DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Adelaide Moura e Dra. Rita Guerra Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 25-07-2023, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., LDA., com sede na Av ..., nº..., ..., ...-... - Seixal, inscrita no Registo Comercial sob o número único de matrícula e de pessoa colectiva ..., (doravante “A...” ou “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação das liquidações de Imposto do Selo n.º ... (Nota Cobrança nº 2013...), nº ... (Notas Cobrança n.ºs 2014..., 2014 ... e 2014...) e n.º ... (Notas Cobrança n.ºs 2015..., 2015...).
A Requerente pede ainda que seja ordenado o reembolso da quantia indevidamente paga, no valor global de € 91.381,80, com juros indemnizatórios à taxa legal.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 18-05-2023.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 07-07-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 25-07-2023.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Em 06-11-2023, realizou-se uma reunião, em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações.
Apenas o Sujeito Passivo apresentou alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
-
Em 10-07-1997, a Requerente adquiriu à sociedade B..., Lda., com o NIPC..., a propriedade do prédio urbano inscrito sob o artigo ..., na matriz predial urbana da freguesia e concelho de ... (que proveio do artigo ... da mesma freguesia) (escritura que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Na escritura referida identifica-se o prédio da seguinte forma:
«Prédio misto, denominado “QUINTA ...”, na freguesia e concelho de ..., que é constituído por um conjunto de sete pavilhões, constituindo, tudo, um agregado industrial e está inscrito na matriz: a PARTE RÚSTICA sob o artigo nº..., da secção N, com valor patrimonial de 41.152$00, e, a parte URBANA sobre o artigo nº..., com valor patrimonial de 21.767.616$00; o prédio está descrito na conservatória do registo predial de ... sob o número ..., do livro B-trinta e um»;
-
No conhecimento de Sisa nº ..., de 09-07-1997 que instruiu a referida escritura, a parte urbana do identificado imóvel é descrita como:
«prédio urbano composto de um conjunto de sete pavilhões constituindo tudo um agregado industrial, sito na Qta. ..., em ..., na freguesia concelho de ... e inscrito na respectiva matriz sob o art. ... com valor patrimonial de ESC: 21.767.616$00» (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Na data da aquisição, o mencionado prédio urbano era constituído por cinco edifícios destinados a um agregado industrial composto por caldeiraria, escritório e armazém, refeitório, gabinetes e oficina de caldeiraria, como consta da caderneta predial urbana do anterior artigo ... (actual artigo ...) que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
-
Até 19-04-2023 não foi emitida licença de utilização para o prédio referido (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Pelas suas características, o prédio é destinado a actividade industrial, tendo, designadamente, pé direito com cerca de 10 metros para permitir a utilização de equipamentos pesados, incluindo 7 pontes rolantes, com capacidade entre as 3 e as 10 toneladas e a instalação de sistemas de iluminação e ventilação, largos portões para possibilitar a entrada e saída de camiões, máquinas e equipamentos, e Piso resistente capaz de suportar cargas pesadas, como empilhadoras e equipamentos de transporte (documentos n.ºs 5 a 22 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e depoimentos das testemunhas C..., D... e E...);
-
A Requerente não fez obras de alteração do seu interior que implicassem modificações da estrutura, de estabilidade, das cérceas, da forma das fachadas, dos telhados ou coberturas (depoimentos das testemunhas C..., D... e E...);
-
Em Fevereiro de 2013, no âmbito do procedimento de avaliação geral realizada nos termos do artigo 15.º do Código do IMI, com a redação dada pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro, a AT avaliou o referido prédio urbano como estando afecto a habitação (Documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
A notificação da avaliação foi emitida com assinatura digital do Chefe de Finanças com a data de 14-02-2013 (documento n.º 23);
-
A Requerente, em 2012, não foi notificada de qualquer liquidação do IS prevista na verba n.º 28 da TGIS;
-
A Requerente não se apercebeu de que na avaliação tinha sido considerado que o prédio estava afecto a habitação;
-
A Requerente não requereu segunda avaliação do prédio referido nos autos;
-
A Requerente recebeu a Nota de Cobrança n.º 2013 ... respeitante à verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), aditada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, e referente ao identificado prédio urbano e ao ano de 2012, no valor de € 30.460,60, tendo procedido ao pagamento da mesma em 31-12-2013 (documentos n.ºs 24 e 25 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
-
Em 2014, a Requerente recebeu as Notas de Cobrança n.º 2014..., no valor de € 10.153,54, n.º 2014..., no valor de € 10.153,53 e n.° 2014..., no valor de € 10.153,53, todas respeitantes à verba 28 da TGIS e referentes ao mencionado prédio urbano, as quais foram pagas, respectivamente em 30-04-2014, 30-07-2014 e 28-11-2014 (documentos n.ºs 26 a 31 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
-
No ano de 2015, a Requerente recebeu as Notas de Cobrança n.º 2015..., no valor de € 10.153,54, n.º 2015..., no valor de € 10.153,53 e n.º 2015..., no valor de € 10.153,53, todas respeitantes à verba 28 da TGIS e relativas ao referido prédio urbano, as quais foram pagas, respectivamente em 30-04-2015, 31-07-2015 e 30-11-2015 (documentos n.ºs 32 a 37 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
-
A 14-10-2015, a Requerente solicitou a revisão oficiosa dos identificados actos de liquidação do IS pela verba 28 da TGIS peticionando a anulação dos mesmos, nos termos que constam do documento n.º 38 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
O prédio em questão é um prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente e destina-se a armazém e atividades industriais e nunca antes teve qualquer outra utilização, ou sequer possibilidade de a ter, muito menos a de habitação.
Requer ainda, nos termos do artigo 130.° do CIMI conjugado com o artigo 68.° da LGT, por se verificar uma injustiça grave e notória susceptível de correcção, que a avaliação se reporte ao inicio da avaliação geral erradamente efectuada através da declaração modelo 1 de IMI com o n° ..., entregue em 2012/11/22, ficha de avaliação n.° ..., através da qual o prédio foi considerado com a afectação de habitação , sendo que, bastava verificar a descrição do mesmo na matriz para facilmente se concluir que tal não era possível e consequentemente a anulação do Imposto de Selo referido no artigo 28.° da respectiva Tabela Geral, indevidamente liquidado por erro dos serviços.
-
Em 15-02-2023, a Requerente foi notificada do despacho de 13-02-2023, proferido pelo Director de Serviço Central de IMT, indeferindo o pedido de anulação dos referidos actos de liquidação do imposto do selo, nos termos que constam do documento n.º 39 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
II -FACTOS
1. A requerente é proprietária, do prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de ..., sob o artigo...;
2. O imóvel em causa é um prédio em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente e estava descrito, à data dos factos tributários, como "conjunto de 7 pavilhões constituindo um agregado industrial com a seguinte composição. 1- Caldeiraria, pavilhão de um só piso(...) 2 -escritório e armazém com 2 pisos(..) 3 -refeitório de 5 divisões (...) 4 -Gabinetes e oficina(..) 5 -Caldeiraria, pavilhão com 1 só piso(...) 6 -Oficinas diversas e caldeiraria(...) 7 -Pátio com parte coberta(..)";
3. O prédio foi avaliado, no decurso da avaliação geral efetuada aos imóveis, em 2012, através da ficha de avaliação n.º..., tendo sido apurado para o mesmo, o valor patrimonial tributário (VPT) de €3.046.060,00, com a afetação de "habitação";
4. Esta avaliação foi notificada à requerente, pelo ofício n. ..., de 2013-02-04, através do registo dos CTT n.° ...2013..., avaliação que foi aceite e não reclamada;
5. Em 2013-04-12, transitou em julgado a avaliação do imóvel;
6. As liquidações de Imposto do Selo, da verba 28 da TGIS, foram emitidas para os anos de 2012, 2013 e 2014 encontrando-se o imposto regularizado;
7. Em 2015-10-14, a Requerente submeteu a Declaração Modelo 1 do IMI para o prédio em questão, a que foi atribuído o n.º registo ..., com fundamento em "Mudança da afetação do prédio";
8. Nesse mesmo dia, 2015-10-14, deu entrada no serviço de finanças de..., o presente procedimento de revisão oficiosa;
9. Na sequência da entrega da Declaração Modelo 1 do IMI, foi efetuada nova avaliação do imóvel (ficha de avaliação n.º...), a qual produziu efeitos na matriz a 2015-12-31, passando a constar na afetação do imóvel "armazéns e atividade industrial", com novo VPT de € 1.153.840,00;
10. Em 2016-07-05, os serviços da AT procederam à anulação do Imposto do Selo, pela verba 28 da TGIS, relativamente ao ano de 2015;
III -ANÁLISE
Analisados os pressupostos procedimentais da presente revisão oficiosa verifica-se que a requerente tem personalidade e capacidade tributária para o exercício de direitos em procedimento tributário, detendo legitimidade no presente procedimento para requerer a revisão dos atos tributários (cf. art. 9.° n.° 1 do CPPT e art. 65.° da LGT).
Vem a Requerente, ao abrigo do art. 78.° da Lei Geral Tributária, solicitar revisão oficiosa dos atos de liquidação do Imposto de Selo, verba 28.1, da TGIS, dos anos de 2012 a 2014 respeitantes ao prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de ..., sob o artigo ..., invocando que este prédio sempre se destinou a armazém e atividades industriais e nunca teve utilização de habitação, pelo que requer que seja considerada e aplicada à presente situação a afetação do imóvel como "atividade industrial", tal como resultou da avaliação de 2015 e, em consonância, proceder-se à anulação das respetivas liquidações e à restituição do imposto indevidamente pago.
Vejamos se lhe assiste razão.
A Lei n." 55-A/2012, de 29 outubro, veio alterar o artigo 1.° do Código do Imposto do Selo (CIS), e aditar à respetiva Tabela Geral (TGIS), a Verba 28.
Com efeito, a Verba 28 foi aditada à TGIS pelo art. 4.° da Lei n.° 55-4/2012, de 29/10, sendo aplicável à "Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a €1000 000 -sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1-Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI-1%".
Com esta alteração legislativa, o imposto do selo passou a abranger na sua incidência a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), fosse igual ou superior a €1.000.000,00 e com afetação à habitação.
O imposto passou assim a incidir sobre o VPT utilizado para efeitos de IMI, aplicando-se as taxas de 1% e 7,5%, respetivamente, às seguintes realidades: (i) por prédio com afetação habitacional; (ii) por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
Resulta da Lei n.° 55-A/2012, de 29 de outubro, em conjugação com os artigos do Código do Imposto do Selo por ela alterados e do Código do IMI, que o imposto do selo previsto na verba 28.1 da TGIS tem caráter periódico, a sua liquidação é efetuada oficiosamente, ao abrigo do princípio da legalidade, em conformidade com o artigo 8.° da LGT, tendo em conta os elementos constantes na matriz, à data dos respetivos factos tributários, que ocorrem a 31 de dezembro dos anos a que o mesmo respeita.
À data dos respetivos factos tributários, ocorridos a 31 de dezembro de 2012, 2013 e 2014, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia e concelho de ..., constava na matriz como afeto à «habitação», e só na sequência da entrega da Declaração Modelo 1 do IMI, em 2015-10-14, a afetação do prédio passou a ser "armazéns e atividade industrial", retirando-o, deste modo, do âmbito da incidência do imposto de selo, pela verba 28.1 da TGIS.
No caso em análise, constatou-se que o prédio urbano em causa foi avaliado nos termos do CIMI, no âmbito da avaliação geral de prédios urbanos, tendo-lhe sido atribuído o VPT de € 3.046.060,00, o qual teve por base as áreas e a afetação de "habitação", que constava na matriz.
A recorrente foi regularmente notificada da avaliação efetuada pelos serviços, não tendo requerido uma segunda avaliação, no prazo de 30 (trinta) dias, ao abrigo do disposto no art. 76.° do CIMI.
Daí que, o valor patrimonial tributário resultante da avaliação, se tenha consolidado na sua esfera jurídica, bem como a afetação do imóvel, considerada para efeitos de determinação do respetivo VPT.
O artigo 130.°, n.° 3, alínea c) do CIMI prevê que o sujeito passivo pode reclamar a todo o tempo de qualquer incorreção nas inscrições matriciais, nomeadamente quanto à afetação do prédio, constituindo fundamento do pedido.
Com efeito, a reclamação matricial prevista no art.° 130.° do CIMI, é o meio próprio para comprovar e solicitar as correções na matriz, mas cujos efeitos se produzem apenas no ano da apresentação do pedido ou da promoção da retificação, conforme resulta expressamente do n.º 8 deste normativo.
Ou seja, os efeitos da reclamação apresentada com fundamento no art. 130.° do CIMI, só se produzem na liquidação respeitante ao ano em que for apresentado o pedido ou promovida a retificação, pois os efeitos das reclamações apresentadas nos termos do art. 130.° do CIMI não são retroativos, razão pela qual os serviços da AT procederam à anulação das liquidações respeitantes a 2015.
Deste modo, os efeitos da reclamação apresentada pela Requerente não se aplicam às liquidações de IS verba 28.1 da TGIS referentes aos anos de 2012 a 2014, pois estas foram efetuadas com base nos VPT e afetações constantes da matriz, à data dos factos tributários, não podendo a contribuinte, por via do procedimento da revisão oficiosa, obter a produção de efeitos que dependiam do procedimento de avaliação, entendimento este que não suscita dúvidas.
Pelo que não existe qualquer erro dos serviços no que se refere às liquidações objeto dos autos, porquanto as mesmas respeitam a informação constante da matriz, devidamente consolidada na ordem jurídica, por inação do sujeito passivo, em tempo oportuno, quando notificado da avaliação geral.
A alegada existência de erro na matriz, quanto à afetação do imóvel, não desonerava o contribuinte de diligenciar junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pela sua correção.
Assim, face ao principio da legalidade inerente a toda a atividade administrativa e tributária, a AT liquidou o Imposto do Selo, pela verba 28.1. da TGIS, de acordo com os elementos constantes da matriz, aplicando a lei aos factos tributários.
IV- Conclusão/Proposta de decisão
Face às razões aduzidas, considera-se não assistir razão à Recorrente, A...Lda, pelo que se propõe o INDEFERIMENTO da presente revisão oficiosa, com a manutenção dos atos ora recorridos.
-
Em 16-05-2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
3. Matéria de direito
3.1. Posições das Partes
Da prova produzida resulta manifestamente que o prédio em causa nunca esteve afecto a habitação, o que nem sequer é objecto de controvérsia e veio a ser reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira na avaliação efectuada em 2015.
Assim, conclui-se que a avaliação efectuada em 2013 enferma de erro ao assentar no pressuposto de que o prédio se destinava habitação.
A Autoridade Tributária e Aduaneira recusou a revisão por entender, em suma, que, não tendo sido impugnada a avaliação efectuada em 2013, o valor patrimonial tributário se consolidou na ordem jurídica, bem como a afectação do imóvel, não podendo deixar se serem considerados os elementos constantes da matriz enquanto não foram alterados.
No presente processo a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém essa posição, acrescentando que a avaliação é um acto destacável, autonomamente recorrível, pelo que os vícios de que enferma não podem ser apreciados em impugnação das liquidações e invocando a jurisprudência uniformizada pelo acórdão Supremo Tribunal Administrativo 23-02-2023, processo n.º 0102/22.2BALSB.
A Requerente defende no presente processo, em suma, que existiu esse erro na avaliação, mas não é o acto de fixação do valor patrimonial tributário que é objecto de impugnação, mas sim as liquidações de Imposto do Selo, e estas não são impugnadas com fundamento em erro no cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável, estando em causa neste processo um vício dos actos de liquidação que fizeram incidir Imposto do Selo ao abrigo do artigo 28 da TGIS sobre prédio não habitacional.
Para além disso, a Requerente defende que a imposição da tributação da verba 28.1 a prédios não afectos a habitação ofende o princípio constitucional da tributação com base na capacidade contributiva.
3.2. Apreciação da questão
A verba 28 da TGIS foi introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, com a seguinte redacção:
28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;
28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.
A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, alterou a verba 28.1, nos seguintes termos:
28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %
No caso em apreço, independentemente de existir ou não erro do acto de avaliação de 2013, a Requerente não o impugna, como esclarece nas suas alegações, pelo que a impugnação não estava sujeita aos requisitos legais previstos para a impugnação de actos de avaliação, designadamente, o esgotamento dos meios graciosos previstos para impugnação de actos de avaliação, a que se refere o n.º 7 do artigo 134.º do CPPT.
Na verdade, o vício que a Requerente imputa às liquidações de Imposto do Selo não tem a ver com o cálculo do valor patrimonial tributário fixado, mas com a erro na afectação do prédio relevante para efeitos da verba 28 da TGIS, o que é um vício distinto de erro na determinação daquele valor.
Se, mesmo que exista eventual erro na determinação do valor, a Requerente não pretende discutir o valor patrimonial que foi fixado, não tinha, naturalmente, de fazer uso dos meios legais previstos para a impugnação do acto de avaliação.
Por outro lado, não sendo objecto de impugnação o valor patrimonial fixado, que está consolidado na ordem jurídica, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, não é pertinente a invocação da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo relativa à impugnação de actos de liquidação com fundamento em vícios dos actos de fixação dos valores patrimoniais.
Não há, assim, obstáculos procedimentais ou processuais à apreciação do vício que a Requerente imputa aos actos de liquidação impugnados.
Ora, o vício que afecta os actos de liquidação é claro, à face da prova produzida, pois a verba 28, quanto a prédios edificados, apenas é aplicável aos que tenham afectação habitacional, e o prédio em causa não tinha essa afectação.
Na verdade, não tendo o legislador da TGIS definido os conceitos de «prédio com afectação habitacional» e «prédio habitacional», terá de se fazer apelo, subsidiariamente, ao conceito que consta do artigo 6.º do CIMI, ( [1] ) de que decorre que essa qualificação apenas é atribuída aos prédios que estejam licenciados para habitação ou que a tenham «como destino normal».
No caso em apreço, o prédio não está licenciado para habitação nem a tinha nem tem como destino normal, pelo que não se está perante «prédio com afectação habitacional» e «prédio habitacional» e, consequentemente, a situação não é abrangida no âmbito de incidência da verba 28 da TGIS.
Por outro lado, na verba 28 não se refere que a afectação habitacional é aferida em face do que consta dos actos de avaliação ou do que consta da matriz, limitando-se, quanto a esta, a remeter para o «valor patrimonial tributário constante da matriz» e não a afectação que dela conste.
Pelo exposto, conclui-se que as liquidações de Imposto do Selo impugnadas enfermam de vícios de erro sobre os pressupostos de facto, que justificam a sua anulação.
3.3. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a anulação das liquidações impugnadas, com fundamento em vícios que impedem a sua renovação, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.
Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.
4. Reembolso de quantia paga
A Requerente pagou as quantias liquidadas e pede reembolso do montante indevidamente pago, que é de € 91.381,80.
É consequência da anulação das liquidações o reembolso das quantias pagas indevidamente, o que se insere no dever de plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, que se refere no artigo 100.º da LGT e no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT.
5. Juros indemnizatórios
A Requerente formula pedido de juros indemnizatórios.
O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.
O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido n processo n.º 402/06.
Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».
Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
No caso em apreço, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 14-10-2015, fora do prazo de 120 dias previsto para a reclamação graciosa no artigo 70.º, n.º 1, do CPPT. Isso é claro, desde logo, quanto à liquidação relativa ao ano de 2012 foi notificado em 2013 e à referente ao ano de 2013 foi notificada em 2014. No que concerne à liquidação relativa ao ano de 2014, foi notificada antes de 30-04-2015, data em que a Requerente fez o pagamento de 1ª prestação (documentos n.ºs 34 e 35 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
Assim, no caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».
Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 14-10-2015 e foi decidido em 13-02-2023, pelo que se verifica uma situação em que são devido juros indemnizatórios, a partir de 15-10-2016, data em que se completou mais de um ano sobre a data da apresentação do pedido.
Assim, os juros indemnizatórios devem ser contados desde 15-10-2016 e calculados com base na quantia de € 91.381,80, até ao seu integral reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
6. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Anular as liquidações de Imposto do Selo subjacentes à Nota de Cobrança n.º 2013..., às Notas de Cobrança n.ºs 2014 ..., 2014... e 2014 ... e às Notas de Cobrança n.ºs 2015..., 2015... e 2015...;
-
Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia € 91.381,80 e condenar a Administração Tributária a pagá-la à Requerente;
-
Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, nos termos referidos no ponto 5 deste acórdão.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 91.381,80, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 25-11-2023
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Relator)
(Adelaide Moura)
©
(Rita Guerra Alves)
[1] Neste sentido, entre muitos, podem ver-se os acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09-04-2014, processo n.º 048/14, de 24-09-2014, processo n.º 0739/14, e de 22-04-2015, processo n.º 0279/15.