SUMÁRIO
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Impende sobre o Requerente o ónus de demonstrar o valor dos rendimentos e do imposto pago no Reino Unido, para efeitos de atribuição de crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional.
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Tendo o Requerente fornecido elementos de prova do imposto pago, cujo montante divergia da informação transmitida por via eletrónica pelas autoridades fiscais do Reino Unido, cabia à AT, em obediência ao princípio do inquisitório, a realização de diligências adicionais de forma a apurar a verdade material.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Jorge Belchior de Campos Laires, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:
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Relatório
A... e B..., residentes na Rua ..., n.° ..., ...-... Parede ("Requerente"), requereram a constituição de Tribunal Arbitral e deduziram pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra a liquidação de IRS n.º 2020... de 2018 e a demonstração de acerto de contas nº 2022... de 2018, com o valor de € 28.575,14.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 08/03/2023, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT.
O pedido foi comunicado à Requerida no dia 12/03/2023.
Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro singular o signatário em 27/04/2023, sem oposição das partes.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 17/05/2023.
A Requerida foi notificada em 18/05/2023 para apresentar a resposta a que se refere o artigo 17.º do RJAT, o que fez em 21/06/2023.
Em 28/06/2023 a Requerida juntou aos autos documentos comprovativos dos rendimentos conhecidos pela AT, no âmbito da troca automática internacional de informações fiscais, relativamente ao Requerente.
Em 10/07/2023 o Tribunal notificou a Requerida para, no prazo de 10 dias, (a) juntar aos autos cópia do processo administrativo (ii) se digne informar este tribunal sobre teor e significado dos elementos constantes das declarações que juntou com o Requerimento do passado dia 28 de julho, explicando o que significa cada um dos campos da declaração (iii) se digne esclarecer se os valores indicados no ponto 4 da Resposta consistem nos rendimentos que foram considerados pela AT na liquidação oficiosa, e em que medida tais rendimentos têm suporte nos documentos referidos.
Em 05/09/2023 a Requerida juntou aos autos o Processo Administrativo, tendo respondido ao Despacho mencionado acima em 06/09/2023.
Em 19/09/2023 foi proferido Despacho a marcar para o dia 03/10/2023 a reunião a que se refere o artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, incluindo a audição do depoimento de parte requerido pelo Requerente, o que veio a ocorrer nas instalações do CAAD em Lisboa, com a participação via WEBEX da representante da Requerida.
Na Reunião ficou lavrado em ata a notificação do Requerente para, no prazo de 10 dias, proceder à junção aos autos dos comprovativos do pagamento de imposto referentes às declarações fiscais do Reino Unido constantes dos documentos n.° 10 e 11 do PPA e do comprovativo da efetiva entrega do documento n.° 6 à Autoridade Tributária e Aduaneira. O Tribunal notificou ainda Requerente e Requerida para, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, sendo que o prazo para o Requerente e a Requerida começaria a contar com a notificação para junção dos documentos pelo Requerente ou do termo do prazo a este concedido.
Em cumprimento da notificação, em 13/10/2023 o Requerente juntou os documentos solicitados e apresentou alegações a 23/10/2023. A Requerida apresentou alegações a 24/10/2023.
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Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído face ao preceituado nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade.
O presente pedido de constituição de tribunal arbitral tem-se por tempestivo.
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Matéria de Facto
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Factos Provados
Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
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O Requerente (marido) desempenha as funções, enquanto trabalhador dependente, na empresa C...– Sucursal em Portugal (“Empresa”) (cfr. facto alegado pelo Requerente e não contestado pela Requerida).
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No ano de 2018, o Requerente desempenhou a sua atividade profissional fisicamente em Portugal e no Reino Unido (cfr. facto alegado pelo Requerente e não contestado pela Requerida).
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No âmbito das funções desempenhadas em Portugal e no Reino Unido, parte do pagamento da remuneração foi originado no Reino Unido, tendo nesse país sofrido tributação em imposto sobre o rendimento (cfr. facto alegado pelo Requerente, não contestado pela Requerida, resultando igualmente da documentação junta aos autos, conforme explicitado à frente).
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O Requerente permaneceu por um período superior a 183 dias em Portugal em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano de 2018 (cfr. facto alegado pelo Requerente e não contestado pela Requerida).
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O Requerente entregou uma Declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2018, (cfr. Documento n.º 4 junto com o PPA), tendo declarado os rendimentos de trabalho dependente apenas no anexo A, com a seguinte discriminação:
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O Requerente procedeu à entrega de uma Declaração de Substituição Modelo 3 de IRS, do referido ano de 2018 (cfr. Documento n.º 7 junto com o PPA), em que declarou rendimentos nos Anexo A e Anexo J, conforme se discrimina de seguida:
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O Requerente foi notificado pela AT no sentido de: “nos termos do artigo 57.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), está obrigado(a) a apresentar uma declaração Modelo 3 com todos os rendimentos auferidos nesse ano. Verifica-se que entregou a declaração de substituição para o ano de 2018 (... – 2018- ... - ...), pelo que se solicita o envio de documentos comprovativos do valor do Imposto e Contribuições regime proteção social, indicados no anexo J” (cfr. Documento n.º 5 junto com o PPA e Processo Administrativo).
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Em 10/10/2022 o Requerente, através de representante, enviou para o e-mail da Direção de Serviços do IRS resposta à notificação anterior, com a finalidade de prestar os esclarecimentos solicitados pela AT (cfr. documento n.º 6 junto com o PPA e documentação adicional junta pelo Requerente em 13/10/2023).
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O referido e-mail foi encaminhado pela Direção de Serviços para o Serviço de Finanças de Cascais, o qual não foi reencaminhado para a Direção de Finanças de Lisboa, pelo que a Requerida não tomou em consideração os esclarecimentos aí prestados (cfr. indicado pela AT em alegações, que está em consonância com a documentação adicional junta pelo Requerente em 13/10/2023).
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Na resposta aos esclarecimentos solicitados, no documento a que se referem os pontos anteriores, o Requerente prestou os esclarecimentos e apresentou os argumentos idênticos aos prestados/alegados no PPA (cfr. documento n.º 6 do PPA).
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O Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2020... de 2018 e a demonstração de acerto de contas nº 2022 ... de 2018, com o valor a pagar de € 28.575,14 e data-limite de pagamento 12/12/2022 (cfr. documentação junta com o PPA).
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O Requerente procedeu ao pagamento desse valor em 05/12/2022 (cfr. documento n.º 3 do PPA).
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O ano fiscal do Reino Unido inicia-se em 06 de abril de determinado ano civil até 05 de abril do ano civil seguinte (facto alegado por ambas as partes).
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Relativamente ao ano fiscal do Reino Unido de 2017/2018, o Requerente pagou o montante de 1.397,40 Libras e suportou retenção na fonte no valor de 49.845 Libras, totalizando 51.242,40 Libras de imposto (cfr. documentação junta com o PPA e a secção 3 do presente capítulo).
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Relativamente ao ano fiscal do Reino Unido de 2018/2019, o Requerente pagou o montante de 42.019,40 Libras e suportou a retenção na fonte de 1.845 Libras, totalizando 43.864,40 Libras de imposto (cfr. documentação junta com o PPA e a secção 3 do presente capítulo).
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Estes valores de imposto correspondem a rendimentos originados no Reino Unido de 144.856 Libras e 126.911 Libras para os anos de 2017/2018 e 2018/2019, respetivamente (cfr. documentação junta com o PPA e a secção 3 do presente capítulo).
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Os montantes inscritos pelo Requente no anexo J da declaração modelo 3 consistem na proporção efetuada devido ao desfasamento temporal entre os anos fiscais do Reino Unido e Portugal (facto alegado pelo Requerente e não contestado pela Requerida).
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Através da aplicação SITI (Sistema Integrado de Trocas de Informação), as autoridades fiscais do Reino Unido comunicaram à AT que o Requerente obteve: (i) no ano de 2017/2018, rendimentos no valor de 152.871,73 Libras, tendo suportado imposto de 49.844,80 Libras; (ii) no ano de 2018/2019, rendimentos de 21.081,36 Libras, tendo suportado imposto de 1.844,40 Libras (cfr. Processo Administrativo).
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O Requerente suportou contribuições para a segurança social em Portugal no valor de € 12.867,01, que foram repartidas, proporcionalmente, entre os valores de rendimento reportados nos anexos A e J da declaração de IRS modelo 3 (cfr. documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o PPA).
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Factos não Provados
Não existem factos não provados com relevância para a decisão.
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Motivação da Decisão de Facto
A convicção do Tribunal fundou-se nas alegações das partes, incluindo as declarações de parte prestada na reunião do dia 03/10/2023, e na análise crítica da prova documental junta aos autos, incluindo aquela que foi solicitada pelo Tribunal, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.
Na apreciação da matéria de facto foi tomado em consideração o disposto no n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (aplicável por força do artigo 29.º do RJAT), segundo o qual “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Para a decisão do presente processo têm especial relevância os factos dados como provados em N, O e P da secção 1 do presente capítulo, na medida em que a liquidação operada pela Requerida teve por base as informações recebidas das autoridades fiscais do Reino Unido relativamente ao imposto aí pago pelo Requerente, cujo montante diverge do declarado pelo Requerente.
Vejamos:
No ano de 2017/2018 o Requerente declara ter recebido um valor de 144.856 Libras, sendo que a informação que a AT obteve é de que esse rendimento foi de 152.871,73 Libras. Enquanto o Requerente declara ter suportado retenção na fonte no valor de 49.844,80 Libras e pago adicionalmente o montante de 1.397,40 Libras (totalizando 51.242,40 Libras), as informações que a AT possui é de que o imposto pago foi de 49.844,80 Libras, valor esse que coincide com o valor que o Requerente declara ter sofrido a título de retenção na fonte. De onde se conclui que a informação recebida pela AT, muito provavelmente, não inclui o valor de 1.397,40 Libras que o Requerente alega ter suportado adicionalmente.
No ano de 2018/2019 o Requerente declara ter recebido um valor de 126.911 Libras, sendo que a informação que a AT obteve é de que esse rendimento foi de 21.081,36 Libras. O Requerente declara que suportou a retenção na fonte de 1.844,40 Libras e que pagou adicionalmente o imposto de 42.019,40 Libras. A informação que a AT possui é de que o imposto pago foi de 1.844,40 Libras, e, também aqui, se verifica que esse valor coincide com o valor que o Requerente declara ter sofrido a título de retenção na fonte.
Mais uma vez se conclui, face ao ano de 2018/2019, que a informação recebida pela AT, muito provavelmente, só inclui o valor retido na fonte, e não o valor que o Requerente alega ter suportado adicionalmente, isto é, 42.019,40 Libras.
A informação fornecida pela Requerida advém de um ficheiro proveniente do Reino Unido recebido “através da rede comum de comunicações (CCN) desenvolvida pela União Europeia para assegurar todas as transmissões seguras por via eletrónica entre autoridades competentes nos domínios aduaneiro e fiscal”.
Pese embora se trata de informação fornecida por uma autoridade fiscal, conforme frisa a Requerida, não houve, na verdade, qualquer controlo adicional sobre a fidedignidade da mesma, nem a AT procurou confrontar os dados recebidos com os declarados pelo Requerente, designadamente questionando as autoridades fiscais no Reino Unido sobre a divergência (muito relevante) no ano de 2018/2019 entre o montante que o Requerente declara ter sido originado e tributado no Reino Unido e o montante comunicado pelas autoridades fiscais desse país.
Na verdade, e conforme resultou provado na matéria de facto, a AT nem sequer ponderou as justificações dadas pelo Requerente, uma vez que a resposta do Requerente às divergências não foi (por lapso admitido pela Requerida) reencaminhada para a Direção de Finanças de Lisboa, pelo que a AT não tomou em consideração os esclarecimentos aí prestados.
No que se refere à informação fornecida pelo Requerente, confrontando os rendimentos recebidos e o imposto alegadamente pago, percebe-se uma carga efetiva de tributação de cerca de 35% em ambos os anos, pelo que há consistência entre os rendimentos declarados e o imposto sofrido.
Adicionalmente, admite-se que no Reino Unido opere, tal como em Portugal, um sistema de retenção na fonte com natureza de pagamento por conta, sendo depois acertada a importância a pagar com a declaração anual de rendimentos. Não se afigura claro, nem o Requerente soube explicar, apesar de questionado pelo Tribunal, porque é que no exercício de 2018/2019 pagou imposto de 42.019,40 Libras e a retenção na fonte sofrida foi apenas de 1.844,40 Libras.
Assim, importa confrontar as alegações do Requerente com a documentação presente nos autos.
O Requerente apresenta as suas declarações fiscais entregues no Reino Unido, consistindo numa impressão extraída do sistema das autoridades fiscais do Reino Unido (“HMRC”). Efetivamente, quanto aos anos em causa, os rendimentos e retenções na fonte declarados coincidem com os valores indicados pelo Requerente (páginas 12 das declarações juntas como documento n.º 10 do PPA). A documentação inclui ainda uma folha para cada ano com o cálculo do imposto devido, coincidente com o que o Requerente declara ter pago, que, segundo declarações do Requerente, é elaborada pelos seus consultores fiscais, a sociedade D... do Reino Unido.
Quanto ao adicional pago, o Requerente, depois de convidado para tal pelo Tribunal, apresentou uma impressão com os dados do pagamento dos valores pagos a título de “balancing payment”, que aparenta ter sido extraída do sistema do HMRC pelos consultores fiscais do Requerente.
A Requerida considera que esta documentação não é suficiente para a prova dos factos, dizendo, quanto à prova de pagamento, “tratar-se de um documento de 03/10/23, elaborado pela D... London, o qual não consta assinado ou sequer refere o responsável pela emissão do mesmo, nem contém qualquer referência ou tão-pouco vem acompanhado dos elementos, devidamente certificados, a partir dos quais foi retirada e tratada a informação aí contida, cujo teor se impugna por não constar devidamente demonstrada”.
Importa, porém, relacionar a informação fornecida com a restante documentação e alegações do Requerente, sendo de concluir que existe coerência entre a documentação, taxa efetiva de imposto e cálculos apresentados pelo consultor fiscal do Requerente.
Pelo exposto, formou-se a convicção no Tribunal, com suficiente grau de certeza, que efetivamente o Requerente recebeu da empresa no Reino Unido os valores que declarou ter recebido, e aí pagou o imposto que declarou ter pago.
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Matéria de Direito
As questões em causa no presente processo são duas, sendo que a primeira se refere ao montante de imposto pago no Reino Unido inscrito pela Requerente na sua declaração de rendimentos, em que a Requerida pretende que seja o valor que lhe foi comunicado pelas autoridades fiscais do Reino Unido, pretensão essa que está na base do valor de IRS que foi liquidado ao Requerente.
Conforme explicado, a convicção do Tribunal é de que o Requerente suportou o imposto por ele declarado.
Em todo acaso, acresce ainda o facto de a Requerida, após ter recebido a documentação fornecida pelo Requerente, não ter cuidado de averiguar junto das autoridades fiscais do Reino Unido a respetiva veracidade, conforme estava obrigada, face ao disposto no artigo 58.º da Lei Geral Tributária (princípio do inquisitório), segundo o qual “a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.
Na verdade, conforme alegado pela Requerida, a documentação fornecida pelo Requerente não foi, por lapso da Requerida, devidamente analisada, mas essa circunstância não a exime de obedecer ao aludido princípio.
Conforme escreve Lima Guerreiro: “a não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, com a consequente violação do princípio do inquisitório, é fundamento de ilegalidade do ato tributário ou em matéria tributária”. (cfr. Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, pág. 266).
E cumpre notar que o princípio do inquisitório não significa uma inversão do ónus da prova para a AT quanto aos montantes pagos a título de imposto no Reino Unido, uma vez que este recai sempre sobre o Requerente, mas tão só que, face aos elementos fornecidos pelo Requerente, cabia à AT efetuar as diligências necessárias para a descoberta da verdade material Conforme se escreve no Acórdão do STA de 21/10/2009 (Processo nº 0583/09), “o princípio do inquisitório situa-se a montante do ónus de prova”.
No caso concreto, a liquidação de IRS teve por base o facto de a AT ter atribuído maior credibilidade à informação recebida do Reino Unido do que à declaração e prova apresentada pelo Requerente. Acresce que, conforme o exercício feito por este Tribunal, e que facilmente poderia ter sido feito pela Requerida, ao confrontar as declarações do Requerente e a informação recebida pela AT do Reino Unido, verifica-se que a divergência respeita ao imposto pago adicionalmente, uma vez que coincidem nas retenções na fonte.
Exigia-se assim que a AT contactasse as autoridades do Reino Unido no sentido de confirmar, ou não, as alegações do Requerente. Tal diligência, além de não constituir um ónus excessivo para a AT, seria um controlo adicional necessário face a uma informação que, a bem da verdade, é transmitida por ficheiro eletrónico, sujeito a erros, quer na execução, quer na própria fonte, não sendo inverosímil que a informação processada se limite aos valores deduzidos a título de retenção na fonte, daí a divergência.
Assim sendo, a questão fica decidida, uma vez que a Requerida não põe em causa que os montantes pagos a título de imposto sobre o rendimento no Reino Unido conferem, nos termos do artigo 81.º do Código do IRS, um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, dedutível, dentro das condições e limites da norma citada, no IRS devido em Portugal sobre esses mesmo rendimentos.
Há ainda uma segunda questão levantada pela Requerida e que influencia igualmente a liquidação controvertida, que é o facto de, na visão da Requerida, o Requerente não ter demonstrado que suportou, no Reino Unido, as contribuições para a segurança social que declarou no Anexo J.
Porém, conforme alegado e provado pelo Requerente, trata-se de contribuições devidas em Portugal e não no Reino Unido, tendo o Requerente se limitado, corretamente, a distribuir esse encargo, proporcionalmente, pelos rendimentos declarados nos Anexos A e J.
Do pedido de juros indemnizatórios
Em resultado do pedido de anulação da liquidação de IRS em causa, a Requerente pede que lhe seja reembolsado o montante de imposto e juros indevidamente pago, bem como a atribuição de juros indemnizatórios.
Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Tem de concluir-se, face ao julgado, ter havido erro imputável à AT, pelo que deve ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios, contáveis desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º1, alínea a), do RJAT, calculados sobre a quantia indevidamente paga pela Requerente, à taxa dos juros legais, em conformidade com o disposto nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, ambos da LGT.
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Decisão
De harmonia com o exposto, decide o Tribunal Arbitral:
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Julgar totalmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação em causa, condenando a AT ao reembolso do valor que, em resultado da referida anulação, se deva considerar como indevidamente pago.
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Condenar a AT a pagar juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido pelo Requerente até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
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Valor do Processo
Nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, quando seja impugnada a liquidação o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende. Fixa-se como valor do processo o indicado pela Requerente de € 28.575,14.
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Custas
Custas no montante de € 1.530,00, a cargo da Requerida, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 10 de novembro de 2023
O Árbitro,
Jorge Belchior de Campos Laires