Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 266/2023-T
Data da decisão: 2023-11-21  IRC  
Valor do pedido: € 149.725,12
Tema: IRC. Dedutibilidade de gastos. Facturas falsas. Operações simuladas
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Sílvia Oliveira e Prof. Doutor Tomás Castro Tavares, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 21-06-2023, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., LDA, pessoa coletiva n. ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ..., (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, em 11-04-2023, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) relativas aos anos de 2017 e 2018, bem como a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022....

A Requerente pede reembolso do imposto erradamente liquidado com “juros legais”.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 12-04-2023.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 01-06-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 21-06-2023.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em 12-09-2023, na qual defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 29-09-2023 realizou-se uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

As Partes apresentaram alegações escritas.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. Foi realizada uma inspecção à Requerente a coberto das ordens de serviço n.ºs OI2021... e OI2021... da Direção de Finanças do Porto, aos exercícios de 2017 e 2018;
  2. Nessa inspecção foram efectuadas, além do mais, correcções em sede de IRC, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira desconsiderado para determinação do lucro tributável gastos contabilizados nos montantes de € 272.272,98 e € 316.065,00, relativamente aos exercícios de 2017 e 2018 respectivamente;
  3. Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (“RIT”) que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

I. DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

(...)

 

(...)

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

À MATÉRIA COLETÁVEL

III.1 – Subcontratação efetuada à B...

Conforme já foi referido, o SP, nos anos de 2017 e 2018, realizou supostas operações comerciais com a sociedade B... .

A sociedade B... encontrava-se coletada para a prestação de serviço de fabrico de calçado (corte, costura, montagem, acabamento e embalamento) que basicamente subcontratava a outros operadores, nomeadamente a sociedade A, B e C:

 

No decurso do procedimento de inspeção à sociedade B... concluiu-se que a faturação emitida pela sociedade A, B e C, a título da prestação de serviços, correspondeu a negócios simulados.

Por sua vez, a sociedades A teve como principal “fornecedor” a sociedade A1; a sociedade B teve como principal “fornecedor” a sociedade A; e a sociedade C teve como principal fornecedor, no ano 2017, a sociedade A1 e, no ano 2018, as sociedades A3 e A4.

Apesar das sociedades A, B e C terem sido cumpridoras das suas obrigações fiscais, verificou-se que as mesmas se limitaram a emitir faturas de prestações de serviços que, por sua vez, foram supostamente subcontratadas a outras entidades que também não dispunham de estrutura para realizar essas operações, nem cumpriam com as suas obrigações fiscais, pelo que as operações realizadas por estas firmas foram também consideradas como negócios simulados.

De referir ainda que a sociedade A1, principal “fornecedora” das sociedades A e C tinha como “fornecedor” outra sociedade A2, que se caraterizava por não possuir qualquer estrutura empresarial adequada para a realização dos supostos serviços prestados e por apresentar irregularidades fiscais, sendo a mais relevante a falta de entrega do imposto liquidado (IVA) ao Estado nas faturas emitidas, que o seu cliente (A1) deduzia, o que originava, através do confronto entre o IVA liquidado e deduzido, não apuramento de imposto a entregar ao Estado.

Também as sociedades A3 e A4, principais “fornecedoras” da sociedade C, no ano de 2018, se caraterizavam por não possuírem qualquer estrutura empresarial adequada para a realização dos supostos serviços prestados e por apresentarem irregularidades fiscais, sendo a mais relevante a falta de entrega do imposto liquidado (IVA) ao Estado nas faturas emitidas, que o seu cliente (C) deduzia, o que originava, através do confronto entre o IVA liquidado e deduzido, não apuramento de imposto a entregar ao Estado.

A cadeia de faturação entre os vários operadores económicos, atrás relatada, teve por base um esquema de fraude fiscal, que consistia na criação de sociedades instrumentais (uma delas incumpridora) a montante da B... - controladas por esta – que permitiam a dedução a jusante do IVA nas entidades utilizadoras da faturação.

Em conclusão, as faturas emitidas pela sociedade B... que tiveram subjacente subcontratações efetuadas às sociedades A, B e C, que, por sua vez, tiveram subjacentes subcontratações efetuadas às sociedades A1, A3 e A4 foram consideradas operações simuladas, conforme se passa a fundamentar:

 

III.1.1 – Procedimento de Inspeção à B... (fornecedor do SP)

De acordo com o Relatório Final de Inspeção de 2021-11-08, elaborado pela Direção de Finanças do Porto, ao abrigo das Ordens de Serviço OI2019... e OI2019..., e incidência aos anos de 2017 e 2018, concluiu-se pela existência de negócios simulados entre a B... e os seus principais fornecedores:

 

(...)

 

 

 

III.1.2.2.5 – Fornecedor B...

Da análise aos elementos contabilísticos verifica-se que a B... foi, nos anos em análise, o 2.º maior fornecedor do SP, com valores de faturação na ordem dos €316.000 e €389.000, respetivamente, em 2017 e 2018.

O principal fornecedor foi a C... SA – espumas - que faturou valores na ordem dos €552.000 e €472.000, respetivamente, em 2017 e 2018.

Sendo a espuma a principal matéria prima do SP é de salientar o volume de faturação (subcontratação que as tiras de espuma (desperdícios) atingem na realização de uma mera tarefa de união, conforme referiu o SP através do seu advogado:

“…operação gera bastantes desperdícios de matéria prima, razão pela qual, partes dos retalhos que sobram deste primeiro corte dos rolos ou placas é suscetível de aproveitamento, bastando, para o efeito, que sejam costurados e cozidos ou colados…”.

 

Finalmente, verifica-se que apesar do SP evidenciar uma faturação regular ao longo de todos os meses de 2017, nos meses de agosto, novembro e dezembro não subcontratou qualquer serviço B... .

 

III.1.2.2.6 – Consumo da matéria prima versus subcontratação à B...

Conforme consta do ponto II.3.3.2 do presente Relatório, o SP vendeu essencialmente “Palmilhas”.

No mesmo ponto é referido que o preço médio de venda foi de:

Ano 2017: €0,56 palmilhas.

Ano 2018: €0,62 palmilhas.

 

Através do ponto II.3.3.1 do presente Relatório verifica-se que a taxa de incorporação de matérias primas (percentagem de matéria primas no produto final) foi de:

Ano 2017: 45%.

Ano 2018: 46%.

 

Em termos de valor, o gasto (consumo) com matéria prima ascende a:

Ano 2017: €0,25 = 45%*€0,56.

Ano 2018: €0,29 = 46%*€0,62

 

De acordo com as faturas emitidas pela B..., o serviço prestado, nos anos em análise, teve o seguinte custo por par:

- €0,25; €0,30; €0,35.

Ou seja, através de uma simples comparação verifica-se que a subcontratação efetuada junto da B..., para aproveitamento de desperdícios, tem custo superior à compra de matéria prima, o que indicia que o serviço subcontratado não se revela economicamente a melhor solução.

 

III.1.2.2.7 – Incongruência de datas no fornecedor

Da análise à documentação emitida pela B... e pela sociedade C, verifica-se que a B... emitiu para o SP 2 faturas (FT n.º 1/1049, de 2018-06-15, e FT n.º 1/1058, de 2018-06-26), que estão correlacionadas com a subcontratação efetuada junto da sociedade C (esta emitiu as FT n.º 18/76, de 2018-06-07, e FT n.º 18/82, de 2018-06-28).

Uma vez que as faturas têm “colocados à disposição do adquirente” a data de emissão da fatura, deteta-se a seguinte incongruência:

-A B... “entregou” ao SP os artigos mencionados na FT 1/1049, em 2018-06-15, quando a sociedade C só os entregou à B... em 2018-06-27;

– A B... “entregou” ao SP os artigos mencionados na FT 1/1058 em 2018-06-26, quando a sociedade C só os entregou à B... em 2018-06-28.

 

III.1.2.2.8 – Cruzamento entre a faturação emitida pela B... (para o SP) e a subcontratação efetuada à A, B e C

Com base nos elementos recolhidos no SP (faturas emitidas pela B...) e nos procedimentos de inspeção efetuados às sociedades A, B e C procedeu-se, através dos descritivos e das quantidades mencionados nas faturas, ao cruzamento das faturas emitidas por essas sociedades para a B... e desta para o SP.

Conforme quadro seguinte, verifica-se que as seguintes faturas emitidas da B... para o SP tiveram subjacente subcontratação efetuada junto das sociedades A, B e C, que foi considerada negócios simulados no procedimento de inspeção à B...:

 

 

 

Como já foi referido no ponto III.1.1, as faturas emitidas pelas sociedades A, B e C estão correlacionados com a subcontratação efetuada por elas, que também foi considerada negócios simulados.

 

 

Da análise aos quadros verifica-se que:

– O SP contabilizou faturas emitidas pela B... nos montantes de €316.209,64 e €388.759,95, respetivamente, em 2017 e 2018;

– Com exceção da fatura n.º 1/680 emitida pela B..., todas as faturas emitidas pela mesma estão correlacionadas com as faturas emitidas por A, B e C, que, por sua vez, estão

correlacionadas com a subcontratação que estas efetuaram junto de A1, A3, A4 e A (no caso da sociedade B).

 

III.1.3 – Conclusão

As sociedades tidas como prestadoras de serviços da cadeia de faturação, a montante do SP, não possuem as exigências - fatores produtivos – para se poder admitir que estejam inseridas num qualquer processo produtivo na área da fabricação de calçado, pelo que se concluiu que as suas operações corresponderam a negócios simulados.

No SP, enquanto utilizador das faturas emitidas pela B..., verifica-se a falta de requisitos na comprovação das operações de subcontratação bem como de diversas incoerências, nomeadamente:

– Não exibição de correspondência trocada entre o SP e o seu fornecedor B..., como e-mails e contratos;

– GT emitidas pelo SP, relativas ao transporte deste para a B..., com descrição e quantidades iguais às Faturas emitidas pela B..., o que não é coerente com a explicação dada pelo SP relativamente aos serviços prestados pela B...;

– Ausência de resposta relativamente à correspondência entre as faturas emitidas pelo SP e a subcontratação efetuada junto da B...;

– Falta de racionalidade económica na subcontratação efetuada junto da B..., como se descreve no ponto III.1.2.2.6.

 

Deste modo foram apurados fortes indícios de que as faturas emitidas pela B..., com exceção da fatura n.º 1/680, e contabilizadas pelo SP correspondem a negócios simulados.

Nos termos do n.º 3 do art.º 19.º CIVA, o IVA foi deduzido indevidamente pelo SP nos montantes de €55.348,59 e €72.694,95, respetivamente, para 2017 e 2018:

 

Em sede de IRC, e pelo facto das operações serem consideradas simuladas, o gasto contabilizado no montante de €240.646,00 e €316.065,00, respetivamente, em 2017 e 2018, não é aceite fiscalmente, nos termos do art.º 23.º do CIRC.

 

(...)

 

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

O SP foi notificado, via CTT (carta registada), através do Ofício n.º 2022..., de 2022-03-21, para exercer, querendo, no prazo de 15 dias, o direito de audição previsto no art.º 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e art.º 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA).

Na sequência dessa notificação, o SP exerceu, por escrito, via e-mail, no dia 2022-04-07, através da sua representante, o direito de audição, doravante DA, que se dá aqui por integralmente reproduzido, não aceitando parte do conteúdo do Projeto Relatório de Inspeção Tributária bem como as conclusões e os factos que lhe são imputados.

Para os devidos efeitos o mandatário do SP (Dr. D..., com Escritório na Rua ..., n.º ...,  ..., Apartado ..., ...-... Matosinhos) enviou, no dia 2022-04-21, a competente “Procuração Forense”, através da qual o mesmo o constitui seu procurador, a quem confere os mais amplos poderes forenses em direitos permitidos, incluindo os necessários para confessar, desistir, e transigir, bem como para a representar em qualquer diligência judicial.

No DA, o SP invoca os seguintes factos:

  • É conclusão genérica do Projeto Relatório (PR) de que existem fortes indícios de que as transações do SP com a sociedade B... correspondem a negócios simulados, logo, inexistentes.
  • Sendo os factos em que se alicerça o PR as conclusões obtidas do relatório de inspeção à B..., mas também, de conclusões obtidas de inspeções realizadas a outras empresas com quem a B... teria, alegadamente, relações comerciais, supostas ou efetivas.
  • AT sustenta toda a sua tese/posição nas conclusões da inspeção do terceiro (B...) com quem o SP se relaciona e nas conclusões das inspeções a empresas que, na cadeia de produção, se situam a montante da B... .
  • Do PR consta erradamente que o preço pago pelo SP pelos serviços para aproveitamento da matéria prima é superior ao pago pela compra de matéria prima nova.
  • O raciocínio é errado e incompleto.
  • O valor pago pela subcontratação não é superior ao da matéria prima.
  • AT não valoriza outros aspetos inerente ao fabrico que ultrapassam a questão do preço, como a título de exemplo, mistura de cores com colagem de cortes, reciclagem dos desperdícios, etc.
  • O SP desconhece os procedimentos das empresas a montante e não é responsável pelos mesmos.
  • Da sua parte cumpriu com todas obrigações que lhe eram exigidas.
  • Volta a referir que a AT mais não fez do que incidir toda a sua análise e toda a sua
  • fundamentação em factos próprios do fornecedor B... e outras empresas a montante, já que nada na atuação do SP foi apontado como suscetível de relacionar com qualquer operação simulada.
  • Relativamente aos serviços de construção civil, no montante de €30.396,00, desconsiderados como gastos e qualificados como ativos em tese concorda com a argumentação.
  • Contudo, as obras em causa não se destinaram a aumentar o período de vida útil do edifício, mas sim no cumprimento de uma obrigação legal.
  • Que resulta do DL n.º 266/2007 relativo à proteção sanitária dos trabalhadores contra os riscos de exposição ao amianto.
  • Foi no cumprimento desse normativo que foi substituído o telhado do prédio e recolhidas as placas de amianto.

 

Face ao exposto, verifica-se que no DA o SP nada de novo trouxe quanto aos elementos probatórios, senão veja-se:

1. No ponto III.1.2 do PR estão descritos os indícios recolhidos no procedimento de inspeção ao SP, que conjuntamente com os indícios recolhidos nos procedimentos de inspeção aos fornecedores a montante do SP, inverteram o ónus da prova consagrado no art.º 74.º da LGT, e levaram a AT a considerar como negócios simulados os realizados entre o SP e a B... .

2. No ponto III.1.2.2.2 do PR é referido que o SP sabia, mesmo antes do serviço ser prestado, as quantidades faturadas pela B..., uma vez que as guias de transporte emitidas pelo SP, relativas ao transporte da matéria prima para a B..., têm exatamente os mesmos

descritivos e quantidades das faturas emitidas pela mesma, após a realização do serviço.

3. Contudo, no DA o SP nada disse, nem tentou justificar o sucedido.

4. Da mesma forma, nada disse, relativamente ao facto da B..., nos anos em análise, ter sido o 2.º maior fornecedor do SP, realizando um mero serviço de união de desperdícios.

5. E apesar de ser várias vezes referido no PR a falta de resposta ao ponto 7 da notificação, que solicitava a correlação entre fatura emitida pela B... (subcontrato) e a fatura de venda emitida pelo SP ao seu cliente, também nada diz em sede de DA.

6. E, mais uma vez, nada refere no DA o facto de não ter dito nada aos pontos 5, 6, 7, 8 da

notificação, que consta do ponto III.1.2.1.

7. Ou seja, mesmo perante a ausência de resposta aos pontos supracitados da notificação, os serviços de inspeção recolheram fortes indícios, no procedimento de inspeção ao SP, de que as operações comerciais realizadas com a B... configuram negócios simulados, ao contrário daquilo que alega o SP no DA.

8. Refere ainda o SP, no ponto 17 do DA, que no PR consta erradamente que o preço pago pelo SP pelos serviços de aproveitamento de matéria prima é superior ao pago pela compra de matéria prima nova.

9. De acordo com o PR, ponto III.1.2.2.6, o gasto com matéria prima nova foi de €0,25, em 2017, e €0,29, em 2018; o gasto com o serviço prestado pela B... foi de €0,25, €0,30 e €0,35, nos anos de 2017 e 2018.

10. Como €0,30 e €0,35 são superiores a €0,25 e €0,29, o que consta no PR está correto, o valor pago pela subcontratação é superior ao da matéria prima nova.

11. Acrescenta o SP, que a AT não valoriza outros aspetos inerentes ao fabrico e à reciclagem de desperdícios, mas não justifica detalhadamente esses aspetos/reciclagem, limita-se a lançar ideias sem as fundamentar, nem junta quaisquer meios probatórios.

12. Chegando a lançar outra ideia de “faturas de favor”, nunca referida por nós, no ponto 31, do DA:

“Se as faturas entre a B... e os seus fornecedores não correspondem a negócios efetivos, por se tratar, eventualmente de faturas de favor para dar cobertura a outros negócios não faturados, o SP desconhece e não tem que conhecer.”

13. Quanto à fatura relativa aos serviços de construção civil, no montante de €30.396,00, desconsiderada como gasto e qualificada como ativo, é de referir que o imóvel - pavilhão industrial – foi inscrito na matriz urbana (sob o artigo ..., freguesia...) em 1994.

14. É normal que ao fim de 23 anos o imóvel sofra o desgaste decorrente do tempo, pelo que é evidente que a intervenção efetuada aumentou a sua vida útil.

15. Além do mais, a intervenção efetuada não foi apenas a substituição do telhado, também abrangeu: fornecimento e colocação de caleiras em chapa e fornecimento e montagem de chapa perfilada IRMAP5 aplicada na horizontal nas fachadas.

16. Da leitura ao Decreto-Lei n.º 266/2007, invocado pelo SP, verifica-se que o mesmo não faz referência à legislação fiscal, mas, contudo, impõe determinados requisitos, prévios de autorização da Autoridade para as Condições de Trabalho, para a remoção de amianto.

Ou seja, pelo conteúdo supratranscrito é possível associar essa mercadoria à nota de encomenda, logo também seria possível associar a nota de encomenda à fatura emitida ao cliente.

Em conclusão, constata-se que este depoimento não contribuiu em nada para a descoberta da verdade material.

Nesta conformidade serão de se manter as correções propostas no PR.

 

  1. Na sequência da inspecção foram emitidas as liquidações de IRC n.ºs 2022...e 2022..., referentes aos anos de 2017 e 2018 e as correspondentes liquidações de juros compensatórios n.ºs 2022... e 2022..., no montante total de, respectivamente, € 70.606,71 e € 79.118,41 (documentos juntos em 17-11-2023);
  2. Em 22-07-2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações, que veio a ter o n.º ...2022...;
  3. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 28-12-2022, proferido pelo Director Adjunto da Direcção de Finanças do Porto, ao abrigo de delegação de competências, notificado através de Ofício datado de 03-01-2023 (registo nº RF ... PT, de 12-01-2023);
  4. O despacho de indeferimento da reclamação graciosa remete para a fundamentação do projecto de decisão que costa do processo administrativo cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

O primeiro argumento apresentado pela reclamante de que as conclusões do RIT se baseiam apenas nas conclusões das inspeções ao fornecedor (B...) e aos fornecedores desta não é verdadeira, na medida em que foram solicitados à reclamante comprovativos da efetividade das transações e se concluiu que não foram apresentados comprovativos das transações económicas entre a B... e a reclamante, nomeadamente correspondência a referenciar as encomendas e serviços a efetuar; adequada documentação de transporte quer relativa à entrega dos materiais quer do regresso dos produtos ás instalações da reclamante: assim como a própria análise à faturação revela singularidades que levam a concluir que se tratam apenas de documentação sem concretização de algum negócio comercial. Trata-se assim da análise das aquisições da reclamante que foram postas em causa e não apenas das transações a montante.

O segundo argumento relativo ao desconhecimento da atividade da reclamante por ter sido relacionada com a atividade de fabrico de calçado, no entanto, a atividade da reclamante não está fora do processo de fabrico do calçado, estando nele inserido uma vez que fabrica uma das componentes desse produto final.

Segue-se a referência à falta de argumentação e inversão do ónus da prova.

Com efeito, no caso dos autos, os factos expostos traduzem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas postas em causa não se tenham efetivamente realizado. E esta probabilidade mostra-se tão elevada, apoiada num juízo de relação entre os indícios e a conclusão que deles se retira, segundo as regras de experiência comum, que se afigura capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações da reclamante e dos dados constantes da sua contabilidade, a que alude o artigo 75º da LGT.

Sendo certo que, os indicadores da falsidade das faturas constantes do procedimento foram recolhidos junto não só junto de terceiros, mas também da própria reclamante, mostrando-se os mesmos como seguros, credíveis, consistentes e bastantes para suportar o juízo formulado pela AT.

Seja como for, é unanimemente reconhecido que a AT pode lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das faturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado. De referir, ainda. que uma transação expressa numa fatura foi qualificada como inexistente na origem (no subcontratado) não pode ter outra qualificação no destino, essa transação é una e a mesma, sendo inexistente no vendedor é necessariamente inexistente no comprador.

Diante do exposto, cumpre reconhecer que a AT deu pleno cumprimento ao ónus de provar que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação (cfr. artigo 74º nº 1 da LGT), ou seja, de que existem indícios sérios de que as aquisições inscritas nas faturas suprarreferidas não se realizaram efetivamente. O que, desde logo, legitima a desconsideração do custo associado às operações aqui em crise à luz do artigo 23º do CIRC.

Posto isto, cumprido o ónus probatório atribuído à AT, competia à reclamante, a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do custo desconsiderado pela Administração Tributária, com o nº 1 do artigo 74º da LGT.

Factos que estão no seu domínio e que ninguém melhor do que o pretenso titular do direito se encontra em condições de os conhecer e de os vir provar.

Em sede de reclamação graciosa, a reclamante fica-se por meras considerações e pela negação genérica, não apresenta quaisquer factos devidamente organizados, apoiados em documentos probatórios concludentes, suscetíveis de demonstrar uma realidade distinta daquela verificada em sede inspetiva. Não apresenta factos novos capazes de contrariar as conclusões que lhe foram apresentadas no âmbito da ação de inspeção e o que de novo traz em nada altera as conclusões fundadas dos Serviços de Inspeção Tributária, tal como anteriormente explanado na presente informação.

Por outro lado, resulta evidente que o relatório se mostra devidamente estruturado, com o relato de toda a factualidade, pormenorizando o item cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT para chegar à conclusão de que as faturas aqui em causa são falsas, sendo que os factos aduzidos pela AT são vários e são explicitados de forma pormenorizada, pelo que há que concluir que a fundamentação, quanto a esta questão da falsidade das faturas, é completa, clara, expressa, suficiente. Não tendo sido inviabilizada, por isso, a defesa da reclamante verificando-se desta forma estar cumprido o dever legal de fundamentação, consagrado nos artigos 124.º e 125.º do CPA.

No que concerne à validade substancial do ato, importa salientar que atentos aos indícios apurados pelos SIT e respetiva prova material recolhida, afigura-se-nos que os motivos que determinaram que a AT atuasse como atuou correspondem à realidade, mostrando-se suficientes para legitimar as correções meramente aritméticas à matéria coletável da reclamante, não se vislumbrando quaisquer erros factuais.

 

  1. A Requerente faz palmilhas anatómicas (depoimento da testemunha E...);
  2. As palmilhas referidas são feitas por termo moldagem como uso de uma máquina quase totalmente automática a que tem de ser fornecida continuamente matéria-prima (depoimento da testemunha E...);
  3. A matéria prima, constituída por forros e espumas, é fornecida pelos clientes e é moldada pela máquina (depoimento da testemunha E...);
  4. As encomendas que a Requerente tinha em 2017 e 2018 eram de cerca de 30.000 palmilhas por dia (depoimento da testemunha E...);
  5. A Requerente tem cerca de 325 clientes (depoimento da testemunha E...);
  6. É grande a diversidade de formatos e tamanhos das palmilhas (depoimento da testemunha E...);
  7. As palmilhas são feitas com base em quadrados de matéria-prima, que têm de ser cortados (depoimento da testemunha E...);
  8. A Requerente não consegue produzir quadrados em quantidade suficiente para aproveitar toda a capacidade da máquina (depoimento da testemunha E...);
  9. As partes dos quadrados que sobram depois de cortados são susceptíveis de serem aproveitadas, com colagem e costura (depoimento da testemunha E...);
  10. A preparação dos quadrados destinados a serem utilizados na máquina de fabricação das palmilhas é imprescindível para o seu funcionamento (depoimento da testemunha E...);
  11. Nos anos de 2017 e 2018, a Requerente encomendava à B... LDA. (doravante “B...”) a preparação dos referidos quadrados quando tinha grandes encomendas, de forma a poder manter sempre o fornecimento da máquina automática referida (depoimento da testemunha E...);
  12. As espumas que constituem a base dos quadrados eram enviadas à B... que as cortava e fazia o aproveitamento das sobras (depoimento da testemunha E...);
  13. A Requerente também fazia o trabalho que encomendava à B..., mas os serviços desta aumentavam as quantidades disponíveis para utilização na máquina automática (depoimento da testemunha E...);
  14. Além da disponibilidade de mais material para utilizar na máquina automática, a encomenda dos serviços à B... dispensava a Requerente dos encargos com a eliminação de desperdícios que atingem cerca de € 3.000 por mês, correspondentes a um contentor por semana (depoimento da testemunha E...);
  15. A Requerente deixou de fazer encomendas à B... em meados do ano de 2020, quando teve conhecimento, através de uma inspecção tributária, de que a Autoridade Tributária e Aduaneira suspeitava que a B... estava envolvida num esquema de facturas falsas (depoimento da testemunha E...);
  16. Quando a Requerente deixou de encomendar os serviços da B... (ano 2020), a produção da Requerente baixou aproximadamente na medida do que a B...produzia (depoimento da testemunha E...);
  17. O operário que trabalha com a máquina pode produzir o dobro se tiver sempre material (depoimento da testemunha E...);
  18. O preço das palmilhas varia conforme há ou não sobreposição de materiais e de cores (depoimento da testemunha E...);
  19. A Requerente não tinha conhecimento de quais eram as empresas que no RIT foram identificadas através de letras como sendo fornecedoras da B... (depoimento da testemunha E...);
  20. A inspecção tributária não conseguiu encontrar os gerentes das empresas que no RIT refere como sendo fornecedores da B... (depoimento da testemunha F...);
  21. Não foi apresentada à inspecção tributária qualquer correspondência trocada entre a Requerente e a B... (depoimento da testemunha F...);
  22. A inspecção tributária não procurou apurar a diferença de preços entre os vários tipos de palmilhas, tendo utilizado valores médios, a nível dos custos e preços de venda (depoimento da testemunha F...);
  23. A B... celebrou com G... (em representação de H..., cabeça de casal da herança de I...), o contrato de arrendamento que consta do documento junto em 18-10-2023, cujo teor se dá como reproduzido, que vigorou entre 01-04-2014 e 30-04-2020, relativo a um pavilhão industrial sito no lugar da ..., na freguesia de ..., do concelho de Felgueiras, sendo indicada a fabricação de calçado como destino exclusivo do edifício arrendado;
  24. Nos anos de 2017 e 2018 a B... efectuou transportes de mercadorias para a Requerente utilizando viaturas de matrículas ... e ..., a que se reportam as guias de transporte juntas com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  25. Nos anos de 2017 e 2018 a B...  emitiu à Requerente as facturas juntas com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
  26. A Requerente efectuou pagamentos à B..., nos anos de 2017 e 2018, por transferência bancária, relativos à facturas emitidas pela B... (documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral)
  27. O volume de vendas e serviço prestados pela Requerente foi de € 2.079.196,87 em 2017, € 3.324.160,51 em 2018, € 3.396.324,38 em 2019, de € 2.774.442,68 em 2020, de
    € 3.025.628,01 em 2021 e de € 4.233.003,54 em 2022 (IES que foram juntas em 18-10-2023, cujos teores se dão como reproduzidos);
  28. Em 21-06-2022, a Requerente pagou a quantia de € 70.606,71, relativamente às liquidações de IRC e juros compensatórios referentes ao ano de 2017 (documento junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  29. Em 27-06-2022, a Requerente pagou a quantia de € 79.118,41, relativamente às liquidações de IRC e juros compensatórios referentes ao ano de 2018 (documento junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  30. Em 11-04-2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

2.2.1. Não se consideram provados os factos referidos no RIT relativos a inspecções tributárias não dirigidas à Requerente.

Na verdade, nenhum elemento de prova eventualmente existente nesses outros processos inspectivos sobre os factos referidos nos respectivos relatórios foi apresentada no presente processo.

Para além disso, como diz a Requerente, no artigo 63.º do pedido de pronúncia arbitral, «o relatório de Inspeção, remete para as conclusões formuladas numa acção inspectiva a outras entidades, na qual a exponente não teve qualquer participação», o que afecta a relevância probatória dos juízos de facto formulados nos relatórios referentes a inspecções a essas outras entidades, pois foram emitidos sem que a Requerente pudesse apresentar, em relação às provas que eventualmente existissem nesses processos inspectivos, a contraprova a que tem direito, nos termos do artigo 347.º do Código Civil, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Por outro lado, os relatórios dessas outras inspecções apenas foram parcialmente reproduzidos no RIT da inspecção à Requerente e com omissão de elementos relevantes para que este Tribunal Arbitral possa apurar se correspondem ou não a realidade as conclusões inspectivas, desde logo, a identidade das empresas que se estará a referir a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Neste contexto, não se consideram provados os factos afirmados nos relatórios que não se reportam directamente a inspecções a Requerente.

 

2.2.2. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo e também com base nos depoimentos das testemunhas, nos pontos indicados.

A testemunha E... é irmão dos sócios da Requerente e era o responsável pela sua produção nos anos de 2017 e 2018.

A testemunha F... é o inspetor tributário, tendo realizado a inspecção subjacente às liquidações impugnadas.

A testemunha J... era gerente da B... à data a que se reportam as facturas na origem das correcções que deram origem às liquidações de IRC impugnadas.

As testemunhas E... e F..., aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que foram dados como provados com base nos seus depoimentos.

A testemunha J... não aparentou depor com isenção, pelo que o tribunal arbitral não deu relevância ao seu depoimento para a fixação da matéria de facto.

O Tribunal Arbitral formou a convicção de que houve efectiva prestação de serviços por esta à Requerente.

Com efeito, essa prestação de serviços, que foi convincentemente explicada pela testemunha E..., é indiciariamente confirmada pelos factos de terem sido emitidas facturas pela B... a Requerente e efectuados pagamentos por esta àquela e terem sido efectuados transportes pela B... para a Requerente.

Para além disso, a existência dessa prestação de serviços e sua relevância para o aumento da capacidade de produção pela Requerente é ainda pela corroborada pelo facto de no ano de 2020, ano em que a Requerente deixou de adquirir serviços a B... a partir de meados do ano, ter ocorrido uma quebra acentuada das vendas da Requerente, como evidenciam as IES anexadas a pedido do tribunal. Na verdade, à face da prova produzida, a única explicação para esta quebra, ao arrepio da tendência de crescimento do volume de vendas nos anos anteriores a 2020, é a falta dos serviços da B... preparando os materiais para utilização na máquina automática da Requerente, falta essa que limitou a sua capacidade de produção.

Por isso, é convicção do Tribunal Arbitral que houve prestações de serviços efectivas pela B... à Requerente.

 

3. Matéria de direito

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira desconsiderou gastos contabilizados pela Requerente como reportando-se a aquisição de serviços à B..., por entender, em suma, que nenhuns dos serviços a que se referem as facturas foram prestados.

Como resulta da matéria de facto fixada, houve prestação de serviços pela B... à Requerente, o que impõe que se conclua que as correcções efectuadas em sede de IRC enfermam de vícios de erros sobre os pressupostos de facto.

Por outro lado, resulta também da prova produzida que os serviços referidos foram relevantes para a obtenção pela Requerente dos rendimentos sujeitos a IRC, o que conduz à conclusão que a sua não aceitação como gastos viola o n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

Estes vícios justificam a anulação dessas correcções e das liquidações de IRC que nelas se basearam, nas partes correspondentes a essas correcções, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.1. Questões de conhecimento prejudicado

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações de IRC que são objecto do presente processo, por vícios que impedem a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento das restantes questões suscitadas.

 

 

4. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede o reembolso das quantas pagas, com juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

 

4.1. Reembolso

 

Em 21-06-2022, a Requerente pagou a Requerente pagou a quantia de € 70.606,71, relativamente às liquidações de IRC e juros compensatórios referentes ao ano de 2017 e, em
27-06-2022, pagou a quantia de € 79.118,41, relativamente às liquidações de IRC e juros compensatórios referentes ao ano de 2018.

As liquidações impugnadas baseiam-se não só nas correcções efetuadas com fundamento em operações consideradas simuladas (correcções nos montantes de € 240.646,00 e € 316.065,00, respetivamente, em 2017 e 2018), mas também com fundamento em outras, designadamente gastos de conservação/amortizações e gastos de deslocações.

A Requerente apenas impugna as correcções efectuadas com fundamento em operações simuladas, pelo que apenas se justifica a anulação das liquidações impugnadas, nas partes correspondentes a essas correcções.

Assim, como consequência da anulação parcial das liquidações de IRC e juros compensatórios, nas partes em que têm como pressupostos as correcções nos valores de €240.646,00 e €316.065,00, respetivamente, em 2017 e 2018, efectuadas com fundamento em operações simuladas, há lugar a reembolso das quantias indevidamente pagas, que são as correspondentes as essas correcções, que deverão ser determinadas em execução do presente acórdão.

 

4.2. Juros indemnizatórios

 

O artigo 43.º da LGT estabelece o seguinte, sobre juros indemnizatórios, no que aqui interessa:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito a juros indemnizatórios quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O mesmo regime é aplicável ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 24.º, n.º 5 do RJAT.

No caso em apreço, conclui-se que há erros nas liquidações imputáveis aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que as elaborou, por sua iniciativa.

Os juros indemnizatórios devem ser contados, relativamente a cada quantia paga, desde a data em que foi efectuado o respectivo pagamento, até integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

5. Decisão

 

De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular parcialmente as liquidações de IRC n.ºs 2022... e 2022..., referentes aos anos de 2017 e 2018, respectivamente, e as correspondentes liquidações de juros compensatórios n.ºs 2022 ... e 2022..., nas partes em que têm como pressupostos as correcções à matéria tributável nos montantes de € 240.646,00, em 2017, e € 316.065,00, em 2018;
  3. Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso de quantias pagas, relativamente a cada uma das liquidações na proporção da respectiva anulação, e condenar a Administração Tributária a pagar à Requerente o que for liquidado em execução do presente acórdão;
  4. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios nos termos referidos no ponto 4.2. deste acórdão.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 149.725,12, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 21-11-2023

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Relator)

 

(Sílvia Oliveira)

 

 

(Tomás Castro Tavares)