Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 565/2020-T
Data da decisão: 2022-02-24  Selo  
Valor do pedido: € 2.257.125,23
Tema: SGPS. Inaplicabilidade da isenção de Imposto do Selo do art. 7.º, n.º 1, e) do CIS, por não configurar Instituição Financeira – Decisão de reenvio (anexo à decisão)
REENVIO PREJUDICIAL   Versão em PDF

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral coletivo, constituído em 14 de janeiro de 2021, Alexandra Coelho Martins (presidente), André Festas da Silva e José Coutinho Pires, acordam no seguinte:

 

 

I.         Relatório

 

A..., SGPS, S.A.[9], doravante “Requerente”, com o número único de matrícula e pessoa coletiva..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Linda-a-Velha, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, na sequência da notificação da decisão de indeferimento dos recursos hierárquicos interpostos do indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa deduzidos contra as (auto)liquidações de Imposto do Selo que lhe foram repercutidas, referentes aos períodos de tributação de abril a dezembro de 2015, de janeiro de 2016 e de junho a dezembro de 2017. 

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

 

A Requerente pretende a anulação dos referidos despachos de indeferimento dos recursos hierárquicos interpostos do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa e dos atos de liquidação de Imposto do Selo subjacentes, relativos a operações de crédito e de intermediação financeira em emissões obrigacionistas e de papel comercial por parte do D..., S.A. (adiante D...), do E..., S.A. (adiante E...) e do Banco F..., S.A. (adiante F...), no valor total de € 2.257.125,23. Peticiona ainda juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 22 de outubro de 2020 e, de seguida, notificado à AT.

 

Nos termos do disposto do artigo 5.º, n.º 3, alínea a), do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.

 

Em 14 de dezembro de 2020, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 14 de janeiro de 2021.

 

Com a aprovação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, foram suspensos os prazos procedimentais e processuais, no âmbito das medidas da pandemia Covid 19. Esta suspensão cessou com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, prosseguindo a tramitação processual a partir de 6 de abril de 2021.

 

Em 6 de abril de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defendeu por exceção e por impugnação, tendo junto o processo administrativo (“PA”), em 5 de maio de 2021.

 

Após exercício do contraditório, pela Requerente, relativamente à matéria de exceção, foi determinado, por despacho arbitral de 23 de abril de 2021, dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo.

 

Por despacho de 10 de maio de 2021, foi concedida às Partes a faculdade de, querendo, apresentarem alegações e fixado o prazo para prolação da decisão até à data limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT.

 

A Requerente apresentou alegações em 21 de maio de 2021, tendo a Requerida contra-alegado em 7 de julho de 2021. Ambas as Partes reiteraram os argumentos esgrimidos nos respetivos articulados iniciais.

 

Por despachos de 8 de setembro de 2021, 12 de novembro de 2021 e 21 de janeiro de 2022, foi prorrogado o prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

Por despacho de 3 de fevereiro de 2022, o Tribunal Arbitral determinou a notificação das partes para se pronunciarem sobre o reenvio prejudicial sobre as questões de interpretação do Direito da União Europeia que se suscitam nos presentes autos.

 

Posição da Requerente

 

São duas as causas de pedir invocadas pela Requerente infra sintetizadas. 

 

A primeira prende-se com a não sujeição a Imposto do Selo dos encargos (comissões) suportados no âmbito de contratos de emissão de papel comercial e de empréstimos obrigacionistas que, no caso, indica cifrar-se em € 468,00 de imposto. A este respeito, alega:

  1. Violação do artigo 1.º, n.º 1 do Código deste imposto conjugado com a TGIS, por inexistência de norma de incidência do imposto em relação à emissão de papel comercial e a empréstimos por via de emissões obrigacionistas ou de outros valores mobiliários;
  2. Violação do Direito Europeu, em concreto, do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, que proíbe os Estados-Membros de sujeitar a tributação indireta os empréstimos contraídos sob a forma de obrigações ou de outros títulos negociáveis e todas as “formalidades conexas”, aqui se incluindo as comissões cobradas pelos bancos na vigência dos contratos de tomada firme e de colocação das emissões e pelas garantias conexas com tais emissões.

 

A segunda causa de pedir refere-se à isenção, estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, dos juros e comissões cobrados, das garantias prestadas e, bem assim, da utilização de crédito concedido por instituições de crédito a sociedades cuja forma e objeto preencham os tipos de “instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na lei comunitária”, umas e outras domiciliadas nos Estados-Membros da União Europeia.

 

Considera a Requerente que a situação sub iudice se subsume à citada norma de isenção, à face da letra da lei e da sua razão de ser, preenchendo o respetivo requisito subjetivo, delimitado por remissão para o Direito da União Europeia. Na perspetiva da Requerente, a noção de “instituição financeira” que consta do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, para o qual remete o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) da Diretiva 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, inclui uma sociedade de gestão de ativos, com exclusão das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e das sociedades gestoras de participações de seguros mistas.

Assim, para a Requerente, em linha com o já decidido no processo arbitral n.º 911/2019-T, apesar de a transposição da Diretiva 2013/36/UE para o direito interno apelar a um conceito mais restritivo de “instituição financeira”, considerando como tal “as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”, no que tange à aplicação da isenção do Imposto do Selo, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código não remete para o direito interno, mas para o Direito da União Europeia.

 

O que significa que a definição (mais restritiva) constante do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na redação vigente), releva para os demais efeitos da regulação das sociedades gestoras de participações sociais, e não para o específico aspeto da isenção de Imposto do Selo, no qual prevalece a latitude do disposto no artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) da citada Diretiva 2013/36/UE.

 

A Requerente, como sociedade gestora de participações sociais que é, tem as suas aquisições e património constituídos por participações sociais noutras sociedades, representativas de pelo menos 10% do capital social dessas outras sociedades, detidas por, pelo menos, um ano, e o seu objeto único consiste na gestão destas participações adquiridas para serem mantidas, a par da prestação acessória de serviços técnicos de administração e gestão a essas participadas e da concessão de crédito às mesmas, nos termos do regime legal das SGPS (v. artigos 1.º, 2.º, n.º 2, 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, na redação vigente).

 

Sendo as “instituições financeiras” definidas, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, como sociedades de gestão de ativos, com exclusão das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e das sociedades gestoras de participações de seguros mistas, a Requerente, na qualidade de sociedade gestora de participações não pertencente ao setor dos seguros, enquadra-se nesta categoria.

O conceito de “instituição financeira” inclusivo de sociedades que se dedicam à detenção e gestão, gestoras de participações, vem de trás, do artigo 4.º, ponto 5) da Diretiva 2006/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, e continua no futuro, conforme contemplado na Proposta de Diretiva que aplica uma cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transações financeiras[10].

 

Por outro lado, acrescenta a Requerente que, para efeitos de aplicação da isenção de Imposto do Selo aqui em causa, a Requerida já considerou estar-se perante uma instituição financeira no caso de um fundo de investimento imobiliário, mesmo que de subscrição particular, por apelo à legislação sobre branqueamento de capitais (Diretiva 2005/60/CE). Bem como com respeito aos Fundos de Capital de Risco (“FCR”) e Sociedades de Capital de Risco (“SCR”). Sustenta não existir razão para tratar de forma distinta as Sociedades Gestoras de Participações Sociais (“SGPS”).

 

A Requerente argui ainda a inconstitucionalidade do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, na redação em vigor à data dos factos, quando interpretado, como pretende a Requerida, no sentido de excluir da lista de mutuárias suscetíveis de beneficiar da isenção, na qualidade de “instituições financeiras”, as SGPS. Isto, num contexto em que a norma é interpretada, como acabado de referir, incluindo os fundos de investimento imobiliário, as simples sociedades de gestão de fundos de investimento e os fundos de capital de risco, entre outros, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias (artigos 2.º - “Estado de direito democrático” e artigo 13.º - “Princípio da igualdade”, ambos da Constituição da República Portuguesa).

 

Conclui que a interpretação da Requerida – que restringe o âmbito subjetivo da isenção a mutuários que atuam como entidade financeira, ou que fazem parte do sistema financeiro e atuam no mercado dos serviços e produtos financeiros – não tem suporte legal, além de que essas propriedades também não se verificam nos FCR e SCR que a AT conclui ser de abranger na norma de isenção em apreço [artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo].

 

Posição da Requerida

 

Segundo a Requerida, não se verificam as ilegalidades invocadas pela Requerente.

 

Em relação à primeira causa de pedir, sobre a incidência do imposto na emissão de papel comercial e de empréstimos obrigacionistas, a Requerida argui a exceção de inimpugnabilidade do ato, ao abrigo do disposto no artigo 131.º do CPPT, que determina que, em caso de erro na autoliquidação, a impugnação tem de ser precedida de reclamação no prazo de 2 anos, exceto se estiver apenas em causa matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT. 

 

No caso, não tendo esta matéria específica sido submetida à sua apreciação no pedido de revisão oficiosa, o Tribunal Arbitral não pode conhecer da mesma, atento o disposto no artigo 2.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (Portaria de Vinculação), sendo materialmente incompetente, pelo que a entidade Requerida deve ser absolvida da instância (v. artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

A título subsidiário, a Requerida defende-se por impugnação e assinala que a Requerente não explicita como apurou o montante do imposto liquidado relativo às comissões associadas aos empréstimos obrigacionistas e aos programas de papel comercial, nem os concretos serviços financeiros prestados pelas instituições de crédito, não sendo possível comprovar tal valor.

 

Refere que, quanto à primeira questão, o cerne do diferendo se centra no teor da expressão “formalidades conexas” utilizada no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, e que a par da verba 17.3.3 que inclui as “comissões por garantias prestadas”, a verba 17.3.4 abarca “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”, podendo referir-se a operações de diferente natureza, inclusivamente tributadas em IVA e não tributadas em Imposto do Selo.

A Requerida defende um conceito de “formalidades conexas” circunscrito às formalidades da operação de reunião de capitais, ou seja, à sua exterioridade perante os destinatários da operação, onde cabem as operações de inscrição no livro de registo, registos comerciais e publicações da deliberação de emissões, mas não a atuação das instituições bancárias como intermediários financeiros nas emissões de obrigações ou de papel comercial.

 

Conclui, assim, que nem toda a remuneração cobrada por intermediação financeira em empréstimos obrigacionistas ou programa de papel comercial, tributada em Imposto do Selo pela verba 17.3.4 da TGIS cai na expressão “formalidades conexas”, pelo que impor-se-ia a destrinça casuística “das operações subjacentes a cada pagamento em ordem a identificar as que podem ser qualificadas como tal”, não sendo aí enquadráveis as situações em que não é exigida legalmente a intervenção de um intermediário financeiro, como sucede com as ofertas particulares de papel comercial, devendo o pedido da Requerente ser considerado, nesta parte, improcedente.

 

No que se refere à segunda questão suscitada pela Requerente, de aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, entende que a Requerente não pode, para este efeito, ser qualificada como instituição financeira ou sociedade financeira.

 

Para a Requerida, os atos legislativos da União Europeia invocados, nomeadamente a Diretiva 2013/36/UE, reportam-se ao enquadramento legal que rege as atividades bancárias, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e empresas de investimento. Não basta ser SGPS para ser qualificada como instituição financeira. Essa SGPS tem de ter participações em sociedades que sejam instituições de crédito ou empresas de investimento, nos termos do artigo 117.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGIC”). E tanto assim é que as matérias reguladas pela Diretiva 2013/36/UE e Regulamento (UE) 575/2013 não são aplicáveis à Requerente.

 

No tocante à exclusão das sociedades gestoras de participações sociais do setor dos seguros e das sociedades gestoras de participações sociais mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1 da Diretiva 2009/138/CE, justifica-se precisamente porque essas entidades integram a definição de “Entidades do setor financeiro”, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, ponto 23) da Diretiva e do artigo 4.º, ponto 27) do Regulamento (UE) 575/2013, e não porque todas as sociedades gestoras de participações sociais, mesmo as do setor não financeiro, aí estivessem pressupostas (no artigo 4.º, ponto 26) do mesmo Regulamento).

 

Assim, a definição de “instituição financeira” constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) da Diretiva 2013/36/UE e do artigo 4.º, ponto 26) do Regulamento 575/2013 serve os objetivos de um quadro regulatório dedicado às atividades de natureza financeira e às instituições de crédito e empresas de investimento.

 

Neste sentido, a transposição para o direito nacional da definição de “instituição financeira” pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, de 20 de outubro circunscreve as SGPS assim qualificadas às que sejam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, como consta do artigo 2.º-A do RGIC.

 

Por outro lado, a referência à Proposta de Diretiva do Conselho que aplica uma cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transações financeiras (Documento COM/2013/071 final - 2013/0045) não tem efeito útil, pois trata-se de um documento em fase de discussão que não integra o acervo legislativo.

 

A Requerida também não considera pertinente a alegada discriminação entre as SGPS e outros tipos de entidades, por serem diferentes realidades que não postulam idêntico regime.

 

Por fim, em relação ao pedido de juros indemnizatórios, aduz que, em caso de procedência total ou parcial, devem ser contados a partir do (no dia seguinte ao) indeferimento, quer do pedido de revisão oficiosa, quer da reclamação graciosa.

 

 

II.        Saneamento

 

  1. Matéria de Exceção: Incompetência Material (Parcial)

 

Sustenta a Requerida que o facto de a Requerente, em sede de procedimento administrativo, não ter invocado, em relação aos alegados encargos diretamente relacionados com contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, qualquer ilegalidade dos atos de (auto)liquidação do Imposto do Selo, seja por violação do artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo conjugado com a TGIS (ausência de incidência objetiva), ou por violação do direito comunitário, mais concretamente, do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE (relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais), precludiu a possibilidade da respetiva arguição na fase contenciosa.

 

Contudo, constitui entendimento prevalecente, que este Tribunal também segue, que a ação impugnatória não está limitada pelos fundamentos invocados na fase administrativa, “podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do ato tributário”.

 

Compulsa-se, neste sentido, a cristalina fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de julho de 2019, processo n.º 02957/16.0BELRS 070/18, no seguimento de diversos arestos que o antecederam:

 

“[…] uma das regras fundamentais do procedimento de reclamação graciosa é a inexistência de caso decidido ou resolvido como consequência da reclamação graciosa (artº 69º, al. c) do CPPT).

Por outro lado, como já por diversas vezes sublinhou a jurisprudência desta Secção o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise.

Assim, como se deixou sublinhado no Ac. do STA de 28/10/2009, proferido no recurso

n.º 595/09, «nos casos em que a reclamação graciosa é expressamente indeferida, o objecto do processo de impugnação judicial é, formal e directamente, o acto de indeferimento, que manteve a liquidação que foi objecto da reclamação, mas o objecto real da impugnação, o acto cuja legalidade está em causa apurar, é o ato de liquidação que foi mantido pelo ato de indeferimento da reclamação».

No mesmo sentido se afirmou no Acórdão de 11.09.2013, recurso 1138/12 que a jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo vai «no sentido de que, constituindo embora o despacho administrativo de indeferimento o objecto imediato da impugnação, é, contudo, o acto tributário de liquidação – seu objecto mediato – que  verdadeiramente se controverte na impugnação».

Também no Ac. do S.T.A., de 18-05-2011, processo nº 0156/11 se entendeu que «I – O objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão  verdadeiramente em crise.

II – A impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na  reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto  tributário.».

E ainda no Acórdão desta Secção de Contencioso Tributário de 03-06-2015, processo  nº 0793/14, foi devidamente sublinhado que «Na impugnação judicial subsequente a  decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do  ato tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as  ilegalidades de substância que afetem o ato tributário em crise, quer essas ilegalidades  tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio impondo-se-lhes um dever  acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.».

Este entendimento acolhido pela supracitada jurisprudência, que subscrevemos, é também o único que é compaginável com princípios constitucionais essenciais à  compreensão daquilo que é a atividade jurisdicional e portanto o que melhor se  coaduna com o princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 20º e 268º, n.º 4 da C.R.P., os quais visam garantir o acesso aos tribunais para obtenção pelos cidadãos da tutela adequada aos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

Acresce que, como bem refere Pedro Gonçalves, “Relações entre as impugnações  administrativas necessárias e o recurso contencioso de anulação de actos  administrativos”, Almedina, 1996, pág. 84, «… a impugnação administrativa prévia  ao recurso contencioso não implica qualquer limitação à invocação de fundamentos  (causa de pedir) neste recurso, pelo que o recorrente pode alegar vícios não alegados  em sede administrativa e pode deixar de alegar vícios que invocou como causa de pedir naquela sede.».

Assim, abrindo a decisão da reclamação graciosa a porta à discussão judicial do acto de autoliquidação e devendo-se considerar tal acto como ainda não estabilizado na ordem jurídica, não faria sentido que se limitasse o âmbito de conhecimento no processo de impugnação judicial ao âmbito dessa decisão administrativa, desde logo, porque o que verdadeiramente se pretende é a anulação do acto tributário em crise.

Conclui-se pois que os poderes de cognição do tribunal, quanto ao objecto mediato do

pedido, não se encontram delimitados pelos poderes de cognição da administração na

fase administrativa.

E nessa medida, como bem refere a recorrente, o verdadeiro objecto da impugnação deverá ser esse acto de autoliquidação e não a decisão de indeferimento da reclamação,

como erradamente julgou a sentença recorrida.”.[11]

 

Esta posição não pode deixar de aplicar-se na jurisdição arbitral, que integra uma das categorias de tribunais previstas no artigo 209.º da Constituição, constituindo a ação arbitral um meio alternativo à impugnação judicial a que se refere a jurisprudência atrás citada. Conclusão a que, de igual modo, chegou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), de 27 de abril de 2017, processo n.º 08958/15:

 

4) Associar o efeito preclusivo da competência do tribunal arbitral à não invocação na sede administrativa de certo vício fundamento do pedido de pronúncia arbitral colide com o regime das impugnações administrativas como garantias dos contribuintes no quadro do direito à tutela jurisdicional efectiva.

5) A restrição do universo de elementos constitutivos da causa de pedir arbitral em função da discussão efectuada em sede procedimental constitui uma restrição desproporcionada da tutela jurisdicional efectiva, na medida em que a garantia do cumprimento da legalidade fiscal assegurada pelos procedimentos administrativos de revisão do acto tributário não pode operar como um impedimento de tal revisão em sede contenciosa, seja a mesma garantida através de um tribunal do Estado, seja a mesma garantida através de um tribunal arbitral”.

 

À face do exposto, improcede a exceção de inimpugnabilidade parcial dos atos tributários, denominada pela Requerida de incompetência material, sendo o Tribunal Arbitral competente em razão da matéria para conhecer das liquidações de Imposto do Selo repercutido (com as legais consequências nos atos de segundo e de terceiro grau que as confirmaram), à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

  1. Demais Pressupostos Processuais

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (v. artigo 4.º e artigo 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 21 de outubro de 2020, no prazo de 90 dias a contar da notificação dos despachos de indeferimento dos Recursos Hierárquicos, acedidos por via eletrónica em 23 de julho de 2020, conforme previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT em conjugação com o disposto no artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT.

 

Não existem outras exceções a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

III.      Questões a Apreciar

 

Como acima assinalado são duas as questões discutidas na presente ação:

 

  1. A sujeição a Imposto do Selo dos encargos financeiros suportados pela Requerente em conexão direta com contratos de emissão de obrigações e de papel comercial;
  2. A aplicação da isenção de Imposto do Selo dos juros, comissões, garantias prestadas e utilização de crédito concedido por instituições de crédito (bancos) à Requerente. Neste ponto, interessa aferir se a Requerente, por ser uma sociedade gestora de participações sociais (“SGPS”), configura uma “instituição financeira” prevista na legislação do Direito da União Europeia e, dessa forma, integra o elemento subjetivo da norma de isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo.

 

 

IV.      Fundamentação de Facto

 

1.         Factos Assentes

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A A..., SGPS, S.A., aqui Requerente, é uma sociedade gestora de participações sociais, sedeada em Portugal, cujo objeto social consiste na “gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”, em linha com o previsto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro – cf. documento 1 (certidão permanente).
  2. A atividade das participadas da Requerente enquadra-se na gestão de infraestruturas de transportes, abrangendo a conceção, construção e gestão de estradas/autoestradas – cf. documentos 9, 10 e 11 e a página eletrónica http://www... .
  3.  A Requerente recorre a financiamento:
  1. Junto de instituições de crédito, através da celebração de contratos de mútuo; ou
  2. Junto de investidores – por via de papel comercial e de empréstimos obrigacionistas – cujos programas são colocados por instituições de crédito junto dos investidores,

– cf. documentos 2, 3, 4 (declarações das instituições de crédito), 12, 13, 14, 15 e 16.

  1. As instituições de crédito em causa são os bancos D... o E... e o F..., todos domiciliados (com sede) em Portugal – cf. documentos 17, 18, 19, 20, 21 e 22.
  2. O D... o E... e o F... liquidaram e pagaram ao Estado Imposto do Selo, na qualidade de sujeitos passivos, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 e 23.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo, em relação aos financiamentos mencionados no ponto C supra – cf. documentos 2, 3, 4, 23, 24, 25, 26, 27, 28 e 29.
  3. Tendo repercutido este Imposto do Selo à Requerente que, por conseguinte, suportou integralmente este imposto, conforme sintetizado no quadro seguinte – cf. documentos 23, 24, 25, 26, 27, 28 e 29:

 

A..., SGPS, S.A.

Instituição de crédito

Data da liquidação

Guia do

Imposto do

Selo n.0

Natureza do Gasto

 

Valor de Imposto

D...

abr/ 15

...

Utilização de crédito bancário

974,44 €

jun/15

...

Utilização de crédito bancário / Comissões bancárias / Juros bancários

690.196,75 €

jul/15

...

Comissões bancárias / Utilização de crédito bancário

8.605,64 €

dez/15

...

Comissões bancárias / Juros bancários

616.295,96 €

jan/16

...

Juros bancários

112.925,05 €

jun/17

...

Comissões bancárias

24.000,00 €

jul/17

...

Comissões bancárias

2.000,00 €

out/17

...

Juros bancários

180.144,39 €

nov/17

...

Utilização de crédito bancário /

Juros bancários

108.493,84 €

Subtotal D...

1.743.636,07 €

E...

jun/15

...

Comissões bancárias

260,00 €

dez/ 15

...

Comissões bancárias

60,00 €

Subtotal E...

320,00 €

F...

jun/15

...

Comissões bancárias / Juros bancários

129.322,63 €

dez/ 15

...

Comissões bancárias / Juros bancários

124.721,50 €

jan/16

...

Comissões bancárias / Utilização de crédito bancário

116.471,93 €

jun/17

...

Comissões bancárias

9.559,24 €

out/17

...

Juros bancários

132.893,86 €

dez/17

F...

Comissões bancárias

200,00 €

Subtotal F...

513.169,16 €

 

TOTAL

2.257.125,23 €

 

 

  1. Em discordância com as liquidações de Imposto do Selo e com relevância para os presentes autos, a Requerente apresentou:
    1. Reclamação graciosa, em relação aos períodos de junho a dezembro de 2017; e
    2. Pedido de revisão oficiosa, em relação aos períodos impugnados de abril a dezembro de 2015 e de janeiro de 2016 – cf. documentos 5 e 6[12].
  2. A Requerente invocou, no âmbito do procedimento administrativo de reclamação e de revisão oficiosa, a aplicabilidade da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo para as instituições de crédito e financeiras, por configurar uma SGPS, enquadrável, em seu entender, como instituição financeira, de acordo com o previsto no Direito da União Europeia para o qual a norma nacional remete. Em ambos os casos, a pretensão da Requerente foi indeferida pela Requerida – cf. documentos 5 e 6.
  3. Não se conformando, a Requerente interpôs recursos hierárquicos das decisões da reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa, que vieram novamente indeferidos, por despacho de 17 de julho de 2020, notificados por ofícios datados de 20 de julho de 2020 – cf. documentos 7 e 8.
  4. Mantendo a discordância, a Requerente apresentou no CAAD, em 21 de outubro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. documento 5 junto pela Requerente e registo de entrada do ppa no SGP do CAAD.

 

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

 

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, tendo em conta as posições assumidas pelas Partes.

 

3.         Factos não Provados

 

Não se provou que o montante de € 468,00 de Imposto do Selo suportado pela Requerente o tivesse sido por referência aos empréstimos obrigacionistas e aos programas de papel comercial, pois, quer os extratos bancários (no caso apenas do D..., Documento 27, não tendo sido junto o extrato do E...), quer os lançamentos contabilísticos (Documento 24) não contêm qualquer referência ao empréstimo obrigacionista, identificado pela Requerente como “15M 07/2013 a 07/2015”, ou com o programa de papel comercial “PPC 50M 06/2015 a 15/2016”.

 

O único documento que contém a indicação de que o valor de € 468,00[13] de Imposto do Selo respeita a este tipo de operações – obrigacionistas e de papel comercial – é uma declaração da contabilista certificada (Documento 23) que, porém, estando desacompanhada de qualquer meio de prova/evidência de origem externa, não é passível de firmar essa convicção neste Tribunal.

 

Com efeito, tratando-se de operações bancárias realizadas entre entidades externas e a Requerente, objeto de contratos formais e cujos débitos devem constar de documento apropriado, a exibição de uma declaração, de um mero documento interno, sem correspondência com documentação ou elementos de prova produzidos por essas entidades externas com menção à sua natureza, não é passível de comprovar a alegação da Requerente. Neste sentido, v. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 028/15, de 9 de setembro de 2015.

 

Assim, sem prejuízo de se concluir que foi suportado pela Requerente o Imposto do Selo no montante de € 468,00, não se demonstrou a respetiva conexão com empréstimos obrigacionistas e programas de papel comercial.

 

Com relevo para a decisão, não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

 

V.        Do Direito

 

  1. A Título Preliminar: Ordem de Conhecimento dos Vícios

 

Dispõe o artigo 124.º do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, que, dentro das ilegalidades geradoras de anulabilidade, o Tribunal conhecerá prioritariamente os vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, a tutela mais estável e eficaz dos interesses em presença.

 

Em relação às duas causas de pedir que fundam esta ação, a segunda, referente à isenção de Imposto do Selo nas operações financeiras realizadas com a Requerente abrange a totalidade da pretensão anulatória, garantindo, desta forma, uma tutela mais estável e abrangente, pelo que será analisada em primeiro lugar.

 

  1. Isenção de Imposto do Selo em Operações Financeiras. A Dúvida sobre o Enquadramento das SGPS como “Instituições Financeiras” à Luz do Direito da União Europeia

 

  1. Quadro Legal

 

            Atenta a questão de direito a apreciar, relativa à qualificação da Requerente como “Instituição Financeira”, na aceção do Direito da União Europeia, para efeitos de aplicação do regime de isenção de Imposto do Selo, importa, desde logo, ter em conta o disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código deste imposto[14], segundo o qual:

 

Artigo 7.º

Outras isenções

1 – São também isentos do imposto:

[…]

  1. Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;

 

            Neste âmbito, a Requerente reveste a forma e o objeto de uma SGPS, pelo que interessa também considerar o disposto no Regime Jurídico das SGPS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, com as alterações subsequentes[15], que caracteriza este tipo de entidades e que, no que à matéria dos autos releva, regula o seguinte:

 

Artigo 1.º

Sociedades gestoras de participações sociais

            1 – As sociedades gestoras de participações sociais, adiante designadas abreviadamente por SGPS, têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas.

            2 – Para efeitos do presente diploma, a participação numa sociedade é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

            3 – Para efeitos do número anterior, considera-se que a participação não tem carácter ocasional quando é detida pela SGPS por período superior a um ano.

            4 – As SGPS podem adquirir e deter participações de montante inferior ao referido no n.º 2, nos termos dos n.ºs 3 a 5 do artigo 3.º

 

Artigo 2.º

Tipo de sociedade e requisitos especiais do contrato

1 – As SGPS podem constituir-se segundo o tipo de sociedades anónimas ou de sociedades por quotas.

2 – Os contratos pelos quais se constituem SGPS devem mencionar expressamente como objecto único da sociedade a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, nos termos do n.º 2 do artigo anterior.

3 – O contrato da sociedade pode restringir as participações admitidas, em função quer do tipo, objecto ou nacionalidade das sociedades participadas quer do montante das participações.

4 – A firma das SGPS deve conter a menção «sociedade gestora de participações sociais» ou a abreviatura SGPS, considerando-se uma ou outra dessas formas indicação suficiente do objecto social.

 

Artigo 3.º

Participações admitidas

1 – As SGPS podem adquirir e deter quotas ou acções de quaisquer sociedades, nos termos da lei.

2 – As SGPS podem adquirir e deter participações em sociedades subordinadas a um direito estrangeiro, nos mesmos termos em que podem adquirir e deter participações em sociedades sujeitas ao direito português, salvas as restrições constantes dos respectivos contratos e ordenamentos jurídicos estrangeiros.

3 – Com excepção do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 1.º, as SGPS só podem adquirir e deter acções ou quotas correspondentes a menos de 10% do capital com direito de voto da sociedade participada nos seguintes casos:

  1. Até ao montante de 30% do valor total das participações iguais ou superiores a 10% do capital social com direito de voto das sociedades participadas, incluídas nos investimentos financeiros constantes do último balanço aprovado;
  2. Quando o valor de aquisição de cada participação não seja inferior a 1 milhão de contos, de acordo com o último balanço aprovado;
  3. Quando a aquisição das participações resulte de fusão ou de cisão da sociedade participada;
  4. Quando a participação ocorra em sociedade com a qual a SGPS tenha celebrado contrato de subordinação.

4 – No ano civil em que uma SGPS for constituída, a percentagem de 30% referida na alínea a) do número anterior é reportada ao balanço desse exercício.

5 – Sem prejuízo da sanção prevista no n.º 1 do artigo 13.º, a ultrapassagem, por qualquer motivo, do limite estabelecido na alínea a) do n.º 3 deve ser regularizada no prazo de seis meses a contar da sua verificação.

6 – Em casos excepcionais, o Ministro das Finanças, a requerimento da SGPS interessada, poderá, mediante despacho fundamentado, prorrogar o prazo estabelecido no número anterior.

 

Artigo 4.º

Prestação de serviços

1 – É permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas a) a c) do n.º 3 do artigo 3.º ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação.

2 – A prestação de serviços deve ser objecto de contrato escrito, no qual deve ser identificada a correspondente remuneração.

3 - (Revogado).

 

Artigo 5.º

Operações vedadas

1 – Às SGPS é vedado:

  1. Adquirir ou manter na sua titularidade bens imóveis, exceptuados os necessários à sua própria instalação ou de sociedades em que detenham as participações abrangidas pelo n.º 2 do artigo 1.º, os adquiridos por adjudicação em acção executiva movida contra os seus devedores e os provenientes de liquidação de sociedades suas participadas, por transmissão global, nos termos do artigo 148.º do Código das Sociedades Comerciais;
  2. Antes de decorrido um ano sobre a sua aquisição, alienar ou onerar as participações abrangidas pelo n.º 2 do artigo 1.º e pelas alíneas a) a c) do n.º 3 do artigo 3.º, excepto se a alienação for feita por troca ou o produto da alienação for reinvestido no prazo de seis meses noutras participações abrangidas pelo citado preceito ou pelo n.º 3 do artigo 3.º ou ainda no caso de o adquirente ser uma sociedade dominada pela SGPS, nos termos do n.º 1 do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais;
  3. Conceder crédito, excepto às sociedades que sejam por ela dominadas nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2 – Para efeitos da alínea c) do número anterior, a concessão de crédito pela SGPS a sociedades em que detenham participações aí mencionadas, mas que não sejam por ela dominadas, só será permitida até ao montante do valor da participação constante do último balanço aprovado, salvo se o crédito for concedido através de contratos de suprimento.

3 – As operações a que se refere a alínea c) do n.º 1, efectuadas nas condições estabelecidas no número anterior, bem como as operações de tesouraria efectuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, não constituem concessão de crédito para os efeitos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

4 – As SGPS e as sociedades em que estas detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º, deverão mencionar, de modo individualizado, nos documentos de prestação de contas, os contratos celebrados ao abrigo da alínea c) do n.º 1 e as respectivas posições credoras ou devedoras no fim do ano civil a que os mesmos documentos respeitam.

5 – O prazo previsto na parte final da alínea b) do n.º 1 é alargado para a data correspondente ao fim do segundo exercício seguinte ao da realização da alienação, quando se trate de participação cujo valor de alienação não seja inferior a 1 milhão de contos.

6 – O valor de aquisição inscrito no balanço das SGPS relativo aos bens imóveis destinados à instalação de sociedades em que possuam as participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º não pode exceder 25% do capital próprio das SGPS.

 

            Sobre o conceito de “Instituição Financeira” na legislação da União, interessa convocar o disposto no artigo 4.º, ponto 26) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, para o qual remete o artigo 3.º, ponto 22) da Diretiva 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento. Dispõe o citado artigo 4.º ponto 22) o seguinte:

 

“Artigo 4.º

Definições

1.    Para efeitos do presente regulamento, aplicam-se as seguintes definições:

       26)    “Instituição financeira”: uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º , n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE;”

 

  1. Reenvio Prejudicial para o Tribunal de Justiça

 

            O critério decisório da presente ação no ponto em análise respeita à invocada qualificação das SGPS – categoria classificatória na qual se enquadra a Requerente – como Instituições Financeiras, para efeitos de aplicação da isenção transcrita do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, remetendo o elemento subjetivo da norma nacional para a definição constante da legislação comunitária (leia-se, do Direito da União Europeia).

 

Sobre esta questão existe diversa jurisprudência arbitral, com posições antagónicas (v. a título meramente exemplificativo, decisões arbitrais n.ºs 911/2019-T e 110/2020-T, no sentido preconizado pela Requerente, e n.ºs 856/2019-T e 37/2020-T, no sentido defendido pela Requerida).

 

A divergência reside na interpretação do mencionado conceito de “Instituição Financeira”, tendo em conta o disposto no artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) da Diretiva 2013/36/UE e no artigo 4.º, ponto 26 do Regulamento (UE) n.º 575/2013.

 

Para a Requerida a definição europeia tem por pressuposto estarmos no âmbito do exercício da atividade bancária ou de investimento que lhe seja equiparada, ou seja, as sociedades gestoras de participações sociais mencionadas no artigo 4.º, ponto 26 do Regulamento n.º 575/2013 (UE), como fazendo parte integrante do conceito de “Instituição Financeira”, são somente as que detenham participações em sociedades que sejam instituições de crédito ou empresas de investimento e que estejam abrangidas pelo quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às atividades bancárias.

 

Com ponto de vista distinto, a Requerente entende que a definição de “Instituição Financeira” não contém a apontada limitação à atividade bancária e de empresas de investimento e reporta-se, de forma genérica, a empresas cuja atividade principal é a aquisição de participações que denomina especificamente de “sociedades gestoras de participações”, tal como o é a Requerente, apenas estando excluídas as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e de seguros mistas, exclusão que, é pacífico, não abrange a Requerente.

 

A questão que se suscita respeita à interpretação de uma norma fiscal de direito interno, emitida dentro das competências próprias do legislador português, que não tem a sua fonte no Direito da União Europeia, limitando-se a remeter para este, dentro da livre margem de opção do legislador nacional. Estamos, pois, perante a aplicação do “Direito Europeu” a situações puramente internas.

 

A jurisprudência do Tribunal de Justiça tem entendido ser de ampliar o âmbito de projeção do direito europeu às denominadas situações puramente internas, estendendo, de forma concomitante, o âmbito da sua própria jurisdição, sempre que o legislador nacional, regule essas situações [puramente internas] de acordo com o modelo das diretivas europeias. Declara o Tribunal de Justiça que “em tais casos, existe um interesse certo da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos retomados do direito da União sejam objeto de interpretação uniforme, quaisquer que sejam as condições em que devam ser aplicadas” (v. Acórdãos de 22 de março de 2018, C-327/16, Marc Jacob, ponto 34; de 14 de março de 2013, C-32/11, Allianz Hungária, ponto 20; e de 15 de novembro de 2016, C-268/15, Ullens de Schooten, ponto 53).

 

Assim, apesar de os factos não estarem diretamente abrangidos pelo âmbito de aplicação do Direito da União, a adesão da legislação nacional às (ou em consonância com as) soluções acolhidas pelo Direito da União, para situações em que todos os elementos estão confinados a um só Estado-Membro, é encarada como uma “remissão implícita” para o Direito Europeu, pelo que o Tribunal de Justiça tem apreciado estes pedidos de decisão prejudicial.

 

 

Em conformidade com as conclusões emanadas do Acórdão do Tribunal de Justiça Schwarze, de 1 de dezembro de 1965, processo n.º 16/65, o reenvio prejudicial é “um instrumento de cooperação judiciária [...] pelo qual um juiz nacional e o juiz comunitário são chamados, no âmbito das competências próprias, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos estados membros”.

 

A obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada nas condições estabelecidas com o Acórdão Cilfit, de 6 de outubro de 1982, processo 283/81, a saber:

  1. Se a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal;
  2. Se o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma;
  3. Se o juiz nacional não tiver dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.  

 

Em caso de “dúvida razoável” sobre o Direito da União Europeia e não estando claramente preenchidos aqueles critérios, o juiz nacional é obrigado a efetuar o reenvio prejudicial. Em caso de dúvida sobre a existência de uma exceção à obrigação de reenvio é aconselhável colocar a questão prejudicial.

 

À face do exposto, colocam-se a este Tribunal Arbitral dúvidas sobre a interpretação a conferir ao direito da União Europeia, nos termos supra expostos, não se conhecendo jurisprudência clarificadora do Tribunal de Justiça. Assim, atento o disposto no artigo 267.º do TFUE, pretende este Tribunal suspender a instância e suscitar o reenvio prejudicial, formulando  a seguinte questão prejudicial:

 

            Uma SGPS que tem por objeto exclusivo a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, e que, neste âmbito, adquire e detém com caráter duradouro essas participações, em regra não inferiores a 10% do capital social das sociedades participadas, sendo a atividade destas últimas enquadrável na gestão de infraestruturas de transportes, abrangendo a conceção, construção e gestão de estradas/autoestradas, pode ser considerada uma “Instituição Financeira” na aceção da Diretiva 2013/36/EU e do Regulamento (EU) 575/2013?

 

  1. Sobre os Encargos Financeiros Especificamente Conexos com a Emissão de Obrigações e Programas de Papel Comercial

 

            Relativamente a esta questão, não resultou provado que os encargos financeiros incorridos pela Requerente o tivessem sido parcialmente (no valor de € 468,00) em conexão com emissões obrigacionistas ou programas de papel comercial, pelo que não estão demonstrados os pressupostos de facto de tal alegação.

 

            Em qualquer caso, independentemente disso, não se suscitam, neste âmbito, questões de Direito da União Europeia que sejam essenciais para a decisão do mérito, uma vez que o respetivo enquadramento jurídico se alcança unicamente por via do direito interno (nomeadamente do disposto no artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo, à face da falta de previsão das mencionadas operações nas verbas 17.1 e 17.3 da TGIS).

 

            Contudo, se porventura, assim não se entendesse (o que, saliente-se, não é o caso), a questão de Direito Europeu em causa sempre se consideraria suficientemente densificada e aclarada na jurisprudência do Tribunal de Justiça, em concreto no Acórdão Air Berlin, de 19 de outubro de 2017, processo C-573/16, cabendo ao órgão jurisdicional nacional a aplicação ao caso concreto dos critérios aí definidos, pelo que não se justifica a colocação de uma questão prejudicial a este respeito.

 

 

            VI.      Decisão

 

À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em suspender a instância, até à pronúncia do Tribunal de Justiça, e determinar a passagem de carta a dirigir pelo CAAD à Secretaria daquele Tribunal Europeu, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado do translado do processo, incluindo cópias do pedido inicial e da resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como cópia dos diplomas legais mencionados na presente decisão.

 

 

VI.      Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 2.257.125,23, correspondente ao valor das liquidações de Imposto do Selo cuja anulação se pretende, que não foi impugnado pela Requerida – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do RCPAT.

 

 

 

VII.     Custas

 

            O montante das custas será fixado a final na dependência do decaimento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de fevereiro de 2022

 

Os árbitros,

 

 

 

Alexandra Coelho Martins, Relatora

 

 

 

André Festas da Silva

(com declaração de voto infra)

 

 

José Coutinho Pires

 

 

 

 

Declaração de voto

 

Não obstante ter votado favoravelmente ao reenvio para o Tribunal de Justiça da União Europeia neste caso concreto, tal não afasta a interpretação sobre a matéria, já assumida pelo signatário em outro processo arbitral, que se afigura apropriada.

 

Lisboa 24 de fevereiro de 2022

 

O árbitro,

 

 

 

André Festas da Silva

 

 

 

 

 



[1] Inicialmente denominada B..., SGPS, S.A. e, posteriormente ainda,  C..., SGPS, S.A..

[2] V. Documento COM/2013/071 final - 2013/0045, capítulo II, secção 3.3.2.

[3] No mesmo sentido, v. a título exemplificativo os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de junho de 2015, processo n.º 0793/14, e do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), de 27 de abril de 2017, processo n.º 08958/15. Diversas decisões arbitrais fazem eco deste entendimento. V. processos do CAAD n.º 714/2016-T, 256/2015-T e 284/2014-T.

[4] Existem liquidações de Imposto do Selo de outros períodos contestadas por via do pedido de revisão oficiosa que, contudo, não fazem parte do objeto da presente ação, circunscrita aos períodos mencionados no quadro do ponto G. Quanto aos períodos excluídos (em concreto, a partir de março de 2016), o pedido de revisão oficiosa foi considerado intempestivo pela Requerida, em virtude da revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, o que não foi aqui contestado pela Requerente.

[5] Valor de imposto relativo a diversos débitos (de € 68,00 e de € 80,00 do D... e de € 60,00, € 200,00 e € 60,00 do E...).

[6] Aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, na versão em vigor após a Reforma do Património, operada pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, e alterações subsequentes.

[7] Cf. Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro; Decreto-Lei n.º 378/98, de 27 de novembro; e Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de dezembro.

 

 

[8] V . a título meramente exemplificativo, decisões arbitrais n.ºs 911/2019-T e 110/2020-T, no sentido preconizado pela Requerente, e n.ºs 856/2019-T e 37/2020-T, no sentido defendido pela Requerida.

 

[9] Inicialmente denominada B..., SGPS, S.A. e, posteriormente ainda,  C..., SGPS, S.A..

[10] V. Documento COM/2013/071 final - 2013/0045, capítulo II, secção 3.3.2.

[11] No mesmo sentido, v. a título exemplificativo os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de junho de 2015, processo n.º 0793/14, e do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), de 27 de abril de 2017, processo n.º 08958/15. Diversas decisões arbitrais fazem eco deste entendimento. V. processos do CAAD n.º 714/2016-T, 256/2015-T e 284/2014-T.

[12] Existem liquidações de Imposto do Selo de outros períodos contestadas por via do pedido de revisão oficiosa que, contudo, não fazem parte do objeto da presente ação, circunscrita aos períodos mencionados no quadro do ponto G. Quanto aos períodos excluídos (em concreto, a partir de março de 2016), o pedido de revisão oficiosa foi considerado intempestivo pela Requerida, em virtude da revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, o que não foi aqui contestado pela Requerente.

[13] Valor de imposto relativo a diversos débitos (de € 68,00 e de € 80,00 do D... e de € 60,00, € 200,00 e € 60,00 do E...).

[14] Aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, na versão em vigor após a Reforma do Património, operada pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, e alterações subsequentes.

[15] Cf. Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro; Decreto-Lei n.º 378/98, de 27 de novembro; e Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de dezembro.

 

 

 

2.ª DECISÃO Versão em PDF

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 565/2020-T

Tema: SGPS. Inaplicabilidade da isenção de Imposto do Selo do art. 7.º, n.º 1, e) do CIS, por não configurar Instituição Financeira – Decisão de reenvio (anexo à decisão)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                

Sumário:

Os juros e comissões cobrados e, bem assim, a utilização de crédito concedido, por instituições de crédito a sociedades SGPS, cujas filiais ou participadas não exerçam atividades no setor financeiro, não podem beneficiar da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, uma vez que não podem ser qualificadas como Instituições Financeiras à luz do direito nacional e do direito da União Europeia.

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral coletivo, constituído em 14 de janeiro de 2021, Alexandra Coelho Martins (presidente), André Festas da Silva e José Coutinho Pires, acordam no seguinte:

 

 

I.         Relatório

 

A..., SGPS, S.A.[1], doravante “Requerente”, com o número único de matrícula e pessoa coletiva..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Linda-a-Velha, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, na sequência da notificação da decisão de indeferimento dos recursos hierárquicos interpostos do indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa deduzidos contra as (auto)liquidações de Imposto do Selo que lhe foram repercutidas, referentes aos períodos de tributação de abril a dezembro de 2015, de janeiro de 2016 e de junho a dezembro de 2017. 

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

 

A Requerente pretende a anulação dos referidos despachos de indeferimento dos recursos hierárquicos interpostos do pedido de revisão oficiosa e da reclamação graciosa, bem como dos atos de liquidação de Imposto do Selo subjacentes, relativos a operações de crédito e de intermediação financeira em emissões obrigacionistas e de papel comercial por parte do D..., S.A. (adiante D...), do E..., S.A. (adiante E...) e do Banco F..., S.A. (adiante F...), no valor total de € 2.257.125,23. Peticiona ainda juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 22 de outubro de 2020 e, de seguida, notificado à AT.

 

Nos termos do disposto do artigo 5.º, n.º 3, alínea a), do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.

 

Em 14 de dezembro de 2020, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas

 a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 14 de janeiro de 2021.

 

Com a aprovação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, foram suspensos os prazos procedimentais e processuais, no âmbito das medidas da pandemia Covid 19. Esta suspensão cessou com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, prosseguindo a tramitação processual a partir de 6 de abril de 2021.

 

Em 6 de abril de 2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defendeu por exceção e por impugnação, tendo junto o processo administrativo (“PA”), em 5 de maio de 2021.

 

Após exercício do contraditório, pela Requerente, relativamente à matéria de exceção, foi determinado, por despacho arbitral de 23 de abril de 2021, dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo.

 

Por despacho de 10 de maio de 2021, foi concedida às Partes a faculdade de, querendo, apresentarem alegações e fixado o prazo para prolação da decisão até à data-limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT.

 

A Requerente apresentou alegações em 21 de maio de 2021, tendo a Requerida contra-alegado em 7 de julho de 2021. Ambas as Partes reiteraram os argumentos esgrimidos nos respetivos articulados iniciais.

 

Por despachos de 8 de setembro de 2021, 12 de novembro de 2021 e 21 de janeiro de 2022, foi prorrogado o prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

Em 3 de fevereiro de 2022, o Tribunal Arbitral determinou a notificação das Partes para se pronunciarem sobre o reenvio e questão prejudicial a submeter à apreciação do Tribunal de Justiça, por estar em causa, como critério relevante de decisão, a interpretação do direito da União Europeia, em concreto, aferir se as sociedades SGPS, categoria a que pertence a Requerente, cujas filiais ou sociedades participadas não exercem atividades bancárias ou financeiras, são qualificáveis como ”Instituições Financeiras”, para efeitos de aplicação da isenção transcrita do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo.

 

Não houve oposição das Partes ao reenvio prejudicial.

 

Nesta sequência, em 24 de fevereiro de 2022, o Tribunal Arbitral decidiu suspender a instância e proceder ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, de harmonia com o disposto no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), tendo formulado a seguinte questão:

 

            Uma SGPS que tem por objeto exclusivo a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, e que, neste âmbito, adquire e detém com caráter duradouro essas participações, em regra não inferiores a 10% do capital social das sociedades participadas, sendo a atividade destas últimas enquadrável na gestão de infraestruturas de transportes, abrangendo a conceção, construção e gestão de estradas/autoestradas, pode ser considerada uma “Instituição Financeira” na aceção da Diretiva 2013/36/EU e do Regulamento (EU) 575/2013?

 

O processo deu entrada no Tribunal de Justiça e foi-lhe atribuído o n.º C-207/22. Em 26 de outubro de 2023, o Tribunal Arbitral foi notificado do Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça, que conclui no sentido preconizado pela Requerida, conforme infra explicitado. Nessa mesma data, foi proferido despacho arbitral a determinar a cessação da suspensão da instância e a conceder às Partes a possibilidade de se pronunciarem.

 

A Requerente veio alegar, em 3 de novembro de 2023, ter feito prova documental de que uma parte dos encargos de Imposto do Selo, no valor de € 468,00, respeitou a comissões relativas a emissões de papel comercial e de empréstimos obrigacionistas, sendo o mesmo indevido à luz da jurisprudência recente do Tribunal de Justiça, que cita.

 

Posição da Requerente

 

São duas as causas de pedir invocadas pela Requerente infra sintetizadas. 

 

A primeira prende-se com a não sujeição a Imposto do Selo dos encargos (comissões) suportados no âmbito de contratos de emissão de papel comercial e de empréstimos obrigacionistas que, no caso, indica cifrar-se em € 468,00 de imposto. A este respeito, alega:

  1. Violação do artigo 1.º, n.º 1 do Código deste imposto conjugado com a TGIS, por inexistência de norma de incidência do imposto em relação à emissão de papel comercial e a empréstimos por via de emissões obrigacionistas ou de outros valores mobiliários;
  2. Violação do Direito Europeu, em concreto, do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, que proíbe os Estados-Membros de sujeitar a tributação indireta os empréstimos contraídos sob a forma de obrigações ou de outros títulos negociáveis e todas as “formalidades conexas”, aqui se incluindo as comissões cobradas pelos bancos na vigência dos contratos de tomada firme e de colocação das emissões e pelas garantias conexas com tais emissões.

 

A segunda causa de pedir refere-se à isenção, estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, dos juros e comissões cobrados, das garantias prestadas e, bem assim, da utilização de crédito concedido por instituições de crédito a sociedades cuja forma e objeto preencham os tipos de “instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na lei comunitária”, umas e outras domiciliadas nos Estados-Membros da União Europeia.

Considera a Requerente que a situação sub iudice se subsume à citada norma de isenção, à face da letra da lei e da sua razão de ser, preenchendo o respetivo requisito subjetivo, delimitado por remissão para o Direito da União Europeia. Na perspetiva da Requerente, a noção de “Instituição Financeira” que consta do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, para o qual remete o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) da Diretiva 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, inclui uma sociedade de gestão de ativos, com exclusão das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e das sociedades gestoras de participações de seguros mistas.

 

Assim, para a Requerente, em linha com o já decidido no processo arbitral n.º 911/2019-T, apesar de a transposição da Diretiva 2013/36/UE para o direito interno apelar a um conceito mais restritivo de “Instituição Financeira”, considerando como tal “as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”, no que tange à aplicação da isenção do Imposto do Selo, o artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código não remete para o direito interno, mas para o Direito da União Europeia.

 

O que significa que a definição (mais restritiva) constante do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na redação vigente), releva para os demais efeitos da regulação das sociedades gestoras de participações sociais, e não para o específico aspeto da isenção de Imposto do Selo, no qual prevalece a latitude do disposto no artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) da citada Diretiva 2013/36/UE.

 

A Requerente, como sociedade gestora de participações sociais que é, tem as suas aquisições e património constituídos por participações sociais noutras sociedades, representativas de pelo menos 10% do capital social dessas outras sociedades, detidas por, pelo menos, um ano, e o seu objeto único consiste na gestão destas participações adquiridas para serem mantidas, a par da prestação acessória de serviços técnicos de administração e gestão a essas participadas e da concessão de crédito às mesmas, nos termos do regime legal das SGPS (v. artigos 1.º, 2.º, n.º 2, 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, na redação vigente).

 

Sendo as “instituições financeiras” definidas, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, como sociedades de gestão de ativos, com exclusão das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e das sociedades gestoras de participações de seguros mistas, a Requerente, na qualidade de sociedade gestora de participações não pertencente ao setor dos seguros, enquadra-se nesta categoria.

 

O conceito de “Instituição Financeira” inclusivo de sociedades que se dedicam à detenção e gestão, gestoras de participações, vem de trás, do artigo 4.º, ponto 5) da Diretiva 2006/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, e continua no futuro, conforme contemplado na Proposta de Diretiva que aplica uma cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transações financeiras[2].

 

Por outro lado, acrescenta a Requerente que, para efeitos de aplicação da isenção de Imposto do Selo aqui em causa, a Requerida já considerou estar-se perante uma Instituição Financeira no caso de um fundo de investimento imobiliário, mesmo que de subscrição particular, por apelo à legislação sobre branqueamento de capitais (Diretiva 2005/60/CE). Bem como com respeito aos Fundos de Capital de Risco (“FCR”) e Sociedades de Capital de Risco (“SCR”). Sustenta não existir razão para tratar de forma distinta as Sociedades Gestoras de Participações Sociais (“SGPS”).

 

A Requerente argui ainda a inconstitucionalidade do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, na redação em vigor à data dos factos, quando interpretado, como pretende a Requerida, no sentido de excluir da lista de mutuárias suscetíveis de beneficiar da isenção, na qualidade de “instituições financeiras”, as SGPS. Isto, num contexto em que a norma é interpretada, como acabado de referir, incluindo os fundos de investimento imobiliário, as simples sociedades de gestão de fundos de investimento e os fundos de capital de risco, entre outros, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proibição de soluções arbitrárias (artigos 2.º - “Estado de direito democrático” e artigo 13.º - “Princípio da igualdade”, ambos da Constituição da República Portuguesa).

 

Conclui que a interpretação da Requerida – que restringe o âmbito subjetivo da isenção a mutuários que atuam como entidade financeira, ou que fazem parte do sistema financeiro e atuam no mercado dos serviços e produtos financeiros – não tem suporte legal, além de que essas propriedades também não se verificam nos fundos de capital de risco (FCR) e sociedades de capital de risco (“SCR”) que a AT conclui ser de abranger na norma de isenção em apreço (artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo).

 

Posição da Requerida

 

Segundo a Requerida, não se verificam as ilegalidades invocadas pela Requerente.

 

Em relação à primeira causa de pedir, sobre a incidência do imposto na emissão de papel comercial e de empréstimos obrigacionistas, a Requerida argui a exceção de inimpugnabilidade do ato, ao abrigo do disposto no artigo 131.º do CPPT, que determina que, em caso de erro na autoliquidação, a impugnação tem de ser precedida de reclamação no prazo de 2 anos, exceto se estiver apenas em causa matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT. 

 

No caso, não tendo esta matéria específica sido submetida à sua apreciação no pedido de revisão oficiosa, o Tribunal Arbitral não pode conhecer da mesma, atento o disposto no artigo 2.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (Portaria de Vinculação), sendo materialmente incompetente, pelo que a entidade Requerida deve ser absolvida da instância (v. artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

 

 

A título subsidiário, a Requerida defende-se por impugnação e assinala que a Requerente não explicita como apurou o montante do imposto liquidado relativo às comissões associadas aos empréstimos obrigacionistas e aos programas de papel comercial, nem os concretos serviços financeiros prestados pelas instituições de crédito, não sendo possível comprovar tal valor.

 

Refere que, quanto à primeira questão, o cerne do diferendo se centra no teor da expressão “formalidades conexas” utilizada no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, e que a par da verba 17.3.3 que inclui as “comissões por garantias prestadas”, a verba 17.3.4 abarca “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”, podendo referir-se a operações de diferente natureza, inclusivamente tributadas em IVA e não tributadas em Imposto do Selo.

 

A Requerida defende um conceito de “formalidades conexas” circunscrito às formalidades da operação de reunião de capitais, ou seja, à sua exterioridade perante os destinatários da operação, onde cabem as operações de inscrição no livro de registo, registos comerciais e publicações da deliberação de emissões, mas não a atuação das instituições bancárias como intermediários financeiros nas emissões de obrigações ou de papel comercial.

 

Conclui, assim, que nem toda a remuneração cobrada por intermediação financeira em empréstimos obrigacionistas ou programa de papel comercial, tributada em Imposto do Selo pela verba 17.3.4 da TGIS cai na expressão “formalidades conexas”, pelo que impor-se-ia a destrinça casuística “das operações subjacentes a cada pagamento em ordem a identificar as que podem ser qualificadas como tal”, não sendo aí enquadráveis as situações em que não é exigida legalmente a intervenção de um intermediário financeiro, como sucede com as ofertas particulares de papel comercial, devendo o pedido da Requerente ser considerado, nesta parte, improcedente.

 

No que se refere à segunda questão suscitada pela Requerente, de aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, entende que a Requerente não pode, para este efeito, ser qualificada como Instituição Financeira ou sociedade financeira.

Para a Requerida, os atos legislativos da União Europeia invocados, nomeadamente a Diretiva 2013/36/UE, reportam-se ao enquadramento legal que rege as atividades bancárias, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e empresas de investimento. Não basta ser SGPS para ser qualificada como Instituição Financeira. Essa SGPS tem de ter participações em sociedades que sejam instituições de crédito ou empresas de investimento, nos termos do artigo 117.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGIC”). E tanto assim é que as matérias reguladas pela Diretiva 2013/36/UE e Regulamento (UE) 575/2013 não são aplicáveis à Requerente.

 

No tocante à exclusão das sociedades gestoras de participações sociais do setor dos seguros e das sociedades gestoras de participações sociais mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1 da Diretiva 2009/138/CE, justifica-se precisamente porque essas entidades integram a definição de “Entidades do setor financeiro”, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, ponto 23) da Diretiva e do artigo 4.º, ponto 27) do Regulamento (UE) 575/2013, e não porque todas as sociedades gestoras de participações sociais, mesmo as do setor não financeiro, aí estivessem pressupostas (no artigo 4.º, ponto 26) do mesmo Regulamento).

 

Assim, a definição de “Instituição Financeira” constante do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) da Diretiva 2013/36/UE e do artigo 4.º, ponto 26) do Regulamento 575/2013 serve os objetivos de um quadro regulatório dedicado às atividades de natureza financeira e às instituições de crédito e empresas de investimento.

 

Neste sentido, a transposição para o direito nacional da definição de “Instituição Financeira” pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, de 20 de outubro circunscreve as SGPS assim qualificadas às que sejam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, como consta do artigo 2.º-A do RGIC.

 

Por outro lado, a referência à Proposta de Diretiva do Conselho que aplica uma cooperação reforçada no domínio do imposto sobre as transações financeiras (Documento COM/2013/071 final - 2013/0045) não tem efeito útil, pois trata-se de um documento em fase de discussão que não integra o acervo legislativo.

A Requerida também não considera pertinente a alegada discriminação entre as SGPS e outros tipos de entidades, por serem diferentes realidades que não postulam idêntico regime.

 

Por fim, em relação ao pedido de juros indemnizatórios, aduz que, em caso de procedência total ou parcial, devem ser contados a partir do (no dia seguinte ao) indeferimento, quer do pedido de revisão oficiosa, quer da reclamação graciosa.

 

 

II.        Saneamento

 

  1. Matéria de Exceção: Incompetência Material (Parcial)

 

Sustenta a Requerida que o facto de a Requerente, em sede de procedimento administrativo, não ter invocado, em relação aos alegados encargos diretamente relacionados com contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, qualquer ilegalidade dos atos de (auto)liquidação do Imposto do Selo, seja por violação do artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo conjugado com a TGIS (ausência de incidência objetiva), ou por violação do direito comunitário, mais concretamente, do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE (relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais), precludiu a possibilidade da respetiva arguição na fase contenciosa.

 

Contudo, constitui entendimento prevalecente, que este Tribunal também segue, que a ação impugnatória não está limitada pelos fundamentos invocados na fase administrativa, “podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do ato tributário”.

 

Compulsa-se, neste sentido, a cristalina fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de julho de 2019, processo n.º 02957/16.0BELRS 070/18, no seguimento de diversos arestos que o antecederam:

 

“[…] uma das regras fundamentais do procedimento de reclamação graciosa é a inexistência de caso decidido ou resolvido como consequência da reclamação graciosa (artº 69º, al. c) do CPPT).

 

Por outro lado, como já por diversas vezes sublinhou a jurisprudência desta Secção o objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise.

Assim, como se deixou sublinhado no Ac. do STA de 28/10/2009, proferido no recurso

n.º 595/09, «nos casos em que a reclamação graciosa é expressamente indeferida, o objecto do processo de impugnação judicial é, formal e directamente, o acto de indeferimento, que manteve a liquidação que foi objecto da reclamação, mas o objecto real da impugnação, o acto cuja legalidade está em causa apurar, é o ato de liquidação que foi mantido pelo ato de indeferimento da reclamação».

No mesmo sentido se afirmou no Acórdão de 11.09.2013, recurso 1138/12 que a jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo vai «no sentido de que, constituindo embora o despacho administrativo de indeferimento o objecto imediato da impugnação, é, contudo, o acto tributário de liquidação – seu objecto mediato – que  verdadeiramente se controverte na impugnação».

Também no Ac. do S.T.A., de 18-05-2011, processo nº 0156/11 se entendeu que «I – O objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise.

II – A impugnação não está, por isso, limitada pelos fundamentos invocados na  reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto  tributário.».

E ainda no Acórdão desta Secção de Contencioso Tributário de 03-06-2015, processo  nº 0793/14, foi devidamente sublinhado que «Na impugnação judicial subsequente a  decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do  ato tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as  ilegalidades de substância que afetem o ato tributário em crise, quer essas ilegalidades  tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litígio impondo-se-lhes um dever  acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.».

Este entendimento acolhido pela supracitada jurisprudência, que subscrevemos, é também o único que é compaginável com princípios constitucionais essenciais à  compreensão daquilo que é a atividade jurisdicional e portanto o que melhor se  coaduna com o princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 20º e 268º, n.º 4 da C.R.P., os quais visam garantir o acesso aos tribunais para obtenção pelos cidadãos da tutela adequada aos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

Acresce que, como bem refere Pedro Gonçalves, “Relações entre as impugnações  administrativas necessárias e o recurso contencioso de anulação de actos  administrativos”, Almedina, 1996, pág. 84, «… a impugnação administrativa prévia  ao recurso contencioso não implica qualquer limitação à invocação de fundamentos  (causa de pedir) neste recurso, pelo que o recorrente pode alegar vícios não alegados  em sede administrativa e pode deixar de alegar vícios que invocou como causa de pedir naquela sede.».

Assim, abrindo a decisão da reclamação graciosa a porta à discussão judicial do acto de autoliquidação e devendo-se considerar tal acto como ainda não estabilizado na ordem jurídica, não faria sentido que se limitasse o âmbito de conhecimento no processo de impugnação judicial ao âmbito dessa decisão administrativa, desde logo, porque o que verdadeiramente se pretende é a anulação do acto tributário em crise.

Conclui-se pois que os poderes de cognição do tribunal, quanto ao objecto mediato do

pedido, não se encontram delimitados pelos poderes de cognição da administração na

fase administrativa.

E nessa medida, como bem refere a recorrente, o verdadeiro objecto da impugnação deverá ser esse acto de autoliquidação e não a decisão de indeferimento da reclamação,

como erradamente julgou a sentença recorrida.”.[3]

Esta posição não pode deixar de aplicar-se na jurisdição arbitral, que integra uma das categorias de tribunais previstas no artigo 209.º da Constituição, constituindo a ação arbitral um meio alternativo à impugnação judicial a que se refere a jurisprudência atrás citada.

 

Conclusão a que, de igual modo, chegou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), de 27 de abril de 2017, processo n.º 08958/15:

4) Associar o efeito preclusivo da competência do tribunal arbitral à não invocação na sede administrativa de certo vício fundamento do pedido de pronúncia arbitral colide com o regime das impugnações administrativas como garantias dos contribuintes no quadro do direito à tutela jurisdicional efectiva.

5) A restrição do universo de elementos constitutivos da causa de pedir arbitral em função da discussão efectuada em sede procedimental constitui uma restrição desproporcionada da tutela jurisdicional efectiva, na medida em que a garantia do cumprimento da legalidade fiscal assegurada pelos procedimentos administrativos de revisão do acto tributário não pode operar como um impedimento de tal revisão em sede contenciosa, seja a mesma garantida através de um tribunal do Estado, seja a mesma garantida através de um tribunal arbitral”.

 

À face do exposto, improcede a exceção de inimpugnabilidade parcial dos atos tributários, denominada pela Requerida de incompetência material, sendo o Tribunal Arbitral competente em razão da matéria para conhecer das liquidações de Imposto do Selo repercutido (com as legais consequências nos atos de segundo e de terceiro grau que as confirmaram), à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

  1. Demais Pressupostos Processuais

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (v. artigo 4.º e artigo 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 21 de outubro de 2020, no prazo de 90 dias a contar da notificação dos despachos de indeferimento dos Recursos Hierárquicos, acedidos por via eletrónica em 23 de julho de 2020, conforme previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT em conjugação com o disposto no artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT.

 

Não existem outras exceções a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

 

III.      Questões a Apreciar

 

Como acima assinalado são duas as questões discutidas na presente ação:

 

  1. A sujeição ou isenção de Imposto do Selo dos encargos financeiros suportados pela Requerente em conexão direta com contratos de emissão de obrigações e de papel comercial;
  2. A aplicação da isenção de Imposto do Selo dos juros, comissões, garantias prestadas e utilização de crédito concedido por instituições de crédito (bancos) à Requerente. Neste ponto, interessa aferir se a Requerente, por ser uma sociedade gestora de participações sociais (“SGPS”), configura uma “Instituição Financeira” prevista na legislação do Direito da União Europeia e, dessa forma, integra o elemento subjetivo da norma de isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo.

 

Embora ambas as questões reclamem a interpretação do direito da União Europeia, apenas em relação à segunda se suscitaram dúvidas a este Tribunal Arbitral, o que motivou o processo de reenvio prejudicial C-207/2022, com Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no dia 26 de outubro de 2023, a seguir analisado.

 

IV.      Fundamentação de Facto

 

1.         Factos Assentes

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A A..., SGPS, S.A., aqui Requerente, é uma sociedade gestora de participações sociais, sedeada em Portugal, cujo objeto social consiste na “gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”, em linha com o previsto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro – cf. documento 1 (certidão permanente).
  2. A atividade das participadas da Requerente enquadra-se na gestão de infraestruturas de transportes, abrangendo a conceção, construção e gestão de estradas/autoestradas – cf. documentos 9, 10 e 11 e a página eletrónica http://www... .
  3.  A Requerente recorre a financiamento:
  1. Junto de instituições de crédito, através da celebração de contratos de mútuo; ou
  2. Junto de investidores – por via de papel comercial e de empréstimos obrigacionistas – cujos programas são colocados por instituições de crédito junto dos investidores,

– cf. documentos 2, 3, 4 (declarações das instituições de crédito), 12, 13, 14, 15 e 16.

  1. As instituições de crédito em causa são os bancos D... o E... e o F..., todos domiciliados (com sede) em Portugal – cf. documentos 17, 18, 19, 20, 21 e 22.
  2. O D... o E... e o F...  liquidaram e pagaram ao Estado Imposto do Selo, na qualidade de sujeitos passivos, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 e 23.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo, em relação aos financiamentos mencionados no ponto C supra – cf. documentos 2, 3, 4, 23, 24, 25, 26, 27, 28 e 29.
  3. Tendo repercutido este Imposto do Selo à Requerente que, por conseguinte, suportou integralmente este imposto, conforme sintetizado no quadro seguinte – cf. documentos 23, 24, 25, 26, 27, 28 e 29:

 

 

A..., SGPS, S.A.

Instituição de crédito

Data da liquidação

Guia do

Imposto do

Selo n.0

Natureza do Gasto

 

Valor de Imposto

D...

abr/ 15

...

Utilização de crédito bancário

974,44 €

jun/15

...

Utilização de crédito bancário / Comissões bancárias / Juros bancários

690.196,75 €

jul/15

...

Comissões bancárias / Utilização de crédito bancário

8.605,64 €

dez/15

...

Comissões bancárias / Juros bancários

616.295,96 €

jan/16

...

Juros bancários

112.925,05 €

jun/17

...

Comissões bancárias

24.000,00 €

jul/17

...

Comissões bancárias

2.000,00 €

out/17

...

Juros bancários

180.144,39 €

nov/17

...

Utilização de crédito bancário /

Juros bancários

108.493,84 €

Subtotal D...

1.743.636,07 €

E...

jun/15

...

Comissões bancárias

260,00 €

dez/ 15

...

Comissões bancárias

60,00 €

Subtotal E...

320,00 €

F...

jun/15

...

Comissões bancárias / Juros bancários

129.322,63 €

dez/ 15

...

Comissões bancárias / Juros bancários

124.721,50 €

jan/16

...

Comissões bancárias / Utilização de crédito bancário

116.471,93 €

jun/17

...

Comissões bancárias

9.559,24 €

out/17

...

Juros bancários

132.893,86 €

dez/17

...

Comissões bancárias

200,00 €

Subtotal F...

513.169,16 €

 

TOTAL

2.257.125,23 €

 

 

  1. Em discordância com as liquidações de Imposto do Selo e com relevância para os presentes autos, a Requerente apresentou:

 

 

  1. Reclamação graciosa, em relação aos períodos de junho a dezembro de 2017; e
  2. Pedido de revisão oficiosa, em relação aos períodos impugnados de abril a dezembro de 2015 e de janeiro de 2016 – cf. documentos 5 e 6[4].
  3. A Requerente invocou, no âmbito do procedimento administrativo de reclamação e de revisão oficiosa, a aplicabilidade da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo para as instituições de crédito e financeiras, por configurar uma SGPS, enquadrável, em seu entender, como Instituição Financeira, de acordo com o previsto no Direito da União Europeia para o qual a norma nacional remete. Em ambos os casos, a pretensão da Requerente foi indeferida pela Requerida – cf. documentos 5 e 6.
  4. Não se conformando, a Requerente interpôs recursos hierárquicos das decisões da reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa, que vieram novamente indeferidos, por despacho de 17 de julho de 2020, notificados por ofícios datados de 20 de julho de 2020 – cf. documentos 7 e 8.
  5. Mantendo a discordância, a Requerente apresentou no CAAD, em 21 de outubro de 2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. documento 5 junto pela Requerente e registo de entrada do ppa no SGP do CAAD.

 

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em meros juízos conclusivos, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, tendo em conta as posições assumidas pelas Partes.

 

3.         Factos não Provados

 

Não se provou que o montante de € 468,00 de Imposto do Selo suportado pela Requerente o tivesse sido por referência aos empréstimos obrigacionistas e aos programas de papel comercial, pois, quer os extratos bancários (no caso apenas do D..., Documento 27, não tendo sido junto o extrato do E...), quer os lançamentos contabilísticos (Documento 24) não contêm qualquer referência ao empréstimo obrigacionista, identificado pela Requerente como “15M 07/2013 a 07/2015”, ou com o programa de papel comercial “PPC 50M 06/2015 a 15/2016”. Por outro lado, as faturas emitidas pelas instituições de crédito em causa têm referência a pagamentos diversos de juros, mas com valores de milhares de euros, irreconciliáveis com as importâncias de Imposto do Selo impugnadas com este fundamento, cujo total se cifra, como acima dito, em € 468,00.

 

O único documento que contém a indicação específica de que o valor de € 468,00[5] de Imposto do Selo respeita a este tipo de operações – obrigacionistas e de papel comercial – é uma declaração da contabilista certificada (Documento 23) que, porém, estando desacompanhada de meio de prova/evidência de origem externa, não é passível de firmar essa convicção neste Tribunal.

 

Com efeito, tratando-se de operações bancárias realizadas entre entidades externas e a Requerente, objeto de contratos formais e cujos débitos devem constar de documento apropriado, a exibição de uma declaração, de um mero documento interno, sem correspondência com documentação ou elementos de prova produzidos por essas entidades externas com menção à sua natureza, não é passível de comprovar a alegação da Requerente. Neste sentido, v. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 028/15, de 9 de setembro de 2015.

 

Assim, sem prejuízo de se concluir que foi suportado pela Requerente o Imposto do Selo no montante de € 468,00, não se demonstrou a respetiva conexão com empréstimos obrigacionistas e programas de papel comercial.

 

Com relevo para a decisão, não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

 

V.        Do Direito

 

  1. A Título Preliminar: Ordem de Conhecimento das Questões

 

Dispõe o artigo 124.º do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, que, dentro das ilegalidades geradoras de anulabilidade, o Tribunal conhecerá prioritariamente os vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, a tutela mais estável e eficaz dos interesses em presença.

 

Em relação às duas causas de pedir que fundam esta ação, a segunda, referente à isenção de Imposto do Selo nas operações financeiras realizadas com a Requerente abrange a totalidade da pretensão anulatória, garantindo, desta forma, uma tutela mais estável e abrangente, pelo que será analisada em primeiro lugar.

 

  1. Isenção de Imposto do Selo em Operações Financeiras. A Dúvida sobre o Enquadramento das SGPS como “Instituições Financeiras” à Luz do Direito da União Europeia

 

  1. Quadro Legal

 

            Atenta a questão de direito a apreciar, relativa à qualificação da Requerente como “Instituição Financeira”, na aceção do Direito da União Europeia, para efeitos de aplicação do regime de isenção de Imposto do Selo, importa, desde logo, ter em conta o disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código deste imposto[6], segundo o qual:

 

Artigo 7.º

Outras isenções

1 – São também isentos do imposto:

[…]

  1. Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças;

 

            Neste âmbito, a Requerente reveste a forma e o objeto de uma SGPS, pelo que interessa também considerar o disposto no Regime Jurídico das SGPS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, com as alterações subsequentes[7], que caracteriza este tipo de entidades e que, no que à matéria dos autos releva, regula o seguinte:

 

Artigo 1.º

Sociedades gestoras de participações sociais

            1 – As sociedades gestoras de participações sociais, adiante designadas abreviadamente por SGPS, têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas.

            2 – Para efeitos do presente diploma, a participação numa sociedade é considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

            3 – Para efeitos do número anterior, considera-se que a participação não tem carácter ocasional quando é detida pela SGPS por período superior a um ano.

            4 – As SGPS podem adquirir e deter participações de montante inferior ao referido no n.º 2, nos termos dos n.ºs 3 a 5 do artigo 3.º

 

Artigo 2.º

Tipo de sociedade e requisitos especiais do contrato

1 – As SGPS podem constituir-se segundo o tipo de sociedades anónimas ou de sociedades por quotas.

2 – Os contratos pelos quais se constituem SGPS devem mencionar expressamente como objecto único da sociedade a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, nos termos do n.º 2 do artigo anterior.

3 – O contrato da sociedade pode restringir as participações admitidas, em função quer do tipo, objecto ou nacionalidade das sociedades participadas quer do montante das participações.

4 – A firma das SGPS deve conter a menção «sociedade gestora de participações sociais» ou a abreviatura SGPS, considerando-se uma ou outra dessas formas indicação suficiente do objecto social.

Artigo 3.º

Participações admitidas

1 – As SGPS podem adquirir e deter quotas ou acções de quaisquer sociedades, nos termos da lei.

2 – As SGPS podem adquirir e deter participações em sociedades subordinadas a um direito estrangeiro, nos mesmos termos em que podem adquirir e deter participações em sociedades sujeitas ao direito português, salvas as restrições constantes dos respectivos contratos e ordenamentos jurídicos estrangeiros.

3 – Com excepção do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 1.º, as SGPS só podem adquirir e deter acções ou quotas correspondentes a menos de 10% do capital com direito de voto da sociedade participada nos seguintes casos:

  1. Até ao montante de 30% do valor total das participações iguais ou superiores a 10% do capital social com direito de voto das sociedades participadas, incluídas nos investimentos financeiros constantes do último balanço aprovado;
  2. Quando o valor de aquisição de cada participação não seja inferior a 1 milhão de contos, de acordo com o último balanço aprovado;
  3. Quando a aquisição das participações resulte de fusão ou de cisão da sociedade participada;
  4. Quando a participação ocorra em sociedade com a qual a SGPS tenha celebrado contrato de subordinação.

4 – No ano civil em que uma SGPS for constituída, a percentagem de 30% referida na alínea a) do número anterior é reportada ao balanço desse exercício.

5 – Sem prejuízo da sanção prevista no n.º 1 do artigo 13.º, a ultrapassagem, por qualquer motivo, do limite estabelecido na alínea a) do n.º 3 deve ser regularizada no prazo de seis meses a contar da sua verificação.

6 – Em casos excepcionais, o Ministro das Finanças, a requerimento da SGPS interessada, poderá, mediante despacho fundamentado, prorrogar o prazo estabelecido no número anterior.

 

Artigo 4.º

Prestação de serviços

1 – É permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas a) a c) do n.º 3 do artigo 3.º ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação.

2 – A prestação de serviços deve ser objecto de contrato escrito, no qual deve ser identificada a correspondente remuneração.

3 - (Revogado).

 

Artigo 5.º

Operações vedadas

1 – Às SGPS é vedado:

  1. Adquirir ou manter na sua titularidade bens imóveis, exceptuados os necessários à sua própria instalação ou de sociedades em que detenham as participações abrangidas pelo n.º 2 do artigo 1.º, os adquiridos por adjudicação em acção executiva movida contra os seus devedores e os provenientes de liquidação de sociedades suas participadas, por transmissão global, nos termos do artigo 148.º do Código das Sociedades Comerciais;
  2. Antes de decorrido um ano sobre a sua aquisição, alienar ou onerar as participações abrangidas pelo n.º 2 do artigo 1.º e pelas alíneas a) a c) do n.º 3 do artigo 3.º, excepto se a alienação for feita por troca ou o produto da alienação for reinvestido no prazo de seis meses noutras participações abrangidas pelo citado preceito ou pelo n.º 3 do artigo 3.º ou ainda no caso de o adquirente ser uma sociedade dominada pela SGPS, nos termos do n.º 1 do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais;
  3. Conceder crédito, excepto às sociedades que sejam por ela dominadas nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2 – Para efeitos da alínea c) do número anterior, a concessão de crédito pela SGPS a sociedades em que detenham participações aí mencionadas, mas que não sejam por ela dominadas, só será permitida até ao montante do valor da participação constante do último balanço aprovado, salvo se o crédito for concedido através de contratos de suprimento.

3 – As operações a que se refere a alínea c) do n.º 1, efectuadas nas condições estabelecidas no número anterior, bem como as operações de tesouraria efectuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, não constituem concessão de crédito para os efeitos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

4 – As SGPS e as sociedades em que estas detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º, deverão mencionar, de modo individualizado, nos documentos de prestação de contas, os contratos celebrados ao abrigo da alínea c) do n.º 1 e as respectivas posições credoras ou devedoras no fim do ano civil a que os mesmos documentos respeitam.

5 – O prazo previsto na parte final da alínea b) do n.º 1 é alargado para a data correspondente ao fim do segundo exercício seguinte ao da realização da alienação, quando se trate de participação cujo valor de alienação não seja inferior a 1 milhão de contos.

6 – O valor de aquisição inscrito no balanço das SGPS relativo aos bens imóveis destinados à instalação de sociedades em que possuam as participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º não pode exceder 25% do capital próprio das SGPS.

            Sobre o conceito de “Instituição Financeira” na legislação da União, interessa convocar o disposto no artigo 4.º, ponto 26) do Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, para o qual remete o artigo 3.º, ponto 22) da Diretiva 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento. Dispõe o citado artigo 4.º ponto 22) o seguinte:

“Artigo 4.º

Definições

1.    Para efeitos do presente regulamento, aplicam-se as seguintes definições:

       26)    “Instituição financeira”: uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no Anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36/UE, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento, na aceção da Diretiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, e uma sociedade de gestão de ativos, mas excluindo as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º , n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE;”

 

  1. O conceito de “Instituição Financeira” delimitado pelo Tribunal de Justiça

 

            Como acima mencionado, o critério decisório da presente ação no ponto em análise respeita à invocada qualificação das SGPS – categoria classificatória na qual se enquadra a Requerente – como Instituições Financeiras, para efeitos de aplicação da isenção transcrita do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código do Imposto do Selo, remetendo o elemento subjetivo da norma nacional para a definição constante da legislação comunitária (leia-se, do Direito da União Europeia).

 

Sobre esta questão existe diversa jurisprudência arbitral com posições antagónicas[8], residindo a divergência na interpretação do mencionado conceito de “Instituição Financeira”, tendo em conta o disposto no artigo 3.º, n.º 1, ponto 22) da Diretiva 2013/36/UE e no artigo 4.º, ponto 26 do Regulamento (UE) n.º 575/2013.

 

Para a Requerida a definição europeia tem por pressuposto estarmos no âmbito do exercício da atividade bancária ou de investimento que lhe seja equiparada, ou seja, as sociedades gestoras de participações sociais mencionadas no artigo 4.º, ponto 26 do Regulamento n.º 575/2013 (UE), como fazendo parte integrante do conceito de “Instituição Financeira”, são somente as que detenham participações em sociedades que sejam instituições de crédito ou empresas de investimento e que estejam abrangidas pelo quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às atividades bancárias.

 

Com ponto de vista distinto, a Requerente entende que a definição de “Instituição Financeira” não contém a apontada limitação à atividade bancária e de empresas de investimento e reporta-se, de forma genérica, a empresas cuja atividade principal é a aquisição de participações que denomina especificamente de “sociedades gestoras de participações”, tal como o é a Requerente, apenas estando excluídas as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e de seguros mistas, exclusão que, é pacífico, não abrange a Requerente.

 

Apesar de estar em causa a interpretação de uma norma fiscal de direito interno, emitida dentro das competências próprias do legislador português, que não tem a sua fonte no direito da União Europeia, ponto é que o legislador optou para aquele remeter, dentro da livre margem de decisão que lhe assiste.

 

A jurisprudência do Tribunal de Justiça tem entendido ser de ampliar o âmbito de projeção do direito europeu às denominadas situações puramente internas, estendendo, de forma concomitante, o âmbito da sua própria jurisdição, sempre que o legislador nacional, regule essas situações de acordo com o modelo das diretivas europeias. Declara o Tribunal de Justiça que “em tais casos, existe um interesse certo da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos retomados do direito da União sejam objeto de interpretação uniforme, quaisquer que sejam as condições em que devam ser aplicadas” (v. Acórdãos de 22 de março de 2018, C-327/16, Marc Jacob, ponto 34; de 14 de março de 2013, C-32/11, Allianz Hungária, ponto 20; e de 15 de novembro de 2016, C-268/15, Ullens de Schooten, ponto 53).

 

Assim, apesar de os factos não estarem diretamente abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito da União, a adesão da legislação nacional às (ou em consonância com as) soluções acolhidas pelo Direito da União, para situações em que todos os elementos estão confinados a um só Estado-Membro, é encarada como uma “remissão implícita” para o direito europeu, pelo que, dadas as dúvidas suscitadas em relação ao conceito de Instituição Financeira, foi suspendida a instância e questionado o Tribunal de Justiça sobre o mesmo, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE.

 

Como atrás assinalado, o Código do Imposto do Selo prevê, no seu artigo 7.º, n.º 1, alínea e) uma isenção deste imposto para os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito a entidades cuja forma e objeto se enquadrem nas categorias de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras, conforme previstas na legislação da União Europeia, preconizando a Requerente estar abrangida por este último conceito (“Instituição Financeira”).

 

Para se concluir sobre o enquadramento da Requerente na previsão da norma de isenção em apreço, que depende da sua qualificação como Instituição Financeira à luz do direito da União Europeia, foi deduzido junto do Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial tendo por objeto a interpretação do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (JO 2013, L 176), e do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012 (JO 2013, L 176).

 

Neste âmbito, interessa relembrar que ficou demonstrado nos presentes autos que a Requerente, na qualidade de sociedade holding ou de cúpula, detém participações sociais relevantes em entidades (sociedades) cuja atividade se enquadra na gestão de infraestruturas de transportes, abrangendo a conceção, construção e gestão de estradas/autoestradas. Não são, por conseguinte, sociedades que desenvolvam a sua atividade no setor financeiro.

 

No Acórdão de 26 de outubro proferido no processo de reenvio prejudicial deduzido nesta ação (C-207/2022), o Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre a questão e, alicerçado num conjunto elementos de interpretação sistemática e teleológica, conclui que o conceito de “Instituição Financeira” estabelecido pelos diplomas de direito da União (Diretiva 2013/36 e Regulamento n.º 575/2013, atrás mencionados) não deve abranger “uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro”.

 

Essencial para alcançar esta conclusão na perspetiva do Tribunal de Justiça é o facto de aqueles diplomas se integrarem no quadro regulatório (europeu) do setor financeiro, e terem por objeto estabelecer as regras relativas ao acesso à atividade, à supervisão e a diversos requisitos aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento , sendo o principal elemento do regime aplicável às ditas instituições financeiras, definido pela Diretiva 2013/36, respeitante à possibilidade de estas exercerem atividades do setor financeiro noutro Estado-Membro, no âmbito das liberdades fundamentais de estabelecimento e de prestação de serviços.

 

Em tal disciplina, especificamente dirigida à regulação de entidades que operam no setor financeiro, não têm cabimento as entidades (sociedades), como a Requerente, que não desenvolvam atividade financeira, nem tenham enquadramento nesse setor (como seria, por exemplo, o caso de uma SGPS que encabeçasse um grupo financeiro, composto por instituições de crédito e/ou sociedades financeiras).

 

Para este efeito, fundamenta o Tribunal de Justiça nos seguintes moldes:

 

54      Em primeiro lugar, no que diz respeito à redação do artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36, esta disposição refere que, para efeitos desta diretiva, se deve entender por «instituição financeira» uma instituição financeira na aceção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013.

 

55        O artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, deste regulamento, lido em conjugação com o seu artigo 4.º, n.º 1, ponto 3, enuncia que, na aceção do referido regulamento, entende‑se por «instituição financeira» uma empresa que não seja uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento, cuja atividade principal é a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, incluindo uma companhia financeira, uma companhia financeira mista, uma instituição de pagamento e uma sociedade de gestão de ativos. Este artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, exclui, em contrapartida, do conceito de «instituição financeira» as sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas.

 

56        Esta disposição menciona, assim, de maneira geral, que as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações estão abrangidas pelo conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, e, na sua versão aplicável às datas pertinentes dos processos principais, exclui deste conceito unicamente as instituições de crédito, as empresas de investimento e algumas sociedades gestoras de participações no setor dos seguros.

 

57        A este respeito, importa especificar que, embora o artigo 1.º, ponto 2, alínea a), iii), do Regulamento 2019/876 preveja uma nova redação do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013, que também exclui do conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, as sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial, resulta da decisão de reenvio no processo C‑290/22 que esta nova redação não é aplicável ratione temporis aos processos principais.

 

58        Além disso, embora a redação do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 vise as empresas cuja atividade principal é o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15, da Diretiva 2013/36, atividades essas que integram o setor financeiro, a utilização da conjunção coordenativa «ou» indica que o legislador da União não quis que o exercício direto de uma ou mais dessas atividades fosse um critério de definição do conceito de «instituição financeira», na aceção do Regulamento n.º 575/2013.

 

59        Não obstante, importa também sublinhar que resulta da redação do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas devem ser consideradas «instituições financeiras», na aceção deste regulamento.

 

60        Ora, por um lado, o artigo 4.º, n.º 1, ponto 20, do referido regulamento enuncia que, na aceção deste, se entende por «companhia financeira» uma instituição financeira que não seja uma companhia financeira mista e cujas filiais sejam exclusiva ou principalmente instituições de crédito, empresas de investimento ou instituições financeiras, sendo pelo menos uma destas filiais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento.

 

61        Por outro lado, resulta do artigo 4.º, n.º 1, ponto 21, do Regulamento n.º 575/2013, lido em conjugação com o artigo 2.º, ponto 15, da Diretiva 2002/87, que deve ser considerada uma «companhia financeira mista», na aceção deste regulamento, uma empresa‑mãe, que não é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, a qual em conjunto com as suas filiais, de que pelo menos uma é uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento, e com quaisquer outras entidades, constitui um conglomerado financeiro.

 

62        Afigura‑se assim que as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas constituem tipos de sociedades concretamente definidas que se caracterizam simultaneamente pelo facto de a sua atividade principal consistir na aquisição de participações e pela existência de relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento.

 

63        Daqui resulta que a referência expressa, no artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não teria nenhuma utilidade se esta disposição devesse ser entendida, pelo simples facto de visar as empresas cuja atividade principal consista na aquisição de participações, como integrando sistematicamente no conceito de «instituição financeira», na aceção deste regulamento, todas as sociedades que exercem essa atividade principal.

 

64        No entanto, como a advogada‑geral salientou no n.º 41 das suas conclusões, resulta dos próprios termos do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 que a lista das instituições financeiras enunciada nesta disposição não é exaustiva. Por conseguinte, da referência, nesta disposição, às companhias financeiras e às companhias financeiras mistas não se pode deduzir que a inexistência de certas relações específicas com uma instituição de crédito, uma empresa de seguros ou uma empresa de investimento obsta necessariamente à qualificação de «instituição financeira», na aceção deste regulamento.

 

65        Em segundo lugar, o contexto em que o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 se inserem demonstra que o legislador da União definiu o regime aplicável às instituições financeiras com base na existência de uma relação entre estas e o exercício de determinadas atividades do setor financeiro.

 

66      Antes de mais, o principal elemento do regime aplicável às instituições financeiras definido pela Diretiva 2013/36 diz respeito à possibilidade de estas exercerem, no âmbito da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, atividades do setor financeiro noutro Estado‑Membro.

 

67        Com efeito, o artigo 34.º desta diretiva, sob a epígrafe «Instituições financeiras» e que constitui o único artigo da diretiva que se refere unicamente às instituições financeiras, autoriza essas instituições, em certas condições, a exercerem noutro Estado‑Membro as atividades constantes do anexo I da referida diretiva. Este artigo concretiza, assim, o princípio, enunciado no considerando 20 da mesma diretiva, segundo o qual é conveniente alargar, em certas condições, o benefício do reconhecimento mútuo a determinadas operações financeiras quando as mesmas sejam exercidas por uma instituição financeira filial de uma instituição de crédito.

 

68        Por conseguinte, o facto de uma empresa ser qualificada de «instituição financeira», na aceção da Diretiva 2013/36, é desprovido de interesse, para efeitos da aplicação do seu artigo 34.º, se essa empresa não pretender exercer atividades do setor financeiro.

 

69        Em seguida, o Regulamento n.º 575/2013 prevê, para efeitos da aplicação dos requisitos prudenciais impostos por este regulamento, uma série de consequências para a atribuição, a uma determinada empresa, da qualificação de «instituição financeira».

 

70        Mais precisamente, resulta do artigo 18.º, n.º 1, do referido regulamento que as instituições de crédito e as empresas de investimento que sejam obrigadas a cumprir os requisitos do mesmo regulamento com base na sua situação consolidada procedem, em princípio, a uma consolidação integral, nomeadamente, de todas as instituições financeiras que são suas filiais ou, se for caso disso, filiais da mesma companhia financeira‑mãe ou da companhia financeira mista‑mãe.

 

71        Em contrapartida, esta disposição não impõe que se realize uma consolidação prudencial que inclua todas as filiais das instituições e das empresas de investimento.

 

72        Além disso, decorre do artigo 4.º, n.º 1, ponto 27, do Regulamento n.º 575/2013 que as instituições financeiras constituem «entidades do setor financeiro», à semelhança, nomeadamente, das instituições de crédito, das empresas de investimento e das empresas de seguros.

 

73        Ora, resulta do artigo 36.º, n.º 1, alíneas g) a i), do artigo 56.º, alíneas c) e d), e do artigo 66.º, alíneas b) a d), deste regulamento que os investimentos, realizados pelas instituições de crédito e pelas empresas de investimento, nas entidades do setor financeiro estão sujeitos a um regime específico que implica, em particular, determinadas deduções no cálculo dos fundos próprios dessas instituições e dessas empresas.

 

74        As participações qualificadas das instituições de crédito e das empresas de investimento fora do setor financeiro são, em contrapartida, regidas por regras diferentes, previstas, nomeadamente, no artigo 36.º, n.º 1, alínea k), e nos artigos 89.º e 90.º do referido regulamento, regras que podem, em especial, implicar uma ponderação dessas participações no cálculo dos requisitos de fundos próprios ou uma proibição dessas participações, quando estas excedam determinadas percentagens de fundos próprios da instituição de crédito ou da empresa de investimento em causa.

 

75        Decorre do exposto que o Regulamento n.º 575/2013 define as regras relativas à consolidação e aos requisitos prudenciais das instituições de crédito e das empresas de investimento que, na medida em que sejam próprias das participações nas instituições financeiras ou noutras entidades do setor financeiro e que difiram das regras aplicáveis às participações fora do setor financeiro, podem ser vistas como estando baseadas na tomada em consideração da especificidade das atividades desse setor.

 

76        Ora, tal lógica seria posta em causa em caso de aplicação das regras próprias das participações nas entidades do setor financeiro a uma participação fora desse setor de uma instituição de crédito ou de uma empresa de investimento, pelo simples facto de esta última participação ser gerida por intermédio de uma filial dessa instituição ou dessa empresa cuja atividade consista na aquisição de participações.

 

77        Por último, o artigo 5.º da Diretiva 2013/36 prevê a coordenação interna das atividades das autoridades competentes para a supervisão não só das instituições de crédito e das empresas de investimento mas também das instituições financeiras, estabelecendo assim uma relação entre, por um lado, a supervisão prudencial do setor financeiro e, por outro, o controlo das instituições financeiras.

 

78        Do mesmo modo, o artigo 117.º, n.º 1, e o artigo 118.º desta diretiva enunciam as obrigações de cooperação entre as autoridades competentes dos Estados‑Membros aplicáveis às instituições financeiras, sem alargar esse regime às entidades não pertencentes ao setor financeiro nas quais uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento detenha participações.

 

79        Em terceiro lugar, resulta do artigo 1.º da Diretiva 2013/36 e do artigo 1.º do Regulamento n.º 575/2013 que estes atos têm por objeto definir as regras relativas ao acesso à atividade, à supervisão e a diversos requisitos aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento. Também decorre do considerando 5 desta diretiva e do considerando 14 deste regulamento que os referidos atos têm, nomeadamente, por objetivo contribuir para a realização do mercado interno no setor das instituições de crédito.

 

80        Resulta de todos os elementos precedentes que uma empresa cuja atividade principal não esteja relacionada com o setor financeiro, por não exercer, nem diretamente nem por intermédio de participações, uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I da Diretiva 2013/36, não pode ser considerada uma instituição financeira, na aceção da Diretiva 2013/36 e do Regulamento n.º 575/2013.

 

81        Por conseguinte, há que responder às questões submetidas que o artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36 e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento n.º 575/2013 devem ser interpretados no sentido de que uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.

[…]

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 3.º, n.º 1, ponto 22, da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE, e o artigo 4.º, n.º 1, ponto 26, do Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012,

devem ser interpretados no sentido de que:

uma empresa cuja atividade consista na aquisição de participações em sociedades que não exerçam atividades no setor financeiro não está abrangida pelo conceito de «instituição financeira», na aceção desta diretiva e deste regulamento.

 

            Da não qualificação da Requerente como Instituição Financeira, de acordo com o direito da União Europeia (uma vez que as filiais e participadas não desenvolvem atividade no setor financeiro), decorre ser-lhe inaplicável a norma de isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do Código deste imposto. Desta forma, não se constata a ilegalidade material, consubstanciada em erro de direito, alegada pela Requerente, quer em relação aos atos tributários, quer aos atos de segundo e de terceiro grau que os mantiveram, sendo devido o Imposto do Selo liquidado nas operações em causa.

 

            Relativamente à inconstitucionalidade invocada pela Requerente com fundamento na violação do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição) e do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição), pelo facto de o conceito de Instituição Financeira abranger entidades como os fundos de investimento imobiliário, sociedades de gestão de fundos de investimento e fundos de capital de risco, e não abranger as SGPS, afigura-se que a Requerente não cumpriu o ónus da sua suscitação adequada, nomeadamente no que se refere à “precisa delimitação do seu objeto, mediante a especificação da norma, segmento normativo ou a dimensão normativa que se entende ser inconstitucional (acórdãos n.ºs 450/06, 21/06, 578/07, 131/08) e a indicação das razões pelas quais se considera verificada a violação de normas ou princípios constitucionais (acórdãos n.ºs 645/06, 708/06, 630/08), não bastando uma referência genérica a essas normas ou princípios ou a imputação da inconstitucionalidade aos próprios actos jurídicos que são objeto de impugnação judicial” – v. decisão arbitral no processo n.º 14/2021-T.

 

            Em qualquer caso, importa notar as SGPS têm um regime próprio e objetivos distintos daqueles que presidem aos fundos e às suas sociedades gestoras. Ora, o princípio da igualdade, na vertente de uniformidade da lei de imposto, postula o tratamento igual de contribuintes que se encontrem em situações iguais, o que não se afigura ser o caso. Por outro lado, na ótica da proibição do arbítrio, a diferenciação dos regimes aplicáveis às diversas tipologias de entidades teria de ser desprovida de fundamento racional, o que a Requerente não logrou demonstrar (v. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e n.º 695/2014).

 

  1. Sobre os Encargos Financeiros Especificamente Conexos com a Emissão de Obrigações e Programas de Papel Comercial

 

            Relativamente a esta questão, não resultou provado que os encargos financeiros incorridos pela Requerente o tivessem sido parcialmente (no valor indicado de € 468,00) em conexão com emissões obrigacionistas e programas de papel comercial, pelo que não estão demonstrados os pressupostos de facto de tal alegação, o que conduz necessariamente à improcedência do pedido da Requerente neste segmento.

 

* * *

 

Por fim, resta referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil, nos termos do disposto nos artigos 608.º e 130.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

  1. Restituição do Imposto e Juros Indemnizatórios

 

A Requerente peticiona a restituição do Imposto do Selo pago e juros indemnizatórios à taxa legal, ao abrigo do preceituado no artigo 43.º da LGT. Contudo, como se viu supra, as liquidações de Imposto do Selo e os atos de segundo e terceiro grau que as mantiveram não padecem das ilegalidades invalidantes que lhe foram imputadas pela Requerente, pelo que improcede, por falta de preenchimento dos respetivos pressupostos constitutivos, o pedido de restituição de imposto e, bem assim, dos juros indemnizatórios àquele respeitantes, porquanto não se verifica o pagamento de prestação tributária em excesso, nem a ocorrência de erro imputável aos serviços da Requerida.

            VI.      Decisão

 

À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação arbitral totalmente improcedente, com as legais consequências.

 

 

VII.     Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 2.257.125,23, correspondente ao valor das liquidações de Imposto do Selo cuja anulação se pretende e que não foi impugnado pela Requerida – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do RCPAT.

 

 

VIII.   Custas

 

            Custas no montante de € 29.376,00 (vinte e nove mil trezentos e setenta e seis euros) a cargo da Requerente, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de novembro de 2023

 

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins, Relatora

 

 

André Festas da Silva

 

José Coutinho Pires



[1] Inicialmente denominada B..., SGPS, S.A. e, posteriormente ainda,  C..., SGPS, S.A..

[2] V. Documento COM/2013/071 final - 2013/0045, capítulo II, secção 3.3.2.

[3] No mesmo sentido, v. a título exemplificativo os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de junho de 2015, processo n.º 0793/14, e do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), de 27 de abril de 2017, processo n.º 08958/15. Diversas decisões arbitrais fazem eco deste entendimento. V. processos do CAAD n.º 714/2016-T, 256/2015-T e 284/2014-T.

[4] Existem liquidações de Imposto do Selo de outros períodos contestadas por via do pedido de revisão oficiosa que, contudo, não fazem parte do objeto da presente ação, circunscrita aos períodos mencionados no quadro do ponto G. Quanto aos períodos excluídos (em concreto, a partir de março de 2016), o pedido de revisão oficiosa foi considerado intempestivo pela Requerida, em virtude da revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, o que não foi aqui contestado pela Requerente.

[5] Valor de imposto relativo a diversos débitos (de € 68,00 e de € 80,00 do D... e de € 60,00, € 200,00 e € 60,00 do E...).

[6] Aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, na versão em vigor após a Reforma do Património, operada pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, e alterações subsequentes.

[7] Cf. Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro; Decreto-Lei n.º 378/98, de 27 de novembro; e Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de dezembro.

 

 

[8] V . a título meramente exemplificativo, decisões arbitrais n.ºs 911/2019-T e 110/2020-T, no sentido preconizado pela Requerente, e n.ºs 856/2019-T e 37/2020-T, no sentido defendido pela Requerida.