SUMÁRIO
Ocorre impossibilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância se os Requerentes alcançaram a plena satisfação do seu pedido em virtude da anulação administrativa pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, dos actos tributários impugnados no pedido de pronúncia arbitral.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Presidente), Manuel Lopes da Silva Faustino e Gonçalo Estanque designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 08-11-2023, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
A..., contribuinte fiscal n.º ..., residente em ..., Alemanha, e B... contribuinte fiscal n.º..., residente em..., Alemanha, e C..., contribuinte fiscal n.º ..., residente em..., Alemanha, e D..., contribuinte fiscal n.º..., residente em..., ... Munique, Alemanha; e E..., contribuinte fiscal n.º..., residente em..., Alemanha (conjuntamente designados por “Requerentes”), viram, em 31-08-2023, contra os atos tributários de liquidação de IRS n.os 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., referentes ao ano de 2022 e com um valor total de €139.331,31, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduzir Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) com vista a:
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ser decretada a anulação dos atos de liquidação de IRS e o consequente reembolso das quantias pagas em excesso e
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condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de juros compensatórios.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 13-03-2023 e automaticamente notificado à Requerida.
Em 01-09-2023, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, os quais comunicaram a respetiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 08-11-2023.
Na mesma data, em conformidade com o disposto no artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, a Requerida foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar produção de prova adicional.
No decurso do referido prazo, em 21-11-2023 a Requerida apresentou requerimento, no qual veio “requerer a junção do ato de revogação consubstanciado no despacho de 15/11/2023”. No referido despacho referia-se que “Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser aplicada na liquidação o disposto na alínea b) do no 2 do artigo 43o do CIRS considerando-se o saldo das mais-valias imobiliárias em apenas 50% do seu valor, restituindo-se o imposto pago a mais, assim como o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios”, pelo que “propõe-se que sejam revogados os atos de liquidação de IRS nos 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., 2023..., referentes ao período de tributação de 2022”.
Em 22-11-2023, foi proferido despacho arbitral no qual se notificaram os Requerentes para se pronunciarem sobre o teor do requerimento apresentado pela Requerida.
Em 23-11-2023, os Requerentes declararam “aceitar plenamente tal anulação, requerendo tal como pedido, a devolução do imposto que se julgar pago em excesso, bem como os juros indemnizatórios que se vencerem até reembolso”.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
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MATÉRIA DE FACTO
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FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
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Foram emitidos pela AT os seguintes actos tributários de liquidação de IRS, relativos ao ano de 2022:
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Liquidação de IRS n.º 2023... com o valor a pagar de € 120.246,38.
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Liquidação de IRS n.º 2023... com o valor a pagar de € 79.156,29.
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Liquidação de IRS n.º 2023... com o valor a pagar de € 12.330,51.
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Liquidação de IRS n.º 2023... com o valor a pagar de € 33.464,71.
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Liquidação de IRS n.º 2023... com o valor a pagar de € 33.464,71.
(cfr. Despacho da AT de 15/11/2023 relativo à revogação dos atos tributários, cujo teor se dá como reproduzido).
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As supra referidas liquidações de IRS foram pagas na totalidade.
(cfr. Documentos n.os 11, 19, 25, 31 e 36 cujos teores se dão como reproduzidos).
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Em 21-11-2023, mediante Requerimento no presente processo arbitral e após a constituição do tribunal arbitral, a AT deu conhecimento da anulação administrativa dos atos tributários supra referidos.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, relativamente à prova produzida, o princípio da livre apreciação.
Os factos elencados supra foram dados como provados e não provados com base nas posições assumidas pelas partes e nos documentos juntos ao PPA.
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MATÉRIA DE DIREITO
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Nos presentes autos os actos tributários objecto de contestação foram anulados pela AT, que apenas deu conhecimento de tal facto aos Requerentes e ao CAAD após a constituição do Tribunal Arbitral. Os Requerentes não se opuseram a tal anulação.
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Por conseguinte, carece de sentido útil nesta fase a manutenção da lide para apreciação de um pedido que tem por objecto actos tributários que foram já anulados pela AT.
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Quanto a esta temática, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em 30-07-2014, no acórdão proferido no processo n.º 0875/14, nos seguintes termos: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”. No mesmo sentido, veja-se, entre outros, as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.º 725/2022-T e 845/2021-T.
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A doutrina, nomeadamente Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha[1], também tem concluído que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
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Assim, julga este Tribunal procedente a impossibilidade superveniente da lide relativamente ao pedido de pronúncia arbitral, isto é, à apreciação da (i)legalidade e consequente anulação dos actos tributários impugnados pelos Requerentes, determinando-se consequentemente a extinção da instância nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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No pedido arbitral e no requerimento de 23 de novembro de 2023, os Requerentes requerem ainda o reembolso do imposto indevidamente pago e a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
Ainda que se entenda que esses pedidos constituem pretensões condenatórias de natureza acessória ou consequencial relativamente ao pedido principal, que consiste na declaração de ilegalidade do ato de liquidação de tributo, o certo é que a pronúncia do tribunal quanto a esses outros pedidos apenas poderia ocorrer se o processo devesse prosseguir para a apreciação do mérito da causa e eventual declaração de ilegalidade dos atos impugnados.
O tribunal arbitral limita-se a julgar extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, em consequência da anulação administrativa dos atos tributários impugnados, sem emitir qualquer decisão sobre o mérito da pretensão que constitui o objecto do pedido arbitral, e, nesse sentido, não cabe ao tribunal pronunciar-se sobre pedidos acessórios que só poderiam ser considerados em caso de ser declarada a ilegalidade da liquidação.
Em todo o caso, o reembolso do imposto pago e o pagamento de juros indemnizatórios configuram-se uma consequência da anulação administrativa, tal como resulta do disposto no citado artigo 172.º do CPA, que impõe à Administração o dever de reconstituir a situação que existiria se os atos anulados não tivessem sido praticados.
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DECISÃO
Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral:
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Julgar extinta a instância; e
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
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VALOR DA CAUSA
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €139.331,31 indicado no PPA pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
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CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em € 3.060,00, ficando as mesmas totalmente a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de Novembro de 2023
O Presidente do Tribunal Arbitral,
Carlos Alberto Fernandes Cadilha
O Árbitro Adjunto, relator,
Gonçalo Estanque
O Árbitro Adjunto,
Manuel Lopes da Silva Faustino
[1]In Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555.