Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 503/2023-T
Data da decisão: 2023-11-17  ISV  
Valor do pedido: € 2.393,65
Tema: ISV - Artigo 8º do CISV – Conformidade com o artigo 110º do TFUE – Veículos usados provenientes de outros Estados-Membros.
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DECISÃO ARBITRAL

    

Sumário

1. O artigo 110.º do TFUE estabelece a impossibilidade de fazer incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente sobre produtos nacionais similares.    

2. Conforme decidiu o TJUE, a nova redacção introduzida pelo artigo 391.º, da Lei 75-B/2020, de 31 de Dezembro, ao artigo 8.º, do CISV viola o artigo 110.º do TFUE ao ser aplicada a veículos introduzidos no consumo noutro Estado-Membro antes da sua entrada em vigor.    

3. É com base no conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União, que devemos aplicar correctamente no tempo a taxa intermédia constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV: (a) entre 2015 e 2020 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-membro da União Europeia; (b) a partir de 2021 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-membro da União Europeia.

 

 

I. Relatório

1. No dia 10-7-2023, o sujeito passivo A..., Lda, NIPC..., com sede na ...,  ...-... Vila Real, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa nº ...2023... de 2023 (Estância Aduaneira - Alfândega de Braga) e da liquidação adicional nº 2022/..., com base na DAV 2021/... (Estância Aduaneira - Delegação Aduaneira Peso da Régua) no valor de € 2.393,65 referente ao veículo Mercedes-Benz, matrícula ... .

2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, disso notificando as partes.

3. O Tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

4. Os fundamentos que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, os seguintes:

4.1. Em 07/07/2021, foi dado início ao processo de regularização do veículo de marca Mercedes-Benz, modelo E300de, com matrícula francesa... (matrícula portuguesa...), ligeiro de passageiros, usado, modelo 212, híbrido, movido a electricidade e  gasolina, cilindrada 1950 cc, conforme DAV n.º 2021... .

4.2. Da regularização supramencionada resultou a liquidação de ISV, no montante de € 782,45, o qual foi pago pela Requerente.

4.3. Posteriormente foi emitida a liquidação adicional n.º 2022/..., no montante de € 2.393,65 € - e respetiva DAV, paga a 15/12/2022.

4.4. Foi, assim, liquidado o montante total de 3.129,80 €, a título de ISV.

4.5. Não conformada com a situação, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação adicional de ISV, à qual foi atribuída o n.º ...2023....

4.6. A Reclamante foi notificada, na pessoa da sua mandatária, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, através de carta registada com aviso de recepção, no dia 10/04/2023.

4.7. O indeferimento da reclamação baseou-se em a Autoridade Tributária entender que não assistia razão à Requerente na sua pretensão de anulação da liquidação adicional de ISV pela regularização do veículo.

4.8. O veículo em questão é um veículo de marca Mercedes-Benz, modelo E300de, equipado com motor híbrido plug-in, elétrico e combustível (gasóleo), com um valor de emissão de gases CO2 de 40g/km e uma autonomia no modo elétrico, de acordo com o certificado de conformidade da marca, de 48 km.

4.9. Nesse sentido, a Autoridade Tributária liquidou o ISV pela regularização do mesmo Portugal nos termos da Tabela A, prevista no artigo 7.º, do Código do ISV (doravante “CISV”), aplicando a totalidade da taxa de ISV à operação.

4.10. Ora, o artigo 8.º do CISV prevê as situações de aplicação de taxa intermédia de ISV, da qual se destaca a alínea d) do n.º 1, que estabelece que, no que diz respeito aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gramas de CO2/km, é aplicada a taxa de 25% ao valor determinado pelo recurso à Tabela A.

4.11. A referida redacção entrou em vigor com a aprovação da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, diploma que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021.

4.12. A redacção anterior (Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro), que esteve em vigor entre 2015 e 2020, previa uma taxa de 25% para os automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede eléctrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 km.

4.13. Ora, apesar da data da primeira matrícula do veículo aqui em questão ser de 2019, conforme confirmou a Autoridade Tributária na decisão do procedimento de reclamação graciosa, foi aplicada a redacção em vigor à data da regularização do veículo em Portugal, e não a data da introdução no consumo do veículo em França.

4.14. Tal interpretação constitui uma violação do princípio da não discriminação do Direito da União Europeia, presente no artigo 110.º do TFUE.

4.15. Efectivamente, estabelece o artigo 110.º do TFUE, que nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.

4.16. Por sua vez, o CISV define, no seu artigo 5.º, como facto gerador de ISV o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.

4.17. Sendo que é entendido por “admissão”, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-membro da União Europeia em território nacional.

4.18. Ora, uma interpretação atualista do artigo 5.º, do CISV, permite concluir que a redacção efectivada pela aprovação da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro apenas se aplica aos factos geradores verificados na data posterior a 1 de janeiro de 2021.

4.19. Sendo que a admissão de veículos tributáveis em território nacional envolve todo o veículo que tenha sido adquirido em espaço da União Europeia.

4.20. Nesse sentido, e por força do princípio do primado do Direito da União Europeia, será necessário conciliar as normas internas com o Direito da União Europeia, nomeadamente o direito à livre circulação de mercadorias.

4.21. Estabelece o artigo 28.º, n.º 1, do TFUE, que a União Europeia compreende uma união aduaneira que abrange a totalidade do comércio de mercadorias e implica a proibição, entre os Estados-Membros, de direitos aduaneiros de importação e de exportação e de quaisquer encargos de efeito equivalente, bem como a adoção de uma pauta aduaneira comum nas suas relações com países terceiros.

4.22. Tem sido entendido pela jurisprudência do TJUE que o princípio da liberdade de circulação de mercadorias comporta uma dupla proibição:

  1. Proibição dos encargos de efeito equivalente, no sentido em que os mesmos incidam especificamente sobre um produto importado de outro Estado-Membro e não sobre o produto nacional similar, com o potencial de influenciar a livre circulação de forma semelhante a um direito aduaneiro;
  2. Proibição das medidas de efeitos equivalente a restrições quantitativas, no sentido em que qualquer regulamentação comercial aplicada pelos Estados-Membros que seja suscetível de entravar, efectiva ou potencialmente, o comércio intracomunitário deve ser considerada uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, proibida pelos artigos 34.º e 35.º, do TFUE.

4.23. Este entendimento já foi previamente veiculado no processo n.º 382/2022-T, do CAAD.

4.24. Como tal, deve ser empregue um conceito de facto gerador de imposto, em sede de ISV, de cariz não discriminatório.

4.25. Ora, estando determinado que, de modo a não violar o princípio da não discriminação do Direito da União Europeia, deverá ser aplicado o conceito de facto gerador não discriminatório, o que significa que será considerado como facto gerador, não a introdução no consumo do veículo em Portugal, mas sim a sua introdução no consumo em qualquer Estado-Membro da União Europeia.

4.26. Deste modo, e sendo a primeira matrícula do veículo aqui em crise datada de 2019, significa que o mesmo foi inserido no consumo em França, Estado-Membro da União Europeia, no ano de 2019.

4.27. Em 2019, encontrava-se em vigor a redação do CISV que previa a aplicação da taxa intermédia de 25% do valor apurado de acordo com a Tabela A do artigo 7.º, do CISV, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 km.

4.28. Como tal, a liquidação de ISV pela regularização do veículo deveria ter ocorrido à taxa intermédia de 25%, prevista na antiga redacção do artigo 8.º, n.º 1, alínea d), do CISV.

4.29. Ora, a decisão da reclamação graciosa, que manteve na ordem jurídica a liquidação adicional aqui em crise, a qual aplicou o artigo 8.º do CISV na versão de 2021, e não na versão em vigor entre 2015 e 2020, foi efetuada em desconformidade com a lei nacional e o Direito Europeu, violando o disposto nos artigos 110.º do TFUE e o artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa.

4.30. Ao decidir em sentido contrário aos referidos normativos, a AT incorreu, em ilegalidade, inquinando a decisão da reclamação e a liquidação adicional em vício de violação de lei.

4.31. Pelo exposto, deve a reclamação graciosa, bem como a liquidação adicional, ser anuladas e reconhecido o direito à aplicação da taxa intermédia de 25% constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV na redação dada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31/12, com as legais consequências.

4.32. Nos termos do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando exista erro imputável aos serviços, pelo que, com o deferimento da pretensão da Requerente, esta tem direito, para além da devolução dos montantes pagos em excesso (€ 2.393,65), a ser ressarcida dos juros vencidos e vincendos desde a data de pagamento até integral liquidação.

5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:

5.1. O presente pedido de constituição de tribunal arbitral vem interposto para declaração de anulação do acto de liquidação adicional de Imposto Sobre Veículos resultante da introdução no consumo de um veículo ligeiro de passageiros equipado com motor híbrido plug-in, através da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2021/..., de 07.07.2021 (data de aceitação), da delegação Aduaneira de Peso da Régua, na sequência do ofício da Alfândega de Braga, que notificou, em 10.04.2023, a requerente, do despacho, de 05.012.2022, do Director daquela alfândega,  que indeferiu a reclamação graciosa dessa liquidação interposta pela requerente, em 16.11.2022, e que determinou a liquidação oficiosa adicional de ISV.

5.2. A Requerente impugna a liquidação do imposto por entender que a nova redação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do Imposto sobre Veículos, que lhe foi dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, não se aplica a um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado-Membro antes da data de entrada em vigor daquela norma, existindo uma violação do Direito Europeu, em concreto dos artigos 26.º, e 28.º a 37.º e 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia.

5.3. E defendendo que a liquidação do Imposto sobre Veículos deveria ter beneficiado da redacção anterior do n.º 1 do artigo 8.º, com aplicação da taxa intermédia prevista na alínea d), vem, a final, peticionar a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação de ISV, e que seja a liquidação de ISV rectificada, devendo ser a Autoridade Tributária condenada a restituir o montante de 2.393,65€ que foi pago pela requerente na totalidade.

5.4. Decorre do Pedido de pronúncia arbitral (PPA) que a Requerente requer a constituição do Tribunal Arbitral com vista à aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código de Imposto sobre Veículos na redação que vigorava antes da versão actual, introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2021 – Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro.

5.5. Sendo expressamente referido que a Requerente pretende a restituição de quantia a que alegadamente teria direito por beneficiar da taxa prevista na redacção anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código de Imposto sobre Veículos (CISV).

5.6. Pelo que, resulta clara a pretensão da Requerente, conforme formulado no PPA, já que visa unicamente o reconhecimento do direito à aplicação de taxa reduzida, ao invés da liquidação efetuada nos termos gerais, não sendo o acto decorrente da aplicação das taxas normais, que a Requerente quer, efectivamente, impugnar, antes pretendendo usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 8.º do CISV, com o objectivo de afastar a tributação regra.

5.7. Ora, tal pedido não pode, face à lei, ser submetido à presente instância arbitral pois o processo arbitral apenas abrange os atos susceptíveis de impugnação judicial, isto é, os abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.

5.8. De facto, no âmbito da competência dos tribunais arbitrais, constituídos ao abrigo do RJAT, não se inclui a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros actos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação.

5.9. Resulta do RJAT que a competência desta jurisdição se resume ao seguinte:

-  Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamentos por conta, e

-  Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

5.10. Logo, o peticionado nos presentes autos não pode ter como causa de pedir e objecto a apreciação do não reconhecimento da aplicação de uma taxa reduzida ao acto de liquidação resultante da aplicação das taxas normais (tributação regra), sob pena de ocorrer a excepção (dilatória) de incompetência material do Tribunal Arbitral.

5.11. Deste modo, perante as normas supra invocadas, relativas à competência do tribunal arbitral, verifica-se a existência de excepção (dilatória) consubstanciada na incompetência material deste tribunal, que obsta ao conhecimento do pedido e determina a absolvição da Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

5.12. Caso não se entenda que o Tribunal arbitral é incompetente em razão da matéria nos termos supra invocados, sempre teria que ser considerada a incompetência material absoluta da instância arbitral por outra via.

5.13. Efetivamente, conforme resulta do pedido formulado, pretende a Requerente que a liquidação efetuada nos termos do artigo 7.º e do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, seja parcialmente anulada sem, contudo, invocar qualquer ilegalidade que resulte da não aplicação da lei em vigor, visando, outrossim, uma nova liquidação que aplique um benefício (redução de taxa/taxa intermédia) que nem sequer está consagrado no CISV para o veículo da Requerente, visto não preencher os requisitos previstos para o efeito.

5.14. Nesta medida, pugnando a Requerente pela realização de uma segunda liquidação, que viria substituir a anterior, a qual sendo válida, não lhe pode ser assacado qualquer vício, visa, concomitantemente, que a Requerida adopte um comportamento consistente na realização de um novo acto de liquidação.

5.15. E, nesta medida, o meio processual próprio face à omissão do dever de proceder à liquidação substitutiva, seria o “Reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”, em conformidade com o previsto no artigo 145.º do CPPT, uma vez que não está em causa a “intimação para um comportamento do seu direito”, a qual não resulta diretamente da lei.

5.16. Ora, tal atribuição não cabe no elenco das competências do tribunal arbitral, descrito no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, o qual se restringe, como se referiu, à declaração de ilegalidade de actos de liquidação previstos nas alíneas a) e b), isto é, à mera apreciação de legalidade.

5.17. Termos em que se conclui que, face à incompetência material absoluta do tribunal arbitral, deve a Requerida ser absolvida da instância, nos termos dos artigos 16.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT, 99.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º alínea a), do CPC.

5.18. Resulta dos elementos do Processo Administrativo, constituído pelo procedimento atinente à introdução no consumo do veículo automóvel declarado através da Declaração Aduaneira de Veículo acima identificada, e pelo processo de reclamação graciosa nº ...2023..., da Delegação Aduaneira de Peso da Régua/Alfândega de Braga, que determinou a liquidação adicional oficiosa de ISV, que foi declarado o veículo ligeiro de passageiros, com as características descritas na declaração, e nos demais documentos, tratando-se de veículo proveniente de outro Estado-membro.

5.19. A liquidação do Imposto Sobre Veículos (ISV) assenta nos elementos declarados e características físicas e técnicas do veículo constantes da respetiva documentação, tendo sido, para o efeito, aplicadas as disposições do Código do Imposto sobre Veículos (CISV) atinentes às taxas em vigor, incidência, facto gerador e exigibilidade do imposto.

5.20. De acordo com a DAV foi declarado o veículo da marca Mercedes Benz, modelo 212, equipado com motor híbrido plug-in, eléctrico e combustível (gasóleo).

5.21. E relativamente ao veículo em causa, constata-se, quanto à autonomia no modo eléctrico, que, de acordo com o respetivo certificado de conformidade da marca, aquela é de 48 Km, apresentando 40 g/km de emissão de gases CO2.

5.22. Tratando-se de veículo proveniente de outro Estado-membro, foi ainda objecto de atribuição de matrícula nacional (...), conforme resulta da informação constante da documentação do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (IMT).

5.23. O cálculo do imposto foi efectuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos da tabela A do artigo 7.º e tabela D do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas as taxas normais, previstas para os veículos ligeiros de passageiros usados de acordo com as características dos veículos (cf. Quadro R da DAV).

5.24. Do campo T da DAV consta a identificação do ato de liquidação inicial..

5.25. Em 10.04.2023, foi a requerente notificada do despacho do Diretor da Alfândega de Braga que determinou a liquidação adicional oficiosa de ISV, e respetivos fundamentos (acto de liquidação n.º 2022/..., de 07.12.2022, no valor de 2.393,65 €, a título de ISV).

5.26. Com efeito, na sequência da monitorização ao valor da autonomia da bateria dos veículos ligeiros de passageiros híbridos plug in declarados nas DAVs apresentadas no ano de 2021, constatou-se um lapso no preenchimento do campo 52 da DAV, que originou um erro no cálculo do ISV, que veio a determinar uma liquidação adicional de ISV, no montante de 2.393,65 Euros, montante que foi pago pela requerente em 15.12.2022, tendo a requerente apresentado reclamação graciosa em 16.11.2022, que foi indeferida em 5.12.2022 e notificada à requerente em 10.04.2023.

5.27. A Requerente apresentou, em 10.07.2023, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, peticionando a declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação do Imposto sobre Veículos (ISV) resultante da introdução no consumo de um veículo ligeiro de passageiros, equipado com motor híbrido “plug-in”, através da declaração aduaneira de veículos (DAV) nº2021/..., de 17.12.2022, praticado pelo Chefe da Delegação Aduaneira do Peso da Régua/ Alfândega de Braga.

5.28. Sendo que, quanto à exigibilidade, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 6.º, com referência ao n.º 1 do artigo 5.º, o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada:

«a) No momento da apresentação do pedido de introdução no consumo pelos operadores registados e reconhecidos;

b) No momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares.

2 - Nos casos mencionados no n.º 2 do artigo anterior considera-se verificada a introdução no consumo no momento da ocorrência do facto gerador do imposto ou, sendo este indeterminável, no momento da respectiva constatação.

3 - A taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível».

5.29. Consagrando o artigo 8.º, com a epígrafe “Taxas intermédias – automóveis”, a aplicação de taxas intermédias nos seguintes termos:

«1- É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

a) 60%, aos automóveis ligeiros de passageiros que se apresentem equipados com motores híbridos, preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, quer de energia elétrica ou solar quer de gasolina ou de gasóleo, desde que apresentem uma autonomia em modo elétrico superior a 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km.

b) 40%, aos automóveis ligeiros de utilização mista, com peso bruto superior a 2500 kg, lotação mínima de sete lugares, incluindo o do condutor, e que não apresentem tração às quatro rodas, permanente ou adaptável;

c) 40%, aos automóveis ligeiros de passageiros que utilizem exclusivamente como combustível gás natural;

d) 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km». (Redação dada pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro).

5.30. Relativamente à constituição do direito aos benefícios fiscais, nos quais se incluem as “reduções de taxas” previstas no artigo 8.º do CISV, dispõe o artigo 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que "o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo".

5.31. O ISV não é um imposto harmonizado na União Europeia (UE), não se encontrando, assim, o seu regime, regulamentado ao nível europeu, como ocorre relativamente aos impostos especiais de consumo incidentes sobre outros produtos (álcool e bebidas alcoólicas, tabacos e produtos petrolíferos e energéticos), nem existindo, de qualquer modo, como, aliás, até sucede no caso dos impostos incidentes sobre o consumo harmonizados, harmonização das taxas em sede de ISV, não estando sujeitas ao princípio do primado do Direito da UE.

5.32. Com efeito, a fiscalidade automóvel não está harmonizada na UE (divergindo consideravelmente de um Estado-Membro para outro) incumbindo aos Estados-Membros gerirem da melhor forma a tributação incidente sobre os veículos novos sem matrícula e/ou portadores de matrículas estrangeiras (usados), pautando-se por critérios e opções de vária ordem, tendentes a satisfazer resultados e necessidades, designadamente, quer ao nível do ambiente, da receita fiscal e da segurança rodoviária.

5.33. Os Estados-Membros são, assim, livres de exercer a sua competência fiscal e é neste pressuposto que, como na situação em apreço, a admissão dos veículos em Portugal está sujeita ao pagamento do imposto e à atribuição de matrícula nacional, sendo que esta última constitui requisito essencial para a circulação do veículo no Estado-Membro onde irá ser realmente utilizado, no caso em Portugal.

5.34. Sendo que, de acordo com o n.º 1, do artigo 5.º do CISV, supracitado, constitui facto gerador do imposto a admissão de veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.

5.35. Logo, a introdução no consumo de um veículo efectuada num outro Estado-Membro, que se quer regularizar agora em território nacional, não pode relevar ou ser considerada, como é pretendido pelo Requerente, para efeitos de constituição de facto gerador de imposto, na acepção do n.º 1 do artigo 5.º do CISV.

5.36. Assim, tendo o facto tributário como base o facto gerador e a apresentação de DAV efectuada em 2021, na data acima indicada, a verificação dos pressupostos para efeitos da aplicabilidade da taxa reduzida de 25% deve reportar-se àquele ano, independentemente de o veículo em causa ter obtido a primeira matrícula em ano anterior noutro Estado-Membro da UE.

5.37. Não podendo, pois, em 2021, vir a ser concedido um benefício fiscal (redução de taxa) a automóveis ligeiros de passageiros que não reúnam (como se verifica no caso em apreço) os requisitos e condicionalismos exigidos na lei aplicável em vigor (ínsita na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV) à data da introdução no consumo em Portugal.

5.38. Na verdade, o veículo em causa, não obstante esteja equipado com motor híbrido plug-in não possui, como é exigido na norma de isenção em vigor, cumulativamente, uma autonomia, no modo elétrico, de 50 km, embora tenha emissões oficiais inferiores a 50 g CO2km.

5.39. Quanto à alusão a uma hipotética colisão com os princípios “da liberdade de circulação de mercadorias” e “de não discriminação”, não se vislumbra em que medida, e de que forma, em concreto, a existência de um imposto interno sobre os veículos e sua legislação nacional, mormente os artigos 5.º e 8.º do CISV, colidem com o estabelecido, desde já, nos artigos 26.º e 28.º do TFUE.

5.40. Não constituindo um entrave à circulação o facto de um veículo que foi introduzido e declarado num Estado-Membro, ser posteriormente introduzido noutro Estado-Membro, como ocorreu no caso vertente, em Portugal, relativamente ao veículo em causa, o mesmo sucedendo no caso de um veículo nacional que fosse admitido noutro país da União Europeia.

5.41. Não existindo acórdão do TJUE, enquanto guardião do Direito da União Europeia, que se tenha pronunciado no sentido de que o facto gerador, tal como se encontra definido na legislação nacional, ou na de outro Estado-Membro, viola os artigos 26.º e 28.º a 37.º e 110.º do TFUE, nem tampouco um conceito definido pelo direito da União para ser aplicado a todo o território da UE, porquanto, como é do conhecimento geral, ainda não existe uma harmonização no âmbito da tributação automóvel.

5.42. Deste modo, não assiste razão à Requerente quando pretende vincular o nascimento da obrigação tributária, retroagindo, ao arrepio da lei, a situação geradora de imposto ao momento da atribuição da matrícula pelo Estado-Membro de proveniência, ou seja, a um momento temporal anterior à real verificação de todos os pressupostos legalmente previstos, apenas no intuito de usufruir de um benefício fiscal (redução de taxa) que à data da entrada do veículo no território nacional já não se encontrava em vigor.

5.43. Contudo, subsistindo dúvidas quanto à interpretação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, face ao Direito da União Europeia, designadamente quanto ao disposto no artigo 110.º do TFUE, deverá o Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para uma interpretação à luz do TFUE, no sentido de saber se uma norma como a constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, relativa a uma isenção parcial (redução de taxa), a aplicar a todos os veículos ligeiros de passageiros, nacionais e de outros Estados-membros, que não faz depender a aplicação do benefício do ano da 1ª matrícula, mas da verificação das condições nela previstas, viola os princípios que regulam o mercado interno, designadamente o seu artigo 110.º do TFUE.

5.44. O que, aliás, ocorreu no Proc. 700/2021-T, perante a aplicação da mesma questão de direito, tendo sido efectuado o reenvio a título prejudicial para o TJUE, encontrando-se suspensa a instância.

5.45. O direito a juros indemnizatórios, consagrado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária, pressupõe que se apure a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

5.46. Ora, a liquidação em causa nos presentes autos decorreu exclusivamente da aplicação da lei em vigor, tendo sido efectuada nos termos das normas aplicáveis, previstas no CISV, que determinam a exigibilidade e consequente liquidação do imposto, não podendo ter agido de modo diverso, não devendo, consequentemente, ser-lhe atribuído qualquer erro que lhe seja imputável, nos termos do artigo 43.º da LGT.

6. Em 19/9/2023 foi proferido despacho arbitral, convidando a Requerente a pronunciar-se sobre a excepção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral apresentada pela Requerida.

7. Em 3/10/2023 a Requerente respondeu, sustentando não ter fundamento a excepção invocada pela Requerida, uma vez que aquilo que é pretendido pela Requerente é, efectivamente, a declaração de ilegalidade (da decisão de indeferimento da reclamação graciosa) e da liquidação adicional, o que se inclui na competência dos Tribunais Arbitrais instalados no CAAD.

8. Em 4/10/2023 foi proferido despacho arbitral dispensando a reunião prevista no art. 18º do RJAT, por não estarem preenchidos os pressupostos da mesma, bem como a produção de alegações pelas partes, dado estarem claras as suas posições nos articulados.

 

II – Factos provados

9. Com base na prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

9.1. Em 07/07/2021 a Requerente apresentou a Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) nº 2021/... (Alfândega do Freixieiro) referente ao veículo de marca Mercedes-Benz, modelo E300de, com matrícula francesa ... (matrícula portuguesa ...), ligeiro de passageiros, usado, modelo 212, híbrido, movido a electricidade e  gasolina, cilindrada 1950 cc.

9.2. O valor da liquidação de ISV correspondente à referida DAV, no montante de € 782,45 foi integralmente pago pelo Requerente.

9.3. Em 28/10/2022 foi a Requerente notificada, através do ofício n.º ... de 24/10/2022, de que, na sequência da monitorização das declarações aduaneiras de veículos-DAV, apresentadas no ano de 2021, foi elaborado um projecto de conclusões no qual a Delegação Aduaneira de Peso da Régua informa o operador registado da intenção de proceder à liquidação oficiosa de 2.347,35 € de imposto sobre veículos (ISV), acrescidos dos correspondentes juros compensatórios.

9.4. Em sede de audiência prévia, a Requerente pronunciou-se em 16/11/2022 no sentido de que a nova redacção do art. 8º do CISV, ao tratar de forma desigual um veículo matriculado originariamente noutro Estado-Membro, contraria o art. 110º do TFUE.

9.5. Foi emitida a liquidação adicional de ISV e juros compensatórios n.º 2022/..., no montante de € 2.393,65 € - e respectiva DAV, a qual foi paga pelo Requerente a 15/12/2022.

9.6. Não conformada com a situação, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação adicional de ISV e juros compensatórios, à qual foi atribuída o n.º ...2023... .

9.7. A Requerente foi notificada, na pessoa da sua mandatária, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, através de carta registada com aviso de recepção, no dia 10/04/2023.

9.8. A Requerente apresentou, em 10.07.2023, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral.

 

III - Factos não provados

10. Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.

 

IV - Do Direito

11. São as seguintes as questões a examinar no presente processo.

- A incompetência absoluta do Tribunal Arbitral.

- A necessidade de desencadear o reenvio prejudicial junto do TJUE

- A ilegalidade da liquidação de ISV.

- O direito a juros indemnizatórios.

Examinar-se-ão assim essas questões:

 

DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL ARBITRAL.

12. Sustenta a Requerida que a Requerente pretende o reconhecimento de um benefício fiscal ou a emissão de nova liquidação de ISV, pelo que a sua pretensão extravasaria da competência dos tribunais arbitrais, constituídos ao abrigo do RJAT, uma vez que no art. 2º, nº1, deste diploma não se inclui a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros actos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação.

A verdade, no entanto, é que o pedido do Requerente,  conforme resulta expressamente da sua petição inicial é o de que "a decisão da reclamação graciosa deve ser anulada, com a consequente anulação total do ato de liquidação adicional de ISV, por vício de violação de lei" e que "em consequência da anulação da liquidação, a Autoridade Tributária e Aduaneira deverá ser condenada a restituir à Requerente o montante de imposto ilegalmente pago, acrescido de juros indemnizatórios, vencidos e vincendos".

Nos termos do art. 2º, nº1, a) do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD compreende a apreciação das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, enquadrando-se consequentemente o pedido formulado no âmbito da competência deste Tribunal Arbitral.

Nestes termos, julga-se improcedente a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral.

 

DA NECESSIDADE DE REENVIO PREJUDICIAL PARA O TJUE

13. Solicitou a Requerida que, caso o Tribunal Arbitral assim o entendesse, fosse desencadeado o reenvio prejudicial junto do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), uma vez que estaria em causa uma questão de Direito da União Europeia.

Só que, conforme também refere a Requerida, no processo 700/2021-T deste CAAD, perante a aplicação da mesma questão de Direito, foi efectuado em 23 de Maio de 2022 o reenvio prejudicial ao TJUE, o qual levou à prolação por esse Tribunal do Acórdão de 16 de Novembro de 2023, preferido no processo C-349/22.

Em consequência de ter sido proferido este douto Acórdão, não considera o Tribunal Arbitral necessário desencadear mais uma vez o processo de reenvio prejudicial junto do TJUE.

 

DA ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO DE ISV.

14. O art. 110º do Tratado de Funcionamento da União Europeia  dispõe expressamente o seguinte:

"Nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções".

Conforme se referiu, sobre um processo idêntico que correu neste CAAD foi colocada ao TJUE) em 23 de Maio de 2022, no âmbito do processo de reenvio prejudicial, a seguinte questão prejudicial:

"O artigo 110.° [TFUE] opõe‑se a que norma do direito nacional ‑ constante da alínea d) do n.° 1 do artigo 8.° do [Código do Imposto sobre Veículos] ‑ que concede desagravamento para 25 % do [imposto], em benefício de veículos ligeiros de passageiros que cumpram determinados critérios ambientais, vigore e seja objeto de aplicação, na redação com início de vigência em 1 de janeiro de 2021, mais restritiva do que a até então vigente, tanto a veículos nacionais novos, como a veículos usados provenientes de outros Estados‑Membros da União Europeia, matriculados pela primeira vez em Portugal a partir dessa data, conferindo tratamento tributário igual entre tais veículos, mas resultando numa situação que pode ser tida como de desigualdade, entre veículos usados, com o mesmo tempo de uso, que cumpram os critérios ambientais menos exigentes anteriormente em vigor, mas não cumpram os da lei nova, consoante (a) tenham sido comercializados e matriculados originariamente em Portugal antes da data de entrada em vigor da nova redação, caso em que terão sido desagravados para 25 % do valor do imposto, o que se pode entender tender a refletir‑se no respetivo preço de transação como usados, ou (b) tenham sido matriculados noutro Estado‑Membro em data em que vigorava a redação anterior e sejam introduzidos no consumo em Portugal após aquela mesma data, caso em que suportam 100 % do valor do imposto?"

O TJUE, através do Acórdão de 16 de Novembro de 2023, preferido no processo C-349/22, respondeu a essa questão pela forma seguinte:

"O artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num Estado‑Membro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado‑Membro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro Estado‑Membro, se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o mesmo veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto que é incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional dos veículos usados".

Como fundamentação desta resposta, o TFUE sublinha o seguinte (cfr. considerandos 22 a 25 da decisão):

"22. O artigo 110.° TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência. Esta disposição visa eliminar todas as formas de proteção que possam resultar da aplicação de imposições internas, designadamente daquelas que são discriminatórias para produtos provenientes de outros Estados‑Membros (Acórdão de 14 de abril de 2015, Manea, C‑76/14, EU:C:2015:216, n.° 28). Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado [Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Portugal (Imposto sobre veículos), C‑169/20, EU:C:2021:679, n.° 34 e jurisprudência referida]. 

23. Em matéria de tributação dos veículos automóveis usados importados, o artigo 110.° TFUE visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que respeita à concorrência entre os produtos que já se encontram no mercado nacional e os produtos importados e, por conseguinte, obriga cada Estado‑Membro a escolher e a estruturar os impostos que incidem sobre os veículos automóveis de maneira a não terem por efeito favorecer a venda de veículos usados nacionais e desencorajar desse modo a importação de veículos usados similares (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.°56, e Despacho de 17 de abril de 2018, dos Santos, C‑640/17, EU:C:2018:275, n.°17). 

24. Ora, os veículos automóveis presentes no mercado de um Estado‑Membro são produtos nacionais desse Estado, na aceção do artigo 110.° TFUE. Quando esses produtos são vendidos no mercado dos veículos usados desse Estado‑Membro, devem ser considerados produtos similares aos veículos usados importados do mesmo tipo, com as mesmas características e com o mesmo desgaste. Com efeito, os veículos usados comprados no mercado do referido Estado‑Membro e os comprados, para importação e entrada em circulação no mesmo, noutros Estados‑Membros, constituem produtos concorrentes (Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.° 55, e Despacho de 17 de abril de 2018, dos Santos, C‑640/17, EU:C:2018:275, n.° 16). 

25. Assim sendo, existe uma violação do artigo 110.° TFUE sempre que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro exceder o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados em território nacional. Com efeito, tal situação pode favorecer a venda de veículos usados nacionais e desencorajar assim a importação de veículos usados similares (Acórdão de 19 de dezembro de 2013, X, C‑437/12, EU:C:2013:857, n.ºs 31 e 32 e jurisprudência referida)".

É assim manifesto que o art. 8º, nº1, d), do CISV, na redacção posterior à Lei 75-B/2020, de 31 de Dezembro, não se pode aplicar a veículos ligeiros de passageiros equipado com motor híbrido plug-in que tenham sido introduzidos no consumo noutros Estados-Membros da União Europeia, antes da entrada em vigor dessa Lei.

Efectivamente, uma vez que as normas do Direito da União Europeia, no caso o art. 110º TFUE, têm efeito directo e primado sobre o Direito Nacional, não pode o art. 8º, nº1, d) CISV contrariar aquela disposição. Ora, conforme sustenta o TJUE — que é a entidade com competência para a interpretação dos Tratados — existe uma clara violação do artigo 110.° TFUE sempre que, na data da introdução no consumo num Estado‑Membro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado‑Membro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo, se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o mesmo veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto que é incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional dos veículos usados, o que é o caso.

Nestes termos, torna-se claro que o normativo do artigo 8º, n.º 1, d) do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, é incompatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que sujeita os veículos usados provenientes de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior à do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional, o que consubstancia uma discriminação proibida pelo referido artigo do TFUE, e implica que, consequentemente, a norma do artigo 8º, n.º 1, d) do CISV seja ilegal, quando aplicada a veículos matriculados noutro Estado-Membro antes da sua entrada em vigor. 

Deste modo, deve considerar-se que o acto de liquidação de ISV e juros compensatórios impugnado encontra-se ferido de ilegalidade, devendo ser anulado, no valor peticionado de € 2.393,65, o que se determina.

 

- DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

12. A Requerente solicitou ainda o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43º da LGT.

Decorre do número 1 desse artigo que existe direito a juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

Podemos entender ainda que, como decorre do n.º 5 do art. 24.º do RJAT, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido em processo arbitral. Ter-se-á, no entanto, de determinar se houve ou não erro imputável aos serviços.

Ora, a Autoridade Tributária tinha pleno conhecimento da argumentação do Requerente no sentido da interpretação da incompatibilidade do art. 8º, nº1, d) do CISV com o art. 110º do TFUE, uma vez que o mesmo se pronunciou nesse sentido em sede de audiência prévia, devendo por isso ter aceite a reclamação graciosa apresentada pelo contribuinte.

Estamos assim, neste caso, perante uma actuação por parte da Autoridade Tributária, que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do art. 43º da LGT.

Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vide art. 43º, nº1 da LGT), entendemos que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor de € 2.393,65, que serão contados desde a data do pagamento desse montante, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.

 

V – Decisão

 

Nestes termos, julga-se procedente o pedido de anulação da decisão da reclamação graciosa n.º ...2023... e da liquidação adicional de ISV e juros compensatórios n.º 2022/..., no montante de € 2.393,65, anulando-se a referida liquidação.

Julga-se procedente o pedido de reembolso do ISV, acrescido dos componentes juros indemnizatórios, condenando-se a Requerida a pagar à Requerente a quantia de € 2.393,65, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios desde o pagamento indevido até que ocorra o reembolso.

Fixa-se ao processo o valor de € 2.393,65 e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 612,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, condenando-se a Requerida nas custas do processo.

 

Lisboa, 17 de Novembro de 2023

 

 

O Árbitro

 

 

 

(Luís Menezes Leitão)