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Sumário:
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Não tendo havido doação ao casal ou com o propósito de integrar a comunhão, um bem imóvel doado na constância de matrimónio celebrado sob o regime legal de comunhão de adquiridos é um bem próprio do donatário.
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O valor relativo à amortização de empréstimo contraído para a construção de imóvel não é susceptível de ser deduzido ao valor de realização para efeitos de reinvestimento.
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A..., contribuinte fiscal n.º ..., residente no..., ..., ..., ...-... Ericeira (doravante, “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto no art. 1.º, na al. b) do n.º 1 do art. 2.º, no n.º 1 do art. 6.º, e no art. 24.º, todos do RJAT, requerer, em 8/3/2023, “pronúncia arbitral de declaração da ilegalidade e consequente anulação da aludida liquidação do imposto de IRS (relativa ao reinvestimento do produto da venda de casa própria), no montante de €20.879,62 [...]”, por entender que a referida liquidação “lavra em dois equívocos [...]: - errónea quantificação de 100% da quota parte do requerente, A..., na propriedade/titularidade do prédio urbano inscrito na matriz predial ... da União das freguesias de ... e ..., concelho de Loures; - errónea declaração, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto à inexistência de despesas e encargos respeitantes ao [supra referido] prédio urbano”.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
2.1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o presente signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 17/5/2023.
3. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alega, em síntese, o seguinte:
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«Salvo o devido respeito, a liquidação sindicada nos presentes autos, carece de fundamento legal, não tendo qualquer sustentáculo moral, atentando a mesma contra os mais elementares princípios da justiça do caso concreto.
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A aludida liquidação lavra em dois equívocos, quais sejam: - errónea quantificação de 100% da quota parte do requerente, A..., na propriedade/titularidade do prédio urbano inscrito na matriz predial ... da União das freguesias de ... e ..., concelho de Loures; - errónea declaração, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto à inexistência de despesas e encargos respeitantes ao [supra referido] prédio urbano”.
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Ao Requerente, A..., foi doado, no estado de casado (regime de comunhão de adquiridos) com B..., contribuinte n.º..., o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo..., secção E da freguesia de ..., concelho de Loures, conforme se pode constatar pela cópia da certidão predial junta como doc. n.º 1.
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Na constância do matrimónio e com a finalidade da construção de habitação própria e permanente, foi contraído um mútuo bancário pelo Requerente, A... e pelo cônjuge, B..., tendo a obra sido edificada e, por isso, participada à Autoridade Tributária e Aduaneira, dando origem ao artigo urbano inscrito na matriz predial ... da União das freguesias de ... e ..., concelho de Loures, enquanto bem comum do casal (doc. n.º 1).
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Mercê do divórcio entretanto decretado e nos termos da “relação especificada de bens comuns do casal e passivo” e do “acordo sobre o destino da casa de morada de família”, foi determinado que até à venda ou partilha do dito imóvel, ficaria o mesmo destinado a habitação de B..., comproprietária e ex-mulher do Requerente, A... (doc. n.º 2). Situação que se manteve até à venda do mesmo.
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Aquando da venda do prédio urbano inscrito na matriz predial ... da União das freguesias de ... e..., concelho de Loures, foi liquidado, por ambos, o mútuo bancário contraído para a construção de habitação própria e permanente e procederam à partilha do remanescente da importância devida pelo preço de venda, nos termos do estipulado nos autos do processo de divórcio por mútuo consentimento que correu termos sob o n.º .../2018, na Conservatória do Registo Civil de Loures (doc. n.º 3).
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Nesta conformidade e após a amortização do encargo hipotecário no valor de €72.674,72 [...], foram entregues pelo comprador dois cheques (doc. n.º 3): - o cheque bancário n.º ..., no valor de €163.395,53 [...], emitido a favor do Requerente A...; - o cheque bancário n.º..., no valor de €74.430,35 [...], emitido a favor de B..., comproprietária e ex-mulher do Requerente, A... .
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Ambos reinvestiram o valor restante (após a dedução da amortização do mútuo contraído) na aquisição da propriedade de imóveis para habitação própria e permanente (actual domicílio fiscal), por cada um deles, sendo que se junta cópia não certificada da dita aquisição havida pelo Requerente, A... (doc. n.º 4).
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O prédio urbano inscrito na matriz predial... da União das freguesias de ... e ..., concelho de Loures, assim “modificado”, tem a inequívoca dignidade de bem comum e como tal deverá ser tratado, tanto na vertente civilística, como na perspectiva tributária, no que concerne à incidência de tributo por mais-valias.
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Há que tomar em consideração o facto de se tratar da “vexata quaestio” referente à titularidade de um bem imóvel, modificado por força de obra entretanto efectuada no mesmo. A este específico propósito, cabe ilustrar o que haja que decidir pela administração tributária, por referência ao acórdão proferido em 18 de Maio de 2017 pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito de idêntica matéria [...].
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[...] [A] situação tratada pelo Tribunal da Relação de Guimarães é, em tudo, exactamente igual à questão sindicada pelo Requerente, A..., motivo pelo qual não será, nunca, admissível um trato diferenciado.
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Há que tomar o prédio urbano inscrito na matriz predial ... da União das freguesias de ... e ..., concelho de Loures, como bem comum e como tal deverá ser considerado para efeitos de quaisquer incidências de foro tributário ou fiscal.
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Nesta conformidade, há propriedade em consignar a incidência tributária devida, em atenção ao facto de o imóvel assim modificado e ulteriormente vendido, tomar a dignidade, inequívoca, de bem comum.
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O Requerente, A..., e a ex-mulher, contraíram um mútuo para construção do edifício destinado a habitação própria e permanente de ambos (estando aí domiciliados fiscalmente), tendo o mesmo sido vendido sem prejuízo do distrate do encargo hipotecário, pelo que, salvo o devido respeito, deverá ao valor de venda realizado ser deduzido o valor de amortização do referido empréstimo.
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No âmbito do quadro jurídico aplicável, sendo contemplado o reinvestimento na aquisição de habitação própria e permanente, bem como a aquisição de terreno para construção e/ou construção de imóvel, para ponderação de mais-valias, haverá, por maioria de razão, que contemplar como encargo adequado a tal as despesas havidas na aquisição de habitação própria e permanente, bem como na aquisição de terreno para construção e/ou construção de imóvel (ver informação vinculativa referente ao reinvestimento na aquisição de terreno para construção – Proc. 1324/2018, Autoridade Tributária).
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No caso em apreço, dúvida não há que o mútuo contraído por ambos foi para construção de habitação, própria e permanente de ambos e, como decorrência de tal, deverá ser admitida a dedução da amortização havida do empréstimo em causa para construção do imóvel.»
3.1. O Requerente termina pedindo que “a presente impugnação seja acolhida e decidida em conformidade, com a consequente anulação da liquidação do imposto de IRS [...] n.º 2023..., de 13.01.2023 [...], no montante de €20.879,62».
4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “Requerida” ou “AT”) apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:
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«O presente pedido de pronúncia arbitral (ppa) vem peticionar a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação oficiosa de IRS n.º 2023... referente ao período de tributação de 2021.
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O Requerente pede a anulação da supra referida liquidação, com fundamento na sua ilegalidade, por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito.
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A AT, por sua vez, entende que a liquidação não se encontra eivada de qualquer ilegalidade, devendo, como tal, manter-se na ordem jurídica.
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Dever-se-ão considerar impugnados os factos alegados pela Requerente que se encontrem em oposição com a presente defesa, considerada no seu conjunto, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 574.º do Código do Processo Civil - CPC, ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do art.º 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - RJAT.
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Quanto à primeira questão controvertida, referente à liquidação de IRS de 2021, em nome do Requerente, respeita assim à vexata quaestio sobre se um bem imóvel doado na constância de um matrimónio celebrado sob o regime legal de comunhão de adquiridos, deve ser considerado um bem próprio do donatário ou, ao invés, um bem comum do casal.
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A respeito, argumenta o Recorrente que a Autoridade Tributária lavrou em erro porquanto a mesma considerou que o imóvel identificado na matriz predial urbana sob o artigo ...-U-... lhe pertencia na totalidade ao invés de se tratar de um bem comum.
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Ora, a liquidação oficiosa em causa encontra-se cabalmente fundamentada de facto e de direito no procedimento de analise de divergência e irregularidade n.º... (IRS/2021), procedimento esse despachado pelo Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Mafra em 03-01-2023, para onde se remete, dando o seu teor por integralmente reproduzido, pelo que resta salientar os aspetos mais relevantes para a boa decisão da causa.
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De facto, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 1722.º do Código Civil, são bens próprios dos cônjuges casados em regime de comunhão de adquiridos, os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação.
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Consultada a certidão da 2.ª Conservatória do Registo Predial de Loures, designadamente através da Ap. de 12-03-2003, verifica-se que foi registado, à data, a aquisição por doação da propriedade, do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo..., secção E da freguesia de ..., concelho de Loures, a favor apenas do ora Requerente. Na mesma linha, da análise efetuada à escritura de venda do predito prédio, verifica-se igualmente que da mesma encontra-se identificado, como único proprietário do predito imóvel, o Requerente – A... .
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Ora, no regime da comunhão de adquiridos e nos termos já referidos do art.º 1722.º, n.º 1, al. b), do Cód. Civil, por regra, são bens próprios do donatário aqueles que lhe tenham sido destinados pelo doador.
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A circunstância de ter sido contraído um mútuo para construção de uma habitação própria e permanente prédio urbano referido, e de o mesmo ter sido utilizado para casa de morada de família, não é suficiente para demonstrar que o mesmo foi doado ao Requerente e à sua ex-cônjuge – B..., ao casal, portanto, uma vez que, nos termos agora do art. 1729.º do Cód. Civil, é na vontade do doador que se deve certificar se ele doou ao Requerente ou ao casal.
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Note-se que o n.º 1 do mesmo artigo, [o que] estabelece, no que para o caso importa, é que o bem recebido por doação somente entra na categoria de bem comum quando for doado conjuntamente a ambos os cônjuges (neste caso há uma doação com apenas um donatário), ou quando, doado apenas a um deles, o doador determinar que devem entrar na comunhão. A referida norma tem unicamente em vista, portanto, regular sobre o ingresso, na comunhão, de bens doados a um ou aos dois cônjuges.
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In casu, não é identificável, face aos documentos presentes nos autos, qualquer determinação do doador, no sentido de ter doado aos então cônjuges o predito prédio, por forma a este entrar na comunhão. Pelo contrário, na falta da escritura de doação que comprove a vontade inequívoca do doador, não se poderá simplesmente ignorar que da Ap. de 12-03-2003 apenas consta que a doação do predito prédio foi somente efetuada a favor do Requerente, e não do casal.
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In verbis, caso a vontade do doador fosse distinta, e tivesse tido de facto a intenção de beneficiar o casal, ao invés de unicamente o Requerente como sucedeu, nada impediria que a doação fosse efetivamente registada em nome do casal, e não apenas do ora Requerente, como o foi.
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Com efeito, em momento algum o Requerente prova o que cauciona ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral, pelo contrário. É o próprio Requerente que reconhece, no ponto 3 da sua p.i., que ao próprio foi doado o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ..., secção E da freguesia de ..., concelho de Loures.
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Por outra via, argumenta que, na constância do matrimónio e com a finalidade de construir a sua habitação própria e permanente, foi contraído um mútuo bancário pelo mesmo e pela sua ex-cônjuge, acrescentando que a obra foi edificada e por isso participada à AT, tendo dado origem ao artigo urbano inscrito na matriz predial ... da União das Freguesias de ..., concelho de Loures, enquanto bem comum do casal.
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Concluindo que, com a venda do predito prédio urbano, foi liquidado por ambos o mútuo bancário contraído para a construção da sua habitação própria e permanente, tendo ambos procedido à partilha do remanescente da importância devida pelo preço da venda.
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[...] [U]ma vez mais, o Requerente limita-se a alegar, sem contudo lograr comprovar, que, mercê do mútuo bancário contraído por ambos, foi possível edificar a sua habitação própria e permanente, e assim “modificar”, como o próprio referiu, o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ..., secção E da freguesia de ..., concelho de Loures no prédio urbano inscrito na matriz predial ... da União das Freguesias de ... e ..., concelho de Loures.
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Contudo, e à semelhança dos factos anteriores, não logrou carrear para os presentes autos o contrato de mútuo bancário alegadamente contraído por si e pela sua ex-cônjuge, por forma a demonstrar em que condições foi celebrado e como seria o mesmo reembolsado. E tal mostrava-se crucial, uma vez que, agora ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do art.º 1723.º do Cód. Civil, “Conservam a qualidade de bens próprios: (...) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.”
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Pois bem, se face à falta de escritura de celebração do mútuo hipotecário não é possível aquilatar que a construção do imóvel que deu origem à casa de morada de família foi efetuada com os recursos económicos próprios do Requerente, na mesma ordem, também não será razoável concluir que, face à sua omissão, se deve, sem mais, considerar que o predito prédio assume a natureza de bem comum.
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Ademais, analisada a escritura de Compra e Venda, celebrada em 17-02-2021, o que verdadeiramente se verifica é que somente o Requerente consta da mesma como Primeiro Contratante e Vendedor do Imóvel. À semelhança, aliás, do que constava da matriz predial urbana do predito prédio, donde constava apenas a identificação do Requerente como proprietário da totalidade do imóvel. Ora, o princípio do ónus da prova consubstancia-se no princípio de que quem alega um determinado facto constitutivo de um direito, tem a necessidade de prová-lo. (cf. art.º 342.º do Código Civil – CC e n.º 1 do art.º 74.º da LGT).
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[O] Requerente alega factos que servem de fundamento e que substancialmente configuram a alegada posição jurídica de que se arroga, sem que o prove. E é à parte que alega determinados factos que compete fornecer a demonstração da realidade dos factos alegados, necessários à procedência do pedido por si deduzido em juízo. Ademais, assente-se que prova dos factos não se faz pela insistência nem tão pouco com meras alegações e suposições, antes pela sua demonstração, que deve assentar antes de mais na realidade.
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[Quanto ao reinvestimento:] Os incrementos patrimoniais constituem uma das categorias de rendimentos definidas no art.º 1.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).
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O art.º 10.º, n.º 5, do CIRS consubstancia uma norma de delimitação negativa, excluindo da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imoveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes situações: [...]. Pese embora o Requerente alegue que ele e a sua ex-mulher contraíram um mútuo para construção do edifício destinado à sua habitação própria e permanente, pelo que deverá ao valor de venda realizado ser deduzido o valor de amortização do referido empréstimo [,] [a] verdade é que os valores despendidos na amortização dos empréstimos contraídos para a construção de habitação própria e permanente não estão abrangidos pela exclusão de tributação prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.
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De facto, se atendermos ao elemento literal da norma, verificamos que, se o legislador pretendesse incluir a amortização de empréstimo concedido para a construção de imóvel, teria discriminado essa situação tal como discriminou para efeito de reinvestimento. Se o legislador não o fez então conclui-se que só o empréstimo contraído para aquisição do imóvel pode ser amortizado para este efeito. [...]. Por outro lado, se atendermos ao elemento histórico-teleológico, na redação inicial do n.º 5 do art. 10.º do CIRS não estava sequer prevista a amortização de empréstimo, pelo que, ao acrescentar esta matéria à redação da norma, o legislador colocou o que pretendia e nada mais. Ad summam, a amortização do empréstimo concedido para a construção de imóvel não é aceite para efeitos de exclusão de tributação.
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No presente caso, o legislador entendeu que só a amortização de empréstimo contraído para a aquisição de imóvel era suscetível de ser deduzido ao valor de realização para efeitos de reinvestimento e foi isso que ficou consagrado na norma.
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No artigo 19.º do douto ppa, o Requerente alude à informação vinculativa proferida no processo n.º 1324/2018 da AT, pretendendo a sua aplicação à situação aqui em dissídio. Sucede que, e como aliás o próprio Requerente refere, a mesma refere-se a uma situação de “reinvestimento na aquisição de terreno para construção”. O que não é o caso dos autos! O que desde logo afasta a pretensão do Requerente; porquanto, como refere o mesmo no artigo 10.º do ppa, o Requerente reinvestiu na aquisição de imóvel para habitação própria e permanente, tendo afetado o seu domicílio fiscal a esse imóvel.
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[...] [O] Requerente argui que o imóvel deve ser considerado bem comum e a mais valia deve ser considerada em 50%, entre si e a sua ex-cônjuge. Porém, consultado o registo de declarações de rendimentos, verifica-se que a alienação onerosa daquele imóvel não consta da declaração de rendimentos de outro sujeito passivo. Não se questiona a emissão de cheque bancário entregue à ex-cônjuge do Requerente, devidamente identificado no artigo 9.º do ppa. Contudo, o mesmo vem indubitavelmente ressalvar que o Requerente actuou ao abrigo da tese [segundo a qual] o bem doado é um bem próprio, cabendo à ex-cônjuge uma compensação pelas benfeitorias efectuadas naquele bem próprio, nomeadamente por força da edificação da casa de morada de família com recurso a crédito para construção da mesma, subscrito pelos na altura cônjuges.
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A tese ora sufragada [pelo Requerente] colide com a falta de declarativa obrigatória da ex-cônjuge na sua declaração de IRS. Ora, se se tratasse de uma mais-valia, a mesma, ainda que pudesse ser alvo de reinvestimento, teria legalmente de ser declarada – o que não foi – porquanto se tratava de um bem próprio. Pelo que se torna evidente a legalidade da liquidação oficiosa emitida ao ora Requerente. Neste sentido, para os devidos e legais efeitos, considera-se que, sendo o contribuinte titular da propriedade total do imóvel e sendo apenas este o outorgante da escritura de transmissão onerosa do imóvel, deve considerar-se o titular dos rendimentos gerados com esta operação, enquadráveis como mais-valias – categoria G do IRS.
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[Q]uanto à consideração da amortização do empréstimo contraído para a construção do imóvel, deverá considera-se que o mesmo foi corretamente desconsiderado na declaração de rendimentos. Com efeito, nos termos do citado n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que o valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido. Resulta da letra da lei a referência, expressa e taxativa, à amortização de empréstimo contraído para efeitos de aquisição de imóvel, e não para a sua construção, pelo que o valor do capital em dívida de empréstimo contraído para a construção do imóvel gerador da mais-valia não pode ser excluído de tributação nos termos do regime supra citado.»
4.1. A Requerida conclui pedindo que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente «por não provado e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos».
5. Por despacho de 26/10/2023, o Tribunal Arbitral dispensou a inquirição de testemunha e prescindiu da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Através do referido despacho, foi, ainda, fixado o dia 10/11/2023 para a prolação da decisão arbitral.
II. Saneamento
6. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.
7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8. Pelo exposto, e não havendo nulidades, impõe-se proceder ao conhecimento do mérito dos pedidos.
III. Questões a decidir
9. Na petição arbitral, o ora Requerente alega, em síntese, que: i) «a liquidação sindicada [...] lavra em dois equívocos [...]: - errónea quantificação de 100% da quota parte do requerente, A..., na propriedade/titularidade do prédio urbano [em causa]; - errónea declaração, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto à inexistência de despesas e encargos respeitantes ao [referido] prédio urbano»; ii) «[a]o Requerente, A..., foi doado, no estado de casado (regime de comunhão de adquiridos) com B..., [...] o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ..., secção E da freguesia de ..., concelho de Loures»; iii) «na constância do matrimónio e com a finalidade da construção de habitação própria e permanente, foi contraído um mútuo bancário pelo Requerente, A... e pelo cônjuge, B..., tendo a obra sido edificada e, por isso, participada à Autoridade Tributária e Aduaneira, dando origem ao artigo urbano [em causa], enquanto bem comum do casal»; iv) «[h]á que tomar o prédio urbano [em causa] como bem comum e como tal deverá ser considerado para efeitos de quaisquer incidências de foro tributário ou fiscal»; v) «dúvida não há que o mútuo contraído por ambos foi para construção de habitação, própria e permanente de ambos e, como decorrência de tal, deverá ser admitida a dedução da amortização havida do empréstimo em causa para construção do imóvel.»
10. Por seu lado, a Requerida alega, em síntese, na sua resposta, que: i) «o bem recebido por doação somente entra na categoria de bem comum quando for doado conjuntamente a ambos os cônjuges (neste caso há uma doação com apenas um donatário), ou quando, doado apenas a um deles, o doador determinar que devem entrar na comunhão»; ii) «[i]n casu, não é identificável face aos documentos presentes nos autos, qualquer determinação do doador, no sentido de ter doado aos então cônjuges o predito prédio, por forma a este entrar na comunhão»; iii) «[é] o próprio Requerente que reconhece, no ponto 3 da sua p.i., que ao próprio foi doado o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ..., secção E da freguesia de ..., concelho de Loures»; iv) «o Requerente limita-se a alegar, sem contudo lograr comprovar, que, mercê do mútuo bancário contraído por ambos, foi possível edificar a sua habitação própria e permanente, e assim “modificar”, como o próprio referiu, o prédio rústico [em causa]»; v) «os valores despendidos na amortização dos empréstimos contraídos para a construção de habitação própria e permanente não estão abrangidos pela exclusão de tributação prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS. [...]. [...] só a amortização de empréstimo contraído para a aquisição de imóvel era suscetível de ser deduzido ao valor de realização para efeitos de reinvestimento»; vi) «[r]esulta da letra da lei [art. 10.º, n.º 5, do CIRS] a referência, expressa e taxativa, à amortização de empréstimo contraído para efeitos de aquisição de imóvel, e não para a sua construção, pelo que o valor do capital em dívida de empréstimo contraído para a construção do imóvel gerador da mais-valia não pode ser excluído de tributação nos termos do regime supra citado.»
11. Pelo exposto, conclui-se que as questões essenciais a decidir nos presentes autos, para fins de apuramento da legalidade da liquidação de IRS ora em causa, são as seguintes: i) apurar se, atendendo à factualidade constante dos presentes autos, um bem imóvel doado na constância de matrimónio celebrado sob o regime legal de comunhão de adquiridos deve ser considerado um bem próprio do donatário ou antes um bem comum do casal; ii) apurar se o valor relativo à amortização de empréstimo contraído para a construção de imóvel é susceptível de ser deduzido ao valor de realização para efeitos de reinvestimento.
IV. Fundamentação
IV.1. Matéria de facto
12. Com relevância para a decisão, consideram-se assentes e provados os seguintes factos:
A. Segundo a certidão da ... Conservatória do Registo Predial de Loures, designadamente através da AP. 33 de 12/3/2003, foi registada a aquisição da propriedade do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ..., secção E da freguesia de ..., concelho de Loures, por doação, a favor do Requerente (A...), casado à data com B..., sob o regime de comunhão de adquiridos (v. certidão predial apensa aos autos). A 28/11/2018, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento (v. Acta de conferência do processo de divórcio apensa).
B. Na Escritura de Compra e Venda do referido prédio, escritura celebrada a 17/2/2021, apenas o ora Requerente consta da mesma como Primeiro Contratante (vendedor do imóvel), «com o registo de aquisição a favor do Primeiro Contratante pela inscrição AP. 33 de 2003/03/12, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... da União das freguesias de ... e ..., com o valor patrimonial de 96.902,05 Euros» (v. Escritura de Compra e Venda apensa aos autos).
C. Através da AP. 3409 de 19/2/2021, foi registada a aquisição da propriedade do imóvel acima referido, constando unicamente como Sujeito Passivo o ora Requerente (vd. supra referida certidão predial apensa). Anteriormente à alienação acima referida, da matriz predial urbana constava apenas a identificação do ora Requerente como proprietário da totalidade do mesmo.
D. Segundo informação da Requerida (§11 da resposta), do registo de declarações de rendimentos de B... não consta a alienação onerosa do prédio acima referido.
E. Segundo a cláusula primeira, n.º 1, da escritura de mútuo com hipoteca de 9/3/2004 (que se encontra apensa aos autos), o ora Requerente e B... «recebem [a quantia aí indicada], a título de empréstimo, para construção de um fogo no imóvel adiante hipotecado». Na mesma escritura (cláusula terceira, n.º 1) pode ler-se, ainda, que «o mutuário constitui [...] hipoteca [sobre esse imóvel], [...] [que tem] registada a aquisição a favor do mutuário nos termos da inscrição G-três, inscrito na [...] matriz sob o artigo ..., da Secção E».
F. Segundo informação do ora Requerente (§9 da p.i.), «após a amortização do encargo hipotecário no valor de €72.674,72 [...], foram entregues pelo comprador dois cheques (doc. n.º 3): - o cheque bancário n.º..., no valor de €163.395,53 [...], emitido a favor do Requerente A...; - o cheque bancário n.º ..., no valor de €74.430,35 [...], emitido a favor de B...».
G. Na sequência de procedimento de divergências, foi corrigida a liquidação de IRS do ora Requerente, relativa ao ano 2021, considerando-se, no Anexo G, os seguintes elementos referentes ao imóvel ...-U-..., ora em causa: - Realização (ano 2021, mês 1) – 345.000,00 / Aquisição (Ano 2006, mês 6) – 95.470,00 / Despesas 10.608,75 / Intenção de Reinvestimento: - Valor de Realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito) – 180.000,00 / Valor de Realização reinvestido no ano da declaração após a data da alienação (sem recurso ao crédito) – 180.000,00 (v. PA 5 apenso aos autos).
H. A 13/1/2023, foi emitida a liquidação oficiosa de IRS n.º 2023..., referente ao período de 2021, no montante a pagar de €20.879,62 (v. liquidação e PA9 apensos).
I. Inconformado, o ora Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 8/3/2023.
IV.2. Factos não provados
13. Inexistem factos não provados com relevo para a apreciação da causa.
IV.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
14. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
15. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
16. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos que foram juntos aos autos, não contestados.
IV.4. Matéria de Direito
IV.4.1. Primeira Questão
17. Quanto à primeira questão – que é a que visa apurar, à luz da factualidade constante dos autos, se um bem imóvel doado na constância de matrimónio celebrado sob o regime legal de comunhão de adquiridos deve ser considerado um bem próprio do donatário ou antes um bem comum do casal – o ora Requerente alega, em síntese, o seguinte: i) que «a liquidação sindicada [...] lavra em dois equívocos [...]: - errónea quantificação de 100% da quota parte do requerente, A..., na propriedade/titularidade do prédio urbano [em causa]; - errónea declaração, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto à inexistência de despesas e encargos respeitantes ao [referido] prédio urbano»; ii) que «[a]o Requerente, A..., foi doado, no estado de casado (regime de comunhão de adquiridos) com B..., [...] o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ..., secção E da freguesia de ..., concelho de Loures»; iii) que, «na constância do matrimónio e com a finalidade da construção de habitação própria e permanente, foi contraído um mútuo bancário pelo Requerente, A... e pelo cônjuge, B..., tendo a obra sido edificada e, por isso, participada à Autoridade Tributária e Aduaneira, dando origem ao artigo urbano [em causa], enquanto bem comum do casal»; iv) que «[h]á que tomar o prédio urbano [em causa] como bem comum e como tal deverá ser considerado para efeitos de quaisquer incidências de foro tributário ou fiscal».
18. Por seu lado, a Requerida alega, em síntese, na sua resposta, que: i) «o bem recebido por doação somente entra na categoria de bem comum quando for doado conjuntamente a ambos os cônjuges (neste caso há uma doação com apenas um donatário), ou quando, doado apenas a um deles, o doador determinar que devem entrar na comunhão»; ii) «[i]n casu, não é identificável face aos documentos presentes nos autos, qualquer determinação do doador, no sentido de ter doado aos então cônjuges o predito prédio, por forma a este entrar na comunhão»; iii) «[é] o próprio Requerente que reconhece, no ponto 3 da sua p.i., que ao próprio foi doado o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ..., secção E da freguesia de..., concelho de Loures»; iv) «o Requerente limita-se a alegar, sem contudo lograr comprovar, que, mercê do mútuo bancário contraído por ambos, foi possível edificar a sua habitação própria e permanente, e assim “modificar”, como o próprio referiu, o prédio rústico [em causa]».
19. Vejamos, então.
20. A primeira questão em causa nestes autos é a de saber se, dada a factualidade constante dos autos, um bem imóvel doado na constância de matrimónio celebrado sob o regime legal de comunhão de adquiridos deve ser considerado um bem próprio do donatário ou um bem comum do casal.
21. Segundo o Requerente, o prédio urbano aqui em causa, tendo-lhe sido doado, «no estado de casado (regime de comunhão de adquiridos) com B...», e tendo havido, «na constância do matrimónio e com a finalidade da construção de habitação própria e permanente, [...] [a celebração de] um mútuo bancário» por ambos, permite que se considere que tal prédio, «assim “modificado”, tem a inequívoca dignidade de bem comum e como tal deverá ser tratado, tanto na vertente civilística, como na perspectiva tributária, no que concerne à incidência do tributo por mais-valias.» Acrescenta o Requerente, em abono da sua posição, a decisão que foi proferida a 18/5/2017 (no proc. 387/15.0T8FAF.G1) pelo Tribunal da Relação de Guimarães, segundo a qual «“Tendo, na vigência do casamento celebrado no regime de comunhão de adquiridos, sido doada ao cônjuge marido uma parcela de terreno, no valor de 5.000,00€, e tendo o casal, com recurso a empréstimo bancário, contraído por ambos, no valor de 65.000,00€, nela edificado uma casa de habitação de rés-do-chão e andar, no valor de 117.100,00€, que, enquanto perdurou o consórcio, foi utilizada como morada de família, o bem assim modificado – prédio urbano – passou a ser comum, nos termos do art.º 1726.º do Código Civil, e como tal deve ser partilhado.”».
22. Em face dessa decisão judicial, o Requerente conclui que «trato diferenciado» de questão «exactamente igual à questão [por si] sindicada [...] não será, nunca, admissível»; pelo que, em consequência, «[h]á que tomar o prédio urbano [em causa] como bem comum e como tal deverá ser considerado para efeitos de quaisquer incidências de foro tributário ou fiscal».
23. Contudo, atendendo à factualidade constante dos presentes autos, verifica-se que não assiste razão ao ora Requerente, uma vez que: i) nos termos do disposto no art. 1722.º, n.º 1, al. b), do Código Civil, são bens próprios dos cônjuges casados em regime de comunhão de adquiridos, os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação – sendo que, atendendo à certidão da ... Conservatória do Registo Predial de Loures, verifica-se que a aquisição por doação da propriedade em causa foi registada a favor apenas do ora Requerente (vd. ponto A da factualidade provada); ii) através da AP. 3409 de 19/2/2021, foi registada a aquisição da propriedade do imóvel referido, constando unicamente como Sujeito Passivo o ora Requerente (vd. certidão predial apensa aos autos); iii) como se refere no ponto B da factualidade provada, na Escritura de Compra e Venda do referido prédio, escritura celebrada a 17/2/2021, apenas o ora Requerente consta da mesma como Primeiro Contratante (vendedor do imóvel), “com o registo de aquisição a favor do Primeiro Contratante pela inscrição AP. 33 de 2003/03/12, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... da União das freguesias de ... e ..., com o valor patrimonial de 96.902,05 Euros” (vd. Escritura de Compra e Venda apensa aos autos).
24. Nestes termos, verifica-se que todos os elementos constantes dos autos apontam para que o imóvel em causa seja bem próprio do ora Requerente, uma vez que, como se disse, nos termos do referido artigo 1722.º, n.º 1, al. b), do Código Civil, os bens que tenham sido destinados ao donatário pelo doador são bens próprios daquele.
25. Note-se que a tal conclusão não obsta o facto, alegado pelo Requerente, de ter sido contraído um mútuo para construção de uma habitação própria e permanente no prédio urbano referido, e de o mesmo ter sido utilizado para casa de morada de família, visto que, atendendo ao disposto no art. 1729.º do Código Civil, nem nesse facto, nem em qualquer outro constante destes autos, se vislumbra uma vontade do doador em doar ao casal e não apenas ao Requerente. Com efeito, e como se estabelece no n.º 1 do referido art. 1729.º, «Os bens havidos por um dos cônjuges por meio de doação [...] entram na comunhão, se o doador ou testador assim o tiver determinado; entende-se que essa é a vontade do doador ou testador, quando a liberalidade for feita em favor dos dois cônjuges conjuntamente.» Daqui se conclui, à luz do referido artigo do Código Civil, que um bem recebido por doação só será considerado como bem comum quando for doado conjuntamente a ambos os cônjuges (e, no caso destes autos, há uma doação com apenas um donatário) ou, ainda, quando, tendo um bem sido doado apenas a um deles, o doador determine que esse mesmo bem deve entrar na comunhão.
26. Ora, como se disse, e como admite o próprio Requerente, no §3.º da sua p.i., o imóvel ora em causa não foi doado a ambos os cônjuges (vd., também, AP. de 12/3/2003); por outro lado, deve lembrar-se que nenhum facto consta, ou foi alegado e demonstrado pelo ora Requerente, que permita ao Tribunal vislumbrar qualquer determinação, da parte do doador, no sentido de que este tenha doado o bem com o propósito de que o mesmo ingressasse na comunhão.
27. Note-se, por outro lado, que, mesmo tendo presente a linha de argumentação constante da decisão judicial invocada pelo ora Requerente, não foi apresentada prova nos autos de que o mútuo bancário (contraído por ambos os cônjuges) permitiu edificar a sua habitação própria e permanente e, nessa medida, «“modificar”» (como refere o Requerente, seguindo a expressão utilizada na decisão do Tribunal da Relação de Guimarães) o prédio em causa. Com efeito, da escritura de mútuo com hipoteca, apensa aos autos e mencionada no ponto E da factualidade provada, não é possível saber, nomeadamente, qual o valor monetário – presumidamente feito através da entrega de dinheiro de ambos os cônjuges – despendido nas obras realizadas tendo em vista a referida edificação, para efeitos de aplicação do disposto no invocado n.º 1 do artigo 1726.º do Código Civil. Acresce, ainda, que – como já se assinalou acima – na Escritura de Compra e Venda do referido prédio, escritura celebrada a 17/2/2021, apenas o ora Requerente consta da mesma como Primeiro Contratante (vendedor) do imóvel em causa. E é também de notar: i) que, como se assinala no ponto D da factualidade provada, segundo informação da Requerida (vd. §11), do registo de declarações de rendimentos de B... não consta a alienação onerosa do prédio em causa; ii) o facto do próprio Requerente admitir (vd. §9.º p.i.) que, após a amortização do encargo hipotecário, foi entregue pelo comprador um cheque «a favor de B...» – sendo o mesmo de valor inferior a metade do valor do cheque emitido a favor do Requerente (vd. ponto F da factualidade provada).
28. Em suma: embora o ora Requerente invoque, em sua defesa, a referida decisão judicial, há elementos nos autos que permitem concluir que o imóvel em causa foi sempre considerado como um bem próprio do Requerente, dado que: como se disse, a alienação onerosa do mesmo não consta da declaração de rendimentos de B...; e a admitida entrega do referido cheque bancário pelo comprador à ex-cônjuge do Requerente revela uma actuação conforme com tal entendimento (cabendo, assim, à ex-cônjuge a compensação por benfeitorias efectuadas nesse bem – nomeadamente, por força da edificação da casa de morada de família com recurso a crédito para construção da mesma, subscrito pelos na altura cônjuges). Se, pelo contrário, se sustentar a tese da invocada decisão judicial (que, acrescente-se, não tem de ser acolhida aqui porque o que na mesma estava em causa era a determinação da qualificação do bem para efeitos civis e não fiscais), então não se compreende a falta de declaração da alienação onerosa do imóvel por parte da ex-cônjuge na sua declaração de IRS.
IV.4.2. Segunda Questão
29. Quanto à segunda questão, a que visa apurar se o valor relativo à amortização de empréstimo contraído para a construção de imóvel é (ou não) susceptível de ser deduzido ao valor de realização para efeitos de reinvestimento, a posição do ora Requerente é, em síntese, a seguinte: «dúvida não há que o mútuo contraído por ambos foi para construção de habitação, própria e permanente de ambos e, como decorrência de tal, deverá ser admitida a dedução da amortização havida do empréstimo em causa para construção do imóvel.»
30. Na sua resposta, a Requerida alega, em síntese, o seguinte: i) «os valores despendidos na amortização dos empréstimos contraídos para a construção de habitação própria e permanente não estão abrangidos pela exclusão de tributação prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS. [...]. [...] só a amortização de empréstimo contraído para a aquisição de imóvel era suscetível de ser deduzido ao valor de realização para efeitos de reinvestimento»; ii) «[r]esulta da letra da lei [art. 10.º, n.º 5, al. a), do CIRS] a referência, expressa e taxativa, à amortização de empréstimo contraído para efeitos de aquisição de imóvel, e não para a sua construção, pelo que o valor do capital em dívida de empréstimo contraído para a construção do imóvel gerador da mais-valia não pode ser excluído de tributação nos termos do regime supra citado.».
31. Vejamos, então.
32. Como se disse, a segunda questão em causa nestes autos é a de saber se o valor relativo à amortização de empréstimo contraído para a construção de imóvel é (ou não) susceptível de ser deduzido ao valor de realização para efeitos de reinvestimento.
33. Segundo o ora Requerente, tendo o casal contraído «um mútuo para construção do edifício destinado a habitação própria e permanente de ambos (estando aí domiciliados fiscalmente), tendo o mesmo sido vendido sem prejuízo do distrate do encargo hipotecário, [...] deverá ao valor de venda realizado ser deduzido o valor de amortização do referido empréstimo.» Alega, ainda, o ora Requerente que, «[n]o âmbito do quadro jurídico aplicável, sendo contemplado o reinvestimento na aquisição de habitação própria e permanente, bem como a aquisição de terreno para construção e/ou construção de imóvel, para ponderação de mais-valias, haverá, por maioria de razão, que contemplar como encargo adequado a tal as despesas havidas na aquisição de habitação própria e permanente, bem como na aquisição de terreno para construção e/ou construção de imóvel (ver informação vinculativa referente ao reinvestimento na aquisição de terreno para construção – Proc. 1324/2018, Autoridade Tributária)». E conclui dizendo que «dúvida não há que o mútuo contraído por ambos foi para construção de habitação, própria e permanente de ambos e, como decorrência de tal, deverá ser admitida a dedução da amortização havida do empréstimo em causa para construção do imóvel.»
34. Atendendo ao que consta dos presentes autos, conclui-se, no entanto, que não assiste razão ao ora Requerente.
35. Tal conclusão deve-se, em síntese, às seguintes razões: i) a alusão feita pelo ora Requerente à informação vinculativa proferida no referido Proc. 1324/2018 não se mostra adequada ao caso destes autos porque a mesma diz respeito a uma situação de «reinvestimento na aquisição de terreno para construção» – e, como o próprio Requerente refere no §10 da sua p.i., o Requerente reinvestiu na aquisição da propriedade de imóvel para habitação própria e permanente (sendo esse o seu actual domicílio fiscal); ii) nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 5, alínea a), do CIRS, «são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que [...] o valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido» (sublinhado nosso) – o que significa, portanto, que resulta expressamente da letra da lei a referência à dedução da amortização de empréstimo contraído para efeitos de aquisição de imóvel e não para efeitos da sua construção (vd. também, a este respeito, a cláusula primeira, n.º 1, da escritura de mútuo com hipoteca, que foi apensa aos autos: «empréstimo, para construção de um fogo no imóvel adiante hipotecado»), pelo que o valor do capital em dívida de empréstimo contraído para a construção do imóvel gerador da mais-valia não pode ser excluído de tributação.
36. No mesmo sentido, vd., por ex.: «A possibilidade de dedução da amortização do empréstimo contraído para a construção do imóvel alienado para efeitos de tributação, mais favorável, em mais valias, não é permitida. Opõe-se a tal o n.º 5 al. a) do art. 10.º do CIRS [...], que apenas refere a situação de “aquisição do imóvel”, não se expressando relativamente à situação de “construção do imóvel”. Tal referência não sucede por acaso e circunscreve os limites em que pode ser considerada a dedução da amortização de empréstimo que haja sido contraído conforme o seu próprio fim ou destinação, não sendo possível equiparar-se este termo aquisição, [em] termos de significado jurídico, ao conceito de aquisição referida no art, 46.º, n.º 3, do CIRS. Estando em causa a interpretação de normas de exclusão de tributação, as mesmas devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia e evitando também a interpretação extensiva, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação, sendo que as regras interpretativas ditadas pelo art. 9.º, n.º 3 do Código civil determinam que tenhamos de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.» (Acórdão do STA de 18/1/2017, Proc. 0774/14); «A possibilidade de dedução da amortização do empréstimo contraído para a construção do imóvel alienado para efeitos de tributação, mais favorável, em mais valias, não é permitida. Opõe-se a tal o n.º 5 al. a) do art. 10.º do CIRS, que apenas refere a situação de “aquisição do imóvel”, não se expressando relativamente à situação de “construção do imóvel”.» (Decisão arbitral de 16/2/2021, Proc. n.º 454/2020-T).
V. DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:
- Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, determinar a absolvição da Requerida de todos os pedidos, com as devidas consequências legais.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €20.879,62 (vinte mil oitocentos e setenta e nove euros e sessenta e dois cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de €1224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), a pagar pelo Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Notifique-se.
Lisboa, 10 de Novembro de 2023.
O Árbitro
(Miguel Patrício)
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
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