Sumário
I - O Código do IRC determina que, no caso das sociedades não residentes e sem estabelecimento estável em território português, o imposto incide sobre “os rendimentos das diversas categorias, consideradas para efeitos de IRS, nos termos do artigo 3º, nº 1, alínea d) e do artigo 15º, nº 1, alínea d).
II - O nº 3 do artigo 46º do Código do IRS determina que o valor de aquisição para efeitos do cálculo do ganho de mais-valias dos prédios urbanos contruídos pelo sujeito passivo é a soma do valor de aquisição do lote e dos custos de construção comprovados.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins (presidente), Ricardo Gomes Pedro e Rita Guerra Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 5 de fevereiro de 2024, acordam no seguinte:
I. Relatório
A... LTD., com domicílio fiscal em Portugal na Rua ..., nº ..., ..., em ... e com o número de identificação de pessoa coletiva ..., tendo sido notificada da liquidação adicional de IRC para o ano de 2019, por estar em tempo e com a mesma não se conformar, veio, requerer a CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 2º e do artigo 10º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária aprovado Decreto-lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, solicitando PRONÚNCIA ARBITRAL com vista à anulação do ato tributário de liquidação do imposto e respetivos juros compensatórios com fundamento na sua ilegalidade e em erro nos pressupostos de facto e de direito quanto à quantificação e qualificação do facto tributário.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Em 24 de novembro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, do que foi notificada a AT.
De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 5 de fevereiro de 2024.
Em 9 de março de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por impugnação, e juntou aos autos o processo administrativo (“PA”).
Por despacho deste Tribunal, de 14 de junho de 2024, depois de pedido de adiamento da primeira data, foi designada a data de audiência como dia 28 de junho de 2024, pelas 10h00. Na sequência da audiência as partes apresentaram ambas alegações.
Posição do Requerente
A Autora foi notificada da liquidação adicional de IRC do ano de 2019 pela da respetiva Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2023 ... com o valor a pagar de 316.029,66€, incluindo o valor de 38.957,15€ de juros compensatórios, conforme cópia da mesma que aqui se junta como Doc. 1.
Donde resultou a Demostração de Acerto de Contas n.º 2023 ..., com o mesmo valor a pagar de 316.029,66€ e data-limite de pagamento de 31-08-2023, conforme cópia da mesma que aqui se junta como Doc. 2.
O referido tributo foi liquidado na sequência da correção decorrente da ação inspetiva de que a aqui Autora foi objeto, realizada ao abrigo da Ordem de Serviço nº. OI2023... e donde resultou o Relatório de Inspeção Tributária de que que aqui se junta cópia como Doc. 3.
Pelo que o presente pedido de pronúncia tem por objeto a referida liquidação do IRC que resulta da correção da declaração de rendimentos apresentada pelo aqui Autora para o ano de 2019 nos termos que vêm evidenciados no citado Relatório de Inspeção.
O Relatório de Inspeção vem determinar uma correção
à matéria tributável de IRC no valor de 1.208.345,49€ para o ano de 2019.
Com efeito, naquele Relatório, Autoridade Tributária consigna que, tratando-se a aqui Autora de “um sujeito passivo não residente sem estabelecimento estável, os rendimentos obtidos pela mesma em território nacional são determinados de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes para efeitos de IRS, de acordo com o n.º 1 do artigo 56.º do CIRC”, pelo que, no caso concreto em apreço, seria aplicável o disposto no artigo 10.º, 44.º e 46.º do Código IRS.
E, assim sendo, “considera-se valor de realização o valor da respetiva contraprestação (n.º 1, alínea f) e n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS)”, e
“Já quanto ao valor de aquisição, e tratando-se de aquisição de imóvel construído pelo próprio sujeito passivo, este corresponde, conforme determina o n.º 3 do artigo 46º do Código do IRS, ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, por ser superior ao valor patrimonial inscrito na matriz, e esse valor, tendo decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação, nos termos do artigo 50, n.º 1 do Código do IRS é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito, aprovados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e nos termos do artigo 51.º, n.º 1, a) do Código do IRS, para determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação”.
Ora, como se dá nota no referido Relatório, no âmbito da inspeção e a solicitação da Autoridade Tributária, a aqui Autora apresentou o contrato celebrado entre si e a sociedade B..., S.A. onde é acordada a venda do lote de terreno para construção urbana e a empreitada relativa à construção da moradia em apreço.
Na sequência do exposto no citado Relatório, a Autoridade Tributária entende que “os custos de construção têm que se encontrar devidamente comprovados por documentos idóneos, seja em conformidade com as exigências formais, nomeadamente as fixadas no artigo 36.º do Código do IVA, seja por permitirem fazer a correspondência de forma incontestável entre os encargos de construção (materiais e atividade de construção) e o imóvel onde essa construção é implantada, o que não se verificará face ao documento apresentado pelo sujeito passivo de modo a comprovar o valor da construção”.
Como também se dá nota no dito Relatório, na sequência da notificação do Projeto de Relatório, a aqui Autora, em sede de direito de audição, juntou aos autos do procedimento de inspeção um conjunto de documentos que, para além do preço pago no montante de 1.650.000,00€ pela aquisição do lote de terreno para construção (lote...), comprovam diversos pagamentos feitos à B..., S.A. no valor total de 1.012.269,00€, relativos à liquidação do preço do contrato de construção (empreitada), a que acresce, ainda, o pagamento de diversos “trabalhos-a-mais” (extras) que foram solicitados pela aqui Autora no decurso da obra.
Mais, como resulta igualmente do Relatório, a aqui Autora, também em sede de audição, juntou aos autos de inspeção um documento que consiste numa declaração de quitação emitida em 16 de maio de 2023 pela B..., S.A. em que esta declara “que recebeu na totalidade o preço ajustado de 1.012.269,00€ e 70.571,34€ relativo à execução do contrato de empreitada e trabalhos extra de construção”.
Não obstante e apesar dos documentos juntos pela aqui Autora no âmbito da inspeção, a Autoridade Tributária, em conformidade com o entendimento vertido na informação vinculativa proferida no processo 1569/2018, manteve que as obras têm “que se encontrar devidamente comprovadas com documentos emitidos sob forma legal, nomeadamente, que correspondam a facturas/recibos de quitação que de uma forma inequívoca se mostrem relacionadas com as ditas obras no imóvel e reúnam os requisitos legais estabelecidos para o efeito, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 36º do Código do IVA”.
Com base nesse entendimento, a Autoridade Tributária conclui que os documentos apresentados pela aqui Autora não reúnem os requisitos legais previstos no citado n.º 5 do artigo 36º do CIVA e, consequentemente “não se poderá considerar que se encontra respeitado o disposto no n.º 3 do artigo 46º do Código do IRS”.
Ora, a aqui Autora não se pode conformar com tal entendimento e com a consequente liquidação adicional de IRC que daí resultou, a qual, salvo melhor opinião, padece de vício de violação da lei, como adiante de demostrará.
Como resulta do ponto 3. do capítulo IV do citado Relatório, a aqui Autora apresentou a sua declaração Mod. 22 relativa ao ano de 2019 em que apurou uma menos-valia no valor de 126.678,11€ e declarou um prejuízo fiscal no valor de 100.055,42€ decorrente da venda, em 11/11/2019 e pelo preço de 3.300.000,00€, do prédio urbano destinado a habitação denominado Lote ..., sito em ... e atualmente inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., conforme respetiva escritura pública que se encontra junta como Anexo 2 ao Relatório aqui junto como Doc. 3.
O apuramento da menos-valia declarada resultou da consideração dos seguintes valores:
- valor de realização: 3.300.000,00€;
- valor de aquisição: 2.662.269,00€;
- ano de aquisição: 2004;
- coeficiente de correção monetária: 1,22;
- despesas e encargos: 178.710,41€ (conforme documentos juntos como Anexo 6 ao Relatório aqui junto como Doc. 3);
- menos-valia apurada: 126.678,11€.
Por seu lado, considerando os factos aceites pela Autoridade Tributária, na correção por esta efetuada à mais-valia em causa resulta (vide capítulo V. 1, alíneas a) a d) do Relatório):
- valor de realização: 3.300.000,00€;
- valor de aquisição: 1.650.000,00€ (apenas o valor de aquisição do lote);
- ano de aquisição: 2004;
- coeficiente de correção monetária: 1,22;
- despesas e encargos: 178.710,41€;
- mais-valia apurada: 1.108.290,07€;
- correção matéria tributável: 1.208.345,49€ (considerando o prejuízo declarado de 100.055,42€).
Na verdade, em 19-04-2002, o casal C... celebrou com a B..., S.A. um contrato em que, simultaneamente, se vinculavam à promessa de aquisição do Lote ... pelo preço de 1.650.000,00€ e ao contrato de construção (empreitada) da moradia a edificar no mesmo lote pelo preço de 1.012.269,00€, tudo num total de 2.662.269,00€, conforme Doc. 4 que aqui se junta e documento junto como Anexo 5 ao citado Relatório).
Nos termos do referido contrato, aqueles originais contraentes tinham a faculdade de nomear para a sua posição contratual uma terceira parte, designadamente, uma sociedade, o que veio a acontecer conforme ponto 1 do aditamento ao contrato que aqui se junta como Doc. 5, onde se transmitiu para a sociedade aqui Autora aquela posição contratual, tendo esta vindo a celebrar a escritura pública de aquisição do referido lote de terreno para construção em 17 de junho de 2002 pelo preço de 1.650.000,00€ (vide ponto 2. do capítulo IV do Relatório e escritura pública junta como Anexo 3 a este Relatório) e assumido a posição contratual na referida empreitada.
Assim sendo, para além de ter despendido o preço de 1.650.000,00€ com a aquisição do referido lote de terreno para construção (facto aceite pela Autoridade Tributária), a aqui Autora, enquanto proprietária desse lote ... e dona-da-obra que no mesmo foi edificada, também pagou o valor da empreitada ajustado no referido contrato (1.012.269,00€), para além do custo de diversos trabalhos-a-mais (extras) que foram solicitados posteriormente.
Na verdade e embora a Autora já não encontre as faturas que lhe foram emitidas pela B..., S.A. e esta já não disponha das mesmas em arquivo por terem sido emitidas à cerca de 20 anos (e não existirem em sistema informático por este já ter sido substituído), o que facto é que, como não podia deixar de ser, a empreitada foi inteiramente paga como se atesta pela declaração de aceitação da obra emitida em 27-04-2004 que aqui se junta como Doc. 6 e pela declaração de quitação agora emitida pela empreiteira (B..., S.A.) que se junta como Doc. 7.
A não ser assim e como é bom de ver, a empreiteira B..., S.A. não teria dado execução à empreitada de construção da moradia no Lote ... ou teria suspendido a obra por falta de pagamento.
Ora, a Autora é, entre outras, uma sociedade detida pelo casal C... .
E é inquestionável que foram efetuados os seguintes pagamentos à B..., S.A. para pagamento da empreitada em causa, aliás, em conformidade com os pagamentos previstos nos pontos 10.3 a 10.7 do anexo I ao contrato junto como Doc. 4:
- A quantia de 303.681,00€, solicitada por B..., S.A. em 10-03-2003 e paga por transferência bancária de 13-03-2003 e cuja receção foi acusada por aquela empresa por fax de 14-03-2003, tudo conforme documentos que aqui se juntam como Doc. 8;
- A quantia de 303.681,00€, solicitada por B..., S.A. em 24-04-2003 e 22-05-2003 e paga por transferência bancária de 28-05-2003 e cuja receção foi acusada por aquela empresa por fax de 06-06-2003, tudo conforme documentos que aqui se juntam como Doc. 9;
- A quantia de 327.146,81€, solicitada por B..., S.A. em 23-10-2003 e 14-11-2003 e paga por transferência bancária de 19-11-2003 e cuja receção foi acusada por aquela empresa por fax de 21-11-2003, tudo conforme documentos que aqui se juntam como Doc. 10 (este pagamento corresponde ao valor do contrato de 303.681,00€ acrescido de parte dos trabalhos a mais/extras das “Quotation forms” nº.s 759 e 770, tendo sido deduzidos os créditos relativos a um depósito de água e de uma janela de cozinha);
- A quantia de 68.139,90€, solicitada por B..., S.A. em 08-01-2004 e paga por transferência bancária do mesmo dia e cuja receção foi acusada por aquela empresa por fax de 20-01-2004, tudo conforme documentos que aqui se juntam como Doc. 11 (este pagamento corresponde ao valor parcial do contrato de 50.613,00€ acrescido de parte dos trabalhos a mais/extras das “Quotation forms” nº.s 759 e 770);
- A quantia de 68.603.64€, solicitada por B..., S.A. em 20-04-2004 e paga por transferência bancária, tudo conforme documentos que aqui se juntam como Doc. 12 (este pagamento corresponde ao valor parcial do contrato de 50.613,00€ acrescido de parte dos trabalhos a mais/extras das “Quotation forms” nº.s 759 e 770 e totalidade da nº 871).
As referidas “Quotation forms” nº.s 759, 770 e 871 relativas a trabalhos extra juntam-se aqui igualmente como Doc. 13.
Os valores em causa foram pagos através da empresa D... Ltd. por conta da aqui Autora A... Ltd., sendo aquela uma empresa também detida pela família C... e que é detentora do seu património imobiliário e financeiro fora de Portugal, a qual dispunha de conta bancária e disponibilidade financeira em euros para o efeito, uma vez que a sociedade aqui Autora foi constituída apenas com a finalidade da aquisição do lote (e construção da moradia) em Portugal (a Autora não tinha conta bancária).
Contudo, é necessário esclarecer que, no Reino Unido (Escócia), uma “nominees company” é uma pessoa jurídica cujo negócio consiste exclusivamente em atuar como detentora nomeada de investimentos ou outros patrimónios, atuando a empresa nomeada em nome de seus beneficiários.
Ora, a D... Ltd. é uma sociedade detentora de investimentos e património em nome da família C... (E... e F...) e a sociedade A..., Ltd. era uma sociedade detentora da moradia de ... em nome da família C..., sendo que o referido casal são igualmente os detentores das partes sociais de A..., Ltd. como se pode constatar pelo respectivo certificados de incorporação e documento de titularidade das acções que aqui se juntam, respectivamente, como Docs. 14 e 15.
Por outro lado, os valores debitados pelo banco (Bank of Scotland) relativamente às transferências bancárias feitas D..., Ltd a favor da B..., S.A. são em montante ligeiramente superior ao efectivamente pago àquela sociedade na medida em que incluem as despesas da respetiva transferência.
Posição da Requerida
A Requerente é uma entidade não residente fiscalmente em Portugal, tendo como representante fiscal no cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira a entidade “G..., LDA”, com o NIPC ... (cfr. RIT – pág. 208 do PA da IT).
A Requerente foi constituída em 2002.04.24 (Doc.14, fls.1) tendo como sócios, inicialmente, as Sociedades H... LTD e I... LTD (CFR. Doc.14, fls 16). Em 2003.05.20 (data aposta no código de barras que consta do Doc.15, fls.1 – documento não traduzido) é declarado que tais sócios, na mesma data da constituição da sociedade (ora Requerente), transferiram as suas participações para o casal C... (cfr. Doc.15, fls.5). A corroborar este facto, a Requerente referencia-se como sendo “entre outras, uma sociedade detida pelo casal C...” (§24.º do PPA).
Em 2002.04.19, foi assinado, o documento “HOUSE AND LAND CONTRACT” (que inclui Anexo I e Anexo II), entre o casal C... e “B..., SA” , (doravante apenas B...), NIPC..., (documento apresentado já em sede de procedimento inspetivo e mencionado no RIT - versão original e respetiva tradução), agora, junto aos autos pela Requerente como Doc.4 (a fls.1-22 a versão traduzida e a fls.23-39 a versão original), que traduzido para a língua portuguesa, se intitula como “CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA E DE EMPREITADA” (a designar doravante a designar por “CPCV e de Empreitada”), tendo por objeto a aquisição de um lote de terreno para construção no valor de € 1.650.000,00 e prestação de serviços de empreitada de construção de imóvel pelo valor de € 1.012.269,00, totalizando o montante de € 2.662.269,00.
No referido CPCV e de Empreitada é designado como comprador os “Sr. e Sra. C... ou quaisquer membros da família ou nome de sociedade que desejam designar” (cfr. Doc.4, fls.3 ou fls.23 (versão original)).
O n.º 10 do Anexo I ao referido contrato (Doc.4 – fls.10 e 11) refere quando e quanto devem ser pagos os valores acordados.
Em 2002.05.23, é feito um aditamento ao CPCV e de Empreitada, onde é transmitida (alegadamente de forma gratuita, já que nada consta daquele aditamento) a posição de comprador, nomeando a A... LIMITED – ora Requerente – como comprador, fazendo uso da prerrogativa existente naquele contrato inicial – (cfr. Doc. 5, fls 3 e 5). NÃO CONSTA DOS AUTOS QUALQUER DOCUMENTO QUE COMPROVE A ASSUNÇÃO/CONSENTIMENTO POR PARTE DA REQUERENTE DA POSIÇÃO DE COMPRADOR NO CPCV E DE EMPREITADA.
Em 2002.06.16, foi lavrada a escritura de compra e venda do Lote de terreno para construção, designado por Lote ... (registado com o artigo matricial ...), entre a sociedade B... e a Requerente - onde se iria a construir a moradia, pelo valor de €1.650.000,00 (cfr. Doc. 3, fls.34 a 37).
O artigo matricial ... deu origem ao artigo matricial ..., na sequência da entrega da declaração modelo 1 do IMI nº ... apresentada na data de 2005/04/19, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial de €1.128.300,00 (cfr. RIT – pág. 209 do PA da IT e anexo 3 do RIT).
A Requerente, em 2019.11.11, obteve rendimentos resultantes da alienação de um imóvel sito em Portugal, correspondente ao prédio urbano denominado por Lote..., destinado a habitação, sito em ..., freguesia de ... inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., correspondente à moradia que foi construída no talhão de terreno para construção urbana (Lote ...) sob o contrato de empreitada (o documento “HOUSE AND LAND CONTRACT” de 2002.04.19), conforme resulta da escritura de Compra e Venda, onde consta como compradores, o casal C... (F... e a E...), pelo preço de € 3.300.000,48, (cfr. RIT – pág. 209 a 211 do PA da IT, anexo 2 ao RIT e Doc.3, a fls.27 a 32).
Foi declarado pelo sujeito passivo o valor de aquisição do imóvel no valor de €2.662.269,00, correspondendo este ao valor de aquisição do lote de terreno (€1.650.000,00) conforme escritura de compra e venda celebrada em 2002.06.16 entre a Requerente e a B..., acrescido do valor da construção do imóvel de €1.012.269,00, conforme resulta do documento “HOUSE AND LAND CONTRACT” assinado entre MR e MRS C...e “ B..., , SA”. (cfr. RIT – pág. 212 do PA da IT).
A Requerente apurou uma menos valia fiscal de valor €126.678,11 na declaração anual de informação contabilística e fiscal do ano de 2019 - anexo E –IRC – Elementos contabilísticos e fiscais (Entidades não residentes sem estabelecimento estável), relativamente à alienação do referido imóvel (cfr. RIT – pág. 210 do PA da IT).
A requerente apresentou a declaração de rendimentos Mod.22 de IRC referente ao exercício de 2019, na data de 2019/12/11, tendo declarado um prejuízo fiscal no valor de € 100.055,42.
A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo interno, em resultado da abertura da ordem de serviço interna n.º OI2023... de âmbito parcial em IRC, que resultou na correção ora impugnada no valor total de €1.208.345,49, por desrespeito ao disposto no n.º 3 do artigo 46.º do Código do IRS.
Os SIT depois de terem notificado a Requerente para vir demonstrar como foi apurado o valor de aquisição declarado (€2.662.269,00) apresentando os documentos justificativos das despesas e encargos relativo ao imóvel alienado, apuraram que o valor de aquisição declarado é composto pelo valor de aquisição do terreno (€1.650.000,00) acrescido de um valor titulado por valor da construção do imóvel de €1.012.269,00.
Todavia, relativamente ao valor da construção do imóvel de €1.012.269,00, a requerente não apresentou justificativos de forma a que os SIT pudessem validar tal montante.
Nesse sentido, referem aqueles SIT, “[e]ntende-se, pois, que os custos de construção têm de se encontrar devidamente comprovados por documentos idóneos, seja em conformidade com as exigências formais, nomeadamente as fixadas no artigo 36.º do Código do IVA, seja por permitirem fazer a correspondência de forma incontestável entre os encargos de construção (materiais e atividade de construção) e o imóvel onde essa construção é implantada, o que não se verifica face ao documento apresentado pelo sujeito passivo de modo a comprovar o valor da construção” (cfr. RIT – pág. 212 do PA da IT).
E diante o contraditório apresentado pela Requerente, em sede de direito de audição no procedimento inspetivo, concluem aqueles Serviços que “o que se encontra subjacente à correção proposta é o facto de não se considerarem comprovados os custos de construção do supramencionado imóvel, por não estarem devidamente comprovados por documentos idóneos” (cfr. RIT – pág. 218 do PA da IT).
E acrescentam aqueles Serviços: “Atente-se que os documentos que o sujeito passivo vem apresentar como relativos aos pagamentos efetuados para pagamento da construção do imóvel não foram por si efetuados, mas pela entidade “D... LTD”, sendo aludido, no exercício do direito de audição, tratar-se de ”…uma empresa financeira também detida pelo Sr. F…”, no entanto não se conhece, nem foram ora apresentados, o teor da relação que existe entre essa entidade e o sujeito passivo em análise” (cfr. RIT – pág. 218 do PA da IT).
E destas conclusões, resultaram na desconsideração do montante €1.012.269,00 no cálculo do valor de aquisição do imóvel, fixando-o apenas no montante correspondente ao valor de aquisição do terreno (€1.650.000,00).
Da desconsideração do valor €1.012.269,00, resultou um apuramento de mais valia fiscal no montante de €1.108.290,07, procedendo à correção da matéria coletável para €1.208.345,49 (prejuízo declarado [€100.055,42] + lucro tributável corrigido [€1.108.290,07]) – cfr. RIT (pág. 213 do PA da IT).
De todos os documentos apresentados nos autos relacionados com a correspondência e pagamentos à sociedade B..., SA (Doc. 8 a Doc.13), verificamos que: a) a correspondência é sempre dirigida ao Sr. F..., nunca é dirigida à Requerente; b) é o próprio Sr. F... que responde, informa e dá ordens para fazer-se a transferência para a sociedade B...; c) os documentos bancários onde se encontram a evidenciadas as transferências a favor da sociedade B..., estão associados a uma conta bancária que pertence a uma terceira sociedade – D..., LTD – ver os Doc. 8, fls. 3, Doc. 9, fls.4 e 5 e Doc.10, fls. 4 e 5. d).
Apenas relativamente a um pagamento, o Sr. F..., faz menção na correspondência por si enviada, a 2003.11.19, que está a pagar por conta da requerente – Doc.10, fls.3 -, todavia, não é junto aos autos, a prova de que tal pagamento foi cobrado à Requerente, acrescendo, que o pagamento foi efetuado a partir da conta bancária da sociedade D..., LTD (Doc.10, fls.4).
Não há qualquer evidência (nos documentos apresentados), que os pagamentos efetuados por terceiros, o sócio sr. F... e/ou a sociedade D..., ltd (detida pelos sócios da requerente - cfr. §27.º do ppa), foram cobrados à requerente e por ela suportados.
Em Doc. 7, a Requerente junta aos autos a Declaração de quitação emitida pela sociedade B..., datada de 2023.05.16, a referir que relativamente CPCV E DE EMPREITADA celebrado com a Requerente, “no que toca à construção realizada no lote ...”, “já recebeu a totalidade do ajustado preço de €1.012.269 […] referente ao Contrato de Empreitada e €70.571,34 referente a trabalhos extra de construção”, [..] nada mais tendo a haver ou a reclamar da sociedade A... Limited, no que respeita a tal contrato, conferindo aqui a correspondente quitação”.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT, contado da formação da presunção de indeferimento da reclamação deduzida contra os atos tributários impugnados.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, assistindo ao substituído o direito de ação, nos termos do disposto nos artigos 20.º e 65.º da LGT e 9.º e 132.º do CPPT, e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Não foram identificadas nulidades ou outras questões que obstem ao conhecimento do mérito.
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Fundamentação de Facto
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Factos Provados
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
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A Requerente é uma entidade não residente fiscalmente em Portugal, tendo como representante fiscal no cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira a entidade “G..., LDA”, com o NIPC ... (cfr. RIT – pág. 208 do PA da IT).
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A Requerente foi constituída em 2002.04.24 (Doc.14, fls.1) tendo como sócios, inicialmente, as Sociedades H... LTD e I... LTD (CFR. Doc.14, fls 16). Em 2003.05.20 (data aposta no código de barras que consta do Doc.15, fls.1 – documento não traduzido) é declarado que tais sócios, na mesma data da constituição da sociedade (ora Requerente), transferiram as suas participações para o casal C... (cfr. Doc.15, fls.5). A corroborar este facto, a Requerente referencia-se como sendo “entre outras, uma sociedade detida pelo casal C...” (§24.º do PPA).
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Em 2002.04.19, foi assinado, o documento “HOUSE AND LAND CONTRACT” (que inclui Anexo I e Anexo II), entre o casal C... e “ B..., SA” , (doravante apenas B...), NIPC..., (documento apresentado já em sede de procedimento inspetivo e mencionado no RIT - versão original e respetiva tradução), agora, junto aos autos pela Requerente como Doc.4 (a fls.1-22 a versão traduzida e a fls.23-39 a versão original), que traduzido para a língua portuguesa, se intitula como “CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA E DE EMPREITADA” (a designar doravante a designar por “CPCV e de Empreitada”), tendo por objeto a aquisição de um lote de terreno para construção no valor de € 1.650.000,00 e prestação de serviços de empreitada de construção de imóvel pelo valor de € 1.012.269,00, totalizando o montante de € 2.662.269,00.
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No referido CPCV e de Empreitada é designado como comprador os “Sr. e Sra. C... ou quaisquer membros da família ou nome de sociedade que desejam designar” (cfr. Doc.4, fls.3 ou fls.23 (versão original)).
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O n.º 10 do Anexo I ao referido contrato (Doc.4 – fls.10 e 11) refere quando e quanto devem ser pagos os valores acordados.
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Em 2002.05.23, é feito um aditamento ao CPCV e de Empreitada, onde é transmitida (alegadamente de forma gratuita, já que nada consta daquele aditamento) a posição de comprador, nomeando a A... LIMITED – ora Requerente – como comprador, fazendo uso da prerrogativa existente naquele contrato inicial – (cfr. Doc.5, fls 3 e NÃO CONSTA DOS AUTOS QUALQUER DOCUMENTO QUE COMPROVE A ASSUNÇÃO/CONSENTIMENTO POR PARTE DA REQUERENTE DA POSIÇÃO DE COMPRADOR NO CPCV E DE EMPREITADA.
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Em 2002.06.16, foi lavrada a escritura de compra e venda do Lote de terreno para construção, designado por Lote ... (registado com o artigo matricial ...), entre a sociedade B... e a Requerente- onde se iria a construir a moradia, pelo valor de €1.650.000,00 (cfr. Doc. 3, fls.34 a 37).
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O artigo matricial ... deu origem ao artigo matricial ..., na sequência da entrega da declaração modelo 1 do IMI nº... apresentada na data de 2005/04/19, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial de €1.128.300,00 (cfr. RIT – pág. 209 do PA da IT e anexo 3 do RIT).
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A Requerente, em 2019.11.11, obteve rendimentos resultantes da alienação de um imóvel sito em Portugal, correspondente ao prédio urbano denominado por Lote ..., destinado a habitação, sito em ..., freguesia de... inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., correspondente à moradia que foi construída no talhão de terreno para construção urbana (Lote...) sob o contrato de empreitada (o documento “HOUSE AND LAND CONTRACT” de 2002.04.19), conforme resulta da escritura de Compra e Venda, onde consta como compradores, o casal C... (F... e a E...), pelo preço de € 3.300.000,48, (cfr. RIT – pág. 209 a 211 do PA da IT, anexo 2 ao RIT e Doc.3, a fls.27 a 32).
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Foi declarado pelo sujeito passivo o valor de aquisição do imóvel no valor de € 2.662.269,00, correspondendo este ao valor de aquisição do lote de terreno (€1.650.000,00) conforme escritura de compra e venda celebrada em 2002.06.16 entre a Requerente e a B..., acrescido do valor da construção do imóvel de €1.012.269,00, conforme resulta do documento “HOUSE AND LAND CONTRACT” assinado entre MR e MRS C... e “B..., SA”. (cfr. RIT – pág. 212 do PA da IT).
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A Requerente apurou uma menos valia fiscal de valor €126.678,11 na declaração anual de informação contabilística e fiscal do ano de 2019 - anexo E –IRC – Elementos contabilísticos e fiscais (Entidades não residentes sem estabelecimento estável), relativamente à alienação do referido imóvel (cfr. RIT – pág. 210 do PA da IT).
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A requerente apresentou a declaração de rendimentos Mod.22 de IRC referente ao exercício de 2019, na data de 2019/12/11, tendo declarado um prejuízo fiscal no valor de € 100.055,42.
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A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo interno, em resultado da abertura da ordem de serviço interna n.º OI2023... de âmbito parcial em IRC, que resultou na correção ora impugnada no valor total de €1.208.345,49, por desrespeito ao disposto no n.º 3 do artigo 46.º do Código do IRS.
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Os SIT depois de terem notificado a Requerente para vir demonstrar como foi apurado o valor de aquisição declarado (€2.662.269,00) apresentando os documentos justificativos das despesas e encargos relativo ao imóvel alienado, apuraram que o valor de aquisição declarado é composto pelo valor de aquisição do terreno (€1.650.000,00) acrescido de um valor titulado por valor da construção do imóvel de €1.012.269,00.
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Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.
Não existem factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.
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Do Mérito
IV.A. Questão de fundo
A questão essencial consiste em saber se os documentos juntos pela Requerente são suficientes para comprovar o encargo suportado com a valorização do imóvel.
O Código do IRC determina que, no caso das sociedades não residentes e sem estabelecimento estável em território português, o imposto incide sobre “os rendimentos das diversas categorias, consideradas para efeitos de IRS, nos termos do artigo 3º, nº 1, alínea d) e do artigo 15º, nº 1, alínea d).
Por seu lado, o nº 3 do artigo 46º do Código do IRS determina que o valor de aquisição para efeitos do cálculo do ganho de mais-valias dos prédios urbanos contruídos pelo sujeito passivo é a soma do valor de aquisição do lote e dos custos de construção comprovados, consignando-se:
“3 - O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele.”
A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se a correção aos rendimentos declarados pela Requerente, relativos ao ano de 2019, em sede de mais-valias imobiliárias, com fundamento na não-aceitação dos encargos indicados, é ou não legalmente admissível.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, «[c]onstituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.»
De acordo com o n.º 4, alínea a) do mesmo preceito legal, o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso.
No caso sub judice, a Requerente apurou uma menos valia fiscal de valor €126.678,11 na declaração anual de informação contabilística e fiscal do ano de 2019 - Anexo E – IRC – Elementos contabilísticos e fiscais (Entidades não residentes sem estabelecimento estável), relativamente à alienação do referido imóvel (cfr. RIT – pág. 210 do PA da IT). Na sequência disto a requerente apresentou a declaração de rendimentos Mod.22 de IRC referente ao exercício de 2019, na data de 2019/12/11, tendo declarado um prejuízo fiscal no valor de € 100.055,42.
Note-se que tal facto, ou seja, que as obras tenham sido efetivamente realizadas naquela morada não é contestado pela Requerida que, na sua resposta limita o objeto do presente pedido arbitral a uma questão meramente de direito, ou seja, saber se, nos termos legais, os documentos em causa preenchem os requisitos para ser considerada como comprovativo de encargo com a valorização do imóvel e aceite em sede fiscal.
Ora, resultou provado documental e testemunhalmente que foram realizados os seguintes pagamentos, resultando aliás isso uma prática comum destes tipos de contratos de construção:
- A quantia de 303.681,00€, solicitada por B..., S.A. em 10-03-2003 e paga por transferência bancária de 13-03-2003 e cuja receção foi acusada por aquela empresa por fax de 14-03-2003, tudo conforme documentos que aqui se juntam como Doc. 8;
- A quantia de 303.681,00€, solicitada por B..., S.A. em 24-04-2003 e 22-05-2003 e paga por transferência bancária de 28-05-2003 e cuja receção foi acusada por aquela empresa por fax de 06-06-2003, tudo conforme documentos que aqui se juntam como Doc. 9;
- A quantia de 327.146,81€, solicitada por B..., S.A. em 23-10-2003 e 14-11-2003 e paga por transferência bancária de 19-11-2003 e cuja receção foi acusada por aquela empresa por fax de 21-11-2003, tudo conforme documentos que aqui se juntam como Doc. 10 (este pagamento corresponde ao valor do contrato de 303.681,00€ acrescido de parte dos trabalhos a mais/extras das “Quotation forms” nº.s 759 e 770, tendo sido deduzidos os créditos relativos a um depósito de água e de uma janela de cozinha);
- A quantia de 68.139,90€, solicitada por B..., S.A. em 08-01-2004 e paga por transferência bancária do mesmo dia e cuja receção foi acusada por aquela empresa por fax de 20-01-2004, tudo conforme documentos que aqui se juntam como Doc. 11 (este pagamento corresponde ao valor parcial do contrato de 50.613,00€ acrescido de parte dos trabalhos a mais/extras das “Quotation forms” nº.s 759 e 770);
- A quantia de 68.603.64€, solicitada por B..., S.A. em 20-04-2004 e paga por transferência bancária, tudo conforme documentos que aqui se juntam como Doc. 12 (este pagamento corresponde ao valor parcial do contrato de 50.613,00€ acrescido de parte dos trabalhos a mais/extras das “Quotation forms” nº.s 759 e 770 e totalidade da nº 871).
Também resultou claro da audiência que os valores em causa foram pagos através da empresa D... Ltd. por conta da aqui Autora A... Ltd., sendo aquela uma empresa também detida pela família C... e que é detentora do seu património imobiliário e financeiro fora de Portugal, a qual dispunha de conta bancária e disponibilidade financeira em euros para o efeito, uma vez que a sociedade aqui Autora foi constituída apenas com a finalidade da aquisição do lote (e construção da moradia) em Portugal (a Autora não tinha conta bancária).
Ora, conforme é invocado pela Requerente, a D... Ltd. é uma sociedade detentora de investimentos e património em nome da família C... (E... e F...) e a sociedade A..., Ltd. era uma sociedade detentora da moradia de ... em nome da família C..., sendo que o referido casal são igualmente os detentores das partes sociais de A..., Ltd. como se pode constatar pelo respetivo certificados de incorporação e documento de titularidade das ações que aqui se juntam, respetivamente, como Docs. 14 e 15.
Por outro lado, os valores debitados pelo banco (Bank of Scotland) relativamente às transferências bancárias feitas D..., Ltd a favor da B..., S.A. são em montante ligeiramente superior ao efetivamente pago àquela sociedade na medida em que incluem as despesas da respetiva transferência.
Consequentemente, tendo em conta a veracidade da prova documental e testemunhal realizada, entende-se que daqueles documentos resulta provado que a Requerente realizou efetivamente a referida despesa com o imóvel alienado. Acrescente-se aliás que resultou claro para este Coletivo que a referida construção nunca avançaria se os respetivos pagamentos não fossem realizados, o que aliás evidenciou uma prática comum para todos os tipos de negócios similarmente praticados por aquelas empresas.
Contrariamente ao defendido pela AT, entende-se que a Requerente logrou comprovar a despesa realizada e a sua relação entre esse pagamento e a valorização do imóvel em causa, à luz do artigo 74.º, n.º 1 da LGT e do artigo 342.º do Código Civil.
De facto, tal como em matéria de IRC, em matéria de IRS, os documentos comprovativos dos custos não têm de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA, sendo suficiente a apresentação de documento(s) que revele(m) as características fundamentais da operação realizada (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de Julho de 2012, proferido no processo n.º 0658/2011,).
Ademais, entendendo a AT que a prova produzida pela Requerente não era suficiente deveria aquela pedir informação suplementar ao sujeito passivo, realizando inclusive inspeção ao prestador do serviço, para saber se os documentos em causa se reportavam ou não à obra realizada no imóvel alienado, ao abrigo do princípio da colaboração e do inquisitório. É que o princípio do inquisitório está a montante do problema do ónus da prova (Cfr. nesse sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 21.10.2009, no processo n.º 0583/09).
Em face do exposto, considera-se que os documentos juntos pela Requerente constituem documentos idóneos à comprovação das despesas realizadas com a valorização dos bens, devendo essas despesas ser consideradas para efeitos de determinação da mais-valia sujeita a IRS.
Pelo que procede o presente pedido arbitral, declarando-se, conforme peticionado, a ilegalidade da liquidação em crise, com as demais consequências legais.
IV.B. Quanto aos juros indemnizatórios
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe "restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito". O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT "é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário", o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS, ao reembolso da importância indevidamente liquidada, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT). Assim, são devidos juros indemnizatórios à taxa legal sobre a quantia indevidamente paga de €316.029,66 desde a data do seu pagamento em 29-09-2023 até à data em que seja efetuado o integral reembolso daquela quantia, nos termos do artigo 43º da LGT e do artigo 61º do CPPT.
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Decisão
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:
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Julgar o pedido totalmente procedente, com as legais consequências;
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Condenar a Requerida ao pagamento das custas arbitrais.
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Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de €316.029,66, indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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Custas
Custas no montante de 5.508,00 € (cinco mil quinhentos e oito euros), a suportar integralmente pela Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.
Lisboa, 26 de julho de 2024
Os árbitros,
Guilherme W. d'Oliveira Martins
Ricardo Gomes Pedro
Rita Guerra Alves