Sumário:
A AT não pode, sob pena de incorrer em vício de violação de lei, negar a dedutibilidade fiscal de um gasto incorrido, de forma discricionária ou não devidamente fundamentada, sendo certo, porém, que compete ao sujeito passivo demonstrar a indispensabilidade dos gastos suportados, em conformidade com os critérios legalmente exigidos, nos termos do disposto no artigo 23º do CIRC. Cabendo o ónus da prova à Requerente, esta não demonstrou a indispensabilidade dos custos suportados com o pagamento dos encargos com a angariação e acompanhamento de clientes, pelo que as correções efetuadas são legais.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A..., LDA, de ora em diante designada apenas Requerente, pessoa coletiva nº..., com sede social na ..., nº ..., ... e..., ..., ...-... Lisboa, vem, nos termos do disposto na alínea a) do n.1 do artigo 2.º, n.2 do artigo 5.º, n.1 do artigo 6.º, e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na sua redação atual, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), em conjugação com os artigos 99.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentar pedido de constituição de Tribunal arbitral.
Este pedido arbitral tem em vista a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa nº ...2021... e a consequente anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) nº 2021..., de 23 de junho de 2023, bem como os respetivos juros compensatórios, no montante global de € 5 061,50.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante também identificada por AT.
O pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado no dia 20 de janeiro de 2023, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e, nesse mesmo dia, automaticamente notificado à AT.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
No dia 10 de março de 2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído no dia 28 de março de 2023. No dia 3 de abril de 2023 foi proferido despacho arbitral em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT e, no dia 4 de abril de 2023, foi notificada à AT para, querendo, apresentar resposta.
A AT apresentou Resposta no dia 10 de maio de 2023, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e na mesma data juntou Processo Administrativo (PA).
No dia 18 de julho de 2023, foi proferido despacho, no qual se deu conta que as Partes não requerem a produção de qualquer prova e a exceção invocada pela Requerida pode ser conhecida na decisão final, pelo que se dispensou a reunião do artigo 18.º do RJAT.
De igual modo, no referido despacho, decidiu-se que as partes já expuseram os seus pontos de vista no que diz respeito às questões fiscais a decidir, pelo que se dispensou igualmente a produção de alegações escritas.
No dia 28 de setembro foi proferido um novo despacho a prorrogar por dois meses o prazo para a decisão final, tendo em conta que, por motivos, de saúde, não foi possível a decisão dentro do prazo inicialmente fixado.
A Requerente juntou no dia 19 de outubro de 2023 o comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente.
II. SANEADOR
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112A/2011, de 22 de março.
Foi suscitada matéria de exceção que será apreciada em sede de questões prévias.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre decidir.
III. MATÉRIA DE FACTO:
Factos provados
Com relevância para a decisão final, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que exerce a atividade de construção de edifícios residenciais e não residenciais, a que corresponde o CAE 41200.
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A Requerente tem dois sócios, marido e mulher, e um capital social de € 10 000, tendo iniciado a atividade em abril de 2017.
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No exercício de 2018 prestou serviços no montante de € 222 034,32 e vendas no montante de € 57 382,12, para além de serviços na área da saúde, no valor de € 99 355,41, tudo num total de € 378 771,85.
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No dia 29 de junho de 2019 submeteu a declaração modelo 22 (...), na qual apurou um lucro tributável no montante de € 1 572,06, resultando um imposto a pagar de € 1 187,08.
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A Autoridade Tributária efetuou uma inspeção à Requerente, ao abrigo da OI2019..., em relação ao exercício de 2018, da qual resultaram correções.
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A Requerente considerou como gasto fiscal da atividade, no exercício de 2018, a importância correspondente a € 25 000, a título de angariação de clientes no ano de arranque da atividade.
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Na sequência da inspeção efetuada pela AT, o lucro tributável declarado foi alterado para € 26 572,06, dando origem a uma liquidação adicional de IRC, no montante de € 5 061,50.
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A Requerente apresentou a reclamação graciosa nº ...2021..., que foi indeferida, na qual suscitava a ilegalidade da liquidação adicional do IRC nº 2021..., de 23 de junho de 2023.
Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem outros factos que devam considerar-se como não provados.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria considerada comprovada tem suporte documental junto aos autos pela Requerente e pela AT, que juntou o Processo Administrativo, do qual faz parte integrante o RIT, que se reveste de especial valor probatório.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada, nos termos do disposto nos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
IV. MATÉRIA DE DIREITO
Questão a decidir
Considerando tudo o que vem exposto, constata-se que este Tribunal tem de decidir sobre as questões suscitadas pelas partes que possam obstar ao conhecimento do mérito da questão e por último a questão de fundo, caso as exceções invocadas pelas partes não procedam. Assim, seguir-se-á a seguinte ordem de apreciação:
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A questão da ineptidão da petição inicial;
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Indeferimento da reclamação graciosa e ilegalidade da liquidação adicional do IRC do exercício de 2018, tendo em conta o disposto no artigo 23º do CIRC.
QUESTÃO PRÉVIA
Da ineptidão da petição
A alegação da ineptidão da petição inicial implica a análise do disposto no artigo 10º do RJAT, normativo que contém os requisitos a que deve obedecer o pedido de pronúncia arbitral.
De acordo com o disposto nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 10º do referido regime, o pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via eletrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:
a) A identificação do sujeito passivo, incluindo o número de identificação fiscal e do serviço periférico local do seu domicílio ou sede ou, no caso de coligação de sujeitos passivos, do serviço periférico local do domicílio ou sede do sujeito identificado em primeiro lugar no pedido;
b) A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;
c) A identificação do pedido de pronúncia arbitral, constituindo fundamentos deste pedido os previstos no artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, bem assim, a exposição das questões de facto e de direito objeto do referido pedido de pronúncia arbitral;
d) Os elementos de prova dos factos indicados e a indicação dos meios de prova a produzir;
e) A indicação do valor da utilidade económica do pedido;
f) O comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem inicial, nos casos em que o sujeito passivo não tenha optado por designar árbitro ou comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem, caso o sujeito passivo manifeste a intenção de designar o árbitro;
g) A intenção de designar árbitro nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.
Por outro lado, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 108º do CPPT, aplicável subsidiariamente, a impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.
O número 2 do mencionado artigo dispõe que na petição deve indicar-se o valor do processo ou a forma como se pretende a sua determinação a efetuar pelos serviços competentes da administração tributária.
Finalmente, o nº 3 estipula que, com a petição, o impugnante oferece os documentos de que dispuser, arrola as testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes.
Da análise dos normativos supra mencionados, parece resultar, nem sempre de forma absolutamente clara, que o pedido apresentado cumpre com os requisitos legalmente exigidos, pelo que deve improceder a exceção de ineptidão da petição inicial.
Questão de fundo
Passando agora à decisão da questão de direito fundamental, a qual consiste na dedutibilidade dos custos constantes da Fatura emitida para pagamento dos encargos com a angariação e acompanhamento de clientes no ano de arranque.
No pedido arbitral, veio a Requerente tentar demonstrar que tal despesa deve ser aceite como gasto dedutível. Cumpre notar que o ónus da prova cabe, no caso, à Requerente, que tem de demonstrar a indispensabilidade da despesa suportada para auferir a receita.
E cumprindo o seu onus probandi, o porquê de considerar que deve ser aceite a dedutibilidade da despesa incorrida à vista do que dispõe o artigo 23.º do Código IRC.
Para aferir da dedutibilidade desta despesa há que ter em linha de conta, antes demais, a sua indispensabilidade para a manutenção da fonte produtora, o que no caso concreto não resulta evidenciado, já que a Requerente, apesar de interpelada para efetuar tal comprovação, limitou-se a repetir o que havia alegado no pedido de pronúncia.
Vejamos, o que resulta das normas legais aplicáveis:
Dispõe o artigo 18.º, n.1, do Código do IRC, que: “Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.”.
Por sua vez, dispõe o artigo 23º do CIRC que:
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– Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
-
– Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:
a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão de obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;
(…)
3 – Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.
(…)”
Tudo visto,
Resulta da moldura jurídico-fiscal supra invocada, que os pressupostos de facto para a dedutibilidade fiscal dos gastos das empresas, que:
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sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais - formalidade extrínseca (art.º 23.º, n.ºs 3 e 4 Código do IRC); e
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Que sejam suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC - formalidade intrínseca (art.º 23.º, n.1, do Código do IRC).
Estas exigências, quando não satisfeitas, determinam a não aceitação dos gastos como dedutíveis em sede de IRC. Como refere “em matéria de custos, o meio de prova mais importante é, sem dívida, o documental, por motivos que se reconduzem a uma maior adequação à exigência de praticabilidade e às específicas características do contencioso tributário, isto para além da destacada importância que este meio de prova assume na prática usual do comércio e das transações económicas”. [1]
Assim, se é verdade que a AT não pode, sob pena de incorrer em vício de violação de lei, negar a dedutibilidade fiscal de um gasto incorrido, de forma discricionária ou não devidamente fundamentada, não é menos certo que antes desta exigência que impende sobre a AT vigora uma outra que onera o sujeito passivo, a saber: demonstrar a indispensabilidade do custo suportado, em conformidade com os critérios legalmente exigidos.
Ora, no caso em apreço, a Requerente não demonstrou essa indispensabilidade. E, neste ponto, é evidente o argumento da AT quando refere que o “…que sempre esteve em causa foi a ligação destes gastos em angariação (decorrentes destas faturas e transferências), e efetivamente contabilizados a este título, com qualquer rendimento obtido pela Quadrados & Questões nos exercícios de 2017 e 2018, e esta (ligação) nunca foi demonstrada ou comprovada materialmente, uma vez que nunca foi apresentado qualquer mapa, relatório, lista, estudo, projeto, análise, exame ou outro qualquer documento que o demonstrasse”.
Ora, analisada a situação objetivamente, considerando os elementos de prova documental juntos aos autos não é possível concluir pela indispensabilidade de tais gastos e a Requerente não provou a indispensabilidade deste custo para a manutenção da fonte produtora nem para a realização do lucro.
Tudo visto, conclui-se que a Requerente não demonstrou nos presentes autos, através da Fatura ou de outros documentos e esclarecimentos complementares, quais foram, concretamente, os serviços prestados, faturados por €25.000,00. Ficou, assim, por demonstrar que os serviços faturados foram indispensáveis à angariação e acompanhamento de clientes
Acresce que os esclarecimentos prestados pela Requerente são vagos e genéricos ou pura e simplesmente não evidenciam a ligação que teria que existir entre o valor faturado e os serviços prestados.
Pelo exposto, conclui-se que a Requerente não demonstrou a indispensabilidade dos custos suportados com o pagamento dos encargos com a angariação e acompanhamento de clientes, pelo que as correções efetuadas são legais.
Face ao exposto, não se poderá concluir senão pela improcedência do pedido.
Questões de conhecimento prejudicado
Face ao que vem exposto e à improcedência do pedido fica prejudicado o conhecimento da questão suscitada a título de juros indemnizatórios.
V. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral Singular:
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Julgar improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial;
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Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação adicional do IRC do exercício de 2018, no montante de € 5 063,05;
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Condenar a parte vencida nas custas arbitrais.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 5.061,50 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de novembro de 2023
O Árbitro Singular
Paulo Lourenço
[1] Cfr. António Moura Portugal (2004) in “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, Coimbra, 2004, pág. 109.