Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 531/2023-T
Data da decisão: 2023-11-30  IRS  
Valor do pedido: € 67.623,80
Tema: IRS - Revogação do acto objeto do pedido de pronúncia arbitral. Impossibilidade ou inutilidade superveniente. Responsabilidade por custas.
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SUMÁRIO

  1. Tendo a Requerida revogado o acto de liquidação impugnado, dando satisfação à pretensão que a Requerente formulara, dá-se a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
  2. Notificado o Tribunal Arbitral da revogação do acto após a sua constituição, ficam as custas a cargo da Requerida.

 

Decisão Arbitral

 

  1. Relatório

A... (Requerente), portadora do NIF..., com domicílio fiscal na Rua ..., n.º ..., ...,...-..., ..., Mafra, apresentou no CAAD, em 19 de Julho de 2023, um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 68.º, n.º 1, 70.º, n.º 1, e 102.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), dos ns. 1 e 5 do artigo 57.º da Lei Geral Tributária (LGT), do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 140.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

Era Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (Requerida ou AT), que foi notificada em 20 de Julho de 2023.

Não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, o Conselho Deontológico designou como Árbitros o Prof. Doutor Victor Calvete (Árbitro Presidente), o Dr. Fernando Miranda Ferreira e o Dr. Paulo Ferreira Alves (Árbitros Adjuntos).

Em 6 de Setembro de 2023, as partes foram devidamente notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de as recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou regularmente constituído em 26 de Setembro de 2023.

Em 3 de Outubro de 2023 foi proferido despacho convidando a AT “a apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional no prazo de 30 dias, nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do RJAT (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), sendo aplicável o disposto no seu n.º 2”, mas, em vez disso, a 10 desse mês, a Requerida veio ao processo “requerer a junção do ato de revogação consubstanciado no despacho de 09/10/2023”.

Nesse seguimento, foi, em 6 de Novembro seguinte, proferido Despacho convidando a Requerente a pronunciar-se, querendo, sobre a inutilidade superveniente da lide.

Não tendo havido resposta, cumpre retirar as consequências jurídicas do relatado.

 

  1. Verificação dos pressupostos

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e era competente para se pronunciar sobre o mérito da questão suscitada.

O pedido de pronúncia arbitral era tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, contado da data da presunção do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o acto tributário (presunção do indeferimento essa que, nos termos dos ns. 1 e 5 do artigo 57.º da LGT, ocorre passados quatro meses da sua apresentação).

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT e art.ºs 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

  1. Matéria de Facto Relevante para a Decisão e sua Fundamentação

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se dão como assentes e provados:

  1. A Requerente foi notificada do acto de liquidação de IRS n.º 2022..., no valor de € 67.623,80 (sessenta e sete mil e seiscentos e vinte e três euros e oitenta cêntimos).
  2. A Requerente optou por fazer o pagamento dessa importância em 22 de Agosto de 2022, conforme Doc. 5 junto com o PPA.
  3. Em 29 de Dezembro de 2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação referido em a., conforme Doc. 6 junto com o PPA.
  4. Em 19 de Julho de 2023, a Requerente apresentou o seu pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, com vista à anulação da referida liquidação de IRS, conforme registo de entrada no Sistema de Gestão Processual do CAAD.
  5. A AT foi notificada da apresentação do pedido de pronúncia arbitral por correio eletrónico de 20 de Julho de 2023, conforme registo no Sistema de Gestão Processual do CAAD.
  6. Por despacho de 9 de Outubro de 2023, por Despacho da Senhora Subdirectora-Geral com competência delegada, foi revogado o acto recorrido, conforme documento junto aos autos pela AT no dia seguinte.

 

  1. Questão de Direito

A questão decidenda circunscreve-se à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide com a consequente repercussão no pagamento das custas arbitrais.

Resulta da factualidade exposta que o pedido arbitral tinha por objecto o acto de liquidação de IRS n.º 2022..., no valor de € 67.623,80 (sessenta e sete mil e seiscentos e vinte e três euros e oitenta cêntimos), acto esse que a AT veio a revogar integralmente na pendência dos presentes autos, mas para lá do prazo de 30 dias que o n.º 1 do artigo 13.º do RJAT prevê para a “revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada”.

Como se escreveu na decisão do processo n.º 30/2023-T,

Coloca-se em primeiro lugar a questão de saber se o ato de revogação é tempestivo, se a AT procedeu em tempo na pendência de processo arbitral, à anulação administrativa do ato tributário (vis-à-vis o artigo 13.º, n.º 1, do RJAT).

Os Tribunais Arbitrais constituídos junto do CAAD têm-se pronunciado no sentido afirmativo (cfr. Decisão Arbitral de 16.11.2018, no processo n.º 215/2018-T; Decisão Arbitral de 17.6.2019, no processo n.º 60/2019-T; Decisão Arbitral de 7.10.2019, no processo n.º 268/2019-T).

Sendo certo que não está vedada à AT a anulação administrativa de ato de liquidação já na pendência de processo arbitral, tal anulação “só pode ter lugar até ao encerramento da discussão” (cfr. 168.º, n.º 3, do CPA), o que se entende, no processo arbitral, ser até ao momento em que as partes produzam alegações orais, ou ao termo do prazo para alegações escritas, ou o termo da fase dos articulados quando as partes tenham dispensado as alegações finais (cfr. Decisão Arbitral de 17.6.2019, no processo n.º 60/2019-T).

            Uma vez que no caso dos autos a revogação do acto ocorreu em fase processual anterior ao encerramento da discussão – aliás, anterior ao seu início, uma vez que antecedeu/substituiu a Resposta da AT – o decurso do processo arbitral não constitui entrave à revogação. Ora, operada esta, dá-se a inutilidade superveniente da lide, se é que não a sua impossibilidade.

Escreveu-se no Acórdão do STA de 8 de Junho de 2022, proferido no processo n.º 02321/17.4BEPRT:

De acordo com a doutrina e a jurisprudência a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo ou, por outro lado, porque encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a causa deixa de interessar - além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/01/2013, rec.1208/12; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/11/2019, rec.873/07.6BELSB; José Lebre de Freitas e Outro, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 4ª. Edição, Almedina, 2021, pág.561 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.307 e seg.).

Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente.

É esse o caso dos autos porque as consequências indemnizatórias do indevido pagamento do montante de imposto exigido pela AT à Requerente estão previstas na lei – e, de resto, foram contempladas na Informação que serviu de suporte à revogação do acto nos seguintes termos:

25. Finalmente, no que tange aos juros indemnizatórios, afigura-se imprescindível apelar à norma contida no artigo 43º, nº 1 da LGT:

Artigo 43.º Pagamento indevido da prestação tributária

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

26. Sendo manifesta a violação de lei, é entendimento dos serviços determinar o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, por pagamento indevido de imposto, tendo em mente os valores deferidos, resultantes das nossas considerações precedentes.

 

Quanto à responsabilidade pelas custas:

 Nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT), nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, “a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”.

Dado que a AT apenas comunicou aos autos a revogação do acto de liquidação objecto do presente processo arbitral após a data de constituição do Tribunal Arbitral (i.e., para além do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT), e uma vez que tal revogação deu satisfação à pretensão que o Requerente deduziu em juízo, conclui-se que é sobre ela que recai a responsabilidade pelas custas.

 

  1. Decisão

De harmonia com o exposto, acorda o presente Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar extinta a instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, por a anulação do acto de liquidação de IRS n.º 2022... ser já impossível e, em qualquer caso, destituída de efeitos úteis.
  2. Condenar a Requerida ao pagamento integral das custas, nos termos fixados infra.

 

  1. Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 67.623,80 (sessenta e sete mil e seiscentos e vinte e três euros e oitenta cêntimos), correspondente ao valor da liquidação e do pagamento efectuado.

 

  1. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2 448.00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Notifiquem-se as Partes.

Lisboa, 30 de Novembro de 2023

                                                      Árbitro presidente e relator                        

 

Victor Calvete

 

Árbitro Adjunto

 

Fernando Miranda Ferreira

 

Árbitro Adjunto

 


Paulo Ferreira Alves