Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 553/2022-T
Data da decisão: 2023-11-28  IRC  
Valor do pedido: € 20.260,69
Tema: IRC – Tributações autónomas
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DECISÃO ARBITRAL

A Árbitra Sofia Quental, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 28 de Novembro de 2022, decide o seguinte:

 

  • RELATÓRIO
  1. Em 19 de Setembro de 2022, a sociedade A..., Lda., pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-..., Carnaxide (doravante abreviadamente identificada por “Requerente”), requereu a constituição do Tribunal Arbitral Singular em matéria tributária, nos termos do disposto da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102.º, n.º1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto na alínea a), do n.º1 do artigo 10º do RJAT, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação de IRC n.º 2022..., referente ao período de tributação de 2017, que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2022..., na qual foi apurado um total a pagar de € 20.260,69 (vinte mil duzentos e sessenta euros e sessenta e nove cêntimos) sendo o montante de € 17.599,42 (dezassete mil, quinhentos e noventa e nove euros e quarenta e dois cêntimos) referente a tributações autónomas, o montante de € 3,52 (três euros e cinquenta e dois cêntimos) de juros de mora e o montante de € 2.657,75 (dois mil seiscentos e cinquenta e sete euros e setenta e cinco cêntimos) referente a juros compensatórios.
  2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente identificada por “Autoridade Requerida” ou simplesmente por “AT”).
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite em 21 de Setembro de 2022, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, tendo as partes sido notificadas no mesmo dia.
  4. A Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º do RJAT, a ora signatária foi designada pelo Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Singular, tendo a nomeação sido aceite no prazo e nos demais termos legalmente previstos.
  5. As partes foram devidamente notificadas dessa designação em 10 de Novembro de 2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do Árbitro, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  6. O Tribunal Arbitral Singular ficou, assim, constituído em 28 de Novembro de 2022 para apreciar e decidir o objecto do presente litígio.
  7. Deste modo importa ter em conta que a Requerente sustentou, em síntese, o seu pedido da seguinte forma:

- Fundamentos:

  1. A Requerente entende que a liquidação de IRC n.º 2022..., referente ao ano de 2017, que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2022..., na qual foi apurado um total a pagar de € 20.260,69, sendo o montante de € 17.599,42 referente a tributações autónomas, o montante de € 3,52 de juros de mora e o montante de € 2.657,75 referente a juros compensatórios, é ilegal, devendo ser anulada com todas as consequências legais, nomeadamente, a emissão da nota de crédito referente ao valor pago pela Requerente.
  2. Começa a Requerente por invocar a falta de fundamentação relativamente à desconsideração por parte da AT de gastos suportados com materiais, ferramentas, utensílios, cabeleireiros e vestuário, elencados no ponto III.1.2. do RIT, referindo que os mesmos “carecem de fundamentação e só por si deveriam ser considerados como aceites fiscalmente, uma vez que a AT não justificou a sua não aceitação atenta a vasta documentação junta no direito de audição”.
  3. Invocando ainda a não aceitação como despesas de representação dos gastos elencados no ponto III. 1.3, do RIT, sujeitos à respectiva tributação autónoma, referindo que se tratam de “despesas de deslocação e estada que, nos termos da lei não estão sujeitas a tributação autónoma” e que a “AT admite que os mesmos custos são dedutíveis e, portanto, aceites fiscalmente, ainda assim enquadra-os como despesas de representação sujeitos a tributação autónoma à taxa de 10%+10%”.
  4. A Requerente detalha a sua atividade, focada em consultoria, gestão, mediação e angariação imobiliária, entre outros.
  5. Entende a Requerente que “não é substancialmente uma sociedade de Mediação Imobiliária com licença AMI, mas os seus sócios, via sociedade, exercem a atividade de agentes/angariadores imobiliários com as respectivas licenças”, sendo agentes associados da B... .
  6. E no âmbito da sua actividade como agentes, trabalham sob a égide de uma franchisada da B..., inicialmente C..., Lda. e desde 2017 D..., Lda., ambas conhecidas como B... .
  7. Justifica diversos gastos com viagens e estadias ao estrangeiro referindo que “Com vista a apresentar o regime denominado Golden Visa (…), e dessa forma angariar clientes estrangeiros, que através de compra de imóveis obtivessem a autorização de residência (ARI), os agentes tiveram necessidade de se deslocar ao estrangeiro por diversas ocasiões”, e enunciado de forma genérica alguns dos eventos em que participaram, como por exemplo, feiras, eventos internacionais, e convenções B... .
  8. A Requerente detalha as razões pelas quais os seus custos foram superiores às despesas, particularmente em relação ao regime do Golden Visa e à necessidade de manter a estrutura operacional face à quebra de vendas e faturação, bem como à necessidade de alargar o âmbito geográfico da sua actividade.
  9. A Requerente defende que tais custos são inerentes à sua atividade e, como tal, dedutíveis para efeitos fiscais.
  10. A Requerente relata dificuldades enfrentadas durante o processo de inspeção tributária, alegando falta de colaboração por parte da AT relacionada com a apresentação de documentação e esclarecimentos solicitados.
  11. De seguida, procede a Requerente à justificação dos custos desconsiderados pela AT nos termos do artigo 23.º do CIRC.
  12. Quanto aos custos mencionados na conta 62313 referentes a elementos de decoração de imóveis, refere a Requerente que se fundamentam na necessidade de decorar imóveis de modo a torná-los mais apelativos ao consumidor e que os elementos decorativos se encontram guardados em duas boxes arrendadas pela Requerente.
  13. Concluindo a Requerente que os referidos custos estão comprovados e justifica a sua relação com a actividade da Requerente.
  14. Relativamente às despesas com brushing e coloração, mencionadas na conta 62511, alega a Requerente que correspondem a despesas de cabeleireiro inerentes à apresentação pessoal da sua sócia e gerente em feiras, congressos, galas e reuniões com clientes.
  15. Para justificação das despesas relacionadas com roupa, deslocações e jantares, mencionadas na conta 63825, a Requerente justifica a sua conexão com a actividade desenvolvida referindo que tais despesas foram necessárias para a representatividade da sociedade no estrangeiro e para a sua reputação.
  16. Quanto às despesas mencionadas na conta 3251, referentes a deslocações e estadas, entende a Requerente que não assiste razão à Requerida ao tributá-las autonomamente, porque as mesmas não se referem as despesas suportadas com terceiros, mas antes com deslocações e estadas dos gerentes e agentes da Requerente.
  17. Concluindo que as despesas mencionadas se encontram devidamente comprovadas nos termos do artigo 23.º do CIRC, devendo as mesmas ser dedutíveis à matéria colectável dado que visaram obter, garantir ou potenciar os rendimentos da Requerente.
  18. Por último, quanto às despesas mencionadas na conta 32511 referentes a deslocações e estadas, entende a Requerente que não se tratam de despesas de representação pelo que não podem ser sujeitas a tributação autónoma.   
  19. Na sua Resposta, a Autoridade Requerida invocou, em síntese, o seguinte:
    1. O entendimento da Autoridade Requerida está devidamente justificado e fundamentado no processo administrativo, o qual se dá como integralmente reproduzido nos presentes autos.
    2. Refere a Autoridade Requerida que a sede da Requerente “(…) coincide com o domicílio da sócia gerente E... e do sócio e do trabalhador dependente da empresa A..., F... .”
    3. “Apesar de se apresentar coma designação comercial de “B...”, a atividade afetivamente desenvolvida é a de mero agente de uma franchisada da G..., inicialmente, a sociedade C..., Lda., NIPC..., e desde meados de 2017, a sociedade D..., Lda., NIPC..., estas sim, sociedades de mediação mobiliária licenciadas e que usam a marca H... .”
    4.   Quanto à actividade da Requerente, concluí a Autoridade Requerida que “A atividade da Empresa A... resume-se à angariação de imóveis nacionais para venda e procura de compradores nacionais e estrangeiros para os imóveis, sendo de assinalar que, na escritura de venda dos imóveis, esta sociedade nunca aparece como entidade mediadora, mas sim a franchisada da G... suprarreferida.”, alegando que a Requerente não é uma sociedade de Mediação Imobiliária, “pois nem sequer tem a referida licença”, mas sim uma sociedade de prestação de serviços da G....”
    5. Alega ainda a Autoridade Requerida, a nível de enquadramento da estrutura de negócio, que a “(…) sócia gerente E... também exerce atividade empresarial em nome individual encontrando-se inscrita para o exercício de diversas actividades: CAE Principal 68312 ACTIVIDADES DE ANGARIAÇÃO IMOBILIÁRIA e CAE’s Secundários: 1322 DECORADORES, 1319 COMISSIONISTAS; 066220 ACTIVIDADES DE MEDIADORES DE SEGUROS; 070220 OUTRAS ACTIVIDADES CONSULTORIA PARA OS NEGÓCIOS E A GESTÃO.”
    6. A Autoridade Requerida menciona que, durante o procedimento de inspeção, a Requerente submeteu documentos que suportam os registos contabilísticos de determinadas contas, bem como justificou as despesas realizadas pela empresa. Contudo, esta apresentação levou os Serviços de Inspeção Tributária a concluir que não ficou comprovado que as despesas foram realizadas exclusivamente a favor da empresa, suscitando a hipótese de terem sido efetuadas em benefício de terceiros, nomeadamente dos sócios.
    7. Em relação aos gastos registados na conta 62313 – "Materiais, ferramentas e utensílios", no montante de € 16.318,99, a Autoridade Requerida considera que a Requerente não especificou qualquer operação, imóvel ou cliente que justificasse tais despesas, limitando-se a apresentar exemplos teóricos de eventuais necessidades.
    8. Acrescenta que, na maioria das aquisições analisadas, a morada de entrega das mercadorias é a mesma da sede da Requerente, que coincide com a residência dos seus sócios.
    9. A Autoridade Requerida argumenta ainda que, caso os bens estejam armazenados numa "box" conforme alegado pela Requerente, estes deveriam ser considerados como ativos fixos tangíveis e não como despesas do período. Por isso, tais gastos não seriam relacionados com a atividade empresarial, mas sim de carácter particular, e, consequentemente, não aceites como custos para efeitos fiscais nos termos do artigo 23.º, n. º1 do CIRC.
    10. Quanto às despesas contabilizadas na conta 625111 – “Deslocação e Estadas”, no montante de € 7,225,00, foi possível verificar que se tratam de despesas com cabeleireiros e tratamentos de estética (depilação, tratamentos capilares, etc), considerando a Autoridade Requerida que se tratam de “gastos de índole particular e que não estão relacionados com a atividade da empresa, logo não aceites para efeitos fiscais, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.”
    11. Em relação aos gastos contabilizados na conta 63825 – “Fardamento – Convenções”, no montante de € 30.910,64, considera a Autoridade Requerida tratar-se de aquisições de diversos itens de vestuário, com carácter eminentemente pessoal não relacionados com a actividade empresarial, e consequentemente, não aceites, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.
    12. No que respeita a alguns gastos contabilizados na conta 625111 – Deslocações e Estadas, no montante de €16.691,15, entende a Autoridade Requerida, que estes gastos configuram “despesas de representação, ou seja, despesas suportadas com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades” e porquanto, apesar de fiscalmente dedutíveis, sujeitou-as a tributação autónoma nos termos do disposto no artigo 88.º, n.º 7 do CIRC.
  20. No dia 03 de Maio de 2023, pelas 14h30, teve lugar a reunião do Tribunal Arbitral para efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido ouvida as declarações de parte bem como as testemunhas arroladas. Nessa data o tribunal notificou a Requerente e a Requerida para apresentação das alegações escritas, de modo simultâneo, no prazo de 10 dias, as quais foram apresentadas no dia16 de Maio de 2023.

 

  • SANEADOR
  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º do RJAT.
  2. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
  3. Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que cumpre decidir.

 

 

 

 

 

  • MATÉRIA DE FACTO
  1. Factos dados como provados:

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente tem como CAE principal “70220 – Outras actividades de Consultoria para os Negócios e a Gestão” e como CAE’S secundários “68312 - Actividades de Angariação Imobiliária” e “45110 – Comércio de Veículos Automóveis Ligeiros”.
  2. O capital social é detido por dois sócios, E... e Luís F... .
  3. A sede da empresa coincide com o domicílio fiscal dos sócios.
  4. A Requerente foi notificada do Projecto do RIT em 14 de Março de 2022, tendo sido dado prazo para exercer o seu direito de audição.
  5. A Requerente em 29 de Março de 2022 exerceu o seu direito de audição.
  6. No dia 11 de Abril de 2022, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), no qual foram efectuadas as seguintes correcções aritméticas em sede de IRC: a) correcções ao lucro tributável no montante de € 74.288,66, e b) aplicação de tributações autónomas no montante de € 17.599,42.
  7. Em consequência do referido RIT, a Requerida emitiu a respectiva liquidação adicional de IRC relativa ao período de tributação de 2017, com o n.º 2022..., datada de 02 de Maio de 2022, no montante total de € 20.260,69.

 

  1. Factos dados como não provados:

 

Não se considera factualidade dada como não provada com relevância para a decisão arbitral.

 

  • FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Relativamente à matéria de facto o tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pela Requerente, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil (CC) é que não domina o princípio da livre apreciação da prova.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos junto à petição da Requerente, no processo administrativo junto pela Autoridade Requerida com a Resposta, no depoimento de parte e no depoimento testemunhal, e na posição das partes apreciada pelo Tribunal segundo a sua livre convicção.

  • DO DIREITO

 

  1. Pressupostos da dedutibilidade de gastos (art. 23.º do CIRC)

 

Ainda que possa resultar alguma matéria controvertida em relação a Factos, o diferendo objecto deste processo assenta essencialmente em divergências de interpretação por parte da Requerente e Autoridade Requerida quanto à dedutibilidade dos gastos incorridos assim como do respectivo tratamento fiscal – nomeadamente em sede de Tributação Autónoma nos termos dos artigos 23.º e 88.º do Código do Imposto sobre Pessoas Colectivas (abreviadamente designado por “CIRC”).

Referimo-nos, como bem se compreende, a questões de Direito.

Cumpre assim analisar o enquadramento jurídico subjacente ao presente processo e, até por razões de lógica, em relação a cada rubrica ou despesa (ainda que agregadas).

E neste âmbito assume destaque a norma do Artigo 23.º, n.º 1 e 2 do CIRC, a sua interpretação jurídica assim como a lógica subsunção aos factos.

A interpretação da referida norma como exercício de base para a tomada de decisão – arbitral, no caso – pode ser encetada pelo levantamento dos requisitos de cuja verificação depende a dedutibilidade dos gastos incorridos.

Estabelece o n.º 1 do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC que “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.”

Este n.1 deve ser articulado com os n.ºs 3 e 4 do mesmo preceito que referem:

“3 - Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.”

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.”

 

Importa ainda conjugar a análise com o disposto nas alíneas b) e c) do artigo 23.ºA do CIRC que dispõem o seguinte:

“1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

(…)

b) As despesas não documentadas;

c) Os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 23.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º”.

 

Nos termos das mencionadas normas, para que um determinado gasto suportado por uma pessoa colectiva possa ser deduzido em termos de IRC, terão de se verificar dois requisitos:

  1. A adequada comprovação documental desse gasto; e
  2. Que o gasto tenha sido realizado para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

À luz da actual redacção do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, cumpre ponderar avaliando se os gastos ocorreram em desenvolvimento da actividade do sujeito passivo de IRC – note-se a identidade ao menos presumida de que a actividade pressupõe a geração de lucros tributáveis, acompanhando a letra da norma: “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.

Em redacção anterior desta norma havia menção expressa ao requisito de indispensabilidade para a realização de rendimentos tributáveis. Agora deve apenas ser avaliado se os gastos ocorreram no âmbito da actividade do sujeito passivo tendo em vista a garantia ou obtenção de rendimentos.

Nesse sentido, vide António Moura Portugal, in “A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa”, Coimbra Editora, página 276 (obra publicada na vigência da norma alterada), “Daí que manifestemos a nossa concordância com as palavras de Vítor Faveiro, quando refere a necessidade de comprovação não se reporta à indispensabilidade dos custos, mas sim à efectividade da realização destes. A indispensabilidade não é, pois, susceptível de prova”.

E exigindo-se (adaptar-se) tal raciocínio, deve então atender-se à “congruência económica da operação” que é, como se verá adiante, fulcral para entender os fundamentos dos juízos formulados no âmbito da decisão a tomar relativamente a cada rubrica de gastos ou a cada despesa, como se faz adiante.

Por outro lado, a efectiva dedutibilidade dos gastos assenta no pressuposto de que é possível comprovar objectivamente a sua afectação à actividade e negócio de um determinado sujeito passivo de IRC, a que(m) cabe tal ónus.

Como se pode ler na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 38/2020-T, “afigura-se-nos que o mero facto de um dado custo estar alegado pelo contribuinte, e existir um suporte documental, não pode determinar, por si só, a sua aceitação como custo dedutível. É necessária uma subsequente tarefa, por parte do julgador, de apuramento sobre se esse custo é ou não indispensável à atividade prosseguida pelo contribuinte”.

No que se refere ao ónus da prova cita-se a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 127/2022-T, a qual refere que “a jurisprudência é pacífica no entendimento de que tal ónus recai sobre o sujeito passivo, por estar em causa um facto constitutivo da dedução invocada (art. 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária). A este respeito, cita-se veja-se os acórdãos do TCA Norte de 11-02-2016, proc. n.º 00080/03 e do TCA Sul de 02-02-2010, proc. n.º 03669/09 e de 16-10-2012, proc. n.º 05014/11: “Se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade!.

Nestes termos, os gastos contabilizados fundadamente questionados pela AT, para serem fiscalmente dedutíveis, têm de ser objeto de comprovação objetiva quanto à afetação à realidade empresarial do sujeito passivo que os contabilizou. Neste sentido, cfr., entre outras, as Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 735/2019-T; 510/2020-T; 534/2020-T e 793/2021-T. Embora hoje se tenha deixado de se falar em indispensabilidade, a verdade é que o ónus de prova da ligação do custo à atividade empresarial continua a caber ao sujeito passivo, atenta a fundamentação subjacente deste ónus”.

Face o exposto, impõe-se assim, analisar os gastos desconsiderados pela Autoridade Requerida.

  1. Quanto à ilegalidade da liquidação de IRC referente ao período de tributação de 2017

 

  1. Gastos suportados com cabeleireiros (brushing e colorações), registados na conta # 625111 DESLOCAÇÕES E ESTADAS

 

Em crise os gastos conforme quadro que se apresenta:

 

 

 

 

 

Quanto a estes gastos, refere a Requerente que correspondem a despesas de cabeleireiro inerentes à apresentação pessoal da sua sócia e gerente.

Ora, analisadas as facturas respectivas juntas ao processo pode-se verificar que se tratam de despesas com “brushing”, “corte”, “alisamento”, “kerastade soleil”, “extensões”, “depilação” entre outras, todas elas despesas de índole pessoal, destinadas a pessoas individuais e não a pessoas colectivas.

Adicionalmente, algumas dessas facturas apresentam despesas referentes a mais de uma pessoa, as quais se desconhecem a identidade.

Há que referir que relativamente a estas despesas não foram indicados os respectivos eventos profissionais que justificassem a sua origem.

Importa ainda mencionar a factura n.º 225040/059517 emitida pela “...”, que refere a caneta “oferta a clientes”. Relativamente a esta factura desconhece-se igualmente a relação com a actividade profissional da Requerente.

Não tendo sido evidenciada a obtenção, ou a garantia, de rendimentos tributáveis em sede de IRC, resulta do contexto, um desvio da fruição dos benefícios por parte duma entidade que não a do sujeito passivo de IRC, neste caso, a sócia e gerente da Requerente.

Entende ainda este tribunal que, relativamente às despesas assinaladas no quadro acima, o suporte documental é insuficiente para que se proceda à verificação do segundo requisito que fundamenta a dedutibilidade dum gasto em sede de IRC.

Ora, resultou da documentação junta aos autos, incluindo da prova testemunhal, que não é possível extrair ligação entre as despesas e os requisitos do artigo 23.º do CIRC, não bastando para cumprir o ónus de prova que impende sobre a Requerente, as considerações de ordem genérica para justificar e sustentar que os gastos em causa se possam efetivamente se enquadrar na atividade empresarial da Requerente necessários à prospeção comercial.

Pelo exposto, considera-se que a Requerente não logrou cumprir com o ónus da prova que lhe incumbia para demonstrar a conexão das despesas em causa com a sua actividade, e bem assim, a sua relação para a geração de rendimentos sujeitos a IRC.

Em conclusão, afigura-se improceder o pedido da Requerente referente às despesas no valor de € 7.225,00.

  1. Gastos suportados e registados na conta #63825 FARDAMENTO CONVENÇÕES

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quanto a estes gastos, refere a Requerente que correspondem a despesas com roupa para eventos, feiras, galas e convenções dos seus sócios necessários para representar a sociedade no estrangeiro.

No seguimento da análise efectuada aos documentos juntos pela Requerente para justificação das despesas mencionadas no quadro supra, verifica-se que essas despesas estão essencialmente relacionadas com vestuário muito variado onde constam desde vestidos, bermudas, t’shirts, pijamas, corta-ventos, peúgas, etc.

 

Em algumas facturas pode-se ainda ler “Disney baby”, “bolachas”, entre outros artigos que não é possível a este tribunal conhecer com clareza de que artigos se tratam ou para que fim foram adquiridos.

 

Afigura-se dificil verificar a Requerente como principal beneficiária dos custos incorridos.

 

O nome da rubrica em que estão registados – “Fardamentos – Convenções” por um lado não releva para ser considerado como aquisição de uniformes ou fardas de uso exclusivo ou maioritariamente exclusivo em contexto laboral ou corporativo, podendo ler-se Equipamentos ou Vestuário.

 

No entanto, não basta a referência a convenções, feiras ou eventos, para que se possa concluir que todas as despesas aqui desconsideradas estejam de facto relacionadas com a actividade da Requerente e/ou com a geração de rendimentos sujeitos a IRC. E dada a variedade de artigos incluídos nas referidas despesas não é possível o tribunal diferenciar ou relacionar quais as despesas suportadas relativamente a cada evento referido.

 

Ainda que tenham sido apresentadas imagens de alguns dos eventos referidos, não é possível aferir a que despesa corresponde o vestuário usado pelos sócios da Requerente.

 

Nestes termos, à semelhança do referido na rubrica anterior, considera-se que a Requerente não logrou cumprir com o ónus da prova que lhe incumbia para demonstrar a conexão das despesas em causa com a sua actividade, e bem assim, a sua relação para a geração de rendimentos sujeitos a IRC.

 

Em conclusão, afigura-se improceder o pedido da Requerente referente às despesas no valor de € 30.910,64.

 

  1. Gastos suportados e registados na conta #62313 MATERIAIS, FERRAMENTAS E UTENSÍLIOS  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ao total indicado na imagem supra, há que subtrair os montantes de € 109,98 e € 601,62 (facturas FT05346 e FT 17661) dado que foram aceites como gasto fiscal pelos Serviços de Inspecção Tributária.

 

Relativamente a estes bens, refere a Requerente que se reportam a elementos de decoração de imóveis.

 

Explica a Requerente, que os bens adquiridos têm como objectivo preparar, ainda que provisoriamente (realizando o home-staging) os imóveis que seriam objecto de comercialização, o que justificaria a consideração de tais montantes como fiscalmente dedutíveis.

 

Menciona ainda que os bens se encontram guardados em duas boxes arrendadas e pagas pela Requerente.

 

Para justificar as despesas a Requerente apresenta facturas bem como algumas imagens das referidas boxes.

 

Ora, relativamente aos bens adquiridos revela-se igualmente impossível o tribunal determinar o uso específico de cada bem.

 

Por um lado, as facturas para além de referirem como local de entrega a sede da sociedade que condiz com o domicílio fiscal dos sócios da Requerente, referem ainda a respectiva montagem de alguns bens como o exaustor e a bomba de calor.

 

Por outro lado, apesar de podermos verificar através das imagens juntas aos autos, diversos artigos em boxes, não é possível relacionar os artigos que constam nas facturas aqui analisadas com o denominado “home staging”, ou com os bens colocados nos imóveis para venda, uma vez que não foi entregue aos autos qualquer fotografia que demonstre o uso dos referidos objectos ou a colocação dos referidos objectos nos imóveis que a Requerente pretendia vender. 

 

Nestes termos, à semelhança do referido nas rubricas anteriores, considera-se que a Requerente não logrou cumprir com o ónus da prova que lhe incumbia para demonstrar a conexão das despesas em causa com a sua actividade, e bem assim, a sua relação para a geração de rendimentos sujeitos a IRC.

 

Em conclusão, afigura-se improceder o pedido da Requerente referente às despesas no valor de € 16 318,99.

 

 

  1. Gastos suportados e registados na conta #625111 Despesas de representação (Deslocações e Estadas)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                               

Não obstante os argumentos aduzidos pela Autoridade Requerida, no sentido de considerar que o “conceito de despesas de representação engloba as verbas destinadas a representar uma empresa junto de terceiros e que frequentemente são abonadas aos sócios gerentes, administradores, diretores, gerentes e outros.” não se pode generalizar ao ponto de (re)qualificar todas as despesas registadas como Deslocações e Estadas com a consequente sujeição a tributação autónoma.

 

No presente processo, atendendo ao objecto social da Requerente e ao âmbito de algumas despesas, entende-se não fazer sentido tal sujeição até por não serem subsumíveis no fim da norma, artigo 88.º do CIRC, tal como definido pela Requerida – “o objetivo desta tributação autónoma é tributar despesas que, embora sejam consideradas para a formação do rendimento, acabam por ter vantagens na esfera pessoal de outras pessoas, colaboradores ou não, sendo estas vantagens que se visam tributar”.

 

Da análise da rubrica “Deslocações e Estadas” afigura-se haver um desígnio, um fim, ou objectivo em participar em determinados eventos ou reuniões.

 

Ainda que não seja formalmente do universo G..., a verdade é que há ligações óbvias, ligeiras e eficientes e que resultam no aproveitamento de sinergias e crescimento em termos de negócio, enquadrando-se na actividade da Requerente.

 

Consequentemente, a geração de tais ganhos será acompanhada dum aumento da receita fiscal a entregar ao Tesouro.

 

O facto de as despesas serem “frequentemente abonadas a sócios(-gerentes)” não é condição

que opere automaticamente.

 

E determinados eventos são parte integrante de planos de trabalho que se reputam como vulgares quanto à actividade da Requerente.

 

E isto é compatível com uma cultura de motivação ou de prémio de performance.

 

Porém, tal critério não pode abranger as despesas conexas com a atribuição de viagens, presentes ou de algum serviço cujo custo seja suportado pelo sujeito passivo a favor de terceiros.

 

Neste sentido, adere-se à posição da Autoridade Requerida ao considerar como sujeita a tributação autónoma todas as despesas relacionadas com ofertas, serviços prestados ou encargos com terceiros ao sujeito passivo – por exemplo, a quem não seja trabalhador dos quadros da empresa.

 

Assim, entende-se ser de considerar como despesa não sujeita a tributação autónoma nos termos do Artigo 88.º do CIRC, as despesas que respeitem à participação de trabalhadores da sociedade aqui Requerente, como sejam as viagens a Beirut, Porto, Paquistão, Turquia, Las Vegas, Madrid, Grécia, etc., tal como evidenciado nos autos e dos registos contabilísticos da Requerida.

 

Pelo que se conclui pela procedência do pedido da Requerente devendo os custos aqui considerados no valor de € 83.455,74, não deverem ser sujeitos a tributação autónoma.

 

 

  • DECISÃO

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral Singular decide

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte a que respeita aos gastos suportados e registados na conta #625111 (Deslocações e Estadas) como despesas de representação, não devendo os mesmos ser sujeitos a tributação autónoma e julgar procedente os correspondentes juros compensatórios;
  2. Anular o acto de liquidação de IRC de 2017 na parte correspondente aos gastos suportados e registados na conta #625111 (Deslocações e Estadas) como despesas de representação, não devendo os mesmos ser sujeitos a tributação autónoma e respectivos juros compensatórios;
  3. Julgar parcialmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte a que respeita aos Gastos suportados com cabeleireiros (brushing e colorações), registados na conta # 625111 Deslocações e Estadas;  
  4. Julgar parcialmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte a que respeita aos Gastos suportados e registados na conta #63825 Fardamento Convenções;
  5. Julgar parcialmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte a que respeita aos Gastos suportados e registados na conta #62313 Materiais, Ferramentas e Utensílios.   

 

  • VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor da acção em € 20.260,69 (vinte mil duzentos e sessenta euros e sessenta e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  • CUSTAS

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, cujo pagamento fica a cargo das partes pelo decaimento.

Fixa-se o respetivo decaimento em 60,5% a cargo da Autoridade Requerida, e 39,5% a cargo da Requerente[1].

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 28 de Novembro de 2023

 

A Árbitra

 

 

Sofia Quental



[1] De acordo com o despacho de retificação de 29 de novembro de 2023.