Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 506/2023-T
Data da decisão: 2023-11-06  IRS  
Valor do pedido: € 27.646,73
Tema: IRS – revogação do ato tributário; extinção da instância; juros indemnizatórios.
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Sumário:

I. A anulação do ato tributário pela própria AT, na pendência do processo, satisfazendo a pretensão impugnatória do Requerente, conduz à impossibilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

II. No âmbito do processo arbitral, o pagamento de juros indemnizatórios é devido como efeito da decisão arbitral de procedência sobre o mérito da pretensão deduzida pelo sujeito passivo e tem em vista restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto de decisão arbitral não tivesse sido praticado (cf. artigo 24.º, n.ºs 1, alínea b), e 5, do RJAT).

III. A condenação em juros indemnizatórios não pode resultar diretamente da anulação oficiosa, pois implica o prosseguimento do processo a fim de ser apreciada a validade do ato tributário – o que se afigura impossível, por efeito da respetiva anulação administrativa –, uma vez que só em caso de procedência do mérito da pretensão é que o Tribunal Arbitral pode proferir uma decisão condenatória nesse sentido.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

            I. Relatório

1. No dia 10 de julho de 2023,  A..., NIF..., viúva, residente na Avenida ..., ...-... Lisboa (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à (i)legalidade:

(a) do ato de liquidação de IRS n.º 2022..., respeitante ao ano de 2018, no valor de € 27.646,73; e

(b) do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023... .

A Requerente juntou prova documental e requereu a produção de prova testemunhal. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral, que aqui damos por inteiramente reproduzido, a Requerente, pugnando pela respetiva procedência, peticiona o seguinte:

“(i) Deve ser anulado o indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023... e, consequentemente, anulada a liquidação adicional de IRS n.º 2022...;

            (ii) Em consequência da anulação, deverá a Requerente ser reembolsada do imposto indevidamente pago e ressarcida através do pagamento de juros indemnizatórios, desde o pagamento da liquidação adicional até ao reembolso efetivo da quantia devida.”

      

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 18 de julho de 2023.

           

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 31 de agosto de 2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 19 de setembro de 2023.

 

5. Em 23 de outubro de 2023, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual deduziu a exceção de inutilidade superveniente da lide e se defendeu por impugnação, relativamente aos juros indemnizatórios peticionados pela Requerente.

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo procedido à junção de um documento (que denominou “despacho de revogação”) e do processo administrativo (doravante, PA).

 

A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação que passamos a citar:

“1. A liquidação impugnada foi revogada nos termos do despacho que se junta aos autos.

2. Assim sendo, uma vez que a liquidação adicional foi revogada na pendência dos presentes autos de acção arbitral, deve na parte da revogação, ser extinta a instância com fundamento na inutilidade superveniente da lide.    

(…)

6. Na situação sub judice, a Requerente não apresentou a declaração de rendimentos a que estava obrigada, tendo a AT elaborado a liquidação em falta com base nos elementos que dispunha, pelo que, e com o devido respeito, se entende não serem devidos juros indemnizatórios, em virtude do errado apuramento da prestação tributária não resultar de erro imputável aos serviços.”

Nessa conformidade, a Requerida concluiu a sua Resposta propugnando que “deve ser declarada a inutilidade superveniente da lide, ante o despacho de revogação prolatado, devendo ser considerado improcedente o pedido de juros indemnizatórios”.

 

6. No aludido documento junto pela Requerida à sua Resposta, consta o seguinte despacho da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária-Impostos sobre o Rendimento, proferido por delegação de competências e datado de 13.10.2023: “Revogo parcialmente o ato contestado nos termos propostos”.    

Tal ato revogatório teve por base a Informação da DSIRS, constante do referido documento e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, importando, contudo, destacar os seguintes segmentos:

“ 16. Por último, tendo a Requerente efetuado o pagamento do valor constante do ato tributário de liquidação do IRS objeto do presente pedido arbitral, peticiona o reembolso integral do montante indevidamente pago e, bem assim, o pagamento de juros indemnizatórios.

17. Ora, dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) que são “devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

18. Nos termos do n.º 5 do artigo 13.º do RJAT, são atribuídos à apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral os efeitos da apresentação de impugnação judicial, pelo que são igualmente devidos juros indemnizatórios quando se determine, em processo arbitral, que houve erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

19. Na situação em apreço, a Requerente não apresentou a declaração de rendimentos a que estava obrigada, tendo a AT elaborado a liquidação em falta com base nos elementos que dispunha, pelo que, e com o devido respeito, se entende não serem devidos juros indemnizatórios, em virtude do errado apuramento da prestação tributária não resultar de erro imputável aos serviços.

(…)

Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deve ser alterada a liquidação de IRS do ano 2018 objeto do pedido.

(…)

Por tudo o exposto, propõe-se a revogação parcial do(s) ato(s) objeto do pedido.”

 

7. Em 31 de outubro de 2023, a Requerente, para tal devidamente notificada, pronunciou-se sobre a aludida exceção invocada pela Requerida na sua Resposta, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, dos quais importa respigar os seguintes segmentos:

“4.º (…), tendo a AT procedido já à revogação do ato de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral e reconhecido o direito da Requerente à restituição do imposto indevidamente liquidado, à semelhança do pugnado pela AT, entende a Requerente ser desnecessária a pronúncia arbitral quanto à liquidação adicional de IRS sub judice.

5.º Não obstante, mantém-se a necessidade de conhecer o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, dado que esta pretensão não foi acolhida no despacho de revogação da liquidação de IRS, tendo a AT, nesta parte, apresentado defesa por impugnação.

(…)

9.º E se é certo que a anulação administrativa faz recair sobre a AT o dever de restabelecer a situação que existiria se o ato tributário não tivesse sido praticado, no caso em concreto, a Requerida não reconheceu esse direito no “ato revogatório”, ao não ter acolhido a pretensão deduzida pela Requerente de pagamento de juros indemnizatórios.

10.º Assim, a pretensão jurídica da Requerente não ficou (ainda) totalmente satisfeita com a revogação parcial do ato de liquidação de IRS impugnado, pois alguns dos seus efeitos lesivos não foram expurgados, nomeadamente, os decorrentes das consequências do pagamento de imposto em montante superior ao devido.”

 

8. Por despacho arbitral, datado de 31 de outubro de 2023, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas, tendo sido indicado o dia 29 de dezembro de 2023 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

 

II. Saneamento

9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo (cf. artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

A Requerida invocou a exceção de inutilidade superveniente da lide, sustentando que “uma vez que a liquidação adicional foi revogada na pendência dos presentes autos de acção arbitral, deve na parte da revogação, ser extinta a instância com fundamento na inutilidade superveniente da lide”; adiante, aludiremos a esta questão.

 

III. Fundamentação                             

III.1. De Facto

10. Pelas razões adiante aduzidas e desenvolvidas, não há que elencar os factos relevantes para a apreciação do mérito da causa; com efeito, como veremos, o vertido no Relatório afigura-se bastante para alicerçar o que adiante se decidirá.  

  

 

III.2. De Direito

11. A Requerente veio requerer a constituição de tribunal arbitral para apreciar a (i)legalidade da liquidação de IRS n.º 2022..., referente ao ano de 2018, no valor de € 27.646,73, bem como a (i)legalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023...; a Requerente peticionou, ainda, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.  

Por despacho de 13 de outubro de 2023, da Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária-Impostos sobre o Rendimento, proferido por delegação de competências, o ato tributário de liquidação controvertido foi parcialmente revogado.

Como acima referido (cf. ponto 6 do Relatório), tal ato revogatório teve por base a sobredita e citada Informação da DSIRS que também aqui se dá por inteiramente reproduzida. 

Independentemente do que seguidamente se dirá quanto à natureza jurídica do ato, importa afirmar que a revogação parcial do ato tributário de liquidação controvertido, referente ao ano de 2018, com base nos fundamentos constantes da dita Informação da DSIRS (cf. ponto 6 do Relatório), tem implícita a correspetiva anulação da decisão da reclamação graciosa n.º ...2023...; aliás, tal resulta inequivocamente quer da conclusão da referida Informação – “Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deve ser alterada a liquidação de IRS do ano de 2018 objeto do pedido.” – quer da proposta de decisão ali vertida – “propõe-se a revogação parcial do(s) ato(s) objeto do pedido”.

 

12. Dito isto e centrando agora a nossa atenção na natureza jurídica daquele ato praticado pela Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária-Impostos sobre o Rendimento, importa referir que o atual Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, passou a distinguir entre a revogação e a anulação administrativa, fazendo corresponder a cada uma destas figuras as duas anteriores modalidades de revogação, ou seja, a revogação ab-rogatória ou extintiva e a revogação anulatória.

Como decorre do vertido no artigo 165.º do CPA, a revogação “é o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade” cf. n.º 1), sendo a anulação administrativa “o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade” (cf. n.º 2). A revogação, por regra, “apenas produz efeitos para o futuro” (cf. artigo 171.º, n.º 1, do CPA), enquanto que a anulação administrativa, salvo disposição especial, “produz efeitos retroativos” (cf. artigo 171.º, n.º 3, do CPA) e “produz efeitos repristinatórios” (cf. artigo 171.º, n.º 4, do CPA).

No caso sub judice, a AT entendeu revogar parcialmente os atos tributários controvertidos com fundamento em considerações de legalidade, pelo que, apesar de adotar a terminologia anteriormente aplicável, praticou, segundo a atual terminologia, um ato de anulação administrativa, tendo determinado, no rigor dos termos, a anulação dos atos tributários controvertidos.   

 

13. No respeitante às consequências processuais de tal anulação administrativa, importa ter em consideração o artigo 64.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, particularmente o disposto nos seus n.ºs 1 e 2:

“1 – Quando, na pendência do processo, o ato impugnado seja objeto de anulação administrativa acompanhada ou sucedida de nova regulação, pode o autor requerer que o processo prossiga contra o novo ato com fundamento na reincidência nas mesmas ilegalidades, sendo aproveitada a prova produzida e dispondo o autor da faculdade de oferecer novos meios de prova.

2 – O requerimento a que se refere o número anterior deve ser apresentado no prazo de impugnação do ato anulatório e antes do trânsito em julgado da decisão que julgue extinta a instância.

(…)”  

Nesta norma está prevista a hipótese típica de ampliação do objeto do processo quando, na pendência de um processo impugnatório, a Administração anule o ato impugnado praticando um novo ato em sua substituição, contra o qual o impugnante poderá ter ainda interesse em agir.

No caso sub judice, afigura-se evidente que não é essa a situação que se verifica. Com efeito, a AT anulou parcialmente os atos tributários controvertidos sem que tenha instituído uma qualquer nova regulação da situação jurídica, tendo-se, pois, limitado a conformar-se com o reconhecimento da ilegalidade dos atos tributários anteriormente praticados. Ora, como decorre do estatuído no citado n.º 2 do artigo 64.º do CPTA, a anulação do ato impugnado pela própria Administração, na pendência do processo, satisfazendo a pretensão impugnatória do autor, conduz à impossibilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Efetivamente, “a anulação administrativa determina a destruição dos efeitos do acto administrativo anulado (artigo 165.º, n.º 2, do CPA), com a sua consequente eliminação da ordem jurídica, pelo que se verifica uma situação de impossibilidade superveniente da lide por falta de objecto processual” (decisão arbitral do processo n.º 215/2018-T), conducente à extinção da instância e que, por isso, obsta a uma “pronúncia arbitral de mérito”.

No entanto, a anulação administrativa de um ato administrativo na pendência do processo judicial de impugnação pode não conduzir, necessariamente, à extinção da instância, concretamente quando tenham sido deduzidas, em cumulação com a pretensão impugnatória, outras pretensões, dirigidas a obter prestações repristinatórias, indemnizatórias ou outras, que a anulação do ato, só por si, não satisfaz; nesta hipótese, a anulação administrativa não impede o processo de prosseguir, para apreciação das pretensões que vinham cumuladas, como pedidos dependentes, com o pedido principal de impugnação (ver, neste sentido, Mário Aroso de Almeida, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 2021, p. 440).  

Contudo, essa possibilidade não se coloca no âmbito do processo arbitral pois, neste, o pagamento de juros indemnizatórios é devido como efeito da decisão arbitral de procedência sobre o mérito da pretensão deduzida pelo sujeito passivo e tem em vista restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto de decisão arbitral não tivesse sido praticado (cf. artigo 24.º, n.ºs 1, alínea b), e 5, do RJAT). 

Ademais, a condenação em juros indemnizatórios não pode resultar diretamente da anulação oficiosa, pois implica necessariamente o prosseguimento do processo a fim de ser apreciada a validade do ato tributário, uma vez que só em caso de procedência do mérito da pretensão é que o Tribunal Arbitral pode proferir uma decisão condenatória. Com efeito, “o pedido arbitral referente aos juros indemnizatórios apenas pode ser entendido como uma pretensão condenatória de natureza acessória ou consequencial relativamente ao pedido principal, implicando que o processo devesse prosseguir para a apreciação incidental da legalidade do acto impugnado apenas para o efeito de saber se há lugar ao pretendido ressarcimento a título de juros indemnizatórios” (decisão arbitral do processo n.º 215/2018-T).

Acresce que o artigo 172.º do CPA, norma que visa regular as consequências da anulação administrativa, reproduz o disposto no artigo 173.º do CPTA, norma aplicável à execução de sentenças de anulação de atos administrativos, estipulando um conjunto de deveres de executar relativamente ao ato anulado administrativamente que correspondem aos que igualmente se impõem à Administração se houver lugar a anulação contenciosa no âmbito de um processo impugnatório. Tal coincidência normativa permite afirmar que as consequências resultantes da anulação de um ato administrativo são fundamentalmente idênticas, independentemente de a anulação resultar de um ato da própria Administração ou de decisão jurisdicional proferida em processo impugnatório.

Assim, sendo um dos deveres em que a AT fica constituída, por efeito da anulação administrativa do ato tributário, a reconstituição da situação que existiria se esse ato não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação, nada impede que nesse âmbito sejam devidos juros indemnizatórios por pagamento indevido de prestação tributária, em consonância com o também estabelecido no artigo 43.º da LGT.

Destarte, não pode ser acolhida a pretensão da Requerente no sentido do prosseguimento destes autos para “conhecer o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios” pois, por efeito da anulação administrativa dos atos tributários controvertidos, o presente processo arbitral não pode prosseguir por impossibilidade superveniente da lide; porquanto, “[f]ace ao RJAT, e dado que estamos no âmbito geral de um contencioso de anulação de actos, é inequívoco que um acto de um dos tipos previstos no artigo 2.º é imprescindível como objecto do processo arbitral, já que neste se visa apurar da sua legalidade ou ilegalidade. Sem um desses actos, falta objecto ao processo, gera-se uma impossibilidade da lide” (decisão arbitral do processo n.º 412/2017-T).

No entanto, não está de forma alguma precludida a possibilidade de a Requerente poder deduzir um pedido indemnizatório em ação de responsabilidade civil autónoma; com efeito, a Requerente mantém “o direito a exigir da Requerida os juros de que se acha credora. Este Tribunal é que não pode apreciá-lo no âmbito de uma lide que insubsiste” (decisão arbitral do processo n.º 412/2017-T).

 

14. A finalizar, importa referir que a AT procedeu à revogação parcial dos atos tributários controvertidos quando este Tribunal Arbitral singular se encontrava já constituído – sendo que apenas o comunicou no processo após a notificação para apresentar Resposta e juntar o PA –, pelo que o prosseguimento do processo só à Requerida pode ser imputável; consequentemente, as custas do processo devem ser totalmente imputadas à Requerida (cf. artigo 536.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

IV. Decisão

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, com todas as legais consequências;
  2. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas processuais.

 

V. Valor do Processo

Atento o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 27.646,73 (vinte e sete mil seiscentos e quarenta e seis euros e setenta e três cêntimos).

 

VI. Custas

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), cujo pagamento fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 6 de novembro de 2023.

 

O Árbitro,

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)