art.º 120º do CIRC tenha de ser cumprida e a que, nessa decorrência, a liquidação do IRC tenha de ser efectuada pelo próprio contribuinte nos termos do referido na alínea a) do n.º 1 do art.º 90º do CIRC, certo sendo que, essa liquidação, será corrigida, uma vez respeitado o prazo de caducidade do direito à liquidação, cobrando-se ou anulando-se, então, as diferenças apuradas, em face do disposto no n.º 12 do art.º 90º do CIRC.
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Não cabe no âmbito dalguns dos poderes discricionários conferidos por lei à Administração Tributária liquidar ou não liquidar imposto (a mais ou a menos que o liquidado aquando da liquidação oficiosa, corrigindo-se para mais ou para menos o imposto que resultar da declaração de rendimentos entregue pelo sujeito passivo) na sequência de entrega, ainda que extemporânea, de declarações de rendimentos e ainda que a liquidação oficiosa já tenha sido concretizada.
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Assim sendo, com o envio das Declarações Modelo 22 (a primeira e a de substituição), ainda que de forma intempestiva, o que pretendia a Requerente era a correcção da liquidação oficiosa entretanto produzida por prevalência da realidade que estava plasmada na declaração de rendimentos de substituição apresentada em 21.6.2022, sobre a realidade que estava reproduzida na liquidação oficiosa entretanto chegada ao conhecimento da Requerente e que aqui se sindica.
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Efectivamente, tal declaração de rendimentos, apresentada pela Requerente, apura imposto a pagar inferior ao que foi determinado na liquidação oficiosa, ou seja, na declaração de rendimentos, Modelo 22 de substituição, o valor autoliquidado elevou-se a -11.904,71 € (prejuízo fiscal); ao passo que, na LO, o valor a pagar se cifrava em 26.104,13 €, decorrente de apuramento de lucro tributável determinado com base nos critérios legais enunciados na alínea b) do n.º 1 do art.º 90º do CIRC e levando-se ainda em conta as deduções a que se refere o n.º 2 do mesmo normativo.
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Assim sendo, o resultado da liquidação oficiosa era manifestamente desfavorável à Requerente e, por isso, em face do que estatui o n.º 12 do art.º 90º do CIRC, pretendia aquela a anulação da diferença apurada, o que, segundo a Requerente, tornava manifestamente ilegal a liquidação aqui sindicada por excesso de quantificação.
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Claro está que a diferença radica no circunstancialismo de na liquidação oficiosa não terem sido determinados os valores tributáveis em função do lucro real e efectivo, mas sim com base em avaliação indirecta e resultante da aplicação dos critérios previstos na alínea b) do n.º 1 do art.º 90º da LGT e n.º 2 do mesmo normativo.
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Assim sendo e porque não haviam decorrido ainda quatro anos contados do ano seguinte ao do facto gerador do imposto respeitante a 2018 (Cfr. art.º 101º do CIRC e, por remissão, art.º 45º da LGT) no momento em que a obrigação declarativa foi cumprida pela Requerente e a Reclamação Graciosa foi apresentada, o Tribunal avaliará se a liquidação oficiosa empreendida (e que aqui se sindica) deveria ter sido corrigida, por anulação (meramente parcial, na medida em que, em função do que está no ponto W) do probatório, a Requerente, admite-o, teria de pagar 4.048,83 € a título de tributações autónomas, já que aquela apurou prejuízo na autoliquidação que concretizou, relativamente ao exercício de 2018), do imposto e juros compensatórios liquidados oficiosamente e em excesso, nos exactos termos em que estatui o n.º 12 do art.º 90º do CIRC.
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Cumpre, por isso, continuar a dilucidar sobre se, em face da apresentação da declaração de rendimentos por parte do sujeito passivo após ser notificada da liquidação oficiosa, a AT estava obrigada a obter a confirmação dos elementos dela constantes, sob pena de violação do princípio do inquisitório, e, na afirmativa, quais as consequências daí advenientes para os actos impugnados.
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Prosseguindo tal desidrato, a questão que importa agora trazer à colação é a de saber se a Requerente provou a ilegalidade da liquidação oficiosa, nomeadamente, o erro de quantificação da matéria tributável, apurada pela Administração Tributária aquando da elaboração da liquidação oficiosa, importando não esquecer que aquela, no âmbito da reclamação graciosa apresentada e após notificação para tal, juntou ao procedimento os seguintes documentos: i) suporte magnético com todos os documentos emitidos por fornecedores; ii) Balancete analítico que igualmente está junto aos autos como Doc. n.º 10; iii) cópia da declaração de rendimentos Modelo 22 do exercício de 2018; iv) cópia da IES de 2018; e v) cópia da declaração de rendimentos Modelo 22 (de substituição) do exercício de 2018; vi) novos ficheiros SAF-T referidos nos pontos AA) e BB) do probatório.
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Com base no quadro factual traçado no probatório, entende o Tribunal que tendo a Requerente disponibilizado os elementos que acompanharam a reclamação graciosa e após o exercício do direito de audição, os solicitados pela AT, haverá que concluir que competiria àquela a realização de acção inspectiva (meramente interna ou externa) para aferição cabal dos elementos apresentados.
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Face aos elementos apresentados pela Requerente com a reclamação graciosa e até face aos posteriormente apresentados subsequentemente ao exercício do direito de audição, quaisquer outros elementos contabilísticos que a AT pudesse considerar relevantes e que não lhe houvessem sido disponibilizados e que estivessem a suportar a Declaração Modelo 22 apresentada intempestivamente, em sede de IRC, para o ano de 2018, deveriam ter sido expressamente solicitados para que aquela pudesse exercer sobre eles os procedimentos inspectivos que entendesse adequados e que resultassem do estatuído, a tal propósito, no Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado pelo DL n.º 413/98, de 31 de Dezembro.
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Sendo a liquidação oficiosa, por natureza e como visto acima, uma liquidação meramente provisoria, não faria qualquer sentido que a liquidação feita em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, pudesse ser tida como adequada a substituir, em definitivo e sem possibilidade de correcções, a declaração que o sujeito passivo entregou intempestivamente nos termos da alínea a) daquele mesmo normativo, negando-se-lhe a produção de quaisquer efeitos[6].
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É certo que a AT não se limitou a negar a produção de efeitos da declaração apresentada pela Requerente, pedindo-lhe até elementos de prova adicionais, no sentido de eventualmente poder aceitar as pretensões da Requerente.
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É também certo que a Requerente mostrou (até mesmo na pendência da acção arbitral) dificuldades na apresentação dos elementos de prova necessários e adequados a fazer valer as suas pretensões.
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Contudo e atento o carácter provisório da liquidação oficiosa e no pressuposto de que o sujeito passivo cumpre, ainda que de forma extemporânea, a obrigação declarativa a que se reporta a alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, reparando, assim, a falta de cumprimento da obrigação declarativa e concomitante autoliquidação do IRC, já depois de haver emergido a liquidação oficiosa, impende sobre a AT (nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 12 do art.º 90.º do CIRS que manda corrigir a liquidação oficiosa para mais ou para menos em respeito pelo prazo de caducidade previsto no art.º 101.º do CIRC que remete para o art.º 45º da LGT) o dever funcional de desencadear e realizar uma acção inspectiva com o fito de se confirmar ou infirmar a autoliquidação extemporaneamente efectuada.
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E isso, entende o Tribunal Arbitral Singular não foi feito ou, pelo menos, nada disso ficou demonstrado nos autos, excepto a circunstância de, no âmbito do procedimento de reclamação, terem sido apreciados alguns dos elementos apresentados pela Requerente, mas longe disso haver sido feito de forma consistente e exaustiva em sede de procedimento inspectivo aberto especificamente para o efeito.
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Naquele sentido da existência de um dever funcional de se desencadear e realizar uma acção inspectiva, veja-se Rui Duarte de Morais, Apontamentos de IRC, Almedina, 2007, págs. 208 e 209 e ainda o entendimento jurisprudencial que foi tirado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.12.2018, proferido no processo n.º 0220/11.2BEVIS, onde a dado passo se diz: “(...) por atenção a outros princípios norteadores do direito fiscal e designadamente o da verdade material/fiscal a AT não só podia, como devia, diligenciar, designadamente através de acção inspectiva, no sentido de apurar, até onde fosse possível, qual a matéria tributável do período em causa (o valor real ou presumido dos rendimentos sujeitos a tributação), de modo a, dentro do prazo da caducidade do direito de liquidar o tributo, proceder às correcções que se mostrassem pertinentes e à consequente liquidação adicional ou anulação da liquidação oficiosa (consoante fosse positiva ou negativa a diferença entre o montante de imposto liquidado oficiosamente nos referidos termos e o que viesse a mostrar-se devido).
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Adequado se mostrando trazer ainda à colação o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Secção de Contencioso Tributário, de 4.6.2020, Arresto n.º 2072/07.8BELSB, que refere: “Tendo sido apresentada declaração de rendimentos após a emissão de liquidação oficiosa, mas dentro do prazo de caducidade e mediante a faculdade consignada no art.º 90.º, n.º 10 do CIRC [actual n.º 12 do art.º 90.º do CIRC], o princípio da tributação do lucro real impõe outras diligências por parte da Administração Tributária, designadamente, a realização de acção inspectiva de todos os elementos que foram supervenientemente apresentados pelo contribuinte e na sequência de pronúncia da Administração Tributária.”
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Inexistindo tal procedimento inspectivo e desconsiderando a AT os novos elementos que lhe foram apresentados de forma não muito consistente, ocorrerá, em princípio, excesso de quantificação de rendimentos.
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Da prova produzida resulta que, apesar de a AT apresentar algumas objecções aos elementos de prova entregues pela Requerente no âmbito do procedimento de reclamação, não emitiu nenhum juízo sobre a veracidade dos prejuízos declarados na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, limitando-se a dizer que “(...) os elementos apresentados não justificam a procedência do pedido.”
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Resulta do probatório que a contabilidade da Recorrida, não obstante ter aquela dado nota de que relativamente à mesma se verificaram determinadas vicissitudes com a sua elaboração, terá passado a estar devidamente organizada, passando a respeitar, admite o Tribunal, os princípios estabelecidos pelas normas e regras contabilísticas à data em vigor, passando a cumprir o estabelecido no Código Comercial e em toda a legislação fiscal, nomeadamente no CIRC e no CIVA.
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Tanto assim que, com base na organização e trabalho contabilístico realizado a posteriori, foi possível à Requerente cumprir as suas obrigações declarativas reportadas ao ano de 2018, com a entrega da Declaração Modelo 22 e IES e ainda com a entrega de declaração Modelo 22 de substituição onde se apurou prejuízo fiscal de -11.904,71 €.
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Isso mesmo cumpria à AT verificar e, não sendo o caso ou não se confirmando as autoliquidações empreendidas e de forma rigorosamente fundada, indeferir as pretensões da Requerente, mantendo a liquidação oficiosa concretizada.
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Não devendo olvidar-se que é à Administração Tributária que cabe acompanhar, verificar e controlar o cumprimento das obrigações tributárias junto dos contribuintes.
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O que não podia era simplesmente desconsiderar os novos elementos apresentados pela Requerente a pretexto de um suposto incumprimento do ónus da prova que sobre aquela impendia nos termos do disposto no art.º 75º da LGT. Salientam a este propósito, na Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, Almedina, 2015, José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, em anotação ao art.º 75.º, n.º 1, que "de acordo com as regras do ónus probatório, esta presunção (presumem-se verdadeiras as declarações dos contribuintes) obriga a administração tributária a provar qualquer falsidade declarativa dos contribuintes". E ainda salientam que "A contabilidade das empresas desempenha um papel determinante na relação entre a administração tributária e os contribuintes, por ser o sistema de informação que revela a atividade da empresa, e onde está espelhada toda a verdade tributária acerca dessa atividade. É através da contabilidade que a administração tributária exerce a sua função de acompanhamento e de controlo do cumprimento das obrigações tributárias das empresas."
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Sufraga-se e acolhe-se aqui a hermenêutica expressa nas decisões jurisprudenciais que vem sendo emanadas sobre esta matéria e que vão no sentido de que, pesa-embora, a declaração de rendimentos entregue fora do prazo legal não goze da presunção de veracidade e de boa-fé estabelecida no artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”) e não tenha aptidão para anular de forma automática uma liquidação oficiosa que entretanto tenha sido emitida, ao não relevar a sua existência sem qualquer fundamento atendível ou, o que é o mesmo, ao apreciar só formalmente os novos elementos que lhe foram apresentados, e, nessa decorrência, ao recusar a correcção da liquidação oficiosa dentro do prazo de caducidade, poder-dever que tem previsão expressa no n.º 12 do art.º 90.º do Código do IRC, a AT acaba por dar cobertura a um acto tributário que só pode estar em desconformidade com a lei.
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Aceitando o Tribunal Arbitral Singular o argumentário da Requerente que vai no sentido de que os factos registados na contabilidade da Requerente passaram a espelhar a sua atividade com o apuramento real do seu rédito, passando, assim, a reflectir, admite-se, a imagem fiel e verdadeira da sua situação patrimonial, factualidade aquela que a Administração Tributária não logrou contrariar em sede de reclamação graciosa, nem mesmo o fez agora em sede arbitral.
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Entende o Tribunal Arbitral Singular que o carácter provisório da liquidação oficiosa é também inconciliável com uma conduta da Administração Tributária que só formalmente aprecia novos elementos, não somente de ordem declarativa, mas também outputs retirados da contabilidade como seja o balancete do analítico apresentado pela Requerente à AT em sede de procedimento de reclamação (e junto ao PPA como Doc. n.º 10) e ainda suportes magnéticos com documentos que estão a titular custos relevados contabilisticamente pela Requerente, sendo certo que a AT já conhecia as Declarações Modelo 22 (e até a IES) entretanto também apresentadas pela Requerente e colocadas à sua disposição dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação e, ao assim proceder, sem razão válida, a Administração Tributária não apenas infringe regras procedimentais, como manteve na ordem jurídica um acto de liquidação que parece não reflectir a real situação tributária da Requerente, face ao evidente excesso na quantificação da matéria colectável, na medida em que bem ao invés de apurar aquela matéria colectável sujeita a IRC terá apurado um relevante prejuízo fiscal de -11.904,71 €.
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Ademais e em sintonia ainda com a jurisprudência citada, perfilha este Tribunal Arbitral Singular o entendimento de que a questionada liquidação oficiosa em razão do seu manifesto carácter provisório, não podia manter-se intacta na ordem jurídica quando a AT tinha conhecimento de elementos que, ao menos de forma indiciária, eram susceptíveis de infirmar o seu conteúdo e que em sede de procedimento inspectivo poderia confirmar, sob pena de derrogação, desde logo, do princípio constitucional da tributação das empresas pelo lucro real por revelar um excesso na quantificação da matéria colectável, ilegalidade que não pode deixar de atingir os actos de liquidação que aqui se sindicam (cf. artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa[7] e artigo 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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A tal propósito traz-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.7.2022, tirado no Processo n.º 0499/11.0BELRS, que confirmou uma sentença que havia anulado uma liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, ao referir que “(...) é obrigação legal da AT proceder às diligências necessárias para promover a correção do ato de liquidação oficiosa, fazendo-o corresponder com a concreta situação tributária do sujeito passivo′′ (...) “O dever legal jurídico da Administração Tributária, decorrente da vinculação ao princípio da capacidade contributiva, é, dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação, rever o ato tributário em conformidade com essa informação. Ao incumprimento dos deveres acessórios correspondem as sanções legalmente previstas, mas não a da derrogação do direito à tributação pelo rendimento real, que é a expressão da sua capacidade contributiva, pedra angular de um Estado Fiscal de Direito.”
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No mesmo sentido se pronunciaram, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo prolatados em 3.2.2021, no Processo n.º 0276/11.8BELRS; em 21.4.2022, no Processo n.º 0792/17.8BEBRG, e em 22.6.2022, no Processo n.º 02131/11.2BELRS, dizendo este último, com relevância para a questão sub judicio, o seguinte: “(...)
3.2. Porém, já não tem razão a Recorrente quando pretende “desconsiderar” os elementos da declaração de rendimentos que o sujeito passivo acabou por entregar em 14.02.2011, após ter sido notificado da liquidação oficiosa do imposto relativa àquele ano e de ter apresentado reclamação graciosa da mesma. Com efeito, não pode manter-se a decisão que veio a ser proferida em sede de reclamação graciosa, no sentido de que a declaração de rendimentos apresentada a posteriori não tinha validade, devendo considerar-se “consolidada” em relação àquele ano fiscal a situação tributária do sujeito passivo, tal como determinada na liquidação oficiosa. Como sublinhou este tribunal no acórdão de 3 de Fevereiro de 2021 (processo 0276/11.8BELRS), antes mencionado, o que releva, segundo o princípio fundamental da tributação pelo rendimento real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP) “não é haver ou não haver declaração apresentada nos termos das regras do CIRC, mas sim existirem ou não rendimentos reais que sustentem o imposto liquidado” ao sujeito passivo. E acrescenta-se ainda, “[...] não só a AT tinha a obrigação de indagar da real situação económica do sujeito passivo – o que não fez, tendo-se limitado, durante todos aqueles anos, a emitir liquidações provisórias na sequência da falta de declaração de rendimentos Modelo 22 –, como seria manifestamente violador do princípio da tributação pelo rendimento real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP), admitir que, uma vez provada a falta de rendimentos do sujeito passivo (tendo os impugnantes preenchido o ónus que sobre eles impedia nesta impugnação segundo o n.º 1 do artigo 74.º da LGT), as liquidações não pudessem ser anuladas por inexistir uma declaração de rendimentos a zeros para aqueles anos. Por outra palavras, não tem arrimo legal uma solução que preconiza a tributação de rendimento inexistente – comprovadamente inexistente – pela circunstância de não estar cumprida uma obrigação acessória de entrega de declaração de rendimentos. De resto, a jurisprudência pretérita deste Supremo Tribunal Administrativo não deixa dúvidas a respeito da inadmissibilidade de uma tributação que incida sobre um facto tributário inexistente [neste sentido v., por todos, acórdãos de 22 de Abril de 2015 (proc. 0826/13), de 22 de Março de 2011 (proc. 0988/10) e de 4 de Novembro de 2011 (proc. 0553/09)] [...]». Este excerto fundamentador daquele aresto é inteiramente transponível e aplicável ao caso dos autos. Quer isto dizer que, tendo o sujeito passivo depois apresentado uma declaração de rendimentos para aquele período fiscal, é obrigação legal da AT proceder às diligências necessárias para promover a correcção do acto de liquidação oficiosa, fazendo-o corresponder com a concreta situação tributária do sujeito passivo”. Por a Fazenda Pública não ter procedido desta forma, cabe confirmar a decisão recorrida na parte em que procede à anulação do acto de liquidação oficiosa do imposto relativo ao ano de (...)”.
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Essa solução decorrida já de jurisprudência anteriormente firmada no Supremo Tribunal Administrativo, mormente, do Acórdão de 5.12.018, tirado no Processo n.º 0220/11.2BEVIS (antes citado) e cujo sumário refere: “I - (...); II – (...); III - O princípio da tributação do rendimento real impunha a sua apreciação [das declarações entregues fora do prazo legal] e aconselhava a realização de inspeção perante os elementos supervenientes que foram apresentados e que por não gozarem já da presunção de veracidade, estavam sujeitos a livre apreciação e confirmação pela AT; IV - Não o tendo feito, resultou a ocorrência de evidente excesso de quantificação de rendimentos que influenciou a liquidação oficiosa agora questionada a qual não se pode manter.”.
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Não podendo olvidar-se ainda a possível violação do princípio do inquisitório.
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Seguindo-se aqui os ensinamentos de Pedro Vidal Matos, in “O Princípio Inquisitório no Procedimento Tributário”, Coimbra Editora, 2010, p. 128, a omissão de diligências adequadas à descoberta da verdade material ou real situação tributária do sujeito passivo consubstancia uma violação do princípio do inquisitório enunciado no artigo 58.º da LGT e tem “necessariamente reflexos na idoneidade e aptidão da base factual fixada para representar a realidade, do que por sua vez [decorre] quase inevitavelmente um erro nos pressupostos de facto do ato final do procedimento e, concomitantemente, uma errada aplicação das normas tributárias sob um ponto de vista material”.
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Recaindo sobre o sujeito passivo, neste caso, o ónus da prova do excesso da matéria tributável tida em consideração na liquidação oficiosa, e tendo carreado para o procedimento de reclamação graciosa os elementos probatórios sobejamente acima referidos e que tinham efectivamente a virtualidade de colocar em causa o apuramento do imposto concretizado na liquidação oficiosa[8], era exigível à AT a realização de robustas diligências complementares que se mostrassem necessárias à comprovação desses novos elementos, o que só poderia fazer em sede inspectiva e não em função da instrução do procedimento de reclamação entretanto dealbado.
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O Tribunal Arbitral Singular, com respaldo na citada jurisprudência dos tribunais superiores e ainda, entre outros, na seguinte: Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.ºs 0415/15 e 0442/15, de 4 de maio de 2016 e 11 de maio de 2016; Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul n.ºs 2550/04.0BELSB e 2399/15.5BELSB, de 25 de Fevereiro de 2021 e 15 de Dezembro de 2021, respectivamente, entende que a AT não podia, pura e simplesmente, desconsiderar por completo a declaração de rendimentos submetida pela Recorrida dentro do prazo de caducidade; a IES; os ficheiros SAF-T que, em função do que está nos pontos AA) e BB) do probatório, admite o tribunal, passaram a quadrar com os proveitos relevados contabilisticamente, desconsiderando-se a invocada (pela Requerida) divergência de valores facturados/comunicados, permanecendo tais ficheiros, para a AT, a “aguardar processamento”; e os demais elementos probatórios apresentados pela Requerente, como sejam o balancete analítico e ainda os pdf´s dos documentos de facturação emitidos pelos fornecedores daquela e que, por isso, a liquidação oficiosa cuja legalidade foi suscitada com a apresentação da reclamação graciosa referida no ponto l) do probatório, estava ferida do vício de violação de lei conducente à sua anulabilidade, sendo que a própria decisão de indeferimento da reclamação graciosa estava inquinada e que, por isso, deveria também ser anulada.
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Assim sendo, há que concluir que a liquidação oficiosa de IRC e JC de 2018 não pode manter-se na ordem jurídica por estar enfermo (porquanto, em excesso ou por defeito de quantificação) com fundamento em violação de lei e errónea quantificação.
IV.D2) Da restituição do imposto indevidamente pago e da liquidação de juros indemnizatórios a favor da Requerente:
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Estatui o art.º 43º da LGT, sob a epígrafe “Pagamento indevido da prestação tributária”, como segue: “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. 3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos; b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito; c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. 4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios. 5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”
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O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende, aliás, do acima transcrito n.º 1 do art.º 43.º, da LGT.
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De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».
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Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários.
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O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
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O pagamento de juros indemnizatórios depende da existência de quantia a reembolsar e, em face da aventada decisão de anulação do acto de liquidação de IRC e JC de 2018, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.
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Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga (Cfr. Ponto CC) do probatório) acrescida de juros indemnizatórios.
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Na sequência da anulação da liquidação oficiosa sindicada, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias indevidamente pagas e reportadas ao ano de 2018 (Cfr. ponto CC) do probatório, na parte em que elas estão enfermadas de ilegalidade.
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O direito a juros indemnizatórios, é regulado, como visto, no acima transcrito art.º 43.º da LGT.
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Diz o n.º 1 do art.º 43.º da LGT que: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
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Ora, tendo o Tribunal Arbitral julgado no sentido de que a liquidação oficiosa de IRC e ainda as liquidações de JC, de 2018, enfermam de ilegalidade, designadamente, por desconsideração do n.º 12 do art.º 90.º do CIRC, ficou, assim, inequivocamente patenteada a legitimidade do aludido pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente por subsunção no referido n.º 1 do art.º 43.º da LGT, já que as liquidações sub judicio são imputáveis à AT e mostram-se enfermadas por violação de lei, sendo, por isso, devidos juros desde o dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, em conformidade com o estatuído no art.º 43º da LGT e art.º 61º do CPPT.
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É, por isso, a Requerente credora da AT do montante correspondente ao IRC e JC de 2018 indevidamente pago (Cfr. Ponto CC) do probatório) e a determinar em execução de julgado, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios vencidos e vincendos, a calcular até à emissão da respectiva nota de crédito.
V. DECISÃO:
Face ao exposto, o Tribunal Arbitral Singular decide:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, anular a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, de 2018, n.º 2020..., de 25.648,98 € e ainda as liquidações de Juros Compensatórios n.ºs 2020... e 2020..., de 455,15 €, das quais resultou o montante total a pagar de 26.104,13, por estarem enfermadas de ilegalidade;
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Declarar ilegal a decisão de indeferimento expresso do Exm.º Senhor Chefe do Serviço de Finanças de ..., datada de 6.4.2023, que recaiu sobre a reclamação graciosa n.º ...2021..., entretanto apresentada e dirigida à apreciação da legalidade daquelas liquidações oficiosas de IRC e JC de 2018;
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Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida à restituição à Requerente do valor correspondente à anulação do acto de liquidação por o mesmo haver sido indevidamente pago;
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Julgar Procedente o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios a determinar nos termos do art.º 43º da LGT e 61º do CPPT.
VI. VALOR DO PROCESSO:
Fixo o valor do processo em 26.104,13 € em conformidade com o disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão do art.º 3º do regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. CUSTAS:
Fixo o valor das Custas em 1.530,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária em função do valor do pedido (sendo que, tal valor foi o indicado pela Requerente no PPA e não contestado pela Requerida e corresponde ao valor das liquidações sindicadas) a cargo da Requerida, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e ainda art.º 4.º, n.º 5 do RCPAT e art.º 527, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2023.
O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do n.º 5, do art.º 131.º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e), do n.º 1, do art.º 29.º do RJAT, regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, com excepção das citações.
O Árbitro,
(Fernando Marques Simões)
[1] Neste sentido, veja-se, Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Ed. Almedina, pág. 208.
[2] Apud, Acórdão do STA, proferido no processo nº 0220/11.2BEVIS, de 05 de Dezembro de 2018.
[3] Como também, diríamos, uma declaração de IRC.
[4] Ou, ainda que o não faça desde logo com a interposição da reclamação, desde que interpelado nesse sentido pela AT.
[5] Não obstante a Requerida haver dito que foi pedida a intervenção dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ..., atendendo a que da matéria de facto dada como não provada resulta que tal factualidade não foi dada como assente, vamos, doravante, ser consequentes com tal circunstancialismo, considerando que tal intervenção, in casu, simplesmente inexistiu, na medida em que não há prova nos autos que demonstre a realização de qualquer procedimento inspectivo (externo ou interno) especificamente dirigido à aferição do resultado líquido do exercício apresentado pela Requerente e também à aferição da expressão material dos prejuízos fiscais apurados por aquela.
[6] Não devendo menosprezar-se a circunstância de, a prevalecer a liquidação oficiosa, sem que se mantivesse a obrigação de autoliquidação a efectuar pelo sujeito passivo, embora sujeita a escrutínio a efectuar pela AT, poder sair beneficiado o sujeito passivo faltoso, na medida em que, em face do apuramento da matéria colectável em função do lucro real e efectivo suportado na contabilidade (e já não na avaliação indirecta), a autoliquidação do IRC poder sobrelevar, em termos de valor a pagar, a liquidação oficiosa.
[7] É bem certo que o princípio constitucional consagrado no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, no sentido de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, é perfeitamente compatível com o apuramento da matéria tributável por meios indiretos. Efectivamente, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 84/2003, Proc. 531/99) refere que “a tributação das empresas pelo seu rendimento real constitui um princípio ou uma regra que permite, excepcionalmente, desvios ou excepções”, ou seja, aquele Tribunal Constitucional tem admitido o apuramento da matéria tributável por meio de presunções, desde que as mesmas sejam ilidíveis. Sendo assim, facilmente se intui que o princípio constitucional da tributação das empresas sobre o seu rendimento real não é impeditivo de qualquer liquidação tendo por base os critérios enunciados na alínea b) do n.º 1 do art.º 90.º do CIRC, caso o sujeito passivo não cumpra as suas obrigações declarativas ou não as cumpra nos prazos legalmente estabelecidos.
[8] Ainda que de forma meramente indiciária.
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