Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 86/2023-T
Data da decisão: 2024-07-04  IRC  
Valor do pedido: € 208.550,19
Tema: IRC – benefício fiscal por criação de emprego - artigo 19.º do EBF - Reforma de decisão quanto a condenação em juros (anexa à decisão)
*Reforma a decisão arbitral de 22 de novembro e 2023
Versão em PDF

consultar versão completa no PDF

SUMÁRIO:

Quando tenha havido pedido de revisão oficiosa de iniciativa do contribuinte, os juros indemnizatórios devidos pela AT em caso de decisão arbitral favorável ao sujeito passivo contam-se a partir de um ano passado sobre a apresentação desse pedido.

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. Em 22 de Novembro de 2023 o presente Tribunal Arbitral Colectivo proferiu decisão em que, entre o mais, se determinou a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios nos seguintes termos, constantes do parágrafo 64 da Decisão:

Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que o Requerente efetuou o pagamento até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

  1. Em 10 de Janeiro de 2024, a AT interpôs recurso de uniformização de jurisprudência para o STA com fundamento na oposição desse segmento decisório ao fixado no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 23 de Novembro de 2022, proferido no processo n.º 9/22.3BALSB, em que se decidiu que, por estar em causa um litígio decorrente de um pedido de revisão oficiosa, tais juros só seriam devidos passado que fosse um ano dessa iniciativa do contribuinte.
  2. Em 26 de Junho de 2024, o Pleno da Secção de Contencioso Tributário decidiu esse recurso, aí tramitado sob o n.º 6/24.4BALSB, determinando a anulação da decisão arbitral “no segmento em que condenou a AT ao pagamento de juros indemnizatórios com termo inicial na data do pagamento do imposto, pois estes apenas são devidos um ano após a data em que foi pedida a revisão oficiosa da liquidação.”.
  3. Torna-se necessário, portanto, reformar a sobredita decisão arbitral no que diz respeito à condenação em juros, sendo que o mesmo Acórdão do STA determinou que, como o probatório da decisão arbitral era omisso quanto à data do pedido de revisão oficiosa, se deveria, em execução do julgado, confirmar tal data, que a Requerente invocara ser 28 de Maio de 2020 (5.ªf).
  4. Compulsado o Processo Administrativo – uma vez que os documentos juntos pela Requerente eram omissos quanto a essa prova – verifica-se que o referido pedido tem carimbo de entrada (no Serviço de Finanças) com data de 1 de Junho de 2020 (2.ªf), deixando supor que aí teria chegado por correio.
  5. Na ausência de outra prova, porém, fixa-se como data do pedido de revisão oficiosa o dia 1 de Junho de 2020 e, portanto, o dia 1 de Junho de 2021 como dies a quo para a contagem dos juros indemnizatórios devidos.
  6. Em consequência, delibera o Colectivo arbitral que, em 22 de Novembro de 2023, proferiu a decisão do Processo 86/2023-T, alterar o parágrafo 64 dessa Decisão nos seguintes termos:

Os juros indemnizatórios serão pagos desde um ano passado do pedido de revisão oficiosa – que se fixa ter tido lugar na data da sua entrada nos serviços de finanças no dia 1 de Junho de 2020 – até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

Notifique-se.

Lisboa, 4 de Julho de 2024

Os árbitros

Victor Calvete

 

Gonçalo Cid Peixeiro

 

Cristina Aragão Seia

 

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 86/2023-T

Tema: IRC – benefício fiscal por criação de emprego -  artigo 19.º do EBF.

 

* Reformada pela decisão arbitral de 07 de julho de 2024 quanto a condenação em juros.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

  1. A revogação parcial dos atos de liquidação impugnados implica a redução do âmbito da decisão arbitral e, consequentemente, das suas consequências ressarcitórias.
  2. A limitação ao benefício fiscal de criação líquida de emprego, constante no n.º 6 do artigo 19.º do EBF, não pode depender de requisitos não fixados na lei, designadamente do prévio não exercício de funções noutras empresas.

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professor Doutor Victor Calvete (presidente), Dr. Gonçalo Cid Peixeiro e Professora Doutora Cristina Aragão Seia, que formam o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 24 de abril de 2023, acordam no seguinte:

  1. RELATÓRIO
  1. A... S.A., pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º ..., com sede na ..., n.º ..., ..., ..., ...-... ... (adiante designada por “Requerente”), na qualidade sociedade dominante do perímetro do Grupo B..., sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), e 6.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro de 2011 (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Tributário e apresentar o pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) em 13 de fevereiro de 2023.
  2. É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
  3. Nos termos do PPA, a Requerente pretendia, entre o mais, a correcção oficiosa das declarações individuais de rendimentos Modelo 22 submetidas por cada requerente e “a consequente correção do resultado tributável individual da C..., D... e da E..., bem como do RETGS, declarados no período de tributação de 2015, e emissão da nota liquidação corretiva.
  4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação das designações dentro do prazo legal.
  5. As partes, notificadas dessa designação, não arguiram qualquer impedimento, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 24 de abril de 2023.
  7. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou Resposta e remeteu o Processo Administrativo (adiante designado apenas por “PA”).
  8. Tendo sido, pela Requerida, invocada a exceção de incompetência material do Tribunal para decidir esses pedidos, foi, em 7 de junho de 2023, proferido despacho a fixar prazo para que a Requerente pudesse “responder à excepção e reformulá-los no prazo de 10 dias, se assim o entender.
  9. A 19 de junho, veio a Requerente pronunciar-se sobre a exceção aduzida, aperfeiçoando nessa altura o peticionado, que passou a ter os seguintes termos:
  1. A anulação da decisão de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico, interposto contra a decisão de indeferimento parcial do pedido de revisão oficiosa do ato tributário com o n.º de processo ...2020...;
  2. A consideração e dedução à matéria coletável (individual e consequentemente, do RETGS) de 2015 dos valores adicionais de majoração do benefício fiscal da CLE [Criação Líquida de Emprego] peticionados de:
  • C...: Euro 159.060,19;
  • D...: Euro 28.280,00;
  • E...: Euro 21.210;

 

  1. O reembolso à REQUERENTE do montante de imposto indevidamente pago, em resultado da correção supra; e, bem assim,

 

  1. O pagamento à REQUERENTE de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
  1. Por despacho de 21 de junho de 2023 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinou-se que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas.
  2. Nas suas alegações, de 13 de julho, a AT informou o Tribunal “que o ato de autoliquidação de IRC, referente ao período de 2015, foi parcialmente anulado por despacho proferido pela Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária do IR, datado de 10-07-2023.”, juntando “Despacho de revogação e Informação n.º I2023...”, e solicitando que fosse declarada “extinta a instância por inutilidade da lide quanto à parte anulada do ato”.
  3. Devidamente notificada, a Requerente não se pronunciou.
  4.  Assim, por inutilidade superveniente no demais, o objeto do presente processo circunscreve-se à divergência entre Requerente e Requerida quanto aos valores de autoliquidação subsistentes de € 8.008,89 referentes ao C... e de € 21.210,00 referentes ao E..., num montante total de € 29.218,89, em ambos os casos por a AT entender que situações de prestação de “funções noutras empresas” desqualificavam os sujeitos em causa para efeitos dos benefícios de criação líquida de emprego.
  5. Por despacho de 24 de outubro de 2023, o Tribunal decidiu prorrogar o prazo para a prolação da decisão arbitral por um período de dois meses.

 

  1. SANEAMENTO
  1. O PPA apresentado em 13.2.2023 é tempestivo, visto que, é apresentado no prazo de 90 dias do indeferimento tácito do recurso hierárquico, interposto contra a decisão de indeferimento parcial do pedido de Revisão Oficiosa do Ato Tributário (RAT) com o n.º de processo ...2020..., nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
  2. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
  3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e estão devidamente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
  4. A matéria de exceção suscitada pela Requerida ficou sanada com a reformulação dos pedidos que a Requerente dirigiu ao Tribunal na sequência do convite à correção do seu PPA, como expressamente admitido pela alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT.
  5. Juntando o Despacho de revogação parcial da liquidação impugnada e dos atos de 2.º grau, a Requerida solicitou nas suas alegações que fosse declarada “extinta a instância por inutilidade da lide quanto à parte anulada do ato, mantendo-se quanto ao restante a defesa por impugnação vertida na resposta.”, ou seja, que fosse apenas apreciado o montante de autoliquidação de IRC de 29.218,89euros.
  6. O processo não enferma de nulidades e não existem quaisquer outras exceções ou outros obstáculos à apreciação do mérito da causa e que cumpra conhecer.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

§1. Factos provados

  1. Com relevo para a decisão da causa e analisada a prova produzida, consideram-se provados os seguintes factos:
  1. A Requerente é a sociedade dominante do Grupo B..., sujeito a IRC e enquadrado no RETGS.
  2. No exercício de 2015 o Grupo B... detinha no seu perímetro empresarial as sociedades F..., titular do NIPC ... (doravante “F...”), C..., S.A., titular do NIPC ... (doravante C...”), D..., S.A., titular do NIPC ... (doravante “D...”), H..., S.A., titular do NIPC ... (doravante “H...”), I..., S.A., titular do NIPC ... (doravante “I...”) e E..., titular do NIPC ...(doravante “E...”).
  3. A Requerente é uma sociedade vinculada ao regime da contabilidade organizada, sujeita a certificação legal de contas e é objeto de acompanhamento pela Unidade de Grandes Contribuintes da AT.
  4. As sociedades F..., C..., D..., H... e I... apresentaram, em maio de 2016, as autoliquidações de IRC referentes ao exercício de 2015 por via da submissão de declarações Modelo 22, as quais constam do Documento n.º 6 junto com o PPA.
  5. As sociedades dominadas deduziram, nas autoliquidações individuais de IRC, um montante de benefício fiscal de criação líquida de emprego previsto no artigo 19.º do EBF, correspondente aos seguintes valores:
    1. C...: 424.784,00 euros
    2. D...: 906.780,95 euros
    3. F...: 1.123,45 euros
    4. H...: 6.237,10 euros
    5. I...: 1.162,19 euros
    6. E...: 42.768,66 euros
  6. O montante de benefício fiscal deduzido foi ajustado proporcionalmente ao período de vigência dos contratos elegíveis nos termos do artigo 19.º do EBF em conformidade com o entendimento defendido pela AT à data da entrega das autoliquidações de IRC referidas no ponto d) da matéria de facto.
  7. No pedido de RAT, que foi objeto de projeto de deferimento parcial através do ofício n.º ..., de 23 de março de 2022, a Requerente viu aceite o quantitativo do benefício fiscal relativo à criação líquida de emprego deduzido no período de tributação de 2015, nos montantes infra:
    1. C...: 463.391,88 euros
    2. D...: 940.963,56 euros
    3. H... : 9.980,89 euros
    4. I...: 2.066,65 euros
    5. E... : 35.350,00 euros
  8. A Requerente desconsiderou o pedido de correção do benefício fiscal da Criação Líquida de Emprego (CLE) solicitado com referência à H... e I..., concedendo as conclusões retiradas pelas AT na decisão final de deferimento parcial do RAT, em 4 de julho de 2022.
  9. No seguimento da decisão final de deferimento parcial, a Requerente recorreu hierarquicamente em 1 de setembro de 2022, o qual nunca teve resposta por parte da Requerida.
  10. A Requerente apresentou em 13 de fevereiro de 2023 o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que está na origem do presente processo, no qual sustenta, além do mais, ter verificado a incorreção dos valores do benefício fiscal de criação líquida de emprego apresentados aquando da submissão das Modelos 22.
  11. Para efeito da consideração dos valores a deduzir no âmbito do benefício fiscal referidos no ponto antecedente, a Requerente procedeu à junção da seguinte documentação:
    1. Documento interno do Grupo contendo mapas por cada uma das sociedades Dominadas com o detalhe do apuramento do benefício fiscal de 2015 onde constam as seguintes informações.
      1. Identificação de cada um dos colaboradores elegíveis para efeitos de aplicação do benefício, NIF, NISS, data de nascimento, data de admissão ou passagem a efetivo e idade do colaborador, nessa data;
      2. Valor do benefício fiscal de criação de emprego com referência ao período de tributação de 2015, por colaborador, considerado para efeitos da submissão das Modelos 22;
      3. Valor do benefício fiscal de criação de emprego com referência ao período de tributação de 2015, por colaborador, que as Requerentes entendem suscetível de dedução
    2. Documento interno do Grupo contendo as tabelas que identificam encargos suportados por cada uma das sociedades dominadas em 2015 e respetivas componentes remuneratórias atribuídas aos colaboradores nesse período de tributação;
    3. Documentos relativos à conversão dos contratos de trabalho a termo para contratos de trabalho sem termo onde constam as seguintes informações:
      1. Cópias dos contratos de trabalho sem termo celebrados;
      2. Cartas de comunicação aos colaboradores da conversão do contrato de trabalho a termo para contrato de trabalho sem termo;
    4. Declarações emitidas por cada uma das sociedades Dominadas, onde se mencionam as importâncias devidas aos colaboradores no ano de 2015, as retenções na fonte de IRS realizadas e contribuições para a Segurança Social entregues;
    5. Cópia dos relatórios únicos da Segurança Social submetidos pelas sociedades Dominadas relativos aos anos de 2006 a 2016.
  12. No âmbito da apresentação de alegações escritas, a Requerida juntou despacho proferido pela Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária do IR, datado de 10 de julho de 2023, o qual anula parcialmente o autoliquidação de IRC, e que se resume infra:

 

 

§2. Factos não provados

  1. Com relevância para a causa não existem factos que se tenham considerados não provados.

 

§3. Fundamentação da matéria de facto

  1. No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, atendendo, de igual modo, às posições assumidas pelas partes.
  2. O Tribunal não tem o dever de pronunciar sobre toda a matéria de facto alegada pelas partes, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pela Requerente, e decidir se a considera provada ou não provada, conforme resulta do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT.
  3. Considerando as posições assumidas pelas partes nas respetivas peças processuais, o princípio da livre apreciação da falta de contestação especificada dos factos expresso nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e a cópia do processo administrativo junto aos autos, que foram objeto de exame e avaliação cuidada por este Tribunal, tendo em conta as regras da experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
  4. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova, e cuja veracidade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

§1. Questões a decidir

  1. Em face das alegações constantes do PPA, da exceção deduzida pela Requerida na sua resposta e da já referida reformulação dos pedidos e da revogação parcial dos atos contestados, as questões ainda sujeitas à cognição do Tribunal Arbitral, as quais são definidas pelos factos alegados e pelas pretensões processualmente formuladas que exijam decisão específica, são as seguintes (sempre sem prejuízo de a decisão de certa questão poder prejudicar a apreciação de outras):
  1. ilegalidade das autoliquidações de IRC subsistentes;
  2. reembolso dos montantes cobrados em excesso e juros indemnizatórios.

 

§2. Questão do benefício fiscal por criação de emprego – artigo 19.º do EBF

  1. A questão central a dirimir no presente processo consiste na apreciação do vício de violação de lei imputado pela Requerente ao indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado quanto aos atos de autoliquidação de IRC do período de tributação de 2015, com fundamento na violação do disposto no artigo 19.º do EBF que consagrava um benefício para a criação de emprego.
  2. Face à revogação dos atos de liquidação operadas pelo Despacho de 10 de julho de 2023 (que deu plena satisfação ao pretendido pela Requerente no que diz respeito ao D... e à maioria do pretendido no que respeita ao  C...- € 151.051,30 em € 159.060,19), o que resta ao Tribunal apurar é apenas a conformidade legal da recusa da AT em reconhecer o benefício fiscal referente aos trabalhadores do C... (€ 8.008,89) e do E... (€ 21.210,00) que identificou como tendo exercício de funções noutras empresas.

 

  1. Posições das Partes
  1. A Requerente pretendia inicialmente a revisão da autoliquidação de IRC do grupo de sociedades, respeitante ao período de tributação de 2015, decorrente da alteração de entendimento da AT – vertido na Instrução de Serviço n.º 20004/2019 - Série I 2019-08-21 emitida na sequência do Acórdão de uniformização de jurisprudência pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário STA, no âmbito do Processo n.º 01054/17.6BALSB, de 2019-05-08 –  quanto ao benefício fiscal respeitante à criação de emprego, previsto no artigo 19.º do EBF, na parte que não foi aceite pela AT, no montante de euros 208.550,19, conforme se demonstra infra:

 

  1. A Requerente defende, em suma: “(…)

O motivo que preside o presente procedimento contencioso, ao qual se somam os procedimentos relativos ao IRC de 20161 e IRC de 20172 prende-se com a correção do benefício fiscal relativo à CLE apurado pela Requerente e pelas demais sociedades que integravam o RETGS no período de tributação de 2015 e declarado aquando da submissão das respetivas Modelos 22 (cujas cópias se juntam em anexo sob a designação de Documento n.º 6).

Sucede que o referido montante deduzido a título do benefício fiscal da CLE foi apurado tendo por base o entendimento da AT no que respeita à interpretação do artigo 19.º do EBF à data da submissão da referida declaração Modelo 22.

De facto, à data do preenchimento e submissão das Modelo 22 relativas ao período de tributação de 2015, i.e. em 2016, a AT entendia, como melhor se demonstra de seguida, que o limite máximo de majoração aplicável nos termos do referido preceito seria o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida (“RMMG”), devendo este ser proporcionalmente ajustado em função do número de dias de aplicação efetiva do benefício fiscal num dado exercício, nos casos em que o colaborador não trabalhasse o ano completo ou nos casos em que se completassem os cinco anos de vigência do contrato antes do final do exercício.

Porém, em virtude da posição tomada pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) no Acórdão de uniformização de jurisprudência sobre esta matéria, referente ao processo n.º 01054/17.6BALSB, de 8 de maio de 2019 (que se junta em anexo como Documento n.º 8) e na sequência do mesmo, a AT alterou o seu entendimento quanto à interpretação da referida norma prevista no artigo 19.º do EBF.

Com efeito, atualmente a AT adota a posição assumida pelo STA no seu acórdão de uniformização de jurisprudência relativa à interpretação do artigo 19.º do EBF, reconhecendo que o limite máximo de majoração correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida não deverá ser ajustado em proporção do número de dias de aplicação efetiva do benefício fiscal num dado exercício.

Esta alteração de entendimento é admitida e reconhecida pela própria AT, nomeadamente através da Instrução de Serviço n.º 20004 (a qual se junta em anexo sob a designação de Documento n.º 9), de 21 de agosto de 2019, e que se encontra disponível para consulta.

Neste contexto, a Requerente procedeu a uma reanálise das realidades contabilísticas, fiscais e factuais que estiveram na base do cômputo do benefício, tendo verificado que, assumindo o novo entendimento aceite pela AT (resultante da jurisprudência do STA mencionada), o valor do benefício fiscal de criação de emprego a que teria direito, no período de tributação de 2015, seria manifestamente superior ao montante efetivamente deduzido a este título, aquando da submissão das Modelos 22 em referência.

Tal diferença resulta, concretamente, da correção ao valor do limite máximo de majoração aplicável do benefício aos colaboradores que saíram da empresa no decurso do ano de 2015 ou cujo benefício fiscal cessou nesse ano (pelo decurso do prazo de 5 anos), bem como aos postos de trabalho que, em termos líquidos, foram criados neste período.

  1. Por outro lado, a Requerida entende que a questão a dirimir na presente ação arbitral consiste em saber se a Requerente logrou comprovar o cumprimento dos pressupostos legais consagrados no artigo 19.º do EBF, e defende, em suma, o seguinte: “Recorde-se o que supra se disse sobre a fundamentação da decisão de indeferimento da RO, que se prende com as incongruências detetadas com os dados constantes do sistema informático da AT, tendo os serviços verificado, mediante análise das retenções na fonte (Categoria A) declaradas e das declarações de IRS dos trabalhadores, que:

- No que respeita aos 23 colaboradores (21 da C... e 2 da D...), foram efetuadas retenções na fonte de IRS pela C... e D... em momento prévio à celebração/passagem a contrato de trabalho sem termo, pelo que não são elegíveis para benefício fiscal de CLE;

- No que respeita a 7 colaboradores (2 da C..., 2 da D... e 3 da E...), exerciam funções noutras empresas, pelo que não são elegíveis para benefício fiscal de CLE.

  1. Na sequência do PPA, veio a Requerida, em sede de despacho proferido pela Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária do IR, datado de 10 de julho de 2023, o qual foi junto às alegações escritas da ora Requerida de 13 de julho de 2023, reconhecer a elegibilidade do benefício fiscal, no que respeita a 25 colaboradores, (21 da C... e 4 da D...), justificando a alteração da sua posição:

Com referência à sociedade dominada C..., relativamente aos 21 colaboradores afastados do benefício por exercerem funções na C... em data anterior à assinalada pela requerente tendo em conta que:

  • A requerente apresentou os contratos de trabalho por tempo indeterminado ou contratos a termo acompanhados de carta de integração no quadro de pessoal efetivo dos trabalhadores em questão;
  • As particularidades, regulamentação e legislação específica destes colaboradores nomeadamente o Decreto – Lei n.º 86/2015, que estabelece o regime jurídico da formação médica especializada com vista à obtenção do grau de especialista e os princípios gerais a que deve obedecer o respetivo processo;

Reconhece-se a elegibilidade destes trabalhadores para efeitos de acesso ao benefício fiscal prescrito no art.º 19.º do EBF.

“Com referência à sociedade dominada D..., relativamente aos 4 colaboradores afastados do benefício em sede de RO, somos de parecer que deve ser reconhecido o benefício peticionado tendo em conta que (1) a requerente apresentou os contratos de trabalho por tempo indeterminado bem como (2) as particularidades, regulamentação e legislação específica destes colaboradores nomeadamente o Decreto –Lei n.º 86/2015, que estabelece o regime jurídico da formação médica especializada com vista à obtenção do grau de especialista e os princípios gerais a que deve obedecer o respetivo processo.”.

  1. No entanto, relativamente aos restantes colaboradores, a Requerida, vem, também em sede de despacho proferido pela Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária do IR, datado de 10 de julho de 2023, manter a posição inicial, conforme justifica:

Relativamente ao afastamento de trabalhadores com o fundamento de que a base de dados da AT indica que os mesmos exercem funções em mais que uma empresa, adiantamos que os argumentos expendidos em sede de revisão oficiosa, tinham como objetivo o reconhecimento da requerente de que o benefício fiscal não lhe era devido em face dos factos observados na base de dados da AT, sendo que a prova não poderia ser enviada à requerente em face do dever de confidencialidade a que a AT se encontra obrigada.

Não obstante, sempre acrescentamos que, para efeitos da análise desta questão devemos ter presente o conceito de benefício fiscal patente no art.º 2.° do EBF que o caracteriza como medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extra fiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem, ou seja, as despesas fiscais originadas pela introdução de um benefício fiscal são mais que compensadas pelo benefício macro económico que o mesmo pretende alcançar.

No caso concreto do art.º 19.° do EBF, a medida de ação macro económica ambicionada prende-se com A CRIAÇÃO DE EMPREGO ESTÁVEL E DURADOURO PARA FAIXAS POPULACIONAIS DE MAIS DIFÍCIL EMPREGABILIDADE (os jovens na redação em vigor até ao período de tributação de 2006 alargando aos desempregados de longa duração incluídos a partir do período de tributação de 2007), o que não se verifica nos casos dos trabalhadores em causa nos presentes autos que comprovadamente obtêm rendimentos do trabalho dependente em mais que uma empresa. No mesmo sentido veja-se o recente acórdão do STA, de 26 de abril de 2023, proferido no âmbito do processo n.º Processo nº154/22.5BALSB – Pleno, que dispôs que:

«(..) a intenção do legislador não foi, simplesmente, incentivar a criação de postos de trabalho, mas criar emprego estável e duradouro para jovens e desempregados de longa duração, como resulta do facto de se ter restringido o incentivo aos casos de celebração de contrato sem termo. Aliás, há um elemento histórico expresso que aponta nesse sentido, e que é a intervenção do autor do projeto de lei que deu origem à Lei 72/98 no Plenário da Assembleia da República (Diário da Assembleia da República n.º 86, I série, de 27/06/1997), em que declarou: "Esta medida visa, fundamentalmente, incentivar directamente a criação e a estabilidade de novos postos de trabalho, uma vez que daí resultam benefícios em IRC”.»

  1. Deste modo, conclui a Requerida que relativamente aos dois colaboradores da sociedade C... “(…) mantem-se o entendimento de que estes trabalhadores não reúnem os pressupostos de elegibilidade para efeitos do benefício fiscal previsto no art.º 19.º do EBF”, bem como, “Com referência à sociedade dominada E..., relativamente aos três colaboradores afastados do benefício com o fundamento de que a base de dados da AT indica que os mesmos exercem funções em mais que uma empresa, mantem-se o entendimento de que estes trabalhadores não reúnem os pressupostos de elegibilidade para efeitos do benefício fiscal previsto no art.º 19.º do EBF, conforme fundamentos apresentados anteriormente.”.
  2. Assim, resta apenas verificar se estão, ou não, preenchidos os requisitos para a aplicação do benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF, relativamente aos colaboradores que exercem funções em mais que uma empresa, cujo benefício ascende a 29.218,89 euros.
  3. Relativamente a esta matéria, a Requerente entende que “a AT limitou-se a ignorar os meios de prova e argumentos apresentados pela Requerente para clarificar a aparente incongruência detetada.”.
  4. Assim, “Neste contexto, e não obstante considerar já ter apresentado, em fases anteriores do procedimento, a prova necessária e suficiente para a demonstração da elegibilidade dos colaboradores em questão para efeitos do cômputo do benefício, vem juntar uma vez mais a este recurso (em anexo sob a designação de Documento n.º 16), as cópias dos contratos de trabalho sem termo celebrados com os 7 colaboradores em crise e que evidenciam.”.
  5. Entende ainda a Requerente que “importa clarificar uma vez mais que a evidência (alegada pela AT) de que os colaboradores em questão exerceram funções noutras empresas do Grupo, na qualidade de trabalhadores independentes ou mesmo de trabalhadores dependentes, não é suficiente para pôr em causa a prova apresentada pela Requerente pois esta situação não prejudica qualificação daqueles colaboradores como entradas elegíveis, nos termos do artigo 19.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) – na sua redação à data dos factos.”.
  6. Reconhecendo que, “o n.º 6 do artigo 19.º do EBF (em vigor à data dos factos) determinava que “o regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC”.”, entende a ora Requerente que “o motivo que presidiu à desconsideração destes colaboradores pela AT não se prende com o facto de estes terem sido considerados como entradas elegíveis para efeitos do cômputo do benefício da CLE noutras empresas do Grupo – aliás esta questão nunca foi sequer levantada, nem poderia ter sido, pois não corresponde à realidade dos factos.”.
  7. Mais, “A AT limita-se a argumentar de forma genérica o facto de estes colaboradores terem exercido funções noutras empresas do Grupo e auferido rendimentos de Categoria A na esfera de tais entidades, sem que tenha sucedido em cumprir o ónus da contraprova que sobre si recai, nos termos do artigo 74.º da LGT.”.
  8. Entende ainda a Requerente que “perante a prova feita pela Requerente (traduzida na apresentação dos contratos de trabalho sem termo com as sociedades em questão –C..., D... e E...), ter-se-á forçosamente de concluir pela respetiva elegibilidade daqueles colaboradores para efeitos do cômputo do benefício da CLE.”, remetendo “(…) para as conclusões proferidas pelo CAAD no âmbito do processo n.º 437/2021-T, segundo as quais “II - Se o sujeito passivo impugna a legalidade de atos de autoliquidação e junta para o efeito elementos de prova que visam sustentar a sua posição, incumbe à AT realizar a sua contestação especificada de modo a cumprir com o ónus da contraprova que sobre si recai nos termos do artigo 74.º da LGT e a ilidir a presunção de veracidade e boa-fé das declarações e da contabilidade do sujeito passivo; III. Não se considera cumprido o ónus da contraprova que incide sobre a AT se esta se limitou a refutar de forma genérica e não especificada os elementos de prova juntos aos autos pelo sujeito passivo” (destacado da Requerente).”.
  9. Por outro lado, acrescenta a Requerente que, “(…) nos termos do artigo 75.º da LGT se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações apresentadas pelos sujeitos passivos, encontrando-se abrangidas por essa presunção a contabilidade e os dados e apuramentos contabilísticos a estas atinentes.”, e “Por conseguinte, se a AT não demonstrar a falta de correspondência entre o teor de tais declarações, da contabilidade ou da escrita com a realidade, o seu conteúdo terá de se considerar como verdadeiro.”.
  10. Ainda a este respeito a Requerente invoca as “palavras do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), proferidas no acórdão de 8 de fevereiro de 2018, no âmbito do processo 892/12.0BELRS, “Apenas se admite o afastamento da veracidade das declarações apresentadas quando a AT demonstre inequivocamente a existência de um facto tributário não refletido nessas declarações ou divergente do declarado, através de elementos carreados para o procedimento, tendo em vista ilidir a presunção da veracidade das mesmas.”.”.
  11. Terminando, “Assim, ao gozar a Requerente da presunção prevista no artigo 75.º da LGT e ao ter apresentado elementos de comprovação do seu direito à dedução do benefício fiscal aqui em questão, é sobre a AT que recai o ónus de realizar a contraprova relativamente aos factos alegados, tornando-os duvidosos nos termos do disposto no artigo 346.º do Código Civil – o que manifestamente não sucedeu.

Ao que acresce que, no âmbito e para efeitos da aplicação do artigo 19.º do EBF, não vigorava qualquer regime de prova vinculativa, i.e., a lei não impunha a apresentação de uma determinada prova concreta para a verificação dos pressupostos de que dependia a dedução do benefício fiscal relativo à CLE.”.

Pelo que, não tendo o legislador procedido a qualquer distinção, ou seja, não tendo estabelecido qualquer tipo de limitação quanto à concreta ou específica tipologia documental na qual se pode ou não suportar probatoriamente o direito à dedução em sede de IRC do benefício fiscal da CLE, não cabe ao intérprete (concretamente à AT) proceder a essa mesma limitação tipológica, em obediência às regras hermenêuticas da interpretação constantes do artigo 9.º do Código Civil.”.

 

2.2. Enquadramento jurídico

  1. Importa inicialmente analisar a redação do artigo 19.º do EBF à data dos factos (2015):

“Artigo 19.º

Criação de emprego

1 – Para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150 % do respetivo montante, contabilizado como custo do exercício.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se:

a) “Jovens” os trabalhadores com idade superior a 16 e inferior a 35 anos, inclusive, aferida na data da celebração do contrato de trabalho, com exceção dos jovens com menos de 23 anos, que não tenham concluído o ensino secundário, e que não estejam a frequentar uma oferta de educação-formação que permita elevar o nível de escolaridade ou qualificação profissional para assegurar a conclusão desse nível de ensino;

b) 'Desempregados de longa duração' os trabalhadores disponíveis para o trabalho, nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, que se encontrem desempregados e inscritos nos centros de emprego há mais de 9 meses, sem prejuízo de terem sido celebrados, durante esse período, contratos a termo por período inferior a 6 meses, cuja duração conjunta não ultrapasse os 12 meses;

c) «Encargos» os montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador, a título da remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade;

d) «Criação líquida de postos de trabalho» a diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respetiva admissão, se encontravam nas mesmas condições.

3 – O montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida.

4 – Para efeitos da determinação da criação líquida de postos de trabalho, não são considerados os trabalhadores que integrem o agregado familiar da respetiva entidade patronal.

5 – A majoração referida no n.º 1 aplica-se durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, não sendo cumulável, quer com outros benefícios fiscais da mesma natureza, quer com outros incentivos de apoio ao emprego previstos noutros diplomas, quando aplicáveis ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho.

6 – O regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC.”

  1.  De forma sintética, este benefício fiscal visava atribuir aos contribuintes o direito à dedução enquanto custo do exercício majorado em 50% dos encargos suportados com a criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, na condição de que fossem admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado.
  2. Conforme a jurisprudência arbitral já teve oportunidade de referir, «enquanto “criação líquida de postos de trabalho” considerava-se o diferencial positivo num mesmo período de tributação entre o número de colaboradores contratados e o número daqueles que, nesse mesmo exercício, tenham visto cessar a sua relação laboral. Verificando-se essa diferença, e assumindo o preenchimento dos demais pressupostos, aqueles encargos podiam ser majorados em 50%, tendo como montante máximo por posto de trabalho, o montante correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida

No que concerne à interpretação deste artigo, foi sendo entendimento reiterado da AT ao longo do período de vigência da norma que a quantificação do montante dedutível para efeitos do benefício fiscal em apreço tinha de ser sujeita a uma “diarização”, ou seja, o montante da majoração apenas podia ser considerado na proporção temporal durante o qual o contrato de trabalho por tempo indeterminado vigorou em cada exercício de tributação. Dito de outro modo, entendia a AT que sempre que a vigência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado nas condições supra referidas não vigorasse na totalidade de um período de tributação, impor-se-ia corrigir o montante da majoração susceptível de dedução no sentido de desconsiderar o benefício relativamente ao ou aos segmentos temporais durante os quais, nesse mesmo período de tributação, o referido contrato de trabalho não tivesse estado em vigor

Este entendimento foi defendido pela AT em diversa doutrina administrativa, designadamente, na informação vinculativa emitida no âmbito do processo n.º 1498/2006 mediante despacho do Director Geral de 26 de Setembro de 2006, bem como em diversos processos, conforme se constata, por exemplo, da leitura da decisão arbitral proferida em 4 de Março de 2019 no âmbito do processo n.º 202/2018-T, onde consta que a AT defendeu que “face ao disposto nos n.ºs 3 e 5 do artigo 19.º do EBF, o limite anual deve ser ajustado proporcionalmente ao n.º de meses em que se verificam as condições, sob pena de ser considerado um benefício fiscal superior ao que consta da lei”. Em idêntico sentido, vejam-se as conclusões do recurso apresentado pela AT junto do Tribunal Central Administrativo (“TCA”) Sul, no âmbito do processo n.º 881/12.5BELRS, cujo acórdão data de 10 de Fevereiro de 2022 (…)».[1]

  1. Em 8 de Maio de 2019, o STA proferiu um acórdão uniformizador de jurisprudência, no âmbito do processo n.º 01054/17.6BALSB, onde concluiu que “As regras da hermenêutica das normas legais tributárias (que são as do art. 9.º do CC, ex vi do n.º 1 do art. 11.º da LGT) não consentem que do art. 19.º do EBF se extraia o sentido de que, nos casos em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação, o limite máximo da majoração prevista no n.º 1 deva ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos”.
  2. Na sequência deste acórdão do STA, e como referido pelas partes, veio a AT a alterar o sentido da sua interpretação sobre o artigo 19.º do EBF na redação à data dos factos.
  3. No que respeita à questão em concreto, em que trabalhadores que exercendo funções noutras empresas de um grupo económico, permitam o benefício fiscal numa outra entidade desse grupo, a única limitação existente na lei é a constante no n.º 6 do artigo 19.º do EBF.
  4. Note-se que a supra norma prevê que o regime só pode ser concedido uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC.
  5. Deste modo, o n.º 6 do artigo 19.º do EBF pretende evitar que trabalhadores que já sido considerados no âmbito do benefício fiscal em causa, numa determinada entidade ou noutra com quem existam relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC, possam voltar a usufruir desse benefício numa dessas entidades.
  6. No entanto, o legislador é igualmente claro que, não tendo uma entidade usufruído do benefício de criação líquida de emprego, ao exercer funções numa outra entidade, ainda que existam relações especiais (artigo 63.º do Código do IRC), esse novo contrato de trabalho, desde que reúna os demais requisitos do artigo 19.º do EBF, poderá ser considerado no cálculo do benefício fiscal de criação liquida de emprego nessa entidade.
  7. Por outro lado, o Acórdão do STA, Processo n.º 0154/22.5BALSB, citado pela Requerida, versa sobre a substituição de trabalhadores, no âmbito do benefício fiscal de criação líquida de emprego, pelo facto de um contrato de trabalho cessar, e nada refere relativamente ao caso em concreto, em que apenas se avalia a diferença positiva entre saídas e entradas de colaboradores, independentemente da sua origem, e não substituições de colaboradores.
  8. Assim, este Acórdão do STA não deverá relevar para o caso em apreço.

Conclusão:

  1.  Atendendo aos fundamentos constantes no RAT e PPA, que deu o origem à autoliquidação contestada, e à prova junta aos autos, e ao deferimento parcial pela AT, conclui-se que, relativamente aos colaboradores que exerceram funções noutras empresas do Grupo, a Requerida não demonstrou que os mesmos tivessem já beneficiado, nessas outras empresas, do benefício fiscal de criação líquida de emprego, pelo que não poderia ter a AT recusado a dedução à coleta de IRC no valor 8.008,89 euros, relativamente à C..., e no valor de 21.210 euros, relativamente à E... .
  2. Em consequência, o Tribunal declara ilegal e anula a autoliquidação do RETGS referente ao exercício de 2015 no que respeita a essas importâncias (que eram as únicas que ainda subsistiam), devendo as correções relativas à dedução à coleta do benefício fiscal de criação líquida de emprego do C... e do E... ser efetuadas, com a correspondente consequência ao nível do RETGS, nos montantes que são anulados por efeito da presente decisão.

 

§3. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios

  1. A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela AT, bem como de pagamento de juros indemnizatórios, com referência expressa aos artigos 43º e 100.º da LGT e 61º do CPPT.
  2. Dispõe-se a este respeito no artigo 43.º, n.º 1, da LGT que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
  3. Quanto à aplicabilidade deste regime aos casos de autoliquidação de imposto refere Jorge Lopes de Sousa, em Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6.ª ed., 2011, Áreas Editora, p. 537 que “Nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação (…) o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos. Será indiferente, para este efeito de imputabilidade do erro, gerador de dívida de juros indemnizatórios, que se trate de caso de impugnação administrativa necessária ou facultativa, pois, em qualquer dos casos, a decisão da impugnação (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) é um acto da autoria da Administração Tributária, pelo que o eventual erro ser-lhe-á imputável, a partir do momento em que o praticou”.
  4. No caso sub judice concluiu-se pela ilegalidade do indeferimento do Recurso Hierárquico e da Revisão Oficiosa do Ato Tributário nos termos anteriormente evidenciados, cabendo a obrigação de restituição decorrente da presente decisão – e os correspondentes juros indemnizatórios – apenas do montante que por esta foi anulado, ou seja, € 29.218,89. No demais, que foi objeto de revogação pela AT, ambas essas obrigações decorrem da lei e dos termos do despacho de revogação parcial que salvaguarda – ainda que redundantemente – “os demais efeitos subsequentes”. 
  5. Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios (uma vez que nessa parte a decisão conforme com a lei não dependia de prova da situação específica dos abrangidos – que a AT entende que só veio a ser feita no decurso dos presentes autos), nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante de € 29.218,89 – o valor a reembolsar por efeito da presente decisão.
  6. Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que o Requerente efetuou o pagamento até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

  1. DECISÃO

Nestes termos, acorda este Tribunal Arbitral em:

  1. Anular a decisão de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico impugnado nos autos;
  2. Anular, na parte ainda subsistente, a decisão de indeferimento parcial do pedido de RAT impugnado nos autos;
  3. Anular parcialmente os atos de autoliquidação de IRC de 2015 objeto daquele procedimento, nos termos acima expostos;
  4. Condenar a Requerida a restituir à Requerente o montante de imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima referidos;
  5. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 97.º-A, n.º 1, alínea d), do CPPT, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 208.550,19 euros.

 

  1. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 4.284,00 euros, a cargo da Requerida, de acordo com a Tabela II do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do artigo 4.º, n.º 5, do mesmo Regulamento.

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de novembro de 2023

 

Os Árbitros,

 

 

 

Victor Calvete

 

                                              

Gonçalo Cid Peixeiro

 

 

Cristina Aragão Seia,

 

 

 

 

 

 



[1] Decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 434/2021-T do CAAD.