Sumário
-
Entre 9 de Março de 2020 (data de produção de efeitos do regime excepcional de prazos consagrado a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março) e 7 de Abril de 2020 (data de entrada em vigor da Lei n.º 4-A/2020) e 3 de Junho de 2020 (artigo 8.º da Lei n.º 16-A/2020, de 29 de Maio), estiveram suspensos todos os prazos de prescrição e caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos (artigo 7º, n.º 3 da Lei n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e 2.º, 5.º e 6.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril).
-
O regime excepcional atrás referido deixou de vigorar na ordem jurídica a partir de 3 de Junho de 2020 (artigo 8.º da Lei n.º 16-A/2020, de 29 de Maio).
-
Ao procedimento de liquidação de IMT encetado ao abrigo do nº 5 do artigo 11º do CIMT e iniciado por notificação ao contribuinte em 15.12.2022, não pode ser aplicado o regime atrás referido que deixou de vigorar em 03 de Junho de 2020.
I – Relatório
-
A..., Unipessoal, Lda., NIPC..., com sede na Rua..., nº ..., ...-... Vila Nova de Gaia (doravante designada por “Requerente”), veio ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 2º, do n.º 1 do artigo 6º, e alínea a) do nº 1 e do nº 2, do artigo 10º, todos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro – Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral (PPA),
tendo por objecto a anulação da “liquidação de IMT n.º..., no valor global de € 59.110,99 (€ 44.655,00 de imposto e € 14.455,99 de juros compensatórios)” correspondente ao DUC ... (segundo especificação da AT na Resposta).
-
Termina pedindo:
-
A total procedência da ação arbitral;
-
Com a total anulação das liquidações de IMT e juros compensatórios;
-
Com todas as consequências legais, nomeadamente com devolução das quantias pagas (imposto e juros) no valor de 59.110,99€, acrescidas de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde 13/4/2023 até integral devolução.
-
É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por Requerida ou AT.
-
A Requerente fundamenta o pedido de pronúncia arbitral (PPA) nos seguintes termos:
-
Em 8/2/2012, adquiriu o prédio urbano ...º, situado em ..., Vila Nova de Gaia, beneficiando da isenção de IMT do art. 7.º do CIMT, porque o destinava a revenda, não o tendo revendido no prazo de três anos, pelo que a isenção ficou sem efeito, não tendo depois cumprido a obrigação de liquidação do imposto de forma voluntária.
-
Em Dezembro de 2022, a AT enviou-lhe um projeto de liquidação de IMT, tendo em 27/12/2022 exercido o direito de prévia audição.
-
Em 13/2/2023, a AT notificou a Requerente de novo “projeto de liquidação de IMT nos termos do art. 11.º, n.º 5, do CIMT” com o qual a Requerente concorda, tendo em 27/2/2023 exercido o direito de prévia audição.
-
Por despacho de 03.03.2023 a AT converteu em definitivo o projecto de decisão antes adoptado, não atendendo os argumentos apresentados pela Requerente, tendo esta solicitado guias da liquidação em 13.04.2023, cujo pagamento efectuou no mesmo dia.
-
Inconformada veio impugnar a fundamentação dos actos impugnados quanto a três aspectos, a saber:
-
Primeiro: a notificação com data de 13/2/2023, contém o projeto de liquidação e não a liquidação de IMT e juros (como sugere a AT);
-
Segundo: na sequência, a Requerente exerceu a audição prévia sobre o projeto de ato e não efetuou qualquer reclamação graciosa sobre a liquidação.
-
Terceiro: a notificação com data de 06/03/2023 contém a liquidação de IMT e juros e não é um indeferimento de reclamação graciosa.
-
Invoca a caducidade do direito à liquidação, com base nos artigos 35.º do CIMT e 45.º da LGT, uma vez que:
-
entre 08.02.2015, data do facto tributário, considerado como ocorrendo na data em que a isenção de IMT ficou sem efeito nos termos do nº 5 do artigo 11º do CIMT;
-
e entre 15.03.2023 data em que foi notificado da liquidação de IMT, ocorreram mais de 8 anos, prazo cuja contagem terminou em 08.02.2023.
-
A Autoridade Tributária (AT) apresentou resposta em 17.10.2023 referindo o seguinte:
-
“... a liquidação em causa foi efetuada na sequência da caducidade da isenção de IMT, resultante do facto do prédio adquirido para revenda não ter sido revendido dentro do prazo de 3 anos, pelo que, como refere a Requerente, é aplicável ao caso o prazo de caducidade de oito anos, previsto no disposto do art.º 35.º do CIMT”. Ora
-
“Sendo, o IMT, um imposto de prestação única, o prazo de caducidade de 8 anos começou a decorrer na data em que ocorreu o facto tributário, ou seja, a contar da data em que a isenção ficou sem efeito”, conforme o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 9 de maio de 2012, proferido no processo com o n.º 888/11, quando refere “constitui jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal que o prazo de caducidade do direito à liquidação do Imposto de Sisa devido só pode começar a contar-se a partir da não verificação da condição resolutiva (Cfr. Acórdão do STA de 26/10/2011, proc. Nº 0354/2011.), isto é, no caso, da verificação do incumprimento da obrigação de não dar destino diferente ao imóvel (ou seja, de 06/08/2006), uma vez que só a partir dessa data aquele direito de liquidar podia ser exercido pela Administração Tributária.”
-
E acrescenta que “in casu não existe qualquer causa de suspensão da caducidade previstas no artigo 46.º da LGT, contudo, não podemos esquecer as suspensões, de carácter excecional, decretadas em de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, com relevância para a contagem do prazo de caducidade em análise”.
-
Pelo que “... os prazos de prescrição e caducidade já iniciados, em curso ou que viessem a iniciar-se no período da Pandemia da Covid-19, foram abrangidos pelas suspensões dos prazos, determinadas durante o decurso da situação excecional de resposta àquela situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2”, uma vez que “tais medidas foram aplicadas pelo art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, alterado pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e revogado pelo art. 8.º da Lei n.º 16/2020, de 20 de Maio e depois também pelo estabelecido no art. 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que alterou a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e nos artºs. 6.º e 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril”.
-
O que resulta da “... recente decisão arbitral proferida em 02-02-2023 no processo 329/2022T, onde, também relativamente à caducidade do direito à liquidação se fez apelo a estas suspensões de carácter excecional”.
-
E conclui que: “os prazos de prescrição e caducidade suspensos em virtude da situação excecional de resposta à Pandemia da Covid-19, são a final alargados num total de 235 dias seguidos, pelo que, subsumindo a referida Jurisprudência ao caso em apreço, por força da suspensão determinada pela Pandemia da Covid-19, sempre teremos que atender a que acrescem 235 dias ao prazo de caducidade da liquidação em causa”.
-
Assim:
-
“não tendo o imóvel adquirido para revenda, sido revendido dentro do prazo de 3 anos, sempre será forçoso concluir que, sendo aplicável ao caso o prazo de caducidade de oito anos, prazo cujo termo inicial foi 08-02-2015, data em que a isenção ficou sem efeito”;
-
“E, tendo a Requerente sido notificada da liquidação sindicada, conforme alega em 15-03-2023, então, se nenhuma causa de suspensão ou de interrupção tivesse ocorrido, esse prazo terminaria, em 08-02-2023, na medida em que o termo inicial do prazo de caducidade, em causa nos presentes autos, se verificou em 08-02-2015.
-
Contudo, ao prazo de caducidade deve acrescer 235 dias, número total de dias de suspensão determinada pela Pandemia da Covid-19, pelo que o mesmo terminará em 02-10-2023”.
-
“Por tudo o exposto, tendo a Requerente sido notificada da liquidação visada, em 13-03-2023, data da assinatura do AR, através do ofício n.º 2023..., de 06-03-2023, do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ..., remetido por correio registado com AR (RF ... PT, de 07-03-2023), impõe-se concluir que o exercício do direito à liquidação, pela AT, não se mostrava, naquela data, caducado.
-
Face a todo o exposto, dúvidas não restam que deverão improceder as alegações da Requerente, pois verifica-se no caso em apreço integral observância de todos os princípios e normas jurídicas aplicáveis, não padecendo dos vícios de ilegalidade que a Requerente lhe aponta, pelo que deverão ser mantidos integralmente na ordem jurídica para todos os efeitos”.
-
Conclui pela improcedência do PPA.
-
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios – refere que, por um lado a AT não praticou qualquer erro imputável aos serviços e por outro as liquidações impugnadas não padecem de qualquer ilegalidade, pelo que também nesta parte deve improceder o PPA.
-
Por despacho do Tribunal Arbitral Singular (TAS) de 08.08.2023 foi a Requerida notificada para contestar, tendo em 27.09.2023 requerido a prorrogação do prazo. Por despacho do mesmo dia foi conferido o prazo adicional de 15 dias. Em 17.10.2023 a AT apresentou a Resposta e juntou o PA.
-
Em 23.10.2023 a Requerente apresentou réplica à matéria nova (direito) que a AT invocou na sua resposta, ao abrigo do artigo 3º nº 3 do CPC, sustentando que regime especial resultante da situação de epidemia SARS-CoV-2, não se aplica ao caso aqui a dirimir.
-
Por despacho do TAS de 23.10.2023 foi admitida a junção ao processo da réplica da Requerente.
Foi ainda dispensada a realização da reunião de partes a que se refere o artigo 18º do RJAT e foram as partes convidadas a apresentar de alegações escritas, por se justificar o debate sobre a aplicação do regime especial resultante da situação de epidemia SARS-CoV-2.
-
A Requerente apresentou alegações escritas em 30.10.20023 sustentando o que já havia referido na réplica, a saber:
“AT desiste dos argumentos da fundamentação do ato – e, por isso, ou estão implicitamente revogados ou devem ser considerados improcedentes, conduzindo, em ambos os casos, à anulação da liquidação impugnada”.
E conclui: “improcede a argumentação da suspensão da caducidade do direito de liquidação por causa das leis COVID por dois argumentos principais: Primeiro: trata-se de argumento novo, não indicado na fundamentação subjacente à liquidação de IMT e juros – e trata-se, por isso, de uma fundamentação a posteriori, totalmente vedada, segundo jurisprudência uniforme dos tribunais superiores.
... Segundo: caso se entenda que não existe fundamentação a posteriori ou que a mesma é legítima, a verdade é que se verifica a caducidade do direito de liquidação de IMT e juros, porque as leis COVID não suspenderam o prazo de caducidade da liquidação dos impostos”.
-
A Requerida não usou da faculdade de apresentar alegações escritas.
-
O pedido de constituição do tribunal arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228. ° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular (TAS) o signatário desta decisão, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas da designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6. ° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular (TAS) foi constituído em 08 de Agosto de 2023, pelo que se encontra regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
-
Os factos relevantes para a decisão da causa são os seguintes:
-
Em 08-02-2012 A Requerente adquiriu, por escritura de compra e venda, o prédio urbano inscrito na respetiva matriz da freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Gaia, sob o artigo nº... tendo declarado que se tratava de prédio destinado a revenda, pelo que beneficiou da isenção de IMT – conforme ponto 10 do PPA e pontos 4 e 5 da Resposta da AT;
-
Após o decurso de três anos, a Requerente não revendeu o imóvel nem requereu a emissão de DUC para liquidação de IMT, conforme previsto o n.º 1 do artigo 34.º do Código do IMT – conforme pontos 11 e 12 do PPA e pontos 6 e 7 da Resposta da AT;
-
Em face do referido na alínea anterior:
-
Em 15-12-2022, por ofício n.º 2022..., o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia..., notificou a Requerente do projeto de liquidação e para exercer o direito de audição prévia.
-
Em 27-12-2022 a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia.
-
Em 10-01.2023 por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ..., considerou-se sem efeito a anterior notificação, a qual foi substituída por outra com um novo projeto de liquidação.
-
Em 02-02-2023 através do ofício n.º 2023..., o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ..., remeteu à Requerente o novo projeto de liquidação e convidou-a a exercer o direito de audição prévia.
-
Em 27-02-2023, a Requerente exerceu o direito de audição prévia.
-
Em 13-03-2023, o SF de Vila Nova de Gaia, notificou a Requerente de que foi transformado em definitivo o projecto de liquidação.
- conforme pontos 13º a 18º do PPA, Documentos 1, 3, 4 e 5 juntos com o PPA, pontos 8 a 14 da resposta da AT e teor do PA junto com a Resposta;
-
Consta da decisão da AT que transformou em definitivo o projecto de decisão de liquidação de IMT o seguinte:
“1 - Em 08-02-2012, o ... contribuinte adquiriu o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Gaia, com o benefício da isenção de IMT "aquisição de prédios para revenda" a que se refere o artigo 7º do código do IMT.
2 - Nos termos do nº 5 do artigo 11º do Código do IMT "deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda".
3 - Constata-se que o prédio em causa não foi revendido dentro do prazo de 3 anos, tendo-se dado a caducidade da isenção em 08-02-2015.
4 - Conforme o no 1 do artigo 34º do código do IMT "No caso de ficar sem efeito a isenção ou a redução de taxas, nos termos do artigo 11º, devem os sujeitos passivos solicitar, no prazo de 30 dias, a respetiva liquidação", facto que não se verificou.
5 - De acordo com n.º 1 do artigo 35º do código do IMT, "só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito pelo que a liquidação adicional em questão se encontra dentro do prazo.
6 - Foi o contribuinte notificado, pelo ofício supra indicado para a possibilidade do exercício do direito de audição previsto no artigo 60º da LCT, em relação ao projeto de liquidação de IMT.
7 - O sujeito passivo vem através do requerimento registado sob a entrada geral no 2023... de 27-02-2023, exercer 0 direito atrás aludido.
8 - Analisando o exposto nos pontos 3, 4, 5, e 7, do direito de audição, o contribuinte justifica o facto de não ter revendido o imóvel com a crise que o país atravessou, porém, não decorre da lei, no âmbito da referida crise, qualquer desobrigação do pagamento do IMT, nem alteração dos prazos estipulados (3 anos) para revenda dos imóveis adquiridos para esse fim e que tenham usufruído do respetivo benefício na sua aquisição.
9 - No que diz respeito ao nº 8 do direito de audição apresentado, verifica-se que a demonstração do projeto de liquidação de IMT notificada através do ofício 2023... de 02-02-2023 está clara e objetiva:
Artigo urbano inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo matricial no ..., afeto a armazéns e atividade industrial:
(687.000,00 X 6,5% = 44.655,00€ (IMT)
(taxa de 6,5%, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 17º do código do IMT, incidir sobre o valor de 687.000,00€, por ter sido este o valor do contrato, conforme a regra 16ª do nº 4 do artigo 12º do código do IMT).
10 - No que concerne à liquidação dos juros compensatórios, os mesmos são devidos nos seguintes termos do artigo 33º do código do IMT: "1 - Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de imposto devido, a este acrescerão juros compensatórios nos termos do artigo 35º da Lei Geral Tributária. 2 - Os juros serão contados dia a dia, desde o termo do prazo para o pedido de liquidação até à data em que a falta for suprida, dentro do prazo fixado no artigo 35.0 do presente Código".
11 - Assim os juros compensatórios incidirão sobre a importância de LMT apurada, 44.655,00€, contados dia a dia, desde 11-03-2015, até à data em que seja suprida a falta (pedido de liquidação). A taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do nº 1 do artigo 559º do Código Civil, estando fixada, atualmente, em 4 % ao ano, a qual vigora desde 1 de Maio de 2003, conforme estabeleceu a Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril” – conforme PA e Documento nº 1 junto com o PPA;
-
Em 13-04-2023 a Requerente solicitou as guias de pagamento, tendo os Serviços de Finanças emitido a liquidação de IMT n.º..., no valor global de € 59.110,99 (€ 44.655,00 de imposto e € 14.455,99 de juros compensatórios), correspondente ao DUC ... e na mesma data procedeu ao seu pagamento – conforme ponto 24 do PPA e pontos 15 e 16 da Resposta da AT;
-
Em 30-05-2023 a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral – conforme registo no SGP do CAAD.
Factos não provados
Não há factos não provados que possam ser considerados relevantes para a decisão da causa.
Motivação da fixação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos factos articulados no PPA e na Resposta da AT que estão em conformidade com a posição assumida por ambas as partes e bem assim com base nos documentos juntos com o PPA e que integram o PA junto pela AT.
Matéria de direito
-
A questão aqui a decidir consiste em apurar se ocorreu ou não a caducidade do direito à liquidação adicional de IMT. O que se reconduz a apurar se a este caso se aplica o regime jurídico relativo à situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.
Como referem as partes, o artigo 35.º n.º 1 do Código do Imposto Municipal sobre Transações Onerosas de Imóveis, (CIMT), estabelece que: «1 - Só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto no número seguinte e, quanto ao restante, nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária.»
Por seu turno, o Artigo 45.º- 1 e 3 da LGT (caducidade do direito à liquidação) refere o seguinte:
“1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
...
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário. (Redação dada pela Lei 55-B/2004, de 30 de dezembro)”
Pelo que nos termos do artigo 35.º do CIMT, conjugado com o artigo 45.º, n.º 1, in fine, da LGT, o prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT é de oito anos a contar da transmissão ou da data em que a isenção ficou sem efeito.
É aplicável ao caso aqui em discussão, o prazo de caducidade de oito anos, previsto no disposto do art.º 35.º do CIMT, ou seja, o prazo de 8 anos começou a decorrer na data em que ocorreu o facto tributário que é a data em que a isenção ficou sem efeito, como se expressa na fundamentação da liquidação: 08-02-2015.
Em primeiro lugar, cumpre referir que o facto da AT ter vindo em sede de Resposta, a defender, com relevância para a contagem do prazo de caducidade da liquidação, o regime jurídico relativo à situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, não pode corresponder a uma “fundamentação” a posteriori, porquanto tal constitui apenas e só um adicionar de mais um argumento de direito, em defesa da legalidade das liquidações impugnadas fundamentadas nos termos em que o foram inicialmente.
Sempre este Tribunal, neste caso concreto, quer a AT alegasse a aplicação do referido regime excepcional, quer o não alegasse, estaria obrigado, a ter presente a sua aplicação ou a sua não aplicação, por força da regra geral do nº 3 do artigo 5º do CPC, uma vez que é princípio basilar que os tribunais arbitrais têm que julgar segundo o direito constituído, como resulta do artigo 2º nº 2 do RJAT.
Em segundo lugar, quanto ao âmbito de aplicação do referido regime excepcional, podemos encontrar v.g. no douto acórdão do STA -2ª Secção - 0545/20.6BELRA de 07.04.2021 uma resenha conclusiva que aqui é possível aplicar (pela sua abrangência e generalidade), a saber:
“2.3.8. Em suma, da consideração conjugada das normas transcritas podemos já extrair, para o que nos importa decidir, três conclusões.
Primeira: entre 9 de Março de 2020 (data de produção de efeitos do regime excepcional de prazos consagrado a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março) e 7 de Abril de 2020 (data de entrada em vigor da Lei n.º 4-A/2020) estiveram suspensos:
-
todos os prazos procedimentais para a prática de actos pelos particulares, como sejam os aplicáveis aos actos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os actos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles (artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e 2.º, 5.º e 6.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril)
-
todos os prazos judiciais, independentemente da natureza urgente ou não urgente do processo (artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e 2.º, 5.º e 6.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril)
-
todos os actos realizados em processo executivo, designadamente os relativos a concurso de credores, salvo se dessa suspensão resultar prejuízo grave à subsistência do Exequente ou prejuízo irreparável - por força, conjugadamente, dos artigos 7.º, n.º 6 al. b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, 2.º, 5.º e 6.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril;
-
todos os prazos de prescrição e caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos (artigo 7º, n.º 3 da Lei n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e 2.º, 5.º e 6.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril).
Segunda: a partir de 7 de Abril de 2020 deixaram de estar suspensos os prazos relativos a processos de natureza urgente ou que, nos termos desta lei excepcional, a esses devam ser equiparados (artigos 7.º e 8.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção que a estes foi atribuída pelo artigo 2.º da Lei n.º 4-A/2020, e artigos 6.º, n.º 2 e 7.º desta última Lei).
Terceira e última conclusão: o regime excepcional supra referido deixou de vigorar na ordem jurídica a partir de 3 de Junho de 2020 (artigo 8.º da Lei n.º 16-A/2020, de 29 de Maio).
Será ao abrigo do nº (4) da conclusão Primeira (e última) e face à conclusão Terceira, ambas do douto acórdão do STA atrás citado, que aqui temos que verificar a aplicação ou a não aplicação do referido regime excecional.
Muito embora a isenção conferida à Requerente em 08.02.2012, tenha ficado sem efeito em 08-02-2015, o procedimento para liquidação encetado pela AT, face ao incumprimento da obrigação fiscal constante do artigo 34º do CIMT, só teve início em 15.12.2022 (alínea C) dos factos assentes), pelo que, aplicando aqui a conclusão terceira e última do douto acórdão do STA, a este procedimento não se poderia aplicar o regime excepcional que deixou de vigorar na ordem jurídica a partir de 3 de Junho de 2020.
Por outro lado, o artigo 45º-1 da LGT refere que “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada” até ao termo do prazo de caducidade.
Ora, no caso, a AT só veio a notificar validamente a Requerente em 13-03-2023 (alínea C) dos factos assentes), ou seja, 1 mês e 5 dias após o termo do prazo em que a notificação da liquidação tinha que ser levada a efeito (08.02.2023).
Note-se que é a própria AT que considera que é o dia 13.03.2023, a data da notificação das liquidações aqui em causa, validamente levada a efeito à Requerente.
Em face do exposto o PPA terá que proceder.
-
Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios
Reembolso de quantias pagas
A Requerente pede o reembolso do imposto e juros pagos (€ 59 110,99).
Como consequência da anulação das liquidações há lugar a reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de € 59 110,99, valor que a Autoridade Tributária e Aduaneira não contestou.
Juros indemnizatórios
O nº 1 do artigo 43º da LGT reconhece o direito a juros quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.
O pedido de anulação das liquidações impugnadas suporta-se em vício decorrente da verificação de caducidade do direito à liquidação, por falta de notificação dentro do prazo geral de caducidade.
Segundo a jurisprudência do STA quando o ato de liquidação impugnado é anulado apenas por vício de forma, não há suporte, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT, para atribuir juros indemnizatórios ao impugnante – v. acórdão 30.5.2012, no P. 0410/12, versando, precisamente, hipótese em que ocorreu caducidade do direito à liquidação, no qual se escreveu: «(…), a declaração de caducidade não implica a existência de um erro – vício sobre os pressupostos de facto ou de direito – que permita a constituição a favor do contribuinte do direito a juros indemnizatórios ao abrigo do n.º 1 do art. 43.º da LGT”. No mesmo sentido, e entre outros, podem ver-se os Acórdãos do STA de 8.6.2011, P. 876/09 e de 7.9.2011, P. 416/11.
Também o acórdão do TCAS de 03-07-2017 P. 04076/10, refere: “… se é certo que a falta de notificação no prazo de caducidade extinguiu o direito à liquidação do tributo (…), a declaração dessa caducidade não significa nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente. Como é sabido, a caducidade, juridicamente, é mero facto jurídico que releva do tempo e que determina a impossibilidade do exercício de um direito num caso concreto (prescrição e caducidade têm em comum o facto de serem figuras jurídicas relacionadas com a aquisição ou perda de situações subjectivas pelo mero decurso do tempo: a primeira anda associada aos direitos ou situações jurídicas consolidadas, sendo o seu campo de eleição os direitos subjectivos a se; a segunda reporta-se a situações jurídicas em formação e aos direitos potestativos, cujo exercício está sujeito a prazos curtos)”.
Carece de suporte legal a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da LGT, uma vez que não ocorreu erro imputável aos serviços.
Pelo que improcede o PPA quanto ao pedido de juros indemnizatórios.
-
Decisão
De harmonia com o exposto, este TAS decide:
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral.
-
Anular a liquidação de IMT n.º ..., no valor global de € 59.110,99 (€ 44.655,00 de imposto e € 14.455,99 de juros compensatórios), correspondente ao DUC...;
-
Julgar procedente o pedido de reembolso do valor global pago de € 59.110,99 (€ 44.655,00 de imposto e € 14.455,99 de juros compensatórios);
-
Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a AT do pedido, nesta parte.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 59.110,99, que não foi contestado pela Requerida, pelo que nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT, fixa-se em € 59.110,99.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2 142,00, ficando a cargo da Requerida 90% (€ 1 927,80) e a cargo da Requerente 10% (€ 214,20) em função dos decaimentos.
Notifique.
Lisboa, 15 de Novembro de 2023
Tribunal Arbitral Singular (TAS),
Augusto Vieira