Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 448/2023-T
Data da decisão: 2023-10-27  IVA  
Valor do pedido: € 6.113,55
Tema: IVA – Exclusão do direito à dedução. Prazo da revisão do acto tributário.
Versão em PDF

 

 Sumário:

I - O prazo aplicável para reclamação graciosa de autoliquidação de IVA com fundamento em erro de direito é de dois anos, nos termos do artigo 131.º, n.º 1, do CPPT.

II – Pode ser pedida a revisão oficiosa da autoliquidação de IVA no prazo de 4 anos no caso de o seu fundamento for erro imputável aos serviços.

III – Após a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, não se ficciona que o erro na autoliquidação é imputável aos serviços.

IV – As exclusões do direito à dedução previstas de IVA no artigo 21.º do CIVA, relativas a, aluguer de viaturas, combustível e portagens e outras despesas com viaturas , aplicam-se mesmo no caso de ser demonstrado que essas despesas foram efetuadas para a aquisição de bens e de serviços  utilizados para os fins das operações tributadas, inclusivamente quando as viaturas são utlizadas para fins publicitários.

V – As referidas exclusões do direito à dedução são compatíveis com o Direito da União Europeia, tendo sido autorizadas pela cláusula denominada de "congelamento" ou de standstill, prevista no art.º 17º n.º 6 da Sexta Diretiva [que corresponde ao capitulo 3, "limitações do direito à dedução", art.ºs 176.º e 177.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro, relativa ao sistema comum do IVA ("Diretiva IVA")], tendo sido uma opção do legislador nacional.

 

Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Magda Feliciano e Dr. Pedro Guerra Alves (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 30.08.2023, acordam no seguinte:

 

         

          1. Relatório

 

A..., S.A., sociedade anónima com sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa, titular do Número Único de Identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial..., B..., S.A., sociedade anónima com sede na ..., n.º ... ...-... Lisboa, titular do Número Único de Identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial..., C..., S.A., sociedade anónima com sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa, titular do Número Único de Identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial ..., D..., S.A., sociedade anónima com sede na Rua ..., ...-..., Aveiro, titular do Número Único de Identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial ... (doravante conjuntamente designadas por “Requerentes”), vêm, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das autoliquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) resultantes das declarações periódicas de IVA referentes aos períodos de tributação compreendidos entre dezembro de 2018 e dezembro de 2020 e, bem assim, das decisões de indeferimento proferidas no âmbito do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023... .

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante AT).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 21-06-2023.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 30-08-2023.

 

A AT apresentou resposta, em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

 

Em 10-10-2023, foi dispensada a produção de prova testemunhal e alegações e decidido que o processo prosseguisse para resposta à excepção invocada pela AT.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, em 30.08.2023 e é competente.

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades.

             

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:

 

  1. As Requerentes são sociedades comerciais anónimas de Direito português que integram o GRUPO E...;
  2. As Requerentes são sujeitos passivos de IVA enquadrados no regime normal de periodicidade mensal, procedendo à liquidação e entrega ao Estado do imposto devido pelos serviços por si prestados;
  3. No âmbito da prossecução da sua actividade, as Requerentes prestam serviços onerosos em território nacional, os quais, sempre que sujeitos e não isentos de IVA, conferem direito à dedução do imposto suportado;
  4. Em concreto, tais prestações de serviços respeitam: (i) a serviços de comunicações eletrónicas (designadamente, serviço de telecomunicações móveis, serviço de telefónico fixo, serviço de acesso à Internet sem fios, multimédia e comunicação, quer no segmento de consumo, quer no segmento empresarial); (ii) a serviços de desenvolvimento, construção, operação e manutenção de redes de comunicações eletrónicas; e (iii) a serviços de infraestruturas de suporte e à integração de sistemas na área das tecnologias de informação e comunicação.
  5. Assente numa estratégia a que subjazem cinco pilares – (i) inovação; (ii) investimento; (iii) proximidade; (iv) qualidade; e (v) diversificação do portfólio de produtos e serviços –, o GRUPO E... lidera o mercado das telecomunicações.
  6. No ano de 2020, a marca F... foi eleita uma superbrand, tendo participado em vários eventos, designadamente no festival ... de Portugal, e recebido diversas distinções de organizações de referência.
  7. Um dos recursos utilizado pelas Requerentes como meio de comunicação e divulgação das marcas F... e G... são as viaturas do seu parque automóvel;
  8. As viaturas automóveis das Requerentes têm espaços publicitários móveis, dotados de valor económico tangível e com impacto positivo no desempenho publicitário das Requerentes e, por via disso, no sucesso do seu negócio;
  9. Entre dezembro de 2018 e dezembro de 2020, as Requerentes utilizaram viaturas ligeiras das marcas PEUGEOT e MITSUBISHI para efeitos publicitários.
  10. As referidas viaturas são objecto de trabalhos de pintura;
  11. Tais trabalhos de pintura visam caraterizá-las com o logótipo da marca “F...” ou “G...”, bem como, em alguns casos, com outros dizeres ou imagens, conforme a estratégia e instruções previamente definidas e implementadas pela DIREÇÃO DE COMUNICAÇÃO E IMAGEM do GRUPO E...:
  12. Os logótipos e outros sinais distintivos não revestem uma natureza exclusivamente institucional, apresentando também uma natureza comercial e, bem assim, promocional (i.e., de divulgação), tendo como propósito a busca e dispersão da marca ou desígnio sobre a qual as Requerentes actuam no mercado e que as identifica e promove junto do público em geral;
  13. É dúplice a função desempenhada pelas viaturas sub judice no âmbito da actividade das Requerentes: (i) por um lado, são utilizadas pelos funcionários das Requerentes para se deslocarem no âmbito das suas atividades profissionais; (ii) por outro, são um meio de publicidade das marcas F... e G...;
  14. No que às mencionadas viaturas respeita, entre dezembro de 2018 e dezembro de 2020, as Requerentes incorreram nas seguintes tipologias de despesas: a. Com a aquisição, locação e manutenção das viaturas; b. Com combustíveis (gasóleo e gasolina) e portagens;
  15. Em concreto, entre dezembro de 2018 e dezembro 2020, o IVA suportado pelas Requerentes com as referidas despesas ascendeu ao montante global de €859.703;
  16. As Requerentes não deduziram o IVA supra, no montante de €859.703, por terem entendido que o mesmo, à luz do disposto no artigo 21.º, n.º 1, do Código do IVA, não era passível de dedução;
  17. No dia 29 de dezembro de 2022, as Requerentes apresentaram reclamação graciosa das autoliquidações de IVA de dezembro de 2018 a dezembro de 2020;
  18. As Requerentes peticionaram que, dada a dupla função conferida às suas viaturas (para a prossecução da actividade e como meio de publicidade), lhes fosse conferida a possibilidade de deduzir o imposto incorrido nas despesas com rendas, combustível e portagens em 75% (i.e., no montante de 644.777,25 EUR) e, subsidiariamente, na proporção determinada na Circular n.º 20/2009, de 28 de julho, do Diretor-Geral dos Impostos, tendo em consideração o tempo em que as mesmas são utilizadas para fins publicitários.
  19. A 23 de fevereiro de 2023, as Requerentes foram notificadas do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa,  que se considera, para os devidos efeitos integralmente reproduzido, de acordo com o qual: “O requerimento de Reclamação Graciosa é tempestivo, no que concerne aos atos de autoliquidação de IVA referentes aos períodos de novembro e dezembro de 2020, por ter sido apresentado a 29 de dezembro de 2022, dentro do prazo de 2 anos contados da data de entrega das declarações periódicas referentes aos mencionados períodos de tributação, em conformidade com o estabelecido no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT e do artigo 97.º do CIVA. Relativamente aos demais, à contrário, conclui-se pela sua intempestividade, conforme melhor se explicitará no ponto V.I.2.1 infra (…);Sucede que, da factualidade descrita, resulta que tendo em consideração o tipo de viaturas (rendas, combustíveis e portagens), não subsistem dúvidas que as mesmas se encontram abrangidas pelas exclusões previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA. Independentemente de alegação e prova que o sujeito passivo se proponha fazer de que, independentemente das razões subjacentes ao consagrado no artigo em causa, as despesas em causa por que relacionadas com uma atividade tributada, o IVA suportado não se mostra suscetível de ser deduzido. 101. Assim, para que seja possível deduzir o imposto previsto nas exclusões do artigo 21.º, n.º 1, do CIVA não basta que os bens ou serviços sejam efetivamente utilizados para a realização de operações tributáveis.“
  20. A 21 de março de 2023, as Requerentes foram notificadas das decisões finais de indeferimento da reclamação graciosa, as quais converteram em definitivo o entendimento acima identificado.
  21. A 21.06.2023, as Requerentes apresentaram petição arbitral.

 

 

 

 

 

 

2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos não impugnados, constantes dos autos e do processo administrativo tributário.

 

3. Matéria de direito

 

3.1 – Caducidade do Direito de Acção

 

 

Invoca a AT, na sua Resposta, que de acordo com o artigo 131.º do CPPT, o prazo para a reclamação graciosa das autoliquidações de IVA é de 2 anos, sendo, portanto intempestiva a reclamação graciosa apresentada dos actos de autoliquidação de IVA de Dezembro de 2018 a Outubro de 2020.

 

Por sua vez, defendem as Requerentes que é aqui aplicável o prazo de 4 anos previsto no artigo 98.º, n.º 2 da LGT, por estar em causa o erro de direito em que incorreram as Requerentes, que levou a que não deduzissem as despesas de cariz publicitário, com base nas limitações contidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA.

 

Resulta do artigo 78.º, n.º 1 da LGT, aplicável ex vi artigo 98.º, n.º 2 da LGT, o seguinte:

 

 1 — A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

A jurisprudência que o sujeito passivo cita referindo o prazo de 4 anos para revisão oficiosa de actos de autoliquidação de IVA, tem por fundamento o n.º 2 do artigo 78.º da LGT que, para efeitos de revisão do acto tributário, ficcionava que o erro na autoliquidação era sempre imputável aos serviços, para efeitos do n.º 1, em que se previa o prazo de 4 anos.

 

O Supremo Tribunal Administrativo tem-se pronunciado no sentido de o prazo de 4 anos resultar do n.º 2 do art. 78.º da LGT, quando não se demonstra erro imputável aos serviços, como pode ver-se pelo acórdão de 03-06-2020, processo n.º 498/15.2BEMDL:

 

«no caso de erro de direito deverá ser aplicado o prazo geral e supletivo de quatro anos previsto no artigo 98.º do Código do IVA e no artigo 78.º n.º 2 da Lei Geral Tributária (na redacção em vigor à data dos factos), sem que isso constitua uma violação da regra prevista no artigo 22.º n.º 1 do Código do IVA (pois que o direito à dedução do imposto não passa a poder ser exercido a todo e qualquer momento, mas dentro do referido prazo de quatro anos).

Ora, o objectivo que se teve em vista com o n.º 2 do artigo 78.º da LGT (entretanto revogado) “foi alargar as situações em que é admissível a revisão em casos de autoliquidação, permitindo-a sempre (e não apenas nos caso em que tivesse havido correcção dos elementos evidenciados pela declaração, como sucedia no regime do artº 94º, nº 2, do CPT), inclusivamente quando o erro é imputável ao contribuinte, que passou a ficcionar-se como imputável à administração tributária”, solução que estava “em sintonia com a directriz primordial da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar a LGT, que era a de reforço das garantias dos contribuintes” (vide o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo proferido a 28 de Novembro de 2007 no Processo n.º 0532/07).

Ficcionando a legislação à data dos factos que os erros da autoliquidação eram imputáveis à Administração Tributária, esta não podia “demitir-se de tomar a iniciativa de revisão quando demandada para o efeito pelo interessado, estando mesmo obrigada a proceder à convolação nesse meio procedimental quando conclui que a reclamação apresentada é intempestiva” (vide o Acórdão proferido por este Supremo Tribunal Administrativo a 14 de Dezembro de 2011 no Processo n.º 0366/11).

Motivo pelo qual a sentença recorrida não merece censura, ao desconsiderar a caducidade imputada pela Administração Tributária ao pedido de revisão oficiosa formulado pelo Recorrido ao abrigo daquele n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

 

Em sentido idêntico, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 03-06-2020, processo n.º 0498/15.2 BEMDL; e de 17-06-2020, processo n.º 0443/13.0BEPRT.

 

De facto, o prazo de 4 anos, que decorre do artigo 78.º, n.º 2 da LGT, ficciona, para efeitos de revisão oficiosa do acto de liquidação, que o erro na autoliquidação é um erro imputável aos serviços.  Tem sido entendido que o erro imputável aos serviços pode configurar-se como um erro de facto ou de direito. No caso sub judice, o fundamento do erro assenta na interpretação pretendida pelas Requerentes da Lei, sendo, portanto, um erro de Direito, que lhes é imputável, por não existirem orientações administrativas, no sentido que defendem.

 Assim, o prazo para a reclamação graciosa (ao abrigo do artigo 131.º, n.º 1, do CPPT) e para a revisão oficiosa (ao abrigo da 1.ª parte do n.º 1 o artigo 78.º da LGT) era o de 2 anos a contar da apresentação das declarações, como defende a AT.

 Sucede que a AT indeferiu as reclamações graciosas apresentadas pelas Requerentes, não considerando existir qualquer erro de direito associado aos actos de auto-liquidação, pelo que, para efeitos de tempestividade, aplicou a norma prevista no artigo 131.º, n.º 1 do CPPT, que prevê: “Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração

Considerando que a reclamação graciosa foi apresentada em 29-12-2022 relativamente aos actos de autoliquidação de IVA de Dezembro de 2018 a Dezembro de 2020, a AT considerou tempestiva reclamação graciosa quanto aos actos de autoliquidação referentes aos períodos de Novembro e Dezembro de 2020, mas não aos restantes actos, por ter sido excedido o prazo de 2 anos, previsto no artigo 131.º, n. 1, do CPPT.

Sendo certo que o período de 2 anos anteriores a 29-12-2022 seria até 29-12-2020, há, contudo, a considerar uma suspensão do prazo decorrente das normas especiais sobre a COVID, no caso desde 22-01-2021 até 6 de Abril de 2021 por força do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção da Lei n.º 4-B/2021, de 01 de Fevereiro, com produção de efeitos a 22 de Janeiro de 2021, nos termos do artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021,  até à  revogação daquele artigo 6.º-B, pelo artigo 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05 de Abril,  com entrada em vigor em 06-04-2021.

Assim, entende-se que a reclamação graciosa é tempestiva em relação às declarações apresentadas a partir de 15-10-2020.

Conclui-se, por isso, pela tempestividade das reclamações graciosas apresentadas relativamente aos actos de auto-liquidação de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2020, sendo as restantes intempestivas.

 

3.2. – Da exclusão do direito à dedução do IVA

 

De harmonia com o preceituado no artigo 124.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, para além de vícios geradores de inexistência ou nulidade do acto impugnado, o Tribunal limita-se a apreciar «vícios arguidos que conduzam à sua anulação».

 

No caso em apreço, o vício que as Requerentes imputam às autoliquidações impugnadas reporta-se à interpretação do artigo 20.º e 21.º do Código do IVA, defendendo-se que as despesas incorridas pelas Requerentes constituem despesas de publicidade, cujo direito à dedução não é excluído pelo artigo 21.º do Código do IVA

 

 

A Requerente defende, em suma, o seguinte:

 

– À luz da análise conjugada dos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA, é de constatar que as despesas que tenham uma função publicitária consubstanciam despesas, cujo IVA suportado confere o direito à dedução;

- De facto, resulta evidente o escopo comercial da publicidade inscrita nas viaturas das Requerentes, pois tal publicidade, ao permitir a divulgação das marcas das Requerentes, dá a conhecê-las (directa e indirectamente) assim como os serviços comercializados;

- A questão decidenda no presente pedido de pronúncia arbitral prende-se com o direito à dedução pelas Requerentes de parte do IVA respeitante a despesas com rendas, combustível e portagens de viaturas ligeiras que integram a sua frota automóvel, as quais, no seu entender, assumem (em parte) natureza publicitária;

- O direito à dedução do IVA constitui a característica-chave em que se alicerça toda a mecânica do sistema subjacente a este imposto, visando libertar o agente económico do ónus do IVA (devido ou pago) no âmbito da sua actividade económica, sob condição de tal actividade estar igualmente sujeita a IVA.

- Na sua essência, o direito à dedução do IVA, manifestação do princípio da neutralidade, visa libertar integralmente o agente económico do ónus do IVA (devido ou pago) no âmbito da prossecução da sua actividade económica, sob condição de tal actividade estar igualmente sujeita a IVA, contribuindo, deste modo, para a prossecução do princípio da neutralidade fiscal.

- Entendem as Requerentes que as limitações impostas pelo artigo 21.º do Código do IVA não são aplicáveis às despesas incorridas com as viaturas identificadas nos autos, uma vez que as mesmas são um verdadeiro meio de publicidade da marca das Requerentes, não servindo somente para os funcionários das Requerentes se deslocarem no âmbito das suas actividades profissionais.

- Por força do exposto, o entendimento preconizado pela AT bule inexoravelmente com o princípio da neutralidade fiscal, uma vez que, com tal restrição, enviesa a mecânica do imposto, tendencialmente onerando o consumo na fase intermédia do circuito económico;

- No âmbito da Circular n.º 20/2009, de 28 de julho de 2009, a AT clarificou qual o enquadramento fiscal, para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e IVA, dos encargos ou gastos suportados pelos sujeitos passivos com a “aquisição de direitos de utilização de camarotes nos estádios de futebol», os designados «Pacotes Corporate”, operação que confere aos seus titulares “a possibilidade de publicitar e promover a sua imagem e os seus logótipos em vários suportes de comunicação”.

- Extrapolando este entendimento para o caso em apreço, entendem as Requerentes que, por as despesas com rendas, combustível e portagens, configurarem, pelo menos em parte, despesas de publicidade, o IVA nelas reflectido deve ser parcialmente dedutível;

- Neste sentido, ainda que com as necessárias adaptações, impõe-se que o IVA incorrido em tais despesas seja relevado na proporção determinada na Circular n.º 20/2009, de 28 de julho de 2009, aplicando-se às Requerentes o entendimento veiculado pelo então Diretor-Geral dos Impostos, em conformidade com o disposto no artigo 68.º-A, n. 1, da LGT.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

 

- As Requerentes fazem radicar a sua tese no entendimento segundo o qual as despesas que suportaram com aquisição, locação e manutenção de viaturas e, ainda, com combustíveis (gasóleo e gasolina) e portagens, não são despesas com viaturas, expressamente excluídas do direito à dedução no artigo 21.º do Código do IVA, mas são antes “as despesas de publicidade incorridas pelas Requerentes visam precisamente a promoção da sua imagem e dos produtos comercializados”;

 

- Sendo despesas com viaturas enquadráveis na exclusão do artigo 21.º do Código do IVA torna-se forçosa a conclusão que o seu IVA não é dedutível, dada a susceptibilidade das viaturas de turismo, tal como definidas no artigo 21.º do Código do IVA, terem utilizações ambíguas que justifica as limitações à dedução de IVA constante daquele normativo;

 

-  As exclusões previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA, excluem o direito à dedução das despesas, ainda que necessárias à prossecução da actividade;

- Trata-se de uma delimitação expressa das exclusões do direito à dedução, que é de aplicação geral, independentemente de as despesas aí previstas concorrerem para a realização de operações tributáveis (assim, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 2015-07-10, processo n.º 03655/09);

- A doutrina define que esta norma é, no fundo, uma norma especial anti abuso em sede de IVA (Cfr. a título de exemplo Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti Abuso no Direito Tributário Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág. 91 e seg.).

- Nestes termos, ainda que se considerasse que as Requerentes vieram aos autos arbitrais demonstrar, de modo inequívoco, que estavam verificados os requisitos previstos na al. a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, ou seja, que o imposto que incidiu sobre os bens e serviços adquiridos foi suportado para a realização de operações tributáveis, sempre estaria automaticamente excluído do direito à dedução por força das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 21.º do Código do IVA.

- Acresce que, não é possível afastar a exclusão do direito à dedução, por recurso ao n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA, porquanto os bens em causa não são bens cuja venda ou exploração constitua objecto de actividade do sujeito passivo.

- Em suma, independentemente da questão da concretização da prova de que as despesas em causa concorrem para o exercício de operações tributáveis por se tratarem de “um verdadeiro meio de publicidade da marca das Requerentes”, o que não se concede, trata-se de imposto contido em despesas que se encontra excluído do direito à dedução por força das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 21.º do Código do IVA, pelo que a fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa afigura-se correta e não se encontra ferida dos imputados vícios, devendo por isso manter-se em vigor na ordem jurídica.

 

Vejamos:

 

Como se referiu, as Requerentes contestam a legalidade das autoliquidações, com base na possibilidade de deduzir o imposto incorrido com as despesas de combustíveis, gastos em viaturas, seguros, IUC, encargos de locação de viaturas, rendas de alugueres de espaços em parques, portagens, reparação e manutenção e substituição e outros serviços prestados às viaturas, como despesas de publicidade na proporção determinada na Circular n.º 20/2009, de 28 de julho de 2009.

 

3.2. 1. Ilegalidade do artigo 21.º do Código do IVA

 

Segundo as Requerentes, o IVA a deduzir corresponde ao IVA suportado com despesas de publicidade, que comportam os custos de renda, combustíveis e portagens das viaturas, que também servem fins publicitários.

 

Contudo, o IVA reclamado resulta de despesas respeitantes a facturas com combustíveis, viaturas, seguros, IUC, encargos de locação de viaturas, rendas de alugueres de espaços em parques, portagens, reparação e manutenção, substituição e outros serviços prestados às viaturas (cfr. documento n.º 4). O IVA reclamado pelas Requerentes não respeita a facturas com a pintura dos veículos com o logotipo da marca ou outras despesas de publicidade. O direito à dedução reclamado pelas Requerentes resulta da requalificação pretendida pelas Requerentes das referidas despesas em despesas de publicidade, com direito à dedução do IVA, com base no fim publicitário realizado também através das referidas despesas.

Para analisar os fundamentos de direito invocados pelas Requerentes impõe-se, desde já, que se interprete o direito à dedução previsto no artigo 20.º do Código do IVA com a norma de delimitação negativa prevista no artigo 21.º do Código do IVA.

 

Sendo certo que no artigo 20.º do Código do IVA cabe, em geral, o direito à dedução de despesas com publicidade, também é certo que o artigo 21.º do Código do IVA exclui o direito à dedução, no caso de IVA contido em despesas com viaturas, como rendas, combustíveis ou portagens.

 

Conforme resulta dos autos, o direito à dedução reclamada respeita a despesas com viaturas, combustíveis e portagens, que se encontram excluídas do direito à dedução pelo artigo 21.º do Código do IVA.

 

Assim, com relevo para o caso concreto em análise, prevê-se no artigo 21.º do Código do IVA o seguinte:

 

“1 - Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:

a) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos. É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor;

b) Despesas respeitantes a combustíveis normalmente utilizáveis em viaturas automóveis, com exceção das aquisições de gasóleo, de gases de petróleo liquefeitos (GPL), gás natural e biocombustíveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50 %, a menos que se trate dos bens a seguir indicados, caso em que o imposto relativo aos consumos de gasóleo, gasolina, GPL, gás natural e biocombustíveis é totalmente dedutível: (Redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março)

i) Veículos pesados de passageiros;

ii) Veículos licenciados para transportes públicos, exceptuando-se os rent-a-car;

iii) Máquinas consumidoras de gasóleo, GPL, gás natural ou biocombustíveis, bem como as máquinas que possuam matrícula atribuída pelas autoridades competentes, desde que, em qualquer dos casos, não sejam veículos matriculados; (Redação da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)

iv) Tractores com emprego exclusivo ou predominante na realização de operações culturais inerentes à actividade agrícola;

v) Veículos de transporte de mercadorias com peso superior a 3500 kg;

c) Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens;

d) Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções;

e) Despesas de divertimento e de luxo, sendo consideradas como tal as que, pela sua natureza ou pelo seu montante, não constituam despesas normais de exploração.

2 - Não se verifica, contudo, a exclusão do direito à dedução nos seguintes casos:

a) Despesas mencionadas na alínea a) do número anterior, quando respeitem a bens cuja venda ou exploração constitua objecto de actividade do sujeito passivo, sem prejuízo do disposto na alínea b) do mesmo número, relativamente a combustíveis que não sejam adquiridos para revenda;

b) Despesas relativas a fornecimento ao pessoal da empresa, pelo próprio sujeito passivo, de alojamento, refeições, alimentação e bebidas, em cantinas, economatos, dormitórios e similares;

c) Despesas mencionadas nas alíneas a) a d) do número anterior, quando efectuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respectivo reembolso;

d) Despesas mencionadas nas alíneas c) e d), com excepção de tabacos, ambas do número anterior, efectuadas para as necessidades directas dos participantes, relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com o prestador de serviços ou através de entidades legalmente habilitadas para o efeito e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 50 %;

e) Despesas mencionadas na alínea c) e despesas de alojamento, alimentação e bebidas previstas na alínea d), ambas do número anterior, relativas à participação em congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, quando resultem de contratos celebrados directamente com as entidades organizadoras dos eventos e comprovadamente contribuam para a realização de operações tributáveis, cujo imposto é dedutível na proporção de 25 %.

f) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas elétricas ou híbridas plug-in, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas elétricas ou híbridas plug-in, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na portaria a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC; (Aditada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro).”

g) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação e à transformação em viaturas movidas a GPL ou a GNV, de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas movidas a GPL ou a GNV, quando consideradas viaturas de turismo, cujo custo de aquisição não exceda o definido na portaria a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, na proporção de 50 %. (Aditada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro)

h) Despesas respeitantes a eletricidade utilizada em viaturas elétricas ou híbridas plug-in. (Aditada pela Lei n.º 2-D/2020, de 31 de março)

3 - Não conferem também direito à dedução do imposto as aquisições de bens referidos na alínea f) do n.º 2 do artigo 16.º, quando o valor da sua transmissão posterior, de acordo com legislação especial, for a diferença entre o preço de venda e o preço de compra.

 

Por sua vez, dispõe o artigo 20.º do Código do IVA, o seguinte:

 

“1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:

I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º;

II) Operações efectuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efectuadas no território nacional;

III) Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º;

IV) Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 e pelos n.ºs 8 e 10 do artigo 15.º;

V) Operações isentas nos termos dos n.ºs 27) e 28) do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam directamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade;

VI) Operações isentas nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.

2 - Não confere, porém, direito à dedução o imposto respeitante a operações que dêem lugar aos pagamentos referidos na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º”

 

 

Para determinar o sentido das normas fiscais e a qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam devem ser observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, como resulta do n.º 1 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária.

 

Assim, resulta expressamente do artigo 21.º, n.º 1 a), b) e c) do Código do IVA que estão excluídas as despesas, cujo direito à dedução é reclamado, independentemente de as despesas aí previstas concorrerem ou não para a realização de operações tributáveis (cfr. Acórdão do TCA Sul, Proc. 03655/09, de 10-07-2015).

Excepciona-se a esta regra as despesas enumeradas no n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA, numa manifestação do critério da afectação das despesas ao exercício da actividade económica, que não se aplica ao caso Sub Judice

 

Na verdade, a realização das despesas previstas no n.º 1 do artigo 21.º supra citado constitui um consumo final, pelo que devem ser suportadas definitivamente pelos seus destinatários, pois, tais consumos não são, em regra, efectuados com vista ao exercício da actividade económica.

 

Tal interpretação resulta, também do disposto no artigo 20.º do Código do IVA, que determina que o direito à dedução é aplicável a todos os bens e serviços adquiridos para o exercício da actividade económica do sujeito passivo.

 

Tem sido entendido que a exclusão do direito à dedução (nas despesas relativas a veículos) é clara, precisa e determinada e tem um racional compreensível: dada a natureza destas despesas, a dificuldade (quase impossibilidade) da sua correcta afectação à parte profissional ou à esfera pessoal (Cfr. CAAD, Proc. 226/2022, de 29.12.2022)

 

 

Contudo,  “Tendo presente as exclusões do direito à dedução que o legislador nacional fez constar do artigo 21.º do CIVA, na redacção em vigor em 2002, e analisada que foi a margem estreita que na matéria era concedida pela Sexta Diretiva, em vigor no momento da adesão de Portugal à então CEE, mantida pela atual Directiva IVA, e considerando ainda a coerência do sistema do IVA, nomeadamente o princípio da neutralidade, as diversas alíneas do n.º 1, do artigo 21.º do CIVA devem ser interpretadas, como presunções ilidíveis, face à inadmissibilidade de presunções inilidíveis em direito fiscal, por força do disposto no artigo 73.º da LGT, caso contrário incorreriam em incompatibilidade com o artigo 17.º da Sexta Directiva e violação do principio da proporcionalidade.” – Acórdão do TCA Sul, Proc. 113/05.8BELSB, de 21.10.2021.

 

Assim, não obstante as exclusões legais do direito à dedução tem de se admitir a possibilidade das Requerentes demonstrarem que o IVA das despesas expressamente excluídas de dedução pelo artigo 21.º do Código do IVA são, na verdade, despesas dedutíveis, nos termos do artigo 20.º do Código do IVA.

 

Com este fito, percorridos os autos, constata-se que as Requerentes identificam claramente as despesas suportadas com viaturas e não identificam directamente quaisquer despesas de publicidade, sendo o suporte documental das despesas referente a despesas com viaturas. Ademais, a requalificação daquelas despesas com viaturas como despesas de publicidade não se coaduna com a mera utilização de um critério de finalidade, isto é, não é pelo facto de tais despesas permitirem desenvolver um fim publicitário, que se tornam despesas de publicidade dedutíveis. Acresce que, nem se alega, nem se demonstra que tais despesas têm uma afectação exclusivamente empresarial, o que sempre impediria a demonstração da actividade tributável subjacente.

 

Conclui-se, por isso, que os actos impugnados não violam o artigo 21.º do Código do IVA.

 

 

3.2.2. Ilegalidade dos actos decisórios à luz do direito à dedução e dos princípios da neutralidade e proporcionalidade

 

Para além da ilegalidade do artigo 21.º do Código do IVA, invocam as Requerentes que as limitações impostas pelo artigo 21.º do CIVA não são aplicáveis às despesas incorridas com as viaturas identificadas nos autos, uma vez que as mesmas são um verdadeiro meio de publicidade da marca das Requerentes, não servindo somente para os funcionários das Requerentes se deslocarem no âmbito das suas actividades profissionais. Em consequência, defendem as Requerentes que o entendimento preconizado pela AT bule inexoravelmente com o princípio da neutralidade fiscal, uma vez que, com tal restrição, enviesa a mecânica do imposto, tendencialmente onerando o consumo na fase intermédia do circuito económico.

No que diz respeito ao princípio da neutralidade fiscal, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o direito dos sujeitos passivos a deduzirem do IVA de que são devedores, o IVA devido ou pago sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante, constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA. O regime de deduções visa liberar inteiramente o empresário do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias, sujeitas ao IVA (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.os 56 e 57 e jurisprudência aí referida).

Tal direito fundamental do IVA não obsta, no entanto, à legalidade do artigo 21.º do Código do IVA, na medida que resulta da transposição da Sexta Directiva, estabelecendo-se, desta forma, uma presunção que as despesas aí referidas não têm “carácter estritamente profissional” (Acórdão do TJUE, C-837/19, Super Bock Bebidas SA contra Autoridade Tributária e Aduaneira, de 2.07.2020, CAAD, Proc. 207/2019-T, de 21.09.2020).

 

Na verdade, as exclusões ao direito à dedução previstas no artigo 21.º do Código do IVA foram autorizadas pela cláusula denominada de "congelamento" ou de "standstill", prevista no artigo 17.º, n.º 6 da Sexta Directiva, que corresponde ao actual artigo 176.º da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro. Com a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, em 1 de Janeiro de 1986, ao abrigo da cláusula de "congelamento" ou de "standstill" referida, prevista na Sexta Directiva, foi opção do legislador adoptar as exclusões ao direito à dedução, referidas no artigo 21º do Código do IVA.

 

O legislador nacional optou por consagrar no Código do IVA limitações à possibilidade de deduzir o imposto suportado, como forma de evitar a fraude e evasão fiscais resultantes da dedução de IVA incluído em despesas relacionadas com bens e serviços que, pela sua natureza e características, são susceptíveis de serem utilizados para fins alheios a uma actividade tributada.

 

Na verdade, sobre a violação dos princípios da neutralidade do IVA e da proporcionalidade pelo artigo 21.º do Código do IVA, tem sido entendido que mesmo que o imposto não dedutível diga respeito a despesas incorridas no âmbito de actividades sujeitas a IVA, as exclusões previstas no artigo 21.º não sofrem de qualquer incompatibilidade com o direito comunitário e com os princípios dele decorrentes mormente os princípios da neutralidade e da proporcionalidade (vd. entre outros, Acórdão de 2 de Maio de 2019, processo C-225/18, e Despacho de 26 de Fevereiro de 2020, processo C-630/19, do TJUE).

Em face da Jurisprudência já produzido sobre o tema e tendo em conta as considerações que precedem, entende-se que a Diretiva IVA e os princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade não se opõem às exclusões do direito à dedução de IVA, em discussão.

 

3.2.3. Ilegalidade das autoliquidações de IVA à luz da Circular n.º 20/2009, de 28 de Julho

 

 

Defendem, ainda, as Requerentes que as despesas em crise nos autos configuram um tipo de despesa de natureza mista, dada a dupla utilização que é conferida às viaturas ligeiras da frota automóvel das Requerentes – publicitária e empresarial. Em consequência, entendem as Requerentes que a Circular n.º 20/2009, de 28 de julho de 2009, proferida pelo Diretor-Geral dos Impostos, é aplicável ao caso Sub Judice.

 

Sobre as orientações genéricas dispõe-se no artigo 55.º do CPPT, sob a epígrafe Orientações Genéricas, o seguinte:

 

“1 - É da exclusiva competência do dirigente máximo do serviço ou do funcionário em quem ele tiver delegado essa competência a emissão de orientações genéricas visando a uniformização da interpretação e aplicação das normas tributárias pelos serviços.

2 - Somente as orientações genéricas emitidas pelas entidades referidas no número anterior vinculam a administração tributária.

3 - As orientações genéricas referidas no n.º 1 devem constar obrigatoriamente de circulares administrativas e aplicam-se exclusivamente à administração tributária que procedeu à sua emissão.”

 

Assim, decorre da Lei que as orientações genéricas ou administrativas consistem em regulamentos internos, de carácter genérico, nas quais a AT procede à uniformização da interpretação de normas tributárias. Como resulta da sua própria natureza, as Circulares não são vinculativas nem para os particulares nem para os tribunais.

 

Na verdade, Atento o primado da lei sobre as orientações administrativas (princípio da legalidade), as regras estatuídas nas circulares da Administração Tributária, têm que respeitar o quadro normativo legislativo de referência – normas jurídicas primárias –, que lhe é prevalente. E quando aquelas estabelecem um sentido normativo que não tem acolhimento na norma legislativa que pretensamente é interpretada, estão afinal a derrogá-la e a criar norma jurídica inovatória inválida. – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 14.03.2013.

 

Através da Circular n.º 20/2009, de 28 de julho de 2009, a AT clarificou qual o enquadramento fiscal, para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e IVA, dos encargos ou gastos suportados pelos sujeitos passivos com a “aquisição de direitos de utilização de camarotes nos estádios de futebol”, os designados “Pacotes Corporate”, operação que confere aos seus titulares “a possibilidade de publicitar e promover a sua imagem e os seus logótipos em vários suportes de comunicação”.

A situação em análise nestes autos não versa sobre despesas de publicidade relacionadas com a aquisição de direitos de utilização de camarotes nos estádios de futebol com finalidades publicitárias, mas sobre a dedutibilidade de despesas com viaturas. É por serem despesas com viaturas enquadráveis no artigo 21.º do Código do IVA que aquelas não são dedutíveis.

 

 

Conclui-se, assim, que a Circular invocada não sendo vinculativa nem para a AT, nem para o Tribunal, não é aplicável ao caso concreto em análise, por falta de coincidência ou semelhança com o caso Sub Judice.

 

Assim, também com este fundamento, improcede o pedido das Requerentes.

 

 

4. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.

 

 

5. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €644.777,25.

 

6. Custas

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €9.486, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo das Requerentes.

           

 

 

 

Lisboa, 27-10-2023

 

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa

Presidente)

 

 

(Magda Feliciano

Árbitro Adjunta e Relatora)

 

 

                                                                                                          

(Pedro Guerra Alves

Árbitro Adjunto)

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)