SUMÁRIO:
Nos termos do artigo 4.º, n.º 1, al. a), do CISV na redação vigente até ao final de 2018, a base tributável do imposto (ISV) é constituída pelos elementos: cilindrada, nível de emissão de partículas, quando aplicável, e nível de emissão e dióxido de carbono (CO2), calculado de acordo com o ciclo de ensaios resultantes dos testes realizados ao abrigo do designado “Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado” - New European Driving Cycle –NEDC.
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DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., SA. (B..., LDA), NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ..., vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 março, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, para apreciação da legalidade da liquidação global de € 565.402,45 (quinhentos e sessenta e cinco mil, quatrocentos e dois euros e quarenta e cinco cêntimos), de Imposto sobre Veículos - ISV e respetivos juros compensatórios, emitidos na sequência do procedimento inspetivo realizado pela Alfândega do Jardim do Tabaco pelo Ofício NIF..., datado de 03-08-2022 e recebido no dia 05-08-2022.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA e ADUANEIRA (doravante AT ou Requerida).
O pedido de constituição do tribunal arbitral recebido a 18-11-2022 e foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 21-11-2022 e automaticamente notificado à AT.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT.
Em 11-01-2023 o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. Os árbitros comunicaram a sua aceitação no prazo aplicável.
As partes foram notificadas dessa designação não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes alguma coisa viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 31-01-2023.
A AT apresentou Resposta, em que se defendeu por impugnação e juntou o PA.
Por Despacho de 13-04-2023, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
As partes apresentaram alegações escritas, reproduzindo, no essencial as posições apresentadas no PPA e na Resposta.
Em 31-07-2023, considerando a complexidade da matéria em causa e a interposição de férias judiciais, o Tribunal Arbitral decidiu, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, prorrogar por 2 meses o prazo para a prolação da decisão arbitral.
Por despacho de 29-09-023, o Tribunal Arbitral, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, prorrogou por dois meses o prazo para a prolação da decisão arbitral considerando a complexidade da matéria em causa neste processo e a interposição de férias judiciais.
2. Saneamento
O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no artigo 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:
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A A..., SA. é uma entidade do atual Grupo C... que se dedica, em especial, à importação de veículos fabricados pelas entidades que compõem o Grupo C..., onde se incluem os veículos da marca Opel; (cfr. doc. 2 junto com o PPA).
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Estão em causa automóveis da marca Opel importados e matriculados pela então B..., Lda., entretanto extinta e incorporada na A..., SA, por via de processo de fusão; (cfr. doc. 1 junto com o PPA).
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Em 2021, a Alfândega do Jardim do Tabaco instaurou à Requerente um procedimento inspetivo interno, a que foi atribuído o n.º DI 2021..., com vista ao controlo do movimento declarativo dos veículos cujas DAV foram liquidadas no último quadrimestre de 2018. DAVs que foram apresentadas por transmissão eletrónica de dados, para introdução no consumo dos respetivos veículos ligeiros de passageiros usados provenientes da União Europeia; (cfr. art.º 6.º da Resposta e PA, projeto de relatório, pag. 2).
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Por ofício n.º NIF..., de 21-10-21, a Alfândega do Jardim do Tabaco notificou a Requerente do Projeto de Conclusões do Relatório da Ação Fiscalizadora, para efeitos do exercício do direito de audição prévia, rececionado pela requerente em 22-10-2021 (cfr. docs. constantes do PA).
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A Requerente exerceu o direito de audição prévia a 08-01-2021; (cfr. PA).
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Em 31-01-2022 a Requerente foi notificada, pelo ofício n.º ..., da Alfândega do Jardim do Tabaco, do conteúdo do relatório final da acão fiscalizadora bem como da decisão final que sobre a mesma recaíu, do mesmo constando, como Anexo III, a lista de viaturas identificadas; (cfr. documentos constantes do PA).
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Em 05-08-2022, a Requerente foi notificada da liquidação do imposto sobre veículos e respetivos juros compensatórios, no montante global de € 565.402,45 (quinhentos e sessenta e cinco mil, quatrocentos e dois euros e quarenta e cinco cêntimos) para pagar no prazo de 10 dias úteis; (cfr. doc. 1, junto com o PPA).
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As liquidações de ISV e respetivos juros compensatórios foram realizadas sequência do Relatório Final relativo ao Procedimento Inspetivo referido, que fiscalizou o cumprimento dos pressupostos de aplicação do regime transitório previsto nos Despachos nos 348/2018-XXI, e 375/2018-XXI, respetivamente, de 1 e 31 de 2018, ambos proferidos por Sua Exa. o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) que emitiram orientações nos procedimentos a adotar para o período de transição do método de medição da componente ambiental (CO2) do ISV-NEDC para o método- WALTP, (último quadrimestre de 2018), na introdução no consumo de veículos ligeiros de passageiros; (cfr. PA, projeto de relatório, pág. 2).
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A AT no âmbito da DI2021... controlou 8.850 veículos e detetou divergências no parâmetro “CO2” em 784 DAVs - viaturas identificadas no anexo II; (cfr. PA, projeto de relatório, pág. 2).
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Os veículos foram agrupados segundo adesignação comercial e ordenados segundo a HT; (cfr. PA, projeto de relatório, pág. 2).
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Os serviços de Inspeção para sanar as dúvidas solicitaram à Requerente os certificados de conformidade (COC) de 79 veículos (amostra de um veículo por HT); (cfr. PA, projeto de relatório, pág. 3).
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A Requerente informou a AT dos critérios técnicos a que tinha recorrido com vista à aplicação do n.º 3 do despacho n.º 348/2018-XXI.
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A Requerente usou nas liquidações de ISV os valores constantes das HOMOLOGAÇÕES CE / valores de CO2 NEDC emitidas antes de 01-09-2017 correspondentes às HT nacionais e aos COC de veículo idêntico/similar do mesmo modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível; (cfr. doc 7 Junto com o PPA e PA).
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Os elementos declarados na DAV pela Requerente referem-se à homologação técnica que respeita aos veículos a tributar.
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A Requerente nos critérios usados não incluíu a “tara” do veículo; (cfr. PA).
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A tara declarada na DAV é a que existe no IMT para aqueles veículos.
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Na casa 50 das DAV a Requerente inseriu o último valor conhecido das emissões de CO2 do ciclo NEDC original, relativo a um veículo do mesmo modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível.
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A AT no Anexo I ao Projeto de Relatório discriminou as coincidências verificadas entre a informação constante na DAV e no COC; (cfr. PA, projeto de relatório, pág. 3).
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A AT no Anexo II, discriminou as divergências verificadas entre a informação constante na DAV e no COC (tara e emissões poluentes); (cfr. PA, projeto de relatório, pág. 3).
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13 das divergências geram reembolso (conclusão favorável à Requerente) e 768 correções à liquidação inicial com imposto em falta (desfavoráveis ao operador); (cfr. ofício com o n.º de saída NIF ... de 03.08.2022).
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A AT corrigiu o valor das emissões de CO2 nas DAV e liquidou ISV no montante de €553.227,52 acrescidos dos respetivos juros compensatorios.
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A AT, no âmbito do processo inspetivo considerou para a liquidação adicional: ISV devido = COC-CO*TX*-dedução.
Sendo que DAV_CO= Valor de emissões poluentes inscrito na DAV;
COC_CO = Valor das emissões poluentes inscrito no COC;
Diferença= ISV devido – ISV pago; (cfr. Anexo III junto com o PA).
3.2. Factos não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
3.3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância das questões de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, e), do RJAT).
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral com base na análise crítica dos documentos juntos aos autos, tendo sido selecionada de acordo com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e artigo 607.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT e teve em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
4. Matéria de direito
A questão que é objecto do presente processo é a de saber se as liquidações objeto do procedimento de inspeção a requerente são conformes ou não com o artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do Código do Imposto sobre Veículos na redação vigente até 31 de dezembro de 2018.
4.1. Posição da Requerente
Alega a Requerente que até ao final do mês de agosto de 2018, os valores de CO2 “tributáveis” eram, pois, os constantes do COC.
Nas correções ora impugnadas, são apenas as emissões de CO2 “tributáveis” inscritas na casa 50 das DAV que estão em causa.
Defende a Requerente que a interpretação da AT segundo a qual as restantes características se reportam a todas as características do veículo, em especial a tara constante da HT, e a subsequente liquidação de ISV se afiguram ilegais por violação do disposto no artigo 4.º n.º 1 do CISV, cujo âmbito e termos de aplicação foi objeto de clarificação por parte do Governo, através dos Despachos n.º 348 e 375/2018-XXI, de 1 e 30 de Agosto, mostrando-se violado o estipulado no artigo 68º-A, da LGT e os Princípios de Segurança Jurídica e de Confiança Legítima.
A Requerente refere que “no decurso dessas inspeções surgiram dúvidas na AT quanto à interpretação a dar à expressão “restantes características” constante do 2.º parágrafo do n.º 3 do despacho n.º 348/2018-XXI, de 01-08-2018.
Para a AT, tal expressão deverá ser entendida como reportando-se a todas as características do veículo constantes do certificado de conformidade (COC) - em especial a “tara”;
E, a Requerente, entende que aquela “expressão do 2.º parágrafo do n.º 3 só́ pode referir-se às características elencadas no 1.º parágrafo do mesmo preceito”.
A Requerente defende ainda que: “Se a real intenção do SEAF fosse uma referência a todas as caraterísticas que não as elencadas no parágrafo 1.º do n.º 3 do despacho, então teria/deveria, por simplicidade, clareza, certeza e segurança do direito, ter acrescentado à expressão “restantes características” a expressão “constantes do COC”, todas elas ou, ao menos, uma enumeração das que se pretendesse relevar para o efeito, mas constantes do COC”.
(...)
No primeiro parágrafo do n.º 3 do citado despacho, o SEAF tratou da situação dos “modelos antigos” (i.e., modelos, variantes e versões que já haviam obtido homologação técnica anteriormente a 2017).
Mas, seguidamente, no mesmo n.º 3, num segundo parágrafo, o SEAF incluiu a situação das “novas referências” de variantes / versões, com homologações técnicas resultantes exclusivamente da medição de emissões CO2 de acordo com o sistema WLTP.
Deste modo, circunscrevendo-se as duas situações num mesmo preceito, e não em números/preceitos diversos, pressupondo-se evidentemente que o SEAF se expressou de modo adequado e preciso, as “restantes características” (e designação comercial) mencionadas neste último parágrafo serão necessariamente as mencionadas no parágrafo anterior, a saber, veículo do mesmo modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível.
b) Por outro lado,
Tratando-se de uma orientação de natureza excecional e que tinha por objetivo, reitere-se, “(...) atenuar ou anular o impacto que no imediato, antes do OE/2019, o novo método de medições WLTP terá no cálculo do ISV (...)”, sempre será de admitir-se apenas uma interpretação restritiva (tributação destas viaturas pelo último valor conhecido de CO2 determinado ao abrigo do NEDC) não compatível com o esforço interpretativo da AT no sentido da extensão / ampliação do significado a dar à expressão “restantes características”, posição que não pode merecer acolhimento”.
O errado, impreciso e pouco claro entendimento propugnado pela AT sobre a expressão “restantes características” a que alude o 2.º parágrafo do n.º 3 do despacho n.º 348/2018-XXI, de 01-08-2018, do SEAF, revela-se violador da letra, espírito e sentido / objetivo do despacho em causa; não vai de encontro ao princípio geral da boa interpretação da lei; não corresponde às recomendações comunitárias pertinentes (cf., designadamente considerandos dos regulamentos de execução (EU 2017/1152 – considerando 4 - e 2017/1153 - considerando 3; e revela-se violador do princípio da segurança jurídica, que tem por corolário o princípio da confiança legítima, e que exige, por um lado, que as normas jurídicas sejam claras e precisas e, por outro, que a sua aplicação seja previsível para os cidadãos”.
A ação inspetiva da AT (DI2021...) teve como objetivo o controlo da informação vertida nas declarações aduaneiras de veículo (DAV), nomeadamente, a que concerne ao nível de «emissões poluentes» (ponto II - Objetivos, pág. 2/12 do Relatório – cf. DOC. 1 e último parágrafo da comunicação eletrónica transcrita em 17. Supra - DOC 6.).
28 - Importa deixar claro, desde já, que no âmbito das inspeções desenvolvidas pela AT relativas ao controlo da aplicação do(s) despacho(s) do SEAF, a única “emissão poluente” efetivamente controlada referiu-se à emissão de CO2 e só estas vêm referidas no Relatório como justificativas das correções das liquidações de ISV ora contestadas
29 - Relativamente aos controlos efetuados (ponto III do Relatório) a AT refere que procedeu ao levantamento de todos os veículos novos apresentados pelo operador em 2018, exceto os versados no âmbito da inspeção anterior (DI2018...) e que esta tarefa resultou na identificação de 8.850 DAV (ponto III.1, pág. 3/12 do Relatório).
Terão então surgido dúvidas relativamente à informação relativa a 79 HT (homologações técnicas), sendo solicitadas à ora Requerente os COC (certificados de conformidade) de 79 veículos (amostra de um veículo por HT) (ponto III.3, pág. 3/12 do Relatório).
Note-se, a este respeito, que toda a informação solicitada pela AT foi devida e atempadamente fornecida pela Requerente.
As coincidências verificadas entre a informação constante na DAV e no COC encontram-se discriminadas no anexo I (ponto III.4, pág. 3/12 do Relatório).
As divergências encontradas entre a informação constante na DAV e no COC (preenchimento da casa 38 das DAV – “tara” – e, supõe-se, preenchimento da casa 50 das DAV – CO2 - “emissões poluentes”) estão discriminadas no anexo II. Realça-se que em 13 situações foram declaradas emissões poluentes superiores às indicadas no COC (ponto III.5, pág. 3/12 do Relatório), isto porque, por um lado, as HT são meras transcrições das HOMOLOGAÇÕES CE, as quais são válidas e aceites em toda a UE.
Por outro lado, a letra do despacho SEAF não refere “homologações técnicas nacionais”, mas sim a “homologações técnicas”, pelo que se deve abarcar no escopo desta expressão as indicadas pela Requerente.
ii) foram cumpridos os restantes critérios de elegibilidade para se poder beneficiar do referido despacho ao nível das características não alteradas nas novas versões/variantes.
Contudo,
Na sequência da resposta da ora Requerente em sede de audição prévia, a AT ignorou totalmente a informação prestada relativamente às correspondências das HOMOLOGAÇÕES CE/COC, passando, sem mais, para uma “apreciação crítica”, na qual transcreve um parecer interno sobre a interpretação dos despachos do SEAF quanto exclusivamente respeitante à questão da “tara” e “restantes características”, onde se lê, nomeadamente, o seguinte:
E de seguida a AT apresenta um quadro que sumariza as divergências (284 ocorrências) entre a tara indicada na HT (DAV/Tara) e a tara indicada no COC (certificado de conformidade) (idem).
Concluindo a AT que será de corrigir o valor das emissões do CO2 nas 782 DAV identificadas no ponto I.1, e, consequentemente, proceder-se à liquidação de ISV que ascende a € 499.921,86, acrescido dos respetivos juros compensatórios.
Em sede de audição prévia, a Requerente informou que tinha recorrido às datas das HOMOLOGAÇÕES CE, homologações essas todas anteriores a 01-09-2017 correspondentes às HT nacionais e aos COC de veículo idêntico/similar do mesmo modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível – cf. artigo 13.º e seguintes da Audição Prévia - DOC 7.
Para além disso, identificou os critérios técnicos a que tinha recorrido com vista à aplicação do n.º 3 do despacho n.º 348/2018-XXI.
Em todas as situações em que a Requerente entende poder beneficiar do n.º 3 dos Despachos do SEAF,
i) foram atendidas datas de homologação técnica europeias prévias a 01- 09-2017.
Ora, no que respeita às alegadas “284 ocorrências” em que foram verificadas divergências entre a “tara” indicada na HT (e DAV) e a “tara” indicada no COC (certificado de conformidade) – cf. último parágrafo da pág. 3/12, ponto III.5 do Relatório -, releva assim salientar as seguintes circunstâncias:
(i) – como resulta do referido no ponto 40. supra, não são os operadores económicos que preenchem a casa 38 das DAV. O valor aqui inscrito é automaticamente preenchido a partir das HT nacionais constantes da base de dados do IMT, nenhuma interferência existindo da parte dos operadores económicos;
(ii) – Por outro lado, a HT de um modelo/variante/versão aplica-se a um conjunto de viaturas; o COC respeita a um veículo em particular, identificado pelo respetivo VIN;
(iii) - Como procedimento comum do IMT, nas HT (e, inerentemente, nas DAV) o valor da tara é sempre o mais alto considerado para uma determinada variante/versão, ou seja, a variante/versão com o máximo de equipamento/peso.
iv) – Por conseguinte, o valor da tara constante no COC de um veículo específico, a mais das vezes, não corresponde à tara mais elevada inscrita na HT.
Pelo que, terá que se concluir que as alegadas 284 ocorrências se tratam de uma “falsa questão” decorrente do desconhecimento dos procedimentos decorrentes das instruções do IMT neste âmbito. A Requerente considerar ser de aplicar, relativamente às DAV’s aí descritas, o regime do n.º 3 dos Despachos do SEAF.
Sucede que, como esses critérios não incluíam a “tara” como sendo uma característica relevante para efeitos de aplicabilidade do referido regime excecional, a AT pura e simplesmente ignorou a existência e análise das HOMOLOGAÇÕES CE / valores de CO2 NEDC emitidas antes de 01-09- 2017 e, tendo concluído que se tratavam de homologações incorretas pelo que já não era apenas uma questão relativa a um veículo do mesmo modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível, mas sim veículos com “taras diferentes”, isto é, com “outras caraterísticas”, não abrangidas pelo n.º 3, 2.º parágrafo do citado despacho n.º 348/2018-XXI.
Alega ainda a Requerente que “as invocadas “divergências” com os valores de tara inscritos na casa 38 e 50 dos DAV indicadas pela Alfândega do Jardim do Tabaco subjacentes às correções dos valores de CO2 e subsequente liquidação de ISV, carecem de fundamento”.
E conclui a Requerente que “O procedimento da AT, a interpretação da AT segundo a qual a expressão “restantes características“ se reporta a todas as características do veículo, em especial a “tara”, constantes das HT, e a subsequente liquidação de ISV, tudo o que ora se impugna, afiguram-se ilegais por violação do disposto no artigo 4.º, n.º 1 do CISV, cujo âmbito e termos de aplicação foi objeto de clarificação por parte do Governo, através dos despachos n.º 348/2018-XXI de 01-08-2018 e 375/2018-XXI, de 31-08-2018, mostrando-se ainda violado o estipulado no artigo 68.º-A da LGT e os princípios da segurança jurídica e da confiança legitima – cf. ponto 25. deste articulado”.
4.2. Posição da Requerida
A Requerida defende que: “Conforme resulta dos elementos constantes do Processo Administrativo que ora se junta, constituído pelos procedimentos atinentes ao Procedimento Inspetivo no DI2021..., da Alfândega do Jardim do Tabaco, com referência aos veículos automóveis com as características descritas nas respetivas declarações e nesse procedimento inspetivo contemplados, foram as mesmas DAV apresentadas naquela estância aduaneira, no último quadrimestre de 2018, por transmissão eletróncia de dados, para introdução no consumo dos respetivos veículo, ligeiro de passageiros, usados, provenientes da União Europeia.
Com referência às mencionadas DAV, apresentadas pela ora Requerente, foram declarados os veículos ligeiros de passageiros, usados, cujas características constam das inscrições do Quadro E, das respetivas DAV, para as quais se remete.
No que tange à medição da componente ambiental CO2, a liquidação e o cálculo do montante de imposto, foi efetuada de acordo com o estipulado no Despacho do Sr. SEAF n.º 348/2018-XXI, de 1 de agosto de 2018, alterado pelo Despacho no 375/2018-XXI, de 31 de agosto, também do SEAF, e com os artigos 7.º e 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas, conforme resulta do Quadro R da DAV, as reduções previstas nas tabelas A e D para os veículos ligeiros de passageiros, com referência à componente cilindrada e à componente ambiental, e de acordo com as características do veículo, nos termos dos referidos artigos do CISV,
Do Quadros T das declarações consta, igualmente, a identificação do ato de liquidação e data da liquidação, montante, termo final do prazo de pagamento data de cobrança e a identificação do autor do ato (quadro V).
Termos em que, relativamente a veículos que tivessem obtido a primeira homologação técnica posteriormente a 01.09.2017 (Modelos Novos) e já testados de acordo com o novo sistema WLTP, não existindo valores medidos de acordo com o anterior sistema NEDC, o despacho se limitou a clarificar que, para o período (transitório) compreendido entre 01.09.2018 e 31.12.2018, é aplicável o NEDC (correlacionado) que figurará no COC, a par do valor de emissões WLTP, pelo que, nestas situações, em vez do valor de CO2 resultante do sistema de medição WLTP é considerado o valor do NEDC constante do COC, mais vantajoso para os interessados em termos de apuramento do imposto.
Ora , saliente-se que ao tempo, sob a epígrafe “Base tributável”, o art.º 4.º, n.º 1, al. a) do CISV estabelecia o seguinte: “Quanto aos automóveis de passageiros, de mercadorias e de utilização mista, tributados pela tabela A, a cilindrada, o nível de emissão de dióxido de carbono (CO2) relativo ao ciclo combinado de ensaios e o nível de emissões de partículas, quando aplicável”, pelo que, para efeitos da tributação era considerado o nível de emissões de CO2 relativo ao ciclo de ensaios resultantes dos testes realizados ao abrigo do designado “Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado” - New European Driving Cycle. –NEDC”.
4.3. A legislação nacional
Nos termos do artigo 4.º, n.º 1, al. a), do CISV (Código do Imposto sobre Veículos), na redação vigente até ao final de 2018, a base tributável do imposto (ISV) é constituída pelos elementos: cilindrada, nível de emissão de partículas, quando aplicável, e nível de emissão e dióxido de carbono (CO2), tal como constantes do certificado de conformidade (COC).
“Artigo 4.º (Base tributável)
1 - O imposto sobre veículos possui natureza específica, sendo a sua base tributável constituída pelos seguintes elementos, tal como constantes do respetivo certificado de conformidade:
a) Quanto aos automóveis de passageiros, de mercadorias e de utilização mista, a cilindrada, o nível de emissão de dióxido de carbono (CO2) relativo ao ciclo combinado de ensaios e o nível de emissões de partículas, quando aplicável;
(...).”
Quanto ao facto gerador de imposto sobre veículos, regula o 5.º do CISV de acordo com o qual:
“1 - Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.
2 - Constitui ainda facto gerador do imposto:
a) A atribuição de matrícula definitiva após o cancelamento voluntário da matrícula nacional feito com reembolso de imposto ou qualquer outra vantagem fiscal;
b) A transformação de veículo que implique a sua reclassificação fiscal numa categoria a que corresponda uma taxa de imposto mais elevada ou a sua inclusão na incidência do imposto, a mudança de chassis ou a alteração do motor de que resulte um aumento de cilindrada ou das emissões de dióxido de carbono ou partículas;
c) A cessação ou violação dos pressupostos da isenção de imposto ou o incumprimento dos condicionalismos que lhe estejam associados;
d) A permanência do veículo no território nacional em violação das obrigações previstas no presente código.
3 - Para efeitos do presente código entende-se por:
a) «Admissão», a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-membro da União Europeia em território nacional;
b) «Importação», a entrada de um veículo originário de país terceiro em território nacional.
4 - Sem prejuízo das obrigações declarativas previstas nos artigos 18.º e 19.º, quando, à entrada em território nacional, os veículos tributáveis forem colocados em regime de suspensão de imposto, considera-se gerado o imposto no momento em que se produza a sua saída desse regime.”
Quanto à exigibilidade, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 6.º, com referência ao n.º 1 do artigo 5.º, o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada:
“a) No momento da apresentação do pedido de introdução no consumo pelos operadores registados e reconhecidos;
b) No momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares.
2 - Nos casos mencionados no n.º 2 do artigo anterior considera-se verificada a introdução no consumo no momento da ocorrência do facto gerador do imposto ou, sendo este indeterminável, no momento da respectiva constatação.
3 - A taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível.”
No que se refere às formalidades relativas à Introdução no consumo, o n.º 1 do artigo 17.º determina que a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV).
4.4. Da natureza jurídica do Despacho
O Despacho n.º 348/2018-XXI, de 01.08.2018 do SEAF, retificado pelo despacho n.º 375/2018-XXI, de 31.08.2018, visou clarificar a aplicação das normas tributárias existentes pela Administração Tributária, em sede de ISV, durante o último quadrimestre de 2018, em virtude da alteração da metodologia utilizada na medição de CO2 dos veículos (substituição do sistema NEDC pelo sistema WLTP, que entraria em vigor com a Lei do Orçamento de Estado para 2019, 01.01.2019).
Despacho este, que possuiu apenas eficácia interna, dirigindo-se aos Serviços da Administração Tributária dependentes do Ministério das Finanças e vinculando-os a seguir determinados critérios no tocante à interpretação e aplicação do CISV.
É, assim, um regulamento interno, que se dirige exclusivamente à AT e não vincula os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem os tribunais que pela sua natureza esgota a sua eficácia no interior da AT, atendendo à obediência hierárquica dos seus funcionários, não podendo qualquer entidade externa ser por ele obrigada. No sentido do reconhecimento legal da força vinculativa meramente interna das circulares, é de fazer referência ao artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT e ao artigo 55.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que no n.º 1 atribuiu ao dirigente máximo de serviço competência para emissão de orientações genéricas visando a uniformização da interpretação das normas tributárias pelos serviços, e no n.º 3 determina que essas orientações genéricas devem constar de circulares administrativas e aplicam-se exclusivamente à Administração Tributária que procedeu à sua emissão. De mencionar o Acórdão do STA de 21-06-2017 proferido no processo 0364/14, que a propósito da declaração de constitucionalidade formal das orientações adminsitratrivas sob a forma de circular da Administração Tributária refere no sumário:
“As orientações administrativas veiculadas sob a forma de circular da Administração Tributária, não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam e carecendo de força vinculativa heterónoma para os particulares, não constituem normas que possam ser objecto de declaração de inconstitucionalidade formal”.
Assim sendo, o despacho tem apenas um valor que, para o Tribunal, não ultrapassa o âmbito hermenêutico relativamente à disquisição do sentido jurídico-normativo da norma de incidência circunstancialmente em causa, pelo que, aspectos de “regime” que exorbitem dessa estrita esfera e se manifestem praeter ou extra legem – v.g. o sentido da expressão “restantes características” referida no Despacho, relativamente à qual as partes estão em dissíduo – são insuscetíveis de constituir ratio decidendi do juízo arbitral.
4.5. Da legalidade das liquidações
Considerando os precisos termos em que está formulado o PPA apresentado “contra a liquidação global de € 565.402,45 (quinhentos e sessenta e cinco mil, quatrocentos e dois euros e quarenta e cinco cêntimos), de Imposto sobre Veículos - ISV e respetivos juros compensatórios, pela Alfândega do Jardim do Tabaco pelo Oficio ... datado de 03-08-2022 (DOC 1) e recebida no dia 05-08-2022, resultante, no entender da AT, de incorreta declaração das emissões de CO2 em 782 veículos identificados (por referência à respetiva homologação técnica) no ANEXO III do Relatório Final da Ação Inspetiva DI2021... fundamentador anexo à liquidação”, pedindo que: “requer a admissão do presente pedido de pronúncia arbitral e que a final seja anulada na sua totalidade a liquidação que ora se impugna, por erro manifesto quanto aos pressupostos de facto e má aplicação do direito”, este Tribunal Arbitral tem de se pronunciar sobre a legalidade dos atos das liquidações de ISV.
Vejamos
O ISV é um imposto interno não harmonizado, que se encontra previsto no Código do Imposto Sobre Veículos aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 27 de junho, que, nos termos do artigo 1.º aplicável à data dos factos, “obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.
A Requerente é sujeito passivo de ISV, sendo a base tributável deste imposto constituída, para além do mais, por uma componente ambiental, o nível de emissões de dióxido de carbono (CO2), cfr. artigos 2.º a 5.º do CISV.
Em linha com as preocupações europeias, de carácter ambiental, o Estado Português consagrou um modelo de tributação automóvel, que no estrito respeito pelos princípios comunitários, se encontra em harmonia com o espírito do artigo 191.º do “TFUE” e demais normativos europeus, tendo por fim último a proteção do ambiente, na medida em que a tributação das emissões de CO2 nos veículos novos e usados consiste numa ação preventiva, destinada a evitar a deterioração do ambiente, sujeitando os consumidores ao pagamento de um valor de imposto que depende do grau de emissões de CO2, de modo a direcionar as escolhas dos consumidores.
Assim, é de mencionar o Regulamento (UE) n.º 2017/1151, da Comissão, de 01.06.2017 - regulamento que completa o Regulamento (CE) n.º 715/2007 relativo à homologação de veículos a motor no que respeita às emissões de veículos ligeiros de passageiros e comerciais e ao acesso à informação relativa à reparação e manutenção de veículos) -, o Regulamento (UE) n.º 2017/1152, da Comissão, de 02.06.2017 e o Regulamento de Execução (UE) n.º 2017/1153, da Comissão, de 02.06.2017, que “(...) de modo a ter em conta a diferença entre os níveis de emissões de CO2 medidos pelo atual procedimento NEDC e pelo novo método WLTP, (...), estabeleceu uma metodologia para determinar os parâmetros de correlação necessários para refletir a mudança no procedimento de ensaio regulamentar.
Este último Regulamento estipulou, ainda, “uma introdução progressiva do WLTP, começando com os novos modelos de veículo a partir de 1 de setembro de 2017 e passando a todos os veículos a partir de 1 de setembro de 2018. A partir de 1 de setembro de 2019, quando também os veículos de fim de série tiverem sido progressivamente retirados do mercado, todos os veículos novos colocados no mercado da União serão ensaiados pelo método WLTP. Durante esse período, justifica-se continuar a verificar o cumprimento dos objetivos de emissões específicas utilizando os valores das emissões de CO2 baseados no NEDC.”
Em Portugal, o método de medição foi alterado em 2017, tendo-se tornado obrigatório o sistema WLTP para as homologações técnicas de novos modelos a partir de 1 de setembro de 2017 e, ainda, para os veículos matriculados a partir de 1 de setembro de 2018, ainda que estes últimos já tivessem sido previamente homologados de acordo com o anterior sistema - NEDC.
E, a par do valor de emissões de WLTP, passou a figurar no certificado de conformidade o valor apurado de acordo com o procedimento de correlação.
Assim, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, al. a), do CISV na redação vigente até ao final de 2018, a base tributável do imposto (ISV) é constituída pelos elementos: cilindrada, nível de emissão de partículas, quando aplicável, e nível de emissão e dióxido de carbono (CO2), tal como constantes do certificado de conformidade (COC).
“Artigo 4.º (Base tributável)
1 - O imposto sobre veículos possui natureza específica, sendo a sua base tributável constituída pelos seguintes elementos, tal como constantes do respetivo certificado de conformidade:
a) Quanto aos automóveis de passageiros, de mercadorias e de utilização mista, a cilindrada, o nível de emissão de dióxido de carbono (CO2) relativo ao ciclo combinado de ensaios e o nível de emissões de partículas, quando aplicável;
(...).”
De 01-09-2017 e até 31-08-2018 a tributação dos veículos homologados era efetuada com base nos valores de CO2 obtidos pelo sistema NEDC, que resultavam das respetivas homologações indicadas nos respetivos Certificados de Conformidade (COC), conforme a legislação da União Europeia supra citada.
A partir de 01-09-2018, passaram obrigatoriamente a figurar nos COC emitidos pelos fabricantes os valores de emissões de CO2 apurados de acordo com o sistema WLTP, que seriam significativamente superiores aos valores do sistema NEDC conforme resultava de estudos publicados pela Comissão Europeia, já que os veículos são testados de acordo com várias características específicas que anteriormente não eram tidas em conta (incluindo os equipamentos extra) e em condições reais de circulação.
Adicionalmente, nos COC irão figurar também valores apurados de acordo com o procedimento de “correlação” - definido nos regulamentos de execução (UE) n.º 2017/1152, da Comissão, de 02- 06-2017 e n.º 2017/1153, da Comissão, igualmente de 02-06-2017 – e designados como “Valores CO2 NEDC”, também referenciados como “NEDC correlacionado”, ressalvando estes regulamentos que possam existir situações relativamente às quais a ferramenta de correlação não seja capaz de fornecer valores de emissões de CO2 suficientemente exatos e apresentem desvios face aos valores declarados pelos fabricantes, permitindo-se, nesses casos, que estes solicitem a realização de ensaio físico do veículo se tais desvios forem superiores a 4%.
A partir de 1 de setembro de 2018, passaram obrigatoriamente a figurar nos COC emitidos pelos fabricantes os valores de emissões de CO2 apurados de acordo com o sistema WLTP. Foi esta realidade que determinou o referido despacho, tal como assumido no preâmbulo do mesmo onde, entre o mais, se deixou consignado:
“(...) que a tributação automóvel, quer em sede de Imposto Sobre Veículos (ISV), quer em sede de IMPOSTO UNICO DE CIRCULAÇÃO (IUC), tem uma componente ambiental associada às emissões de C02 dos veículos automóveis, e que várias isenções fiscais previstas no âmbito destes impostos são igualmente condicionadas a limites de emissões de CO2 de veículos;
(...) que a fixação das taxas de ISV e de IUC, bem como dos limites para efeitos das isenções fiscais previstas nos respetivos Códigos, foram determinados pelo legislador em conformidade com os níveis de emissões de CO2 resultantes do sistema de medição de emissões então vigente: "Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado" (New European Driving Cycle - NEDC);
(...) que em 2017 foi alterada, através da regulamentação europeia, a metodologia utilizada na medição das emissões de CO2 dos veículos automóveis, tendo sido substituido o regime de ensaios NEDC pelo novo sistema Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure (WLTP), sendo o novo sistema de medições obrigatório para as homologações técnicas de novos modelos a partir de 1 de setembro de 2017, e para todos os veículos matriculados a partir de 1 de setembro de 2018, ainda que estes últimos já tivessem sido previamente homologados de acordo com o anterior sistema NEDC ("modelos antigos");
(...) que, desde 1 de setembro de 2017 e até à presente data, a tributação de veículos homologados na vigência do regime de medição de emissões NEDC continuou a ser efetuada com base nos valores de C02 que resultavam dessas homologações e eram indicados nos respetivos Certificados de Conformidade, a coberto do Despacho n.° 305/2017- XXI, de 12 dejulho, do então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais;
(...) que, a partir de 1 de setembro de 2018 passarão a figurar obrigatoriamente nos Certificados de Conformidade emitidos pelos fabricantes os valores de CO2 apurados de acordo com o novo sistema de medição de emissões WLTP ("Valores de CO2 WLTP), que serãosignificativamente superiores aos valores que resultavam do anterior regime de medição (NEDC), conforme resulta de estudos publicados pela Comissão Europeia, já que os veículos são testados de acordo com várias caraterísticas específicas que anteriormente não eram tidas em conta (incluindo os equipamentos extras) e em condições reais de circulação”.
É esta realidade que cria a necessidade de explicitação da interpretação da norma do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CISV na parte em que aí se menciona o “ciclo combinado de ensaios e o nível de emissões de partículas”. Ora, não existe dúvida de que o ciclo de referência levado então em conta pelo legislador resultava da medição NEDC e não o WLTP, sendo que a passagem de um sistema para o outro, ainda que pudesse considerar-se juridicamente indiferente em termos da norma de incidência considerada numa estrita perspetiva filológico-gramatical, jamais o seria na conjugação dos demais elementos ou fatores da interpretação jurídica. Assim, a norma do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CISV, não pode interpretar-se no sentido de admitir, sem mais, a alteração do modelo com base no qual o legislador construiu a incidência do imposto e determinou o apuramento da matéria tributável e respetiva coleta, pelo que, o artigo em causa deve ser interpretado no sentido de que, na redação vigente até ao final de 2018, a base tributável do imposto (ISV) é constituída pelos elementos: cilindrada, nível de emissão de partículas, quando aplicável, e nível de emissão e dióxido de carbono (CO2), calculado de acordo com o ciclo de ensaios resultantes dos testes realizados ao abrigo do designado “Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado” - New European Driving Cycle –NEDC.
Nestes termos, podemos concluir que a Requerente, nas suas liquidações de ISV, na casa 50 da DAV, atendeu à medição da componente ambiental CO2, tendo calculado o montante de imposto de acordo com o disposto nos artigos 7.º e 11.º, n.º 1, do CISV, na redação em vigor até 31-12-2018, com referência à componente cilindrada e à componente ambiental, e de acordo com as características do veículo, nos termos dos referidos artigos do CISV.
A Requerente na casa 50 das DAV inseriu o último valor conhecido das emissões de CO2 do ciclo NEDC original, relativo a um veículo do mesmo modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível.
Valores que são os resultantes das HOMOLOGAÇÕES CE emitidas anteriormente ao dia 01-09-2017, correspondente à HT nacional e correspondentes ao COC de veículo idêntico/similar do mesmo modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível; (cfr. art.º 41 do PPA e PA).
A AT, no âmbito do processo inspetivo considerou para a liquidação adicional o seguinte:
DAV_CO= Valor de emissões poluentes inscrito na DAV;
COC_CO = Valor das emissões poluentes inscrito no COC;
ISV devido = COC-CO*TX*-dedução.
Diferença= ISV devido – ISV pago; (cfr. Anexo III junto com o PA).
Considerando a legislação supra citada é convicção deste Tribunal Arbitral que na casa 50 da DAV, relativa às emissões de dióxido de carbono (CO2), não deve ser declarado o novo valor de CO2 inerente ao veículo a tributar (NEDC correlacionado ou WLTP), mas sim o último valor conhecido das emissões de CO2 do ciclo NEDC original, relativo a um veículo do mesmo modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível.
E que todos os elementos declarados na DAV devem reportar-se à homologação técnica que respeita ao veículo a tributar, com exceção do valor de CO2 a declarar pelo operador na casa 50 da DAV, que deve ser o último valor conhecido no sistema NEDC relativo a um veículo do mesmo modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível, como a Requerente procedeu para calcular o ISV das viaturas em causa neste Processo.
A Requerente procedeu à liquidação do ISV relativamente às viaturas em causa com respeito pelo disposto no artigo 4.º, n.º 1 do ISV, na redação em vigor à data das liquidações.
Pelo exposto, entende este Tribunal Arbitral que é ilegal a liquidação global de € 565.402,45, Imposto sobre Veículos – ISV e respetivos juros compensatórios, realizada pela Alfândega do Jardim do Tabaco notificada à Requerente pelo Ofício ... datado de 03-08-2022.
Consequentemente fica, também, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela Requerente, a título subsidiário.
DECISÃO
Nestes termos, este Tribunal Arbitral decide:
-
Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação global de ISV e respectivos juros compensatórios, realizado pela Alfândega do Jardim do Tabaco através do Ofício ... datado de 03-08-2022, e procedendo à sua consequente anulação;
-
Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 565.402,45.
6. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 8.568,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerida.
Notifique-se
Lisboa, 29 de novembro de 2023
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(Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro - Árbitro Presidente e Relatora)
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(Prof. Doutor João Pedro Rodrigues – Árbitro Adjunto)
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(Prof. Doutor Miguel Patrício – Árbitro Adjunto)