Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 236/2014-T
Data da decisão: 2015-05-04  IRC  
Valor do pedido: € 1.756.550,28
Tema: IRC – Dedutibilidade de gastos; ajustamentos em Sales Type Lease ou Leasing Adjustments
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

Os árbitros Doutor Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Professor Doutor António Martins e Dr. João Menezes Leitão (árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 12.5.2014, acordam no seguinte:

 

I. Relatório

 

1. A, SA, pessoa colectiva n.º …, com sede na … Amadora (a seguir a Requerente), apresentou em 06.03.2014, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT), pedido de pronúncia arbitral, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), no qual indicou como “actos tributários objecto do pedido” as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e de juros compensatórios n.º 2012 …, no valor total de €1.230.312,37, respeitante ao exercício de 2008, n.º 2012 …, no valor total de €51.318,26, respeitante ao exercício de 2009 e n.º 2012 …, no valor total de €564.879,38, respeitante ao exercício de 2010.

 

2. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Doutor Jorge Lino Alves de Sousa, como árbitro-presidente, e o Professor Doutor António Martins e o Dr. João Menezes Leitão, como árbitros-vogais, que aceitaram o encargo.

Por despacho de 3.11.2014 do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em atenção ao facto de o Senhor Conselheiro Doutor Jorge Lino Alves de Sousa se encontrar impossibilitado temporariamente, por motivos de saúde, para o exercício das respectivas funções, foi designado o Senhor Conselheiro Doutor Jorge Lopes de Sousa para desempenhar, em regime de substituição, as funções de árbitro-presidente, substituição que veio a cessar em 3.12.2014, conforme despacho dessa data do Senhor Presidente do Conselho Deontológico.

Posteriormente, por despacho de 4.2.2015, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico, verificando que o Conselheiro Doutor Jorge Lino Alves de Sousa se encontrava incapacitado, por motivo de doença, para o desempenho das funções de árbitro-presidente do tribunal colectivo, deu por findo o respectivo mandato e designou, em sua substituição, como árbitro-presidente, o Senhor Conselheiro Doutor Jorge Lopes de Sousa.

 

3. Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 12.05.2014.

 

4. No seu requerimento de pronúncia arbitral (a seguir petição inicial ou PI), a Requerente, em relação às liquidações adicionais acima mencionadas, invocou apenas a ilegalidade das correcções que se identificam no quadro abaixo (que é apresentado no art. 135.º da PI por referência ao Relatório de Inspecção Tributária junto como doc. n.º 7 à mesma PI):

 

 

Relatório

Adm. Tributária

2008

2009

2010

III.2.3.1

Acerto contas Depósitos à Ordem

 

64.533,77

 

III.2.4

Provisões clientes

 

 

 

 

B

- 1.156,74

- 486,53

C

5.065,25

 

III.2.5

Abate existências

641.453,13

 

 

III.2.6

Sales Type Lease

908.752,00

401.752,00

52.752,00

III.2.7

Saldos de clientes

3.572.245,29

 

 

                                Total dos ajustamentos

5.122.450,42

471.351,02

52.265,47

                               Tributação autónoma

 

32.266,89

 

 

 

A Requerente concluiu a sua PI pedindo:

“a) A anulação dos atos de liquidação adicional abrangendo IRC e Juros compensatórios;

b) A devolução das quantias indevidamente liquidadas que foram pagas pela requerente”.

Para além disto, no art. 138.º da sua PI, a Requerente consignou que, às quantias indevidamente liquidadas, “deve acrescer indemnização calculada à taxa dos juros indemnizatórios sobre o valor total dos valores liquidados e pagos a mais”.

 

5. Por despacho de 15.04.2014, comunicado ao CAAD em 22.04.2014, o Director-Geral da AT, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 13.º do RJAT, procedeu à revogação parcial do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2012 …, no valor total de € 1.230.312,37, relativo ao exercício de 2008, na parte em que o mesmo se mostrava determinado pela correcção, no valor de € 641.453,13, atinente ao abate de existências que ocorreu no exercício de 2008.

A Requerente pronunciou-se, por requerimento apresentado em 2.5.2014, sobre esta revogação parcial da liquidação adicional n.º 2012 …, tendo declarado:

- aceitar a mencionada revogação parcial;

- manter interesse na manutenção do pedido formulado relativamente à indemnização calculada à taxa dos juros indemnizatórios sobre o valor total dos valores liquidados e pagos a mais respeitante ao abate de existências no exercício de 2008;

- manter interesse “no prosseguimento do procedimento relativamente ao restante pedido de anulação dos actos de liquidação adicional abrangendo IRC e Juros Compensatórios, bem como a devolução das quantias indevidamente liquidadas que foram pagas pela Requerente”.

Em face desta revogação parcial e da sua aceitação pela Requerente ficou prejudicada a apreciação por este Tribunal das alegações atinentes à correcção relativa ao abate de existências que constam dos arts. 60 a 89 da PI.

 

6. A AT apresentou resposta, em que concluiu pedindo o seguinte:

“1) a Entidade Requerida ser absolvida da instância – cf. alínea e) do n.º 1 do art. 278.º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi artigo 29º, n.º 1, alínea e) do RJAT, por se verificar a excepção de intempestividade do pedido formulado (conducente à declaração de ilegalidade do ato e, consequentemente à sua anulação); Sem conceder,

2) o presente Pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.

 

7. Em 30.6.2014, conforme consta da pertinente ata, teve lugar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo o Tribunal Arbitral decidido, por poder obstar ao conhecimento do mérito da causa, proferir autónoma decisão interlocutória sobre a questão exceptiva suscitada pela Requerida quanto à intempestividade do pedido formulado.

 

8. Por acórdão intercalar de 25 de Julho de 2014, que aqui se dá por reproduzido, em atenção ao facto de a Requerente ter deduzido reclamação graciosa em 19.4.2013 em relação àquelas liquidações, que foi objecto de indeferimento por decisão do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa de 29.11.2013, notificada à Requerente em 6.12.2013, e por se dever considerar, mediante adequada interpretação da PI e com recurso à figura do pedido implícito, que esta decisão de indeferimento constitui igualmente objecto de pretensão de apreciação da sua legalidade, o Tribunal julgou improcedente a questão prévia suscitada de extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral e determinou o prosseguimento dos autos.

 

9. Em 30.9.2014, conforme consta da competente ata, procedeu-se à produção de prova testemunhal, com inquirição das testemunhas D, técnica oficial de contas da Requerente desde 2008, e E, Director Financeiro da Requerente, arroladas pela Requerente, e da testemunha F, Inspectora Tributária, arrolada pela Requerida.

As partes apresentaram, seguidamente, alegações escritas sucessivas.

 

10. Em face da substituição, acima mencionada, do Presidente do presente Tribunal arbitral colectivo, por despacho de 6.3.2015 foi determinada a repetição da prova testemunhal produzida, dada a sua potencialidade para influenciar a decisão final, e determinada a prorrogação, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, do prazo para a decisão para o dia 12.5.2015.

Nestes termos, em 15.4.2015, conforme a competente ata, procedeu-se a nova inquirição das testemunhas D, E e F.

 

11. Na sequência desta inquirição, foi solicitada pela Requerente prazo para produção de documentação adicional.

O Tribunal, em atenção aos princípios da livre determinação das diligências de produção de prova (art. 16.º, al. e) do RJAT), da oficialidade e da investigação ou inquisitório (art. 13.º, n.º 1 do Código de Procedimento de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al a) do RJAT; cfr. ainda art. 99.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT)), deferiu o requerido, pelo prazo de cinco dias, com subsequente prazo de vista da Requerida, devendo ainda as partes, se o pretenderem, apresentarem, nos mesmos prazos, alegações complementares.

A Requerente procedeu, em consequência, à junção aos autos de 15 documentos e formulou alegações complementares. Por seu turno, a Requerida respondeu em alegações complementares subsequentes, procedendo, igualmente, à junção aos autos de 5 documentos.

 

II. Saneamento

 

12. O Tribunal arbitral é competente para julgar o pedido de pronúncia arbitral (art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), e mostram-se devidamente representadas.

Não ocorrem nulidades e a questão exceptiva suscitada pela Requerida foi já resolvida pelo acórdão intercalar proferido em 25.7.2014.

 

13. Refira-se, ainda, que, nas alegações complementares de 20.4.2015 (ponto n.º 2), a Requerente veio invocar, pela primeira vez nos autos, que “[n]o âmbito da acção inspectiva, a Requerida adoptou um procedimento excessivamente informal que não lhe permitiu apresentar um registo fidedigno da documentação solicitada, da documentação entregue e da documentação alegadamente não disponibilizada pela Requerente”, o que suscitou, por parte da Requerida, nas respectivas alegações complementares (ponto n.º 3), a consideração de que a Requerente veio assim “alterar a argumentação aduzida, invocando questões de facto que não são supervenientes e que nunca haviam sido referidas durante a acção inspectiva nem no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, bem como na presente acção arbitral”.

Muito embora a Requerente não proceda à subsunção daquela alegação sobre o procedimento de inspecção tributária a qualquer específico vício de violação de lei dos actos sindicados, observa-se que, não estando em causa factos supervenientes ou de conhecimento superveniente legitimadores da modificação da instância (cfr. arts. 63.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e art. 588.º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do art. 29.º do RJAT), devem ser arguidas no articulado inicial todas as ilegalidades de que se entenda que padece o acto ou actos cuja invalidade se sujeita à apreciação do tribunal (cfr. art. 10.º, n.º 2, al. c) do RJAT), pelo que não tem o Tribunal que se pronunciar sobre eventuais ilegalidades que sejam afloradas ou suscitadas fora dos locais e momentos próprios. De qualquer modo, sempre se acrescente, os documentos n.ºs 1 a 7 juntos pela Requerente com as alegações complementares (que constituem e-mails trocados entre a Inspecção Tributária e a Requerente relativos a pedidos e a respostas quanto à apresentação de documentos no âmbito do procedimento de inspecção) não afectam ou contradizem o que consta do Relatório de Inspecção Tributária (junto como doc. n.º 7 à PI), verificando-se, aliás, que o doc. n.º 4 (e-mail de 8.5.2012) é referido no Relatório de Inspecção Tributária (p. 14) e que o doc. n.º 5 (e-mail de 7.9.2012) já consta mesmo como anexo 7 (pp. 64 verso e seguintes) ao mesmo Relatório de Inspecção Tributária.

Em suma, as questões que cumpre ao Tribunal resolver no âmbito do presente processo são aquelas que resultam dos fundamentos da pretensão da Requerente expostos na PI (cfr. art. 22.º, n.º 2 do RJAT e 123.º, n.º 2 do CPPT) e a cuja enunciação se procede no ponto subsequente.

 

III. Questões a decidir

 

14. Conforme resulta do peticionado pela Requerente na PI e do contraditado pela Requerida na sua resposta, as questões a decidir, em função das disposições legais aplicáveis ratione temporis aos factos, respeitam à legalidade das seguintes correcções à matéria colectável e ao imposto, que determinaram, na parte correspondente, as liquidações adicionais de IRC e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa a elas respeitantes, aqui impugnadas, a saber:

i)                       Ajustamento de €64.533,77, bem como tributação autónoma no valor de €32.266,89, respeitante a regularizações de valores relativos a depósitos à ordem (2009);

ii)                     Não redução do resultado fiscal de 2009 em €1.156,74 e de 2010 em €486,53 em razão de provisões para dívidas de clientes em contencioso, no que concerne à B (2008 a 2010);

iii)                   Ajustamento de €5.065,25 relativo a provisões para dívidas de clientes em contencioso, no que concerne a C (2009);

iv)                   Ajustamentos em “Sales Type Lease” nos montantes de €908.752,00 relativo a 2008, de €401.179,09 relativo a 2009 e de €52.198,84 relativo a 2010;

v)                     Ajustamento de €3.572.245,29 relativo a saldos de clientes (2008).

Vejamos, pois, as questões assim em julgamento em ordem à resolução do litígio sub judice.

 

IV. Fundamentação

 

1. De facto

 

a) Factos provados

 

15. Examinada a prova documental apresentada, o processo administrativo tributário junto (a seguir, PA), e os depoimentos testemunhais produzidos, o Tribunal fixa os factos que se consideram provados nos termos que se seguem:

 

I. A Requerente é uma sociedade de direito português que tem por objecto a distribuição, comercialização e aluguer de equipamento fotográfico, óptico, de vídeo e impressão, acessórios e consumíveis e serviços de manutenção daquele equipamento, que, nos anos de 2008 a 2010, foi detida em 99,9% pela sociedade de direito neerlandês G, BV (facto reconhecido nos arts. 5.º e 6.º da PI e pp. 9-10 do Relatório de Inspecção Tributária, a seguir RIT, junto como doc. n.º 7 à PI e constante igualmente a fls. 17 e seguintes do PA).

II. A Requerente encontra-se enquadrada no regime normal de IVA, com periodicidade mensal, e em sede de IRC é tributada pelo regime geral, com o período de tributação coincidente com o ano civil (RIT, p. 9).

III. A situação da Requerente, anteriormente designada por H, SA, NIF …, resultou das seguintes operações (cfr. a factualidade reconhecido no art. 7.º da PI, acolhida nos arts. 52.º a 55.º da resposta, bem como pp. 10-11 do RIT e projecto de fusão junto como anexo 3 ao RIT, a fls. 49 e segs. do PA):

i) Na sequência de projecto de cisão de agosto de 2006, a sociedade I, SA, NIF …, foi objecto de cisão em duas empresas, a nova J, SA, com o NIF …, e a então denominada L, SA, com o anterior NIF ….

ii) Em Junho de 2007, verificou-se a fusão por incorporação, reportada a 2 de janeiro de 2007, da J, SA, NIF …, na sociedade H, SA, NIF …, tendo esta alterado a sua denominação social para A, SA.

IV. A certificação legal das contas de 31 de Dezembro de 2007 da Requerente, datada de 16 de Julho de 2008, da responsabilidade da M, SROC, SA, foi emitida com escusa de opinião, dela constando o seguinte (cfr. anexo 4 ao RIT no doc. n.º 7 junto à PI; vd. também fls. 61 verso e segs. do PA):

“5 – A informação disponibilizada relativa à valorização de existências que foram incorporadas no activo em resultado da fusão com I, S.A. e que estão registadas em existências em 31 de Dezembro de 2007, pelo valor, líquido de ajustamentos, de aproximadamente 2.1 milhões de euros, não foi suficiente para podermos concluir sobre a sua valorização;

6 - Com base no resultado dos procedimentos de auditoria efectuados à conta de dívidas de terceiros, que em 31 de Dezembro de 2007 totalizam 14.789.155 euros (líquido de ajustamentos de 4.386.119 euros), nomeadamente os pedidos de confirmação de saldo, concluímos que a empresa não tem um controle efectivo sobre as contas a receber, existindo diferenças significativas nas reconciliações de saldos efectuados para quais não é possível determinar o seu efeito nas demonstrações financeiras apresentadas. Como tal, não nos é possível determinar sobre a insuficiência dos ajustamentos para clientes, bem como sobre a recuperabilidade dos impostos diferidos relacionados.

7 – A Empresa mantém contratos de locação com clientes relacionados com aluguer de equipamento e que são contabilizados no imobilizado corpóreo. Até à data não foi recepcionada informação suficiente que nos permitisse concluir sobre a razoabilidade dos valores capitalizados, amortizações relacionadas e reconhecimento de proveitos associados aos contratos de aluguer”.

V. A certificação legal de contas emitida para o exercício de 2008, datada de 16 de Julho de 2009, da responsabilidade da M, SROC, SA, expressa a seguinte reserva e ênfase (cfr. anexo 4 ao RIT no doc. n.º 7 junto à PI; vd. também fls. 63 verso e segs. do PA):

“7 – Por não nos ter sido possível concluir sobre a valorização das existências finais relativas ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2007, não nos é possível determinar em que extensão o custo das vendas reconhecido no exercício, pode estar afectado por eventuais erros de valorização relacionados com exercícios anteriores”;

“ 9 – (…) chamamos à atenção para o facto de a Certificação Legal das Contas relativa ao ano anterior ter sido emitida com escusa de opinião. Por terem sido resolvidas e corrigidas no exercício as situações relevantes sobre as demonstrações financeiras do exercício anterior, as referidas limitações deixaram de ser aplicáveis. A comparabilidade foi afectada por alguns ajustamentos significativos conforme divulgado na Nota Introdutória e nas Notas 40 e 46 do Anexo ao Balanço e à Demonstração dos Resultados”.

VI. O teor da Nota 46 do Anexo ao Balanço e à Demonstração dos Resultados das Demonstrações Financeiras de 2008 da Requerente é o seguinte (cfr. o doc. n.º 15 junto ao requerimento de 20.4.2015 da Requerente):

“Os resultados extraordinários foram bastante afectados pela reversão dos ajustamentos feitos no processo de aquisição da ex-I, nomeadamente Vendas “Sales Type Lease” sobre as quais a A se apropriou das rendas futuras as quais vão sendo revertidas à medida que são facturadas aos clientes. O valor referente a 2007 é 1.428.412 euros”.

VII. A certificação legal de contas emitida para o exercício de 2009, datada de 21 de Maio de 2010, da responsabilidade da M, SROC, SA, expressa a seguinte ênfase no n.º 8 (cfr. anexo 4 ao RIT no doc. n.º 7 junto à PI; vd. também fls. 65 e segs. do PA):

“(…) chamamos à atenção para a divulgação efectuada na nota 40 do Anexo às Demonstrações Financeiras, de ter sido efectuada uma regularização em resultados transitados, relacionada com uma perda de anos anteriores não reconhecida em contas a receber de clientes num montante aproximado de 682 milhares Euros”.

VIII. O ajustamento aludido na nota 46 do Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados respeitante ao exercício de 2008, conforme acima referido no n.º VI, consistiu num desreconhecimento de vendas relacionadas com “Sales Type Lease”, cuja contabilização se traduziu nos seguintes movimentos (cfr. documentos “contabilização dos ajustamento de clientes “Sales Type Lease” em anexo 11 ao RIT, bem como pp. 27-28 do RIT e arts. 96 a 98.º da PI):

- Ano 2008: A débito da conta POC 697 - correcção relativa a exercícios anteriores no montante de € 1.428.412,83 (valor acrescido no campo 224 do Q07 da modelo 22 IRC);

- Ano 2008: A débito da conta POC 7111- Vendas (corresponde à anulação de vendas do exercício) no montante de € 908.752,00;

- Ano 2008: A crédito da conta POC 211. Clientes STL (corresponde à anulação de saldos de clientes) no montante de € 2.337.164,83;

Ano 2009: A débito da conta POC 7111- Vendas (corresponde à anulação de vendas do exercício) no montante de € 401.752,00;

- Ano 2009: A crédito da conta POC 211. Clientes STL (corresponde à anulação de saldos de clientes) no montante de € 401.752,00.

- Ano 2010: A débito da conta POC 7111- Vendas (corresponde à anulação de vendas do exercício) no montante de € 52.752,00;

- Ano 2010: A crédito da conta POC 211. Clientes STL (corresponde à anulação de saldos de clientes) no montante de € 52.752,00.

IX. A Requerente procedeu, em relação ao ano de 2008, a um ajustamento (write off) de clientes, com anulação de saldos de clientes totalmente provisionados, nos seguintes termos (cfr. RIT, respectiva p. 31):

i) Heldback Amount - € 3.542.035,01 (a 31.12.2005 - 3.359.714,97; de 1.1.2006 a 31.12.2006 - 182.320,04) que se traduziu nos seguintes movimentos:

- a crédito da conta POC 2180.x Clientes cobrança duvidosa (corresponde à anulação de saldos de clientes) no montante de € 3.542.035,01.

- a débito da conta POC 28181- Provisões clientes cobrança duvidosa (corresponde à anulação da provisão) no montante de € 3.542.035,01;

ii) Lançamentos 1000690 e 02037050 - € 898.260,47, que se traduziu nos seguintes movimentos:

- nas contas POC, a débito da conta POC 2811.x Ajustamentos de dívidas a receber de clientes em conta corrente (corresponde à utilização da provisão) e crédito da conta 66613 - Provisões dívidas de clientes Abates, no montante de € 898.260,47, lançamento n.º 1000690.

- nas contas POC, a débito da conta POC da conta 66613 - Provisões dívidas de clientes Abates, no montante de € 898.260,47 e a crédito da conta 21102000 - Clientes conta corrente (corresponde à anulação das dívidas de clientes), lançamento n.º 02037050.

X. A Requerente constituiu em 2008 uma provisão de €3.812,27 sobre a totalidade das facturas a receber da B, a qual considerou como integralmente dedutível, no pressuposto errado de que tinha sido intentada a sua cobrança judicial, quando de fato apenas tinham sido enviadas para os advogados (facto reconhecido no art. 39.º da PI e anexo 8 ao RIT, p. 70 verso, vd. igualmente as facturas juntas como docs. 13 e 14 ao requerimento de 20.4.2015).

XI. A Requerente elaborou, em relação aos anos de 2009 e de 2010, as listagens de facturas pendentes de cobrança e respectivas provisões (actualmente, perdas por imparidade) da B que se mostram juntas como docs. n.ºs 15 e 16 à PI, que aqui se dão por reproduzidas.

XII. A factura n.º … emitida em 24.05.2006, no valor de € 5.065,25, do cliente C, Lda foi anulada da contabilidade no ano de 2008 por contrapartida de provisão anteriormente constituída (lançamento held back amount, linha n.º 3652, do ficheiro em excel, conforme anexo 14 ao RIT, p. 113 verso, e ficheiro constante do doc. n.º 2 junto ao requerimento de 20.4.2015) e consta novamente em ficheiro de aging de 2009 discriminativo das facturas em dívida de clientes, onde é constituída provisão com referência à data de 31.12.2009, no valor da referida factura de € 5.065,25 (cfr. facto reconhecido no art. 54.º da PI; cfr. ainda RIT, respectiva pág. 24).

XIII. A Requerente procedeu no ano de 2009 a regularizações de valores relativos a cinco contas bancárias de depósitos à ordem de que resultaram, em termos finais, os seguintes ajustamentos (facto reconhecido no art. 20.º da PI; cfr. igualmente documento em anexo 6 ao RIT, p. 58 no doc. n.º 7 à PI):

 

Bancos

Ajustamentos

Positivos

Negativos

A

30.343.15

 

B

 

29,364.67

C

363.83

 

D

 

16,103.45

E

 

19,065.65

Totais

30.706,98

64,533.77

 

XIV. A contabilização destes ajustamentos baseou-se unicamente no documento interno (lançamento n.º 01000973 de 30.09.2009) junto como anexo 6 ao RIT (cfr. anexo 6 ao RIT no doc. n.º 7 junto à PI, p. 58), que aqui se dá por reproduzido, do qual consta apenas a identificação das contas bancárias corrigidas, os valores em causa e a contrapartida dos ajustamentos negativos em contas de custos extraordinários.

XV. Em 2012 os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa realizaram uma acção de inspecção à Requerente, com base nas ordens de serviço n.ºs OI…, OI… e OI…, com âmbito geral e incidência temporal nos exercícios de 2008, 2009 e 2010 (cfr. o RIT junto como doc. n.º 7 à PI e constante igualmente a fls. 17 e seguintes do PA).

XVI. Em Novembro de 2012, foi elaborado o RIT (junto como doc. n.º 7 à PI e constante igualmente a fls. 17 e seguintes do PA), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, por força do qual se efectuaram correcções técnicas à matéria colectável e de imposto em sede de IRC relativamente aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 nos termos do seguinte quadro:

XVII. Do RIT mencionado no ponto anterior consta o seguinte, que, em atenção ao objecto do processo, releva aqui destacar:

II.7. Análise Contabilística Fiscal

(...) para o ano de 2008:

Pretendeu-se validar os ajustamentos efetuados a clientes, nomeadamente o heldback amount e o write off de clientes suportado pelo lançamento 1000690 no ano de 2008 no diário de operações diversas. Os testes de validação envolveram circularizações de clientes onde se apurou grandes divergências entre os saldos evidenciados na contabilidade e os circularizados.

A análise das provisões e dos write offs levaram-nos à conclusão que muitas das faturas de clientes abatidas por contrapartida de provisões não são reconhecidas pelos clientes, ou seja não estão contabilizadas no cliente.

Algumas das faturas a clientes chegaram a ser abatidas utilizando reforços de provisão de 2007, no ajustamento que designaram por heldback amount e em lançamento posterior no mesmo mês foram alvo de nova constituição de provisão.

A A… não facultou contas correntes de clientes nos anos em análise, apenas facultou informação sobre as faturas de clientes em dívida às datas de 31/12/2007, 31/12/2008, 31/12/2009 e 31/12/2010 (ficheiros de excel de aging, ou antiguidade de saldos), tendo nos sido informada a impossibilidade do seu sistema informático facultar aquela informação.

As provisões para clientes em contencioso também têm por base de cálculo os ficheiros em excel de antiguidade de saldos.

A análise temporal das provisões por contencioso é outro teste que permite aferir da falta de credibilidade da informação que nos foi facultada sobre as dívidas de clientes que constam nas demonstrações financeiras de 2008, 2009 e 2010. Senão veja-se:

1 - Anexamos as dívidas de cliente que nos facultaram, em situação de contencioso a 31 de dezembro de 2008, 2009 e 2010 (vd. anexo 5)

2 - No mapa de aging de antiguidade de saldos identificamos as faturas referentes àquelas dívidas, valores, datas de vencimento e provisão constituída;

3 - Foi realizado um teste às provisões de clientes em contencioso de 2010: O teste consistiu em encontrar faturas da A emitidas a clientes em 2009 e em anos anteriores que estavam em contencioso a 31 de dezembro de 2010, no ficheiro de antiguidade de saldos de 31/12/2010, de 31/12/2008, e de 31/12/2009, utilizando por base uma amostra.

4 - Conclusão: Os clientes abaixo com faturas vencidas anteriores a 2008, com provisão constituída em 31 de dezembro de 2010 (a 100%, em contencioso), no ficheiro que discrimina as dívidas de clientes a 31/12/2009 não existem.

Já no ficheiro de clientes a 31/12/2008 encontramos aqueles clientes e faturas.

O ficheiro de clientes a 31/12/2009 é pois incongruente, descontínuo. Facto que descredibiliza os ficheiros de clientes (aging) que nos foram apresentados para colmatar a falta de informação financeira, nomeadamente, extratos de clientes, (detalhe das faturas, vd. anexo 5).

 

 

S

R

Q

P

O

N

 

 

 

Para o ano de 2009, o ajustamento efetuado reduzindo os saldos de clientes por contrapartida da conta de resultados transitados não foi passível de qualquer verificação na medida em que a resposta ao nosso pedido de esclarecimentos, nossa notificação de 28 de agosto de 2012, ponto 3, o sujeito passivo refere:

"Para entendermos a natureza destas correções temos de remontar a 2007, ano de cisão e fusão das companhias (I e H) tendo em conta os seguintes pontos:

1. Ambas as companhias utilizavam a mesma empresa de contabilidade externa – T.

2. Toda a contabilização era gerada com base na documentação enviada para a mesma.

3. No caso em concreto as empresas detinham um software PHC, que geria toda documentação, faturação, compras, bancos, inventário, no entanto não gerava movimentos contabilísticos pois os módulos não estavam integrados com a contabilidade.

4. Neste sentido, os documentos eram enviados para a T, faturas clientes, fornecedores, recebimentos, pagamentos.

Após o primeiro fecho contabilístico como A - 2007 - a nova equipa financeira deparou-se com o seguinte cenário:

□ Escusa de opinião por parte dos nossos auditores M em relação ao controle das contas correntes de clientes conforme CLC, entretanto já enviada para a Dra. …

Independentemente da escusa de opinião, tiveram de se criar de raiz desde o início de 2008 procedimentos de controlo em todas as áreas com reflexo na contabilidade, de modo a reconciliar todas as contas e garantir que antes da implementação do novo sistema contabilístico a contabilidade refletisse a realidade, ainda que soubéssemos que existiam diferenças do passado e que teriam de ser esclarecidas e resolvidas.

Com a introdução do novo sistema - Genial F - todos os módulos estão integrados, tendo sido concentrada toda a reconciliação inicialmente nas diferenças vindas do passado.

Na questão em concreto a diferença era a seguinte:

Balanço conta clientes 19.175KC vs. documentos em aberto no sistema por cliente (sub-ledger) = 16.184K€, uma diferença de cerca de 3 Mio€, que não nos foi possível apurar por cliente a diferença, uma vez que a T contabilizava a faturas/recebimentos numa única conta corrente de clientes.

Perante este cenário, sem informação de suporte para apurar as diferenças por cliente partimos de determinados pressupostos:

□ Assumiu-se que os documentos gerados no sistema e que estavam em aberto eram os válidos, independentemente do tratamento contabilístico dado pela T no seu passado

□ Foram implementados processos de cobrança e reconciliação de contas com os clientes através do nosso departamento de controlo de crédito, por forma a confirmar os documentos que ainda estariam em aberto ao tentar cobrar as dívidas

□ No anos seguintes 2008 e 2009 foram ainda alvo de circularização por parte dos nossos auditores mais de 80% do montantes dos valores em aberto, confirmando os nossos saldos, tendo eliminado a escusa de opinião por parte dos nossos auditores externos.

Concluímos em 2009 que estaríamos em condições de fechar o remanescente da diferença inicial após todo o trabalho realizado sobre a conta corrente de clientes, tendo sido consultadas as entidades U e M sobre o tratamento contabilístico a dar à mesma, uma vez que entendemos nós ser um erro grave em termos contabilísticos”.

 

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

(...)

III.2.3. Despesas não documentadas

III.2.3.1 regularizações de valores relativos a depósitos à ordem - Ano 2009

 

No ano de 2009, foram efetuadas correções de saldos às contas de depósitos à ordem, esta contabilização surge suportada pelo documento interno cuja cópia se anexa e onde apenas surge a identificação das contas bancárias corrigidas, os valores e em contrapartida de custos extraordinários (vd. anexo 6).

Relativamente às correções de saldos de contas bancárias em que a conta de bancos é movimentada a crédito por contrapartida da conta de custo extraordinário, está implícita uma saída de dinheiro daquela conta bancária a favor de um qualquer destinatário e/ou para liquidar uma eventual responsabilidade.

 

 

X

X

V

 

 

Notificámos o sujeito passivo em 28 de agosto de 2012 (ponto 1) para identificar os documentos (meios de pagamento e faturas/ou outros documentos equivalentes), bem como os destinatários dos pagamentos (cheques e transferências bancárias), relacionados com aqueles e para concretizarem a indispensabilidade daqueles custos nos termos do artigo 23.° do CIRC. (vd. anexo 7)

O sujeito passivo veio dizer que, “relativamente às correções, apurámos no seguimento de todo o trabalho de reconciliação, neste caso bancária, uma diferença nos bancos ao confrontar os extratos bancários com os referidos saldos. Da mesma forma após o trabalho de reconciliação durante os dois seguintes anos, apurámos uma diferença final de 33K€. Entendemos esgotados todas as análises possíveis e face à materialidade, retificar o saldo de bancos pelas diferenças apuradas registando custo ou proveito, conforme sinal da retificação, não sendo as mesmas relacionadas com pagamentos ou recebimentos não havendo por isso qualquer destinatário ou beneficiário”.

Podia e devia o sujeito passivo documentar a despesa correspondente a cada aquisição dos bens/serviços subjacentes a cada saída de dinheiro. Se aquelas saídas de dinheiro correspondem ao pagamento de quaisquer aquisições de bens/serviços, ou se tiveram qualquer outro destino, não foi possível determinar, pelo que são integrados nas denominadas despesas confidencias.

Nos termos do artigo 81° n°1 (atual 88.°) do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas, como é este o caso, uma vez que são pagamentos em relação aos quais o sujeito passivo não identificou o encargo a que tal pagamento está relacionado ou a entidade beneficiária de tal pagamento, estão sujeitas a tributação autónoma à taxa de 50% (€ 64.533,77 x 50% = € 32.266,89) de € 32.266,89 e os custos contabilizados não são aceites nos termos do artigo 23.° do CIRC, no total de € 64.533.77”.

 

III.2.4 Provisões para dívidas de clientes em contencioso.

 

Analisámos conjuntamente os ficheiros, de antiguidade de saldos de clientes onde consta a identificação dos clientes em contencioso com as petições das ações reclamadas judicialmente. Verificámos que o sujeito passivo efetuou constituições/reforços de provisões não dedutíveis fiscalmente:

III.2.4.1 Ano 2008

(...)

A outra situação respeita ao cliente B, para o qual, de acordo com esclarecimentos facultados pela A, não existia qualquer processo a decorrer nos advogados. Não obstante provisionaram 100% daquele crédito que ascendia a € 3.812,27, apenas sendo aceite € 2.103,06, por mora, como preveem as alíneas b), c) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 35.° do CIRC (vd. anexo 7), pelo que corrigimos a diferença de € 1.709,22.

III.1.4.2 Ano 2009

O Cliente C, Lda. surge identificado pela A como cliente em contencioso no entanto na resposta à nossa notificação de 28 de agosto de 2012 (ponto 4), é esclarecido que contra este não foi apresentada em Tribunal qualquer peça processual.

Acresce que constatámos que uma das faturas provisionadas foi abatida (write off, lançamento Held back amount) no ano de 2008, ou seja este crédito foi anulado da contabilidade por contrapartida de provisão anteriormente constituída.

A situação descrita está relacionada com a fatura n.º 47 (…) emitida em 24/05/2006, no valor de € 5.065,25, que consta no ficheiro de aging de 2009, onde é constituída provisão com referência à data de 31/12/2009, no valor da referida fatura ou seja de € 5.065,25.

Porque um crédito resultante da atividade normal de uma empresa não pode suportar a contabilização da sua imparidade por duas vezes:

- Em 2008 foi abatida da contabilidade a dívida do cliente utilizando uma provisão que havia sido constituída (no exercício de 2008, lançamento heldback amount, linha n.º 3652, do ficheiro em excel);

- Em 2009 a dívida do cliente surge novamente na folha de excel, apresentada pela A, discriminativa das faturas em dívida de clientes (aging 2009), e é novamente provisionada.

Acrescemos pois o valor da provisão constituída de € 5.065,25 à matéria coletável de IRC nos termos do artigos 35.°, 36.° e 39.° do CIRC e do normativo contabilístico, o Plano Oficial de Contabilidade aprovado pelo decreto-lei 410/89 de 21/11. (...)”.

 

III.2.6. Ajustamentos em “Sales Type Lease” ou “Leasing Adjustements”

Este ajustamento que foi contabilizado nos anos de 2008, 2009 e 2010, foi focado na certificação legal emitida para as contas de 31 de dezembro de 2007, sendo uma limitação do âmbito que conduziu à escusa de opinião, e surge relatada no ponto 7, que passamos a transcrever:

“7 - A Empresa mantém contratos de locação com clientes relacionados com aluguer de equipamento e que são contabilizados no imobilizado corpóreo. Até à data não foi rececionada informação suficiente que nos permitisse concluir sobre a razoabilidade dos valores capitalizados, amortizações relacionadas e proveitos associados aos contratos de aluguer."

A certificação legal de contas que foi emitida para o exercício de 2008, refere a seguinte ênfase no ponto 9:

“9 - (...) chamamos à atenção para o facto de a certificação legal de contas relativa ao ano anterior ter sido emitida com escusa de opinião. Por terem sido resolvidas e corrigidas no exercício as situações relevantes sobre as demonstrações financeiras do exercício anterior, as referidas limitações deixaram de ser aplicáveis. A comparabilidade foi afetada por alguns ajustamentos significativos conforme divulgado na nota introdutória e nas notas 40 e 46 do Anexo ao Balanço e às Demonstrações de Resultado."(A.B.D.R.)

Os ajustamentos aludidos no A.B.D.R. respeitam a:

- nota 40, a um movimento na rubrica de capital próprio, conta de resultados transitados (59), na qual ocorreu uma redução de € 551.401,31, referente a impostos diferidos em 2007;

- nota 46, relativa à contabilização de um custo extraordinário na conta de correções relativas a exercícios anteriores no total de € 1.722.750,99, dos quais €1.428.412 referem-se a um desreconhecimento de vendas relacionadas com as “Sales Type Lease”;

A contabilização deste ajustamento traduz-se nos seguintes movimentos: (vd. anexo 11)

- Ano 2008: A débito da conta POC 697- correção relativa a exercícios anteriores no montante de € 1.428.412,83 (valor acrescido no campo 224 do Q07 da modelo 22 IRC);

- Ano 2008: A débito da conta POC 7111- Vendas (corresponde à anulação de vendas do exercício) no montante de € 908.752,00;

- Ano 2008: A crédito da conta POC 211. Clientes STL (corresponde à anulação de saldos de clientes) no montante de € 2.337.164,83;

Ano 2009: A débito da conta POC 7111- Vendas (corresponde à anulação de vendas do exercício) no montante de € 401.752,00;

- Ano 2009: A crédito da conta POC 211. Clientes STL (corresponde à anulação de saldos de clientes) no montante de € 401.752,00.

- Ano 2010: A débito da conta POC 7111- Vendas (corresponde à anulação de vendas do exercício) no montante de € 52.752,00;

- Ano 2010: A crédito da conta POC 211. Clientes STL (corresponde à anulação de saldos de clientes) no montante de € 52.752,00.

Em resposta à nossa notificação de 19 de março de 2012, o sujeito passivo remeteu a clarificação destes ajustamentos para o relatório de gestão a folhas 5 e 6. (Vd. anexo 7).

No relatório de gestão, em comentário à demonstração de resultados e ao prejuízo contabilístico da A, SA, em 2008, no valor de € 2.603.520,00, é dito:

- "este resultado deve-se ao impacto extraordinário do desreconhecimento em 2008 das vendas "Sales Type Lease" que provêm do ajustamento feito no início da A, aquando da operação de fusão e aquisição da ex-I e cujo impacto se dividiu em custos extraordinários de € 1.428.412,00, referentes a 2007 e € 908.752,00 euros diretamente em vendas."

O Código do IRC consagra o regime da neutralidade fiscal (n° 1 do artigo 68°) (atual 74.°do CIRC) porque está implícita a continuidade do exercício da atividade pela sociedade beneficiária, que decorre dos direitos e obrigações das sociedades fundidas: "Na determinação do lucro tributável das sociedades fundidas (...) não é considerado qualquer resultado derivado da transferência dos elementos patrimoniais em consequência da fusão (...), nem são consideradas como proveitos ou ganhos, nos termos do n.º 2 do artigo 34 °, as provisões constituídas e aceites para efeitos fiscais que respeitem aos créditos, existências e obrigações e encargos objeto de transferência (...)".

O regime da neutralidade fiscal é aplicável à fusão realizada pela A, SA., nos termos do n° 7 do artigo 67° CIRC (atual 73.°) uma vez que nesta operação de concentração intervieram sociedades com sede ou direção efetiva em território português sujeitas e não isentas de IRC.

Da aplicação do referido regime resulta que quando se verifica a transferência de ativos imobilizados não há́ lugar a tributação em sede de IRC, sendo a sociedade beneficiária obrigada a que:

- Os elementos patrimoniais objeto de transferência sejam registados na contabilidade da sociedade beneficiária/nova pelos mesmos valores que tinham na contabilidade das sociedades fundidas (alínea a) do n° 3 do artigo 68° CIRC).

- Os valores relativos a elementos patrimoniais transferidos (ativos, amortizações, reintegrações e reavaliações) deverão respeitar as disposições da legislação de carácter fiscal (ex: CIRC, Decreto Regulamentar 2/90, Decreto-Lei n° 31/98 de 11 de fevereiro, entre outros) (alínea b) do n° 3 do artigo 68° CIRC);

Assim face ao regime de neutralidade fiscal o apuramento dos resultados respeitantes aos elementos patrimoniais transferidos é efetuado como se não tivesse havido fusão (alínea a) do n° 4 do artigo 68° CIRC), pelo que os ajustamentos não poderão concorrer para o apuramento da matéria tributável devendo os ajustamentos efetuados ser acrescidos.

Assim:

Para o exercício de 2008, tendo o sujeito passivo acrescido no quadro 7 da modelo 22, no campo 224 os custos extraordinários de € 1.428.412,00, deverá apenas ser corrigida a importância de € 908.752,00, correspondendo aos valores abatidos a vendas.

Para os exercícios de 2009 e 2010, acrescemos os montantes de € 401.179,09 e € 52.198,84, respetivamente, correspondendo aos valores que foram abatidos a vendas”.

 

III.2.7 Ajustamentos de saldos de clientes - Ano de 2008

Provisões para clientes de cobrança duvidosa

Da análise aos movimentos contabilísticos, constata-se que:

• O saldo final da conta POC 281 - clientes para cobrança duvidosa totaliza €1.371.959,25.

• O saldo inicial da conta POC 281 - clientes para cobrança duvidosa totaliza €4.386.119,09.

Redução da provisão para clientes de cobrança duvidosa

No sentido de apurar o valor de redução de provisão verificada neste exercício, os motivos subjacentes e a que clientes dizem respeito, bem como o ano da sua constituição, refere-se:

• Os valores iniciais resultam da transferência de saldos em processo de cisão da empresa I, SA com o NIF … (atual L, SA) para a empresa J, SA com o NIF … (com inicio e cessação de atividade em 2007), e posteriormente para a sociedade … decorrentes do projeto de fusão que ocorreu também em 2007 entre essa empresa e H (atual A).

 

 

 

 

 

 

A

L

J

I

 

 

• Destas alterações sucessivas resultou a difícil clarificação a nível de saldos efetivos de clientes, conforme constatamos na empresa da observação da contabilidade e da leitura da certificação de contas efetuada pelos auditores, conforme se refere:

Na certificação legal emitida para as contas de 31 de dezembro de 2007, com escusa de opinião, por limitação do âmbito, dos factos relatados nos pontos 5 a 7, que passamos a transcrever:

“6 - Com base no resultado dos procedimentos de auditoria efetuados às contas de dívidas de terceiros, que em 31 de dezembro de 2007 totalizavam 14.789.155 euros (líquido de ajustamentos de 4.386.119 euros), nomeadamente os pedidos de confirmação de saldo, concluímos que a empresa não tem um controle efetivo sobre as contas a receber, existindo diferenças significativas nas reconciliações de saldos efetuado para quais não é possível determinar o seu efeito nas demonstrações financeiras apresentadas. Como tal não nos é possível determinar sobre a insuficiência dos ajustamentos para clientes, bem como sobre a recuperabilidade dos impostos diferidos relacionados".

A certificação legal de contas que foi emitida para o exercício de 2009, refere a seguinte enfâse ponto 8:

"8 - (...) chamamos à atenção a divulgação efetuada na nota 40 do Anexo às Demonstrações Financeiras, de ter sido efetuada uma regularização em resultados transitados, relacionada com uma perda de anos anteriores não reconhecida em contas a receber de clientes num montante aproximado de 682 milhares de euros.”

Questionámos o sujeito passivo sobre esta regularização em resultados transitados vindo este referir que: (vd. anexo 7)

“Para entendermos a natureza destas correções temos de remontar a 2007, ano de cisão e fusão das companhias (I e H) tendo em conta os seguintes pontos:

1. Ambas as companhias utilizavam a mesma empresa de contabilidade externa - T

2. Toda a contabilização era gerada com base na documentação enviada para a mesma.

3. No caso em concreto as empresas detinham um software PHC, que geria toda documentação, faturação, compras, bancos, inventário, no entanto não gerava movimentos contabilísticos pois os módulos não estavam integrados com a contabilidade.

4. Neste sentido, os documentos eram enviados para a T, faturas clientes, fornecedores, recebimentos, pagamentos.

Após o primeiro fecho contabilístico como A - 2007 - a nova equipa financeira deparou-se com o seguinte cenário:

Escusa de opinião por parte dos nossos auditores M em relação ao controle das contas correntes de clientes conforme CLC, (...).

Independentemente da escusa de opinião, tiveram de se criar de raiz desde o inicio de 2008 procedimentos de controlo em todas as áreas com reflexo na contabilidade, de modo a reconciliar todas as contas e garantir que antes da implementação do novo sistema contabilístico a contabilidade refletisse a realidade, ainda que soubéssemos que existiam diferenças do passado e que teriam de ser esclarecidas e resolvidas.

Com a introdução do novo sistema - Genial F - todos os módulos estão integrados, tendo sido concentrada toda a reconciliação inicialmente nas diferenças vindas do passado.

Na questão em concreto a diferença era a seguinte:

Balanço conta clientes 19.175K€ vs. documentos em aberto no sistema por cliente (sub-ledger) = 16.184K€, uma diferença de cerca de 3 Mio€, que não nos foi possível apurar por cliente a diferença, uma vez que a T contabilizava a faturas/recebimentos numa única conta corrente de clientes.

Perante este cenário, sem informação de suporte para apurar as diferenças por cliente partimos de determinados pressupostos:

·         Assumiu-se que os documentos gerados no sistema e que estavam em aberto eram os válidos, independentemente do tratamento contabilístico dado pela T no seu passado

·         Foram implementados processos de cobrança e reconciliação de contas com os clientes através do nosso departamento de controlo de crédito, por forma a confirmar os documentos que ainda estariam em aberto ao tentar cobrar as dívidas.

·         No anos seguintes 2008 e 2009 foram ainda alvo de circularização por parte dos nossos auditores mais de 80% do montantes dos valores em aberto, confirmando os nossos saldos, tendo eliminado a escusa de opinião por parte dos nossos auditores externos.

Concluímos em 2009 que estaríamos em condições de fechar o remanescente da diferença inicial após todo o trabalho realizado sobre a conta corrente de clientes, tendo sido consultadas as entidades U e M sobre o tratamento contabilístico a dar à mesma, uma vez que entendemos nós ser um erro grave em termos contabilísticos."

No decurso da nossa análise verificámos ainda que:

• O sujeito passivo não dispõe de extratos de conta de clientes, forneceu extenso ficheiro em excel com 39.228 linhas (aging2008), com movimentos de faturas desde 1991, com o valor global de €25.641.118,28.

• Não identificou quais os clientes objeto de redução da provisão;

• O sujeito passivo referiu que “.... Os valores de heldback amount são valores que estão na conta corrente de clientes e que pela sua antiguidade foram objeto de condições de pagamento da G à antiga empresa aquando da cisão...”

• O sujeito passivo procedeu à regularização de saldos de clientes totalmente provisionados:

1. Heldback Amount - € 3.542.035,01. (a 31/12/2005 - 3.359.714,97; de 1/1/2006 a 31/12/2006 182.320,04) que se traduziu nos seguintes movimentos:

A crédito da conta POC 2180.x Clientes cobrança duvidosa (corresponde à anulação de saldos de clientes) no montante de € 3.542.035,01.

- A débito da conta POC 28181- Provisões clientes cobrança duvidosa (corresponde à anulação da provisão) no montante de € 3.542.035,01;

2. Lançamentos 1000690 e 02037050 - € 898.260,47. Que se traduziu nos seguintes movimentos:

- Nas contas POC, a débito da conta POC 2811.x Ajustamentos de dívidas a receber de clientes em conta corrente (corresponde à utilização da provisão) e crédito da conta 66613 - Provisões dívidas de clientes Abates, no montante de € 898.260,47, lançamento n.º 1000690.

- Nas contas POC, a débito da conta POC da conta 66613 - Provisões dívidas de clientes Abates, no montante de € 898.260,47 e a crédito da conta 21102000 - Clientes conta corrente, (corresponde à anulação das dívidas de clientes), lançamento n.º 02037050.

Para clarificar os saldos que foram anulados o sujeito passivo apresentou para:

- Heldback amount, ficheiro em excel com 9.602 linhas;

- Lançamento 1000690, listagens, com faturas pendentes dos clientes Z, Lda, AA, Lda, BB, Lda., CC, Lda., DD, Lda., EE, Lda, FF, SA., GG, SA., HH, SA. e II, Lda.

• Selecionámos uma amostra daquelas listagens (Heldback amount e lançamento 1000690) e circularizámos alguns daqueles clientes. As respostas dos clientes revelaram que: (vd. respostas clientes em anexo 12)

- Faturas desconhecidas dos clientes, como tal, estas faturas não estavam contabilizadas, nas contas correntes;

- Faturas que estavam pagas, com pagamentos anteriores a 2008 e posteriores a 2008;

• Solicitámos o ficheiro de excel com os saldos de clientes a 31-12-2007 (Aging 2007), ficheiro com 25.341 linhas e confrontámos os clientes com provisões a 31-12-2007, com os saldos anulados sob o lançamento 1000690. Constatamos que se refere aos clientes, Z, Lda, AA, Lda, BB, Lda., CC, Lda., DD, Lda., EE, Lda, FF, SA., GG, SA., HH, SA. e II, Lda.

- Deste cruzamento concluímos que apenas estava constituída provisão a 31-12-2007, para € 107.396,95, das faturas constantes nas listagens do lançamento 10000690 onde anularam clientes no total de € 898.260,47, utilizando uma provisão de € 898.260,47. (vd. anexo 13)

Conforme prevê o n.º 4 do art. 39.° do Código do IRC:

”4 - As provisões a que se referem as alíneas a) a c) do n.º 1 que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos neste artigo consideram-se rendimentos do respetivo período de tributação."

Assim, apenas poderiam ser utilizadas as provisões que foram constituídas para fazer face ao risco de incobrabilidade daquelas dívidas (apenas haviam sido constituídas provisões no montante de €107.396.95)

Por outro lado das respostas das circularizações dos clientes resulta que aqueles valores para os quais foi constituída a provisão estavam pagos, assim aqueles € 107.396,95, deveriam ter sido revertidos (vd. respostas clientes em anexo 12).

• Confrontámos o ficheiro “Clientes Provisão 2008" com o ficheiro HeldBack amount e verificámos que a A, contabilizou em dezembro de 2008, as seguintes duplicações:

- Abateram as faturas de clientes no lançamento Heldback amount no total de € 214.378,79;

- Constituíram uma provisão por mora (contabilizaram um custo conta POC 66 de € 214.378,79), para os mesmos créditos de clientes que foram abatidos.

A identificação destas situações consta em anexo 14 ao presente projeto e é extensa e o valor das provisões constituídas para créditos regularizados/abatidos ascende a € 214.378,79. (vd. anexo 14)

• O cruzamento dos ficheiros Heldback amount com o lançamento n.º 1000690, para o cliente, II, LDA, mostra que as faturas identificadas em anexo 15, foram anuladas por duas vezes, ou seja em duplicado, no total de € 24.364,49.

Ou seja, em dezembro de 2008, foram:

- Abatidos/regularizados por duas vezes os mesmos créditos/faturas do cliente II, LDA, para as faturas identificadas em anexo; (vd. anexo 15)

- Foram utilizadas duas vezes provisões para a regularização daqueles créditos.

Nos termos do n.º 2 do artigo 34.° do CIRC, esta duplicação configura uma utilização da provisão para fim diverso para a qual foi constituída.

Em conclusão,

As Demonstrações Financeiras da empresa devem espelhar a sua situação financeira e a realidade das operações realizadas no exercício, pelo que antes da preparação das contas, as empresas e/ou os seus auditores devem efetuar procedimentos de conferência de contas correntes, de modo a verificar se os saldos refletidos na contabilidade são os corretos.

O facto de não se realizarem essas conferências pode implicar que constem da contabilidade, indevidamente, saldos pendentes com clientes ou com fornecedores que já não existem, pondo em causa a credibilidade da empresa, tendo em conta a exigência contabilística e fiscal da existência de “contabilidade organizada".

No caso em apreço, a existência destes saldos devedores pendentes com antiguidade indeterminada, originaram, inclusivé, a emissão de reservas na certificação legal das contas da A, feita pelos seus auditores.

Em termos de movimentação contabilística o POC preconiza que os créditos de cobrança duvidosa devem ser provisionados na conta 28.1 - Ajustamentos de dívidas a receber - Dívidas de clientes, no final de cada exercício, por contrapartida da conta 6661 Ajustamentos de dívidas a receber - Dívidas de clientes.

Por outro lado, a anulação ou reposição das provisões (281 à 7721 - reversões de ajustamentos de dívidas de terceiros), deve efetuar-se no exercício em que se verificarem as seguintes situações:

- A provisão constituída excede a perda estimada;

- Deixou de verificar-se o facto para o qual a provisão havia sido constituída (no caso de se dar como incobrável o crédito);

- Tendo-se verificado o prejuízo para o qual se constitui a provisão, aquele foi inferior ao previsto, pelo que a provisão se vai apresentar excessiva;

- Os créditos foram considerados incobráveis, mas tal não resultou de processo de insolvência e de recuperação de empresas, nem de processo de execução ou de procedimento extrajudicial de conciliação para viabilização de empresas em situação de insolvência ou em situação económica difícil mediado pelo IAPMEI — Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento.

Pretendeu a A ajustar o valor dos saldos devedores utilizando provisões que constituíra.

De acordo com o POC e o princípio contabilístico da prudência, as provisões permitem aos preparadores das demonstrações financeiras incluir nas demonstrações financeiras um grau de precaução quando haja incerteza designadamente com a cobrabilidade das dívidas a receber.

Verificámos que a A:

1 - Em anos anteriores a 2008 constituiu provisões para clientes e estes custos foram aceites fiscalmente;

2 - Em 2008 nos lançamentos em foco no held back amount e do lançamento 1000690, anulou saldos de clientes não por estar em causa a sua cobrabilidade, mas porque estavam pendentes nas contas correntes, utilizando as provisões que constituíra e que influenciaram os resultados de exercícios anteriores.

Esta conclusão resulta das respostas destes clientes circularizados com base em amostragem no decurso do procedimento inspetivo.

As respostas dos clientes testemunharam a existência de:

- faturas desconhecidas dos clientes;

- faturas que foram pagas pelos clientes;

Assim no ano de 2008 o que a A deveria ter feito era:

1 - Reverter o valor das provisões por esta constituídas, uma vez que não estava em causa a cobrabilidade dos saldos de clientes, conforme preceitua o n.º 2 do artigo 34.° do CIRC;

2 - Sanear os saldos devedores em questão, que integraram os saldos de clientes da A com a fusão (Held back amount) e de outras situações (lançamento 1000690), que influenciavam o Balanço da empresa, sem representar dívidas efetivas de terceiros.

 

Pelo exposto, acrescemos à matéria tributável o montante de € 3.572.245,29, na medida em que tal valor deveria ter sido reconhecido em proveitos por via da reversão de provisões consideradas fiscalmente em exercícios anteriores. A determinação deste montante resulta da variação das provisões e dos reforços/constituições de provisões, ocorridos no exercício de 2008, e encontra-se demonstrada no mapa supra.

 

 “VIII - DIREITO DE AUDIÇÃO

(...)

Ponto III.2.6-Ajustamentos em contratos de leasing e associados

O sujeito passivo refere que, os contratos de Leasing - “sales Type Lease”, celebrados pela A antes de 2008, eram contabilizados:

• Pelo vendedor como compras e vendas de imobilizado, pela totalidade do valor de contrato, debitando uma conta de clientes provisória e creditando uma conta de vendas.

• Em cada renda foi emitida uma fatura e é transferido da conta de clientes provisória para a conta de clientes definitiva o valor da renda;

Afirma ainda que “na contabilização das prestações vencidas e facturadas em 2008 e anos seguintes o TOC da A optou por contabilizar o desreconhecimento da venda que havia sido reconhecida e contabilizada em 2007 e anos anteriores, sem fatura, para de seguida contabilizar o reconhecimento como venda, de igual montante, desta vez com base em fatura".

Assim considera o sujeito passivo que a correção deve ser anulada.

No decurso do procedimento inspectivo, foi questionado e notificado o sujeito passivo (em 19 março de 2012, ponto 21) para clarificar os ajustamentos que efetuaram em 2008, no valor de € 2.066.000,00. Para o efeito solicitámos:

a. “Relato da natureza e das circunstâncias que conduziram à contabilização dos mesmos;

b. Modo como foram quantificados, especificando o seu cálculo;

c. Cópia dos documentos e dos elementos relativos à sua contabilização (diário de movimento, n.ºs dos lançamentos de arquivo)".

Respondeu o sujeito passivo, remetendo o esclarecimento para o relatório de contas de 2008, página 6, e acrescentou que os “ajustamentos aos leasings financeiros praticados pela antiga empresa antes da cisão e cujo impacto teve de ser reconhecido", (vd. anexo 18).

Com referência a anos anteriores a 2008, ao procedimento inspectivo, foram-nos facultados documentos, designadamente, a certificação legal de contas, projeto de fusão e mapa de antiguidade de saldos de clientes.

Vem o sujeito passivo em direito de audição afirmar, que na contabilização dos contratos de “Sales Type Lease" da A, ocorreu apenas uma alteração na forma de contabilização dos contratos de leasing e que tal não teve qualquer impacto nos resultados.

Este facto novo trazido agora ao procedimento pelo sujeito passivo, não é por este comprovado, e contraria o relatório de gestão, página 6, onde em comentário à demonstração de resultados e ao prejuízo contabilístico da A, SA, em 2008, no valor de € 2.603.520,00, é dito:

- "este resultado deve-se ao impacto extraordinário do desreconhecimento em 2008 das vendas "Sales Type Lease" que provêm do ajustamento feito no início da A, aquando da operação de fusão e aquisição da ex-I e cujo impacto se dividiu em custos extraordinários de € 1.428.412,00, referentes a 2007 e € 908.752,00 euros diretamente em vendas."

Pelo exposto mantêm-se as correções que foram propostas.

 

Ponto III.2.7 - Ajustamentos de saldos de clientes

O sujeito passivo alega que a correção proposta, refere-se a uma anulação em 2008 de saldos de clientes da empresa fundida, por terem sido considerados incobráveis, parcialmente cobertos por provisões:

• "Quando em 2007, ainda antes da fusão formal a A se apercebeu de que a provisão criada aquando da cisão da I não era suficiente face à antiguidade dos saldos, decidiu reforçá-la. O referido reforço foi feito por contrapartida da conta de reservas livres, para não afetar o lucro tributável da empresa e, provavelmente, para não afetar a imagem dos gestores em exercício por perdas que lhes não eram imputáveis."

• A anulação de saldos de clientes em 2008 foi feita por utilização direta da conta de provisões;

• Conclui, referindo que, “tendo as provisões sido criadas sem afetar o lucro tributável e tendo a anulação dos saldos sido feita por utilização direta dessas provisões, não afectando também o resultado nem o lucro tributável, parece evidente que qualquer tributação dos saldos anulados é inadequada.”

Face às alegações do sujeito passivo cabe referir que:

• No ano de 2008 a A efetuou mais do que uma anulação de saldos de clientes. A correção proposta refere-se a duas anulações o Held back Amount, anulação de € 3.542.035,01 de saldos de clientes e os lançamentos 1000690 e 02037050, onde são anulados saldos de clientes no valor de € 898.260,47;

• No procedimento inspectivo, por amostragem, foi verificado que os saldos de clientes anulados não eram incobráveis, como desenvolvido no relatório no ponto em epígrafe:

Foram circularizados clientes com referência quer ao Heldback Amount, quer aos lançamentos 1000690 e 02037050, que nas suas respostas afirmaram desconhecer aquelas faturas, ou confirmaram que não se encontram em dívida (conforme algumas respostas anexas, vd. anexo 12).

• Vem agora referir a A que as provisões reforçadas no que corresponde às anulações de clientes do Heldback amount foram efetuadas em 2007 por contrapartida de reservas livres. Com referência a anos anteriores a 2008, ao procedimento inspectivo, foi facultado pelo sujeito passivo, após solicitação, documentos/elementos, designadamente, certificação legal de contas, projeto de fusão e mapa de antiguidade de saldos de clientes. Da informação disponibilizada não foi possível aferir a forma como foi reforçada a provisão.

As reservas livres resultam sempre de uma decisão de aplicação dos resultados positivos obtidos no exercício ou transitados, tomada em assembleia geral de acordo com o Código das Sociedades Comerciais.

A utilização de reservas ou distribuição traduz-se numa redução do capital social e consequentemente numa redução do valor da empresa.

A sua utilização/redução/distribuição resulta sempre de uma decisão tomada em assembleia geral. Se a A reforçou a provisão para clientes em cobrança de duvidosa utilizando reservas livres, o sujeito passivo em direito de audição deveria apresentar, quer a evidência dos movimentos contabilísticos efetuados, quer a cópia da ata da deliberação em assembleia geral, determinando a utilização das mesmas.

• Argumenta ainda que a anulação de saldos de clientes em 2008 foi feita por utilização direta da conta de provisões. Esta última matéria foi amplamente desenvolvida no projeto de relatório e no presente relatório a folhas 31 e 32, nada mais havendo a referir.

Face ao exposto são mantidas as correções propostas”.

 

XVIII. Na sequência das correcções resultantes do mencionado RIT, a  Requerente foi objecto das seguintes liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e respectivos juros compensatórios, com correspondentes notas de cobrança, conforme docs. n.ºs 1 a 6 juntos à PI: n.º 2012 …, no valor total de € 1.230.312,37, relativa ao exercício de 2008, emitida em 28.11.2012, com indicação de data limite de pagamento em 09.01.2013; n.º 2012 …, no valor total de € 51.318,26, relativa ao exercício de 2009, emitida em 28.11.2012, com indicação de data limite de pagamento de 09.01.2013; n.º 2012 …, no valor total de € 564.879,38, relativa ao exercício de 2010, emitida em 28.11.2012, com indicação de data limite de pagamento de 09.01.2013.

XIX. A Requerente apresentou em 19.4.2013 no 3.º Serviço de Finanças da Amadora reclamação graciosa relativamente às liquidações adicionais de IRC n.º 2012 … (2008), n.º 2012 … (2009) e n.º 2012 … (2010), conforme doc. n.º 8 junto à PI e documento constante do PA de fls. 2 a 9 relativo ao processo de reclamação graciosa n.º …2013….

XX. Por decisão do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa de 29.11.2013, notificada à Requerente em 6.12.2013, conforme doc. n.º 9 junto à PI e documento constante do PA em fls. não numeradas, foi indeferida a reclamação graciosa mencionada.

XXI. Na informação anexa à decisão mencionada, conforme doc. n.º 9 junto à PI, são invocados como fundamentos do indeferimento da reclamação graciosa, designadamente, os seguintes, que se transcrevem:

- “2. Despesas não documentadas-Regularizações de valores relativos a depósitos à ordem (exerc.º 2009: €64.533,77 e como tributação autónoma, €32.266,89):

O acréscimo ao lucro tributável teve por base o facto de que os valores regularizados e levados a custos extraordinários não se encontravam documentados.

A reclamante informa que se trata de diferenças de origem não identificada e refere explicações possíveis, como trocas de movimentos, não apresentando, no entanto, documentos destinados a esclarecer as razões dos valores em questão e a comprovar que não se tratou de despesas confidenciais”.

- “3. Provisões para dívidas de clientes em contencioso – B (exerc.º 2008: €1.709,22)”:

“Segundo o disposto naquela norma legal [art. 35.º do CIRC], a provisão/imparidade só é aceite como custo/gasto fiscal se for comprovada, em cada exercício, a realização de diligências de cobrança dos valores em crédito no final do mesmo (comunicações escritas com o devedor), sendo, nesse caso, aceite como valor máximo provisionado o que resulta das percentagens referidas no n.º 2 do artigo.

No entanto, no caso presente, a reclamante apresenta apenas mapas de antiguidade dos créditos sobre o cliente em questão (fls. 141 e 142), com indicação das percentagens da provisão, não juntando qualquer prova das diligências de cobrança efectuadas”.

- “4. Provisões para dívidas de clientes em contencioso – C (exerc.º 2009: €5.065,25)”:

“A reclamante questiona o facto de a fatura ter sido anulada, alegando que constava na listagem de faturas a receber em 2008 e que continuou a constar na de 2009 (...).

No entanto, o facto de a factura constar na listagem relativa a 2009 não contradiz a afirmação de que foi anulada em 2008”.

“Não há (...) razão para que a provisão continue a incluir o valor da fatura em 2009”.

- “6. Ajustamentos em Sales Type Lease (Exerc.º 2008: 908.752,00, exerc.º 2009: €401.752 e exerc.º 2010: €52.752,00):”

“Em sede de reclamação graciosa vem a ora reclamante alegar (...) que as vendas contabilizadas nos três exercícios foram anuladas porque já tinham sido contabilizadas como tal em exercícios anteriores, quando da celebração dos contratos, e que foram então tributadas.

No entanto, também não são, nesta sede, apresentados os elementos comprovativos do alegado, pelo que sou de parecer que deve ser mantida a correção efectuada”.

- “7. Ajustamentos de saldos de clientes (exerc.º 2008: €3.572.245,29):

7.1. A reclamante alega que, no âmbito das negociações para a integração da I na A, a provisão para créditos de cobrança duvidosa foi reforçada por débito de resultados transitados pelo montante de €1.967.000,00, juntando um extrato daquela conta de 2007”.

“No entanto, (...) consultado o quadro 0540-“Variações nas rubricas de capital próprio” da declaração anual/IES de 2007 (...), não foi possível verificar aquele movimento, visto que o único movimento aí declarado em resultados transitados corresponde ao resultado líquido de 2006 (...)”.

“7.2. Quanto à alegação de que não é possível extrapolar a partir da circularização a faturas anuladas, é de referir que a utilização de técnicas de auditoria pela Inspeção Tributária é lícita, nos termos do art. 57.º do [RCPIT]”.

“7.3. Nos pontos 6 e 7 da reclamação é referido que carecem de fundamento as afirmações no relatório sobre anulação de saldos não provisionados ou sobre dupla anulação de saldos a receber, sendo identificados nomes de vários clientes que constam nos mapas incluídos no anexo 5 (...).

Consultado o relatório, não foi possível identificar a afirmação sobre saldos não provisionados a que se alude na reclamação. Quanto à dupla anulação, verifica-se que a única referência a duplicação é a dos créditos de clientes mencionados no anexo n.º 14 ao relatório (...).

Consultado esse anexo 14 verifica-se que o único cliente que consta nesse anexo e nos mapas mencionados na reclamação (...) é a N (...) não correspondendo, no entanto, aos mesmos créditos”.

“8. Conforme acima exposto (...), sou de parecer que deverão ser mantidas as correções objeto de reclamação, pelo que se propõe o indeferimento do pedido, mantendo-se também a liquidação adicional resultante dessas correções”.

XXII. A Requerente procedeu em 9.3.2013 ao pagamento da totalidade dos valores objecto das liquidações impugnadas (alegação não impugnada constante do art. 136.º da PI e comprovativos de cobrança a fls. 171 a 173 do PA).

 

b) Factos não provados

 

16. Com relevo para a decisão, consideram-se não provados os seguintes factos:

i) As diferenças existentes nos valores relativos a depósitos à ordem (cfr. facto provado n.º VIII) resultaram de meras trocas de movimentos entre contas bancárias (alegação constante dos arts. 29.º e 32.º da PI);

ii) As listagens de facturas pendentes de cobrança juntas como docs. n.ºs 14, 15, 16, 17 e 18 à PI foram extraídas directamente das contas correntes da contabilidade (alegação constante dos arts. 42.º, 43.º, 53.º e 54.º da PI);

iii)  No âmbito da I, pela celebração de cada contrato de aluguer, era de imediato reconhecido um proveito pela totalidade das rendas vincendas, por contrapartida, no balanço, de contas a receber; depois, pela emissão de cada factura pela renda mensal, já não era reconhecido nenhum proveito, para evitar uma indevida duplicação. Na A, e em linha com o procedimento do Grupo JJ, deixou de ser reconhecido qualquer proveito pela celebração de contratos de aluguer, passando os proveitos a serem automaticamente reconhecidos no momento da emissão de cada factura, pela renda mensal, por contrapartida, no balanço, de contas a receber de clientes, procedimento este que, por motivos de natureza informática, foi automaticamente aplicado a todos os contratos, antigos e novos, do que resultou uma duplicação de proveitos relativamente aos contratos antigos, pelo que se tornou necessário anular essa duplicação de proveitos, pois para esses contratos já no passado o rédito fora reconhecido pela totalidade das rendas (alegações constantes dos arts. 91.º a 94.º da PI).

 

c) Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

17. Relativamente à fundamentação da decisão acima efectuada sobre a matéria de facto, vale a pena principiar por assinalar que o juízo probatório do Tribunal é sempre o fruto de uma apreciação comparativa em que se tem de conjugar os dados objectivos resultantes dos documentos e as declarações testemunhais produzidas, por vezes em termos contraditórios, aferindo as razões de ciência invocadas, tudo em ordem a procurar, com recurso às regras da lógica e da experiência, a verosimilhança que conduza à convicção do Tribunal. Neste âmbito, destaca-se que o Tribunal “deve ter uma atitude crítica de avaliação da credibilidade do depoimento não sendo uma mera caixa receptora de tudo o que a testemunha disser, sem indicar razão de ciência do seu pretenso saber” (vd. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.3.2015, proc. n.º 159/11.5PAPTL.G1).

Assim, a convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados fundou-se nos documentos juntos aos autos pela Requerente, nos documentos constantes do PA, com destaque para o RIT relativamente aos elementos fácticos que não se mostram impugnados pela Requerente (cfr. art. 76.º, n.º 1 da LGT e 115.º, n.º 2 do CPPT), no reconhecimento de factos assumido nas peças processuais das partes, tudo conforme se especifica nos pontos do probatório acima enunciados.

Esclareça-se, em particular, quanto ao facto de ter sido dada como provada no n.º XII, que a factura n.º … no valor de € 5.065,25, da C, Lda foi anulada da contabilidade no ano de 2008, que o depoimento da testemunha arrolada pela Requerente, D, que foi inquirida a este respeito, se revelou meramente conjectural e hipotético (assim, interrogada sobre se havia algum motivo para anular essa factura, declarou: “não, aparentemente não, se era válida, se ainda estava em aberto, se não estava paga não tínhamos razão para a anular”; “até porque a provisão é calculada com base, é o próprio sistema que calcula, com base em facturas em aberto, se a factura não está lá nunca poderia calcular uma provisão nos anos a seguir”) sem evidenciar, pois, um conhecimento concreto da situação, mas fazendo antes meras suposições. Pelo contrário, resulta do doc. n.º 4 (e-mail 8 de Maio de 2012 enviado pelo Senhor Dr. E à Senhora Dra. F), junto ao requerimento de 20.4.2015 da Requerente, a assunção de que “[n]o final do ano [2008] fez-se um write-off do “held back amount” e que “Do ponto de vista económico e outros referenciados em cima, estando os valores provisionados a decisão foi o write-off no final do ano”, sendo que, como se refere no ponto n.º XII, a factura em questão consta do held back amount, linha n.º 3652, do ficheiro em excel. A Requerente, nas alegações iniciais e nas alegações complementares que apresentou, alega que “nem todas as facturas antigas identificadas na listagem do Held back amount foram anuladas”, mas não procede a qualquer especificação que permita ao Tribunal verificar a efectividade da alegação.

No que concerne aos factos dados como não provados, os documentos que foram juntos aos autos e os depoimentos das testemunhas arroladas pela Requerente, D, técnica oficial de contas da Requerente, e de E, director financeiro da Requerente, não permitiram concluir, dada a sua insuficiência, pela comprovação das alegações acima enunciados no n.º 16.

Assim, no que concerne ao ponto n.º i) dos factos dados como não provados, para além do que consta dos pontos n.ºs XIII e XIV do probatório, foi ouvida a testemunha arrolada pela Requerente D, cujo depoimento, porém, não comprovou tal alegação (aliás, formulada na PI em termos meramente conjecturais – cfr. art. 29.º onde se escreve “parece apontar para uma simples troca entre contas bancárias”; art. 32 onde se escreve “ser muito provável a existência de meras trocas de movimentos entre eles”), pois limitou-se, a este respeito, a referir o seguinte: “quando pegámos nos bancos e começámos a fazer nós as reconciliações havia diferenças que não conseguíamos justificar; essas diferenças mantiveram-se sempre ao longo do tempo e chegou a um ponto que tínhamos que tomar uma decisão, e a decisão que tomámos foi regularizar essas diferenças”; “não conseguimos alocar a diferença a um tipo específico; se fosse uma falta de um pagamento ou uma falta de um recebimento não conseguimos alocar (...); vimos que havia diferenças para trás que não conseguíamos justificar, tentámos pegar para trás, não conseguíamos justificar e daí termos regularizado, portanto, anulado as diferenças por proveitos ou por custos conforme a diferença fosse positiva ou negativa”; “explicámos que não eram saídas de dinheiro as negativas e as positivas também não eram entradas de dinheiro; pronto, não tínhamos base para poder justificar aquela diferença, daí termos regularizado da maneira que regularizámos, pois se soubéssemos o que era tínhamos afectado da maneira correta”.

Quanto ao facto não provado referido acima na al. ii), esta conclusão resulta do exame dos próprios docs. n.ºs 14, 15, 16, 17 e 18, que não fornecem qualquer dado comprovativo da respectiva proveniência de contas correntes, assim como do depoimento da testemunha arrolada pela Requerida F que declarou que: “O sistema informático do Grupo JJ não facultava todos os elementos que normalmente um sistema de contabilidade faculta, designadamente, não existiam, não puderam ser facultados nunca os extractos de contas correntes de terceiros, porque me disseram que o sistema o que dava (...) era os valores que estavam em aberto hoje, não me permitiam ver o histórico dos valores quando eram lançadas as facturas e depois os pagamentos, isso não era possível ver para trás (...); “Esta situação de alguma forma foi colmatada (...) através da apresentação de ficheiros de excel, que são os ficheiros de aging (...) em que surgiam então nesses ficheiros de excel as várias facturas, a data de emissão das mesmas, os valores das mesmas e se estavam ou não estavam com provisão constituída. Sendo eles uns documentos que não eram contabilísticos, que são folhas de excel, acabei por testá-los de alguma forma para (...) conferir fiabilidade”; “Deparei-me com situações com valores de clientes em 2008, em 2009 já não estavam, no ano seguinte voltavam a reaparecer”. Assinale-se que, de modo distinto, a testemunha D referiu que as listagens que identificam as facturas são retiradas directamente do sistema de contabilidade, que eram extraídas do próprio programa e convertidas automaticamente em excel (“essas listagens são retiradas directamente do nosso sistema na altura de contabilidade, é extraído do próprio programa e convertido em listagens em excel”; “converte automaticamente em excel, ao extrair uma listagem ele converte automaticamente em excel”). No entanto, no doc. n.º 1 junto com o requerimento de 20.4.2015 (e-mail de 26 de Janeiro de 2012 enviado pela Senhora Dra. D à Senhora Dra. F), o que se lê é o seguinte: “o nosso sistema para tirar extractos é um pouco “complicado”, temos que tirar um a um e transportar para Excel, é um processo um pouco moroso”. Reconhece-se, pois, aqui um “transporte” para Excel e não qualquer automaticidade.

Por fim, quanto à matéria dada como não provada na alínea iii) do n.º 16, assinale-se que o depoimento da testemunha E não coincidiu com o que a Requerente alegou nos arts. 91.º a 94.º da PI, já que o que aqui se indica é que, por força da alteração do procedimento contabilístico na Requerente, ditado por motivos de natureza informática, procedimento esse que foi automaticamente aplicado a todos os contratos, antigos e novos, resultou uma duplicação de proveitos em relação aos contratos antigos, enquanto aquela testemunha aludiu antes a uma duplicação de proveitos que já se verificava na empresa antecedente I (“[A I] “não contabilizava da mesma forma que a A”; a I “simplesmente antecipava o valor e continuava a facturar; no fundo havia ali uma dupla facturação que foi isso que se tentou corrigir posteriormente depois da aquisição que é: eu estou a facturar mensalmente a renda a um cliente e por outro lado tinha lá o proveito já antecipado, estava a duplicar, quando na verdade o que devia ser feito e que nós fizemos quando detectámos esta irregularidade, foi se eu estou a facturar mensalmente de acordo com o contrato então eu deveria abater a este proveito até anulá-lo”). Após questionada pelo Tribunal sobre esta discrepância, esta testemunha passou a referir que: “não havia duplicação nenhuma na I”, a “I simplesmente facturava à cabeça e já está”. Trata-se, pois, de um depoimento incongruente, como tal insusceptível de viabilizar a demonstração das alegações em causa.

Já a testemunha arrolada pela Requerida F, a este propósito, assinalou que: “Uma vez que houve movimentos de ajustamento quer a situações relativas a essas operações de leasing quer relativas a saldos de clientes foram solicitados elementos que clarificassem o que é que tinha acontecido antes (...), nunca me foram apresentados elementos que permitissem confirmar o que é que se tinha passado antes, o que é suscitou todos aqueles ajustamentos, portanto, como é que foram reflectidos anteriormente os tais contratos de leasing, como é que eles tinham sido contabilizados, isso nunca foi esclarecido no procedimento”. Mais acrescentou o seguinte quanto às indagações que fez junto da Requerente: “Não faz sentido nenhum de acordo com a lógica contabilística, o facto de existir um contrato de leasing não pressupõe a contabilização de um proveito, o proveito seria contabilizado com uma factura”; “que contratos são estes, apresentem-me estes contratos, demonstrem-me como é que eles foram contabilizados, vocês estão a regularizar por proveitos (...), se estão a anular proveitos é porque têm alguma evidência de que foram contabilizados, então demonstrem-me isso, não posso adivinhar nem presumir que foi contabilizado um proveito, nada me é dito (...)”.

No que concerne aos documentos juntos aos autos, também não se retira dos mesmos dados objectivos para apurar a contabilização que era efectuada na sociedade I, dado o que – apenas – se observa dos seguintes elementos:

- na carta de 29.3.2012 da Requerente, que se encontra junta no anexo 7 ao RIT, a fls. 61, refere-se o seguinte (ponto n.º 21): “Para efeitos de contas locais a normalização a ser efectuada está demonstrada no relatório de contas de 2008 aprovado pelos nossos auditores, o qual poderá ver em anexo (...). As circunstâncias que estão por detrás destra normalização prendem-se com o facto de terem sido efectuados ajustamentos aos leasings financeiros praticados pela antiga empresa antes da cisão e cujo impacto teve de ser reconhecido conforme documentos em anexo no ano de 2008”;

- no relatório de gestão de 2008 refere-se o seguinte: “este resultado deve-se ao impacto extraordinário do desreconhecimento em 2008 das vendas "Sales Type Lease" que provêm do ajustamento feito no início da A, aquando da operação de fusão e aquisição da ex-I e cujo impacto se dividiu em custos extraordinários de € 1.428.412,00, referentes a 2007 e € 908. 752,00 euros directamente em vendas”;

- o anexo 11 ao RIT (pp. 78 e segs.) incorpora apenas os documentos internos para realização dos ajustamentos de clientes Sales Type Lease;

- os documentos n.ºs 8 a 11 juntos com o requerimento de 20.4.2015 da Requerente, onde se inclui um Anexo 9 “Support for US GAAP adjustments” de Relatório da LL de 31.5.2007, aludem a ajustamentos para efeitos de US GAAP (ou seja, para efeitos dos Generally Accepted Accounting Principles in the United States)[1];

- em sede de exercício do direito de audição a Requerente referiu o seguinte: “todas as vendas deste tipo realizadas antes de 2008 foram apresentadas nas contas desses anos como vendas pela totalidade dos contratos, e na parte correspondente como clientes conta transitória. Nos anos de 2008 e seguintes haveria apenas que contabilizar as facturas das prestações para que não fossem afectados os saldos das contas de vendas e por forma a reduzir os saldos das contas de clientes transitórias e por aumentar as contas de clientes definitivas na mesma medida. Na contabilização das prestações vencidas e facturadas em 2008 e seguintes o TOC da A optou por contabilizar o desreconhecimento da venda que havia sido reconhecida e contabilizada em 2007 e anos anteriores, sem factura, para de seguida contabilizar o reconhecimento como venda, de igual montante, desta vez com base em factura”.

Repare-se que estas afirmações não são, aliás, sempre coincidentes: tanto se refere que o reconhecimento dos proveitos à medida da emissão de facturas mensais se deve à aplicação de procedimentos informáticos, como se alude a uma “opção do TOC”, como parece estar subjacente necessidades para efeitos de US GAAP, pelo que não é possível afirmar concludentemente se os ajustamentos realizados se devem a operações informáticas de transição dos contratos ou a opções e intervenções especificamente decididas. 

Em suma, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, entende-se que não se logrou fazer prova bastante (documental e/ou testemunhal) que permitisse concluir pela verificação dos factos acima enunciados no n.º 16, que, por isso, foram dados como não provados.

Diga-se, por fim, que os factos provados e não provados constantes dos precedentes n.ºs 15 e 16 consubstanciam a matéria de facto que, em face do alegado nos autos, assume relevância, necessária e suficiente, para a decisão final a proferir à luz das possíveis soluções de Direito.

 

2. De Direito

 

18. Cabe agora proceder, tendo em conta os factos provados e não provados, ao exame jurídico da matéria controvertida relativa às correcções em causa nos autos (vd. supra n.º 14) atinentes a: i) regularizações de valores relativos a depósitos à ordem (2009); ii) provisões para dívidas de clientes em contencioso da B (2008 a 2010) e da empresa C, Lda (2009); iii) ajustamento em “Sales Type Lease” (2008, 2009 e 2010) e iv) ajustamentos de saldos de clientes (2008).

Para o efeito, principia-se por descrever as posições das partes em relação às diversas correcções impugnadas, após o que se procederá à apreciação e decisão da matéria em julgamento.

 

2.1. Posição das partes sobre as correcções objecto de litígio

 

A) Custos e proveitos registados por contrapartida de operações de regularizações de saldos de contas bancárias (2009)

 

A.1. Requerente

 

19. Segundo alega a Requerente na sua PI (arts. 19.º e seguintes), uma das deficiências identificadas quando a contabilidade deixou de ser efectuada por uma entidade externa e passou a ser efetuada internamente consistiu na insuficiente conciliação entre os saldos dos extractos bancários e os saldos contabilísticos das muitas contas bancárias movimentadas pela A.

Assim, e exemplificando, refere-se na PI que em dois bancos foi necessário aumentar o saldo contabilístico, originando um proveito de € 30.706,68, e em três bancos efectuou-se um ajustamento negativo, por contrapartida de custos, no valor de € 64.533,77.

Deste modo, sustenta a Requerente que, ao ignorar o ajustamento positivo para atender apenas ao ajustamento negativo, a AT procedeu incorrectamente, pois “a proximidade de valores” “parece apontar para uma simples troca entre contas bancárias” (art. 29.º da PI), pelo que se terá tratado unicamente de uma mera troca de registos entre bancos. Entende a Requerente que, a negar-se a dedutibilidade, deve ser considerado como não dedutível o valor líquido de € 33.826,79 e não apenas a vertente negativa daquelas correcções, pois trata-se de um acerto global de saldos bancários, dado ser muito provável a existência de meras trocas de movimentos entre bancos com os quais a empresa opera (art. 32.º da PI).

Contudo, como não foi possível à Requerente identificar a origem das diferenças detectadas, as quais remontam a exercícios anteriores à fusão, o valor líquido das correcções efetuadas tem a natureza de “encargos não devidamente documentados”, razão pela qual somente a verba de € 33.826,79 deveria ter sido acrescida na determinação do lucro tributável de 2009, e não apenas a componente negativa, como concluíram os Técnicos da Inspecção Tributária (art. 34.º da PI).

 

A.2. AT

 

20. A AT, na sua resposta sobre este ponto da PI (arts. 62.º e segs. da resposta), e citando o RIT, refere que: «No ano de 2009, foram efetuadas correcções de saldos às contas de depósitos à ordem, esta contabilização surge suportada pelo documento interno cuja cópia se anexa e onde apenas surge a identificação das contas bancárias corrigidas, os valores e em contrapartida de custos extraordinários (vd. Anexo 6)».

Neste contexto, foi o sujeito passivo notificado para prestar os devidos esclarecimentos, designadamente para «identificar os documentos (meios de pagamento e facturas/ou outros documentos equivalentes), bem como os destinatários dos pagamentos (cheques e transferências bancárias), relacionados com aqueles e para concretizarem a indispensabilidade daqueles custos nos termos do artigo 23º do CIRC».

Continua a AT, na sua Resposta, citando ainda o RIT, que a Requerente, na sequência deste questionamento pela inspecção, ofereceu a seguinte informação: «relativamente às correcções, apuramos no seguimento de todo o trabalho de reconciliação, neste caso bancária, uma diferença nos bancos ao confrontar os extractos bancários com os referidos saldos. Da mesma forma após o trabalho de reconciliação durante os dois seguintes anos, apuramos uma diferença final de 33k€. Entendemos esgotadas todas as análises possíveis e face à materialidade, rectificar o saldo de bancos pelas diferenças apuradas registando custo ou proveito, conforme sinal da rectificação, não sendo as mesmas relacionadas com pagamentos ou recebimentos não havendo por isso qualquer destinatário ou beneficiário».

Para a AT, os lapsos ou erros resultantes ou a insuficiente conciliação entre os saldos dos extractos bancários e os saldos contabilísticos das muitas contas bancárias movimentadas pela A hão-de ser demonstráveis, desde logo pelo seu confronto com os documentos que serviram de base (ou suporte) aos lançamentos contabilísticos (no caso, extractos bancários) permitindo então a conciliação que se mostrar devida (art. 71.º da resposta).

Ao assumir a “insuficiente conciliação entre os saldos dos extractos bancários e os saldos contabilísticos das muitas contas bancárias movimentadas”, considera a AT (arts. 76.º a 79.º da resposta) que a Requerente reconhece que “estavam por contabilizar entradas e saídas de dinheiro em contas reportadas a depósitos bancários”, para cuja regularização “empreendeu um conjunto de lançamentos contabilísticos movimentando contas de proveitos (para as entradas de dinheiro, influxos não contabilizados) e de custos (para as saídas de dinheiro, exfluxos não contabilizados)”, mas não pode pretender, sem prova bastante, que se considere existir “um balanceamento entre os ajustamentos positivos e os negativos verificados”.

Entende, pois, a AT (arts. 83.º e 84.º da resposta) que os ajustamentos negativos (saídas de dinheiro) foram efectuados por contrapartida da conta de custos extraordinários sem que exista documentação de suporte das operações subjacentes a essas saídas de dinheiro, o que justifica, por si só, o acréscimo ao lucro tributável preconizado no relatório inspectivo (artigos 23.º e 81.º, n.º 1 do CIRC). Por outro lado (arts. 91.º e 92.º da resposta), os “exfluxos em causa – traduzidos por saídas de dinheiro das contas bancárias tituladas pela Requerente – correspondem ao pagamento de aquisições de bens e/ou serviços ou tiveram um qualquer outro destino não descortinável pela contabilidade e para o qual a Requerente não apresenta qualquer justificação plausível”, pelo que tem cabimento “o enquadramento preconizado no relatório inspectivo que, para além de afastar a relevância dos custos contabilizados para o apuramento do lucro tributável, os sujeitou à taxa de tributação autónoma do então artigo 81º, n.º 1 do CIRC”.

 

B) Provisões para dívidas de clientes: B

 

B.1. Requerente

 

21. Sustenta a Requerente (arts. 39.º e segs. da PI) que, em 2008, constituiu uma provisão (entende o tribunal que melhor se poderia dizer “ajustamento” ou “imparidade”, dado que “provisões” são, como se sabe, estimativas de obrigações futuras) de € 3.812,28 sobre a totalidade das facturas a receber de dois clientes: a MM e a B, tendo considerado esta última como integralmente dedutível, no errado pressuposto de que tinha sido intentada a sua cobrança judicial, quando de facto apenas tinham sido enviadas as facturas para os advogados. A situação foi identificada e os Técnicos da Inspecção Tributária calcularam a parte da provisão aceite por mora, que era de € 2.103,06, acrescendo o excesso, no valor de € 1.709,22.

Refere, depois, a Requerente que, no ano seguinte de 2009, os Técnicos da Inspecção Tributária efectuaram o ajustamento inverso (reversão) decorrente do aumento da antiguidade das facturas não cobradas da MM, mas não fizeram idêntico ajustamento relativamente à B.

Para a Requerente, decorre das listagens de facturas pendentes de cobrança no fim do exercício de 2008 e 2009 (Anexos 14 e 15), extraídas directamente das contas correntes da contabilidade, que - devido ao aumento da antiguidade - o excesso tributável associado às facturas da B reduz-se de € 1.709,22 para € 552,48, pelo que a diferença, no valor de € 1.156,74, deverá ser deduzida no apuramento do lucro tributável de 2009.

O esquecimento da reversão da provisão para créditos de cobrança duvidosa da B, pelo aumento da antiguidade, assinalado para o ano de 2009, teve igualmente impacto em 2010: o excesso tributável daquela provisão passou de € 552,48 para € 65,95, pelo que o resultado fiscal deveria ter sido reduzido em € 486.53.

 

B.2. AT

 

22. Para a AT, conforme expõe nos arts. 95.º e seguintes da sua resposta, o que resulta do procedimento inspectivo é a constatação, no ano de 2008, do indevido provisionamento a 100% de um conjunto de créditos que ascendia a € 3.812,27, já que a Requerente havia provisionado a totalidade do crédito no errado pressuposto de que o mesmo tinha sido judicialmente reclamado, o que não sucedeu. Consequentemente, apenas foi aceite, nesse ano, o provisionamento do montante de € 2.103,06, por mora, nos termos do então disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 35.º do CIRC.

Sustenta a AT que a posição da Requerente - tendo por base os documentos que junta com os n.ºs 14 e 15, que afirma terem sido extraídas das contas correntes da contabilidade – segundo a qual o aumento da antiguidade da mora deveria ter sido levado em conta nos exercícios de 2009 e 2010 e que, consequentemente, o valor acrescido no ano de 2008 (€ 1.709,22) deveria ter sido deduzido no apuramento do lucro tributável de 2009 (€ 1.156,74) e 2010 (€ 486,53), não é defensável.

Alega a AT que a análise empreendida, aquando do procedimento inspectivo, aos saldos de clientes, ou seja das facturas que se encontravam em dívida, não foi efectuada com base em contas correntes. O sujeito passivo não as facultou, argumentando com a impossibilidade de extracção destas por o programa informático apenas lhe facultar os elementos a que a AT teve acesso. Sustenta, pois, a AT que lhe não foi facultada informação relativa a momentos anteriores que permitissem a cabal análise da evolução de movimentos e saldos em cada período.

A AT sublinha que os documentos apresentados como 14 e 15 ao requerimento inicial, meras folhas EXCEL, não podem concretizar a prova da pretensão expressa pela requerente.

 

C) Provisões para dívidas de clientes: C

 

C.1. Requerente

 

23. Nos termos do RIT, junto como doc. n.º 7 à PI (p. 14), a factura n.º …, de 24.05.06, no valor de € 5.065,25, tinha sido anulada em 2008 por utilização da provisão para créditos de cobrança duvidosa, e em 2009 tinha sido criada uma nova provisão para aquela mesma factura, então supostamente inexistente, pelo que se corrigiu aquele montante.

A Requerente, na sua PI (arts. 53.º e segs.), confirma que a referida factura integrava a listagem das facturas antigas transitadas da I, conforme pretende evidenciar de um extracto da listagem das facturas a receber no fim do exercício de 2008, que teria sido obtido directamente da respectiva conta corrente na contabilidade de 2008 (documento n.º 17), invocando que o mesmo se verificava relativamente ao ano seguinte, conforme se demonstra pelo extracto relativo ao fim do exercício de 2009 (documento n.º 18).

Assim, permanecendo aquela factura em balanço quer em 2008 quer em 2009, carece de fundamento a afirmação do RIT de que ela foi anulada em 2008.

 

C.2. AT

 

24. A AT, pelo seu lado, alega na sua resposta (arts. 107.º e segs.) que, de acordo com o relatório inspectivo: «O Cliente C, Lda., surge identificado pela A como cliente em contencioso, no entanto na resposta à nossa notificação de 28 de Agosto de 2012 (ponto 4), é esclarecido que contra este não foi apresentada em tribunal qualquer peça processual. Acresce que constatámos que uma das facturas provisionadas foi abatida (writeoff, lançamento Heldbackamount) no ano de 2008, ou seja este crédito foi anulado da contabilidade por contrapartida de provisão anteriormente constituída.

A situação descrita está relacionada com a factura n.º 47 (…) emitida em 24/05/2006, no valor de € 5.065,25, que consta no ficheiro aging de 2009, onde é constituída provisão com referência à data de 31/ /12/2009, no valor da referida factura ou seja de € 5.065,25.”

Para a AT, nada do que é dito pela Requerente contraria a posição da Administração Tributária, nomeadamente que a factura em causa foi objecto de anulação por contrapartida de provisão anteriormente constituída. Não é a circunstância de se anexar uma folha de Excel (documento n.º 18) e afirmar que a factura consta do balanço de 2009 que permitiria inviabilizar o que foi alegado pela AT.

Para a Requerida, atendendo ao referido no ponto III.2.7 “Ajustamento de saldos de clientes - Ano de 2008” do relatório inspectivo verifica-se que aí se faz referência (cf. pág. 32) ao facto de, em Dezembro do ano de 2008, se ter procedido ao abate de facturas provisionadas (no montante total de € 214.378,79) remetendo-se para o anexo 14 (ao dito relatório) onde, a fls. 122 verso, se encontra a factura em causa. Ora, reitera a AT “um crédito resultante da actividade normal de uma empresa não pode suportar a contabilização da sua imparidade por duas vezes”.

 

D) Ajustamentos em Sales Type Lease ou Leasing Adjustments

 

D.1. Requerente

 

25. Alega a Requerente, na sua PI (arts. 90.º e segs.), que, no âmbito da I, pela celebração de cada contrato de aluguer, era de imediato reconhecido um proveito pela totalidade das rendas vincendas. Tal registo efectuava-se por contrapartida, no balanço, de contas a receber. Posteriormente, pela emissão de cada factura pela renda mensal, já não era reconhecido qualquer proveito, para evitar uma indevida duplicação.

Na A, e de acordo com o procedimento do Grupo JJ, deixou de ser reconhecido qualquer proveito pela celebração de contratos de aluguer, passando os proveitos a ser em automaticamente reconhecidos no momento da emissão de cada factura, pela renda mensal, por contrapartida, no balanço, de contas a receber de clientes.

Alega a Requerente que, por motivos de natureza informática, este novo procedimento foi automaticamente aplicado a todos os contratos, antigos e novos, daí resultando uma duplicação de proveitos relativamente aos contratos antigos. Foi assim necessário anular essa duplicação de proveitos, pois, para esses contratos, já o rédito fora reconhecido pela totalidade das rendas.

Como a primeira anulação de proveitos duplicados foi efetuada em 2008, e a fusão que deu origem à A, SA se reporta a Janeiro de 2007, foi necessário, nesse primeiro ano, anular a duplicação de proveitos relativa às facturas emitidas em 2008 (€ 905.752,39) assim como a duplicação de proveitos relativa às facturas emitidas em 2007 (€ 1.428.412,23)

Como este último movimento infringiu o princípio da especialização dos exercícios (anulação em 2008 de proveitos relativos a facturas de 2007), foi contabilizado em resultados de exercícios anteriores e adicionado no Quadro 07 na Declaração modelo 22 do IRC de 2008.

Idêntico ajustamento foi efetuado em 2009, relativamente às facturas de contratos antigos, no valor de € 401.179,09, e em 2010, no valor de € 52.752,00, ambos por contrapartida, no balanço, de contas a receber de clientes. Para a Requerente, a questão colocar-se-ia nos mesmos termos caso a I nunca tivesse sido incorporada noutra empresa, pelo que não são relevantes as considerações do RIT sobre neutralidade fiscal.

Ao não aceitar as correcções feitas, a Requerente entende que a AT veio reintroduzir a duplicação de colecta que as anulações efetuadas visavam evitar, pelo que sustenta a ilegalidade do ajustamento de € 908.752,00 efetuado pela AT relativamente a 2008, do ajustamento de € 401.179,09 relativo a 2009 e do ajustamento de € 52.198,84 relativo a 2010.

 

D.2. AT

 

26. Por seu turno, refere a AT (arts. 116.º e segs. da resposta) que, no sentido de esclarecer a contabilização dos ajustamentos e da movimentação de contas referidas no anexo 11 do RIT, a Inspecção procedeu à notificação, datada de 19 de Março de 2012, da Requerente, que respondeu remetendo para o Relatório de Gestão, o qual refere, a folhas 5 e 6, que: “este resultado deve-se ao impacto extraordinário do desreconhecimento em 2008 das vendas “Sales Type Lease” que provêm do ajustamento feito no início da A, aquando da operação de fusão e aquisição da ex-I e cujo impacto se dividiu em custos extraordinários de € 1.428.412,00, referentes a 2007 e € 908.752,00 euros em 2008.

Para a AT, perante a factualidade apurada, os elementos da contabilidade e a resposta da Requerente, havia que proceder ao enquadramento fiscal da situação no âmbito do CIRC, tendo em conta que os ajustamentos foram efetuados na sequência da operação de fusão, pelo que se impunha a análise da situação à luz do regime da neutralidade fiscal.

O entendimento da inspecção e a motivação da correcção aos ajustamentos teve como pressupostos:

(i) os ajustamentos ocorreram, como informou a Requerente, na sequência da operação de fusão, como tal, a situação deve ser apreciada à luz do regime da neutralidade fiscal;

(ii) a falta de prova, apesar da notificação para esse efeito, dos factos que estiveram na origem dos ajustamentos anteriores ao exercício de 2008, quer em sede de procedimento inspectivo quer no âmbito da certificação legal de contas.

Considera, então, a Requerida que, em obediência ao princípio da neutralidade fiscal, o apuramento dos resultados respeitantes aos elementos patrimoniais transferidos é efectuado como se não tivesse havido fusão, pelo que os ajustamentos não poderão concorrer para o apuramento da matéria tributável.

Por outro lado, refere a Requerida que a afirmação da Requerente de que a adopção de novos procedimentos redundou numa duplicação de proveitos que foi necessário anular, está longe de ser comprovada e é manifestamente insuficiente para contraditar a correcção efectuada pela inspecção.

No entender da AT, incumbia à Requerente proceder à junção de documentação referente aos proveitos que contabilizou e declarou, nomeadamente, os contratos de aluguer, as facturas emitidas aos clientes, bem como demonstrar como efectuou os registos contabilísticos destes documentos nos exercícios anteriores.

 

E) Ajustamentos de saldos de clientes-2008

 

E.1. Requerente

 

27. Sustenta a Requerente (arts. 106.º e segs. da PI) que, antes da venda do capital da I ao Grupo JJ, as suas contas apresentavam um saldo a receber de clientes de 13,4 milhões de euros, sendo que 3,5 milhões de euros respeitavam a facturas antigas.

O ficheiro com a listagem dessas mais de 9.000 facturas, totalizando 3,5 milhões de euros, constitui o denominado “Held back amount”, que apenas serviu para definir o preço final da venda do capital da I ao Grupo JJ e que, alega a Requerente, não tem qualquer relevância contabilística. Sempre que alguma factura dessa listagem fosse cobrada, era aí abatida, sem prejuízo do registo normal da cobrança na contabilidade.

A Requerente anulou em 2008 facturas em que creditou valores a receber por contrapartida/débito/redução da provisão para créditos de cobrança duvidosa. E, tendo a provisão sido utilizada para anular saldos de facturas incobráveis, carece de sentido o procedimento dos Técnicos da Inspecção Tributária ao proporem a anulação, por contrapartida de proveitos, de uma provisão que já não existe, por ter sido utilizada, como se demonstra pelo lançamento efetuado.

Compreende a Requerente que a circularização efectuada a alguns clientes tenha evidenciado algumas situações anómalas, mas refere não compreender, nem aceitar, que essas situações anómalas tenham sido extrapoladas para os € 3.542.035,01 de todas as facturas anuladas por contrapartida da provisão.

No entender da Requerente, a utilização da provisão assim constituída para anular facturas que não cumpram o critério de “comprovadamente se encontrem em mora”, não tem qualquer relevância fiscal, pois trata-se de um simples movimento entre duas contas de balanço, sem qualquer implicação seja no resultado contabilístico seja no resultado fiscal.

 

E.2. AT

 

28. Para a AT, a inspecção mostra que a Requerente, em anos anteriores a 2008, constituiu provisões para clientes, custos estes aceites fiscalmente, e em 2008 anulou saldos de clientes, não por estar em causa a sua cobrabilidade, mas porque estavam pendentes nas contas correntes, utilizando as provisões que constituíra e que influenciaram os resultados de exercícios anteriores.

Tal conclusão foi corroborada pelas respostas dos clientes circularizados, com base em amostragem no decurso do procedimento inspectivo, os quais testemunharam situações como a existência de facturas desconhecidas ou de facturas já pagas.

Desta forma, segundo a AT, no ano de 2008 deveria a Requerente ter procedido à reversão do valor das provisões anteriormente constituídas, uma vez que não estava em causa a cobrabilidade dos saldos de clientes, tal como determina o n.º 2 do artigo 34.º do CIRC, bem como sanear os saldos devedores que integraram os saldos de clientes da A com a fusão, os quais influenciavam o Balanço da empresa, sem representarem dívidas efectivas de terceiros.

É, pois, correta a decisão de acrescer à matéria tributável o montante de € 3.572.245,29, na medida em que tal valor deveria ter sido reconhecido em proveitos por via da reversão de provisões consideradas fiscalmente em exercícios anteriores.

Ora, a única forma admissível de “reduzir ou rectificar o valor das facturas” emitidas faz-se mediante a emissão de notas de crédito, pelo que o que de facto ocorreu foi, tão só, a adopção de um movimento contabilístico de redução de proveitos ou rendimentos com relevância fiscal.

Desta forma, para AT, não faz sentido a afirmação proferida pela Requerente no artigo 128.º da PI no qual refere “A utilização da provisão assim constituída para anular facturas que não cumpram o critério de “comprovadamente se encontrem em mora”, não tem qualquer relevância fiscal, pois trata-se de um simples movimento entre duas contas de balanço, sem qualquer implicação seja no resultado contabilístico seja no resultado fiscal”, pois “foram, de facto, contabilizados gastos com reforço de provisões de clientes”.

 

2.2. Apreciação jurídica do Tribunal

 

A) Considerações prévias

 

29. Expostas, não obstante o já decidido quanto à factualidade provada e não provada, as posições que as partes adoptaram nos presentes autos, proceda-se agora à apreciação jurídica das correcções controvertidas.

O Tribunal observa, em primeiro lugar, em relação ao plano das decisões da gestão empresarial, que determinados ajustamentos contabilísticos efectuados podem constituir um meio para colocar a informação financeira em consonância com a realidade patrimonial que a administração das empresas julgue mais consistente. Também aceita que no contexto de uma fusão de empresas com dimensão apreciável e com milhares de registos contabilísticos – como é o caso dos autos –  é compreensível que surjam lapsos.

Mas a missão do Tribunal, evidentemente, não cessa nesta apreciação, longe disso. O Tribunal tem de julgar se nessas operações foram ou não respeitados os preceitos legais a que a tributação do rendimento societário deve obedecer.

Como decorre do artigo 23.º do CIRC, que a seguir se transcreve na parte considerada relevante, na republicação resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13.7 (tendo presente que, descontando a adaptação da terminologia, conforme o art. 8.º, n.º 2 do mencionado Decreto-Lei n.º 159/2009, a substância da solução se manteve em relação à versão anterior aplicável aos exercícios de 2008 e de 2009), a comprovação dos gastos é elemento necessário para sua dedutibilidade fiscal:

Artigo 23.º

Gastos

 1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

 a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança -reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados;

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta;

f) De natureza fiscal e parafiscal;

g) Depreciações e amortizações;

h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;

i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

j) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em activos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;

l) Menos-valias realizadas;

m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

 

Assim, em consonância com esta disposição, para se verificar a dedutibilidade fiscal dos gastos é indispensável, antes do mais, a demonstração da respectiva existência, a qual, como regra, envolve a sua comprovação mediante documento fiscalmente relevante e devidamente contabilizado.

Por outro lado, o CIRC impõe às entidades sujeitas a esta tributação obrigações de registo de factos patrimoniais que se estabeleciam, em relação aos anos de 2008 e 2009, no artigo 115.º e, em relação ao ano de 2010, na sequência da republicação operada pelo referido Decreto-Lei n.º 159/2009, no art. 123.º, cujo teor aqui relevante importa citar:

“1 — As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma actividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direcção efectiva em território português, bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direcção efectiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável.

2 — Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte:

 a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário;

b) As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos”.

 

Aliás, em termos gerais, determina o art. 31.º, n.º 2 da LGT que constituem obrigações acessórias do sujeito passivo “as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevante, incluindo a contabilidade ou escrita”.

Ora, a contabilidade geral ou patrimonial visa, como se sabe, dar a conhecer a situação de uma entidade económica segundo diversas ópticas. Numa óptica económica, apura-se o resultado líquido, a partir do confronto entre custos e proveitos. Numa óptica patrimonial, observa-se, no balanço, a constituição do activo, do passivo e da situação líquida.

Para facultar esta – e outra – informação, a contabilidade regista factos patrimoniais. Dois requisitos são necessários para que se proceda a estes registos: uma base documental que possibilite a quantificação do facto a evidenciar; e a utilização de contas apropriadas que, entre nós, constam do normativo contabilístico em vigor. 

A base documental dos registos pode ser de natureza externa ou interna.

Será de natureza externa, no caso de as operações a registar serem realizadas entre entidades diversas. Assim, as vendas de mercadorias a clientes, o pagamento de juros a um banco, são documentalmente baseados em facturas, notas de débito, ou outros documentos que são emitidos por uma entidade e remetidos à outra.

Casos existem, porém, relativamente aos quais os factos a registar pela contabilidade financeira ou patrimonial, respeitando a operações puramente internas, não se podem basear em documentos externos emitidos por terceiros ou a eles destinados. Será o caso, por exemplo, da deterioração de existências, ou do cálculo e registo como custo num determinado exercício dos valores referentes a encargos com férias e subsídios de férias cujo direito se constituiu nesse exercício, mas que apenas se pagarão no seguinte.

Em tais situações, o suporte documental dos registos contabilísticos é geralmente constituído por elementos elaborados internamente, nos quais se baseiam depois as notas de lançamento que evidenciam as contas movimentadas[2].

Todavia, em matéria de gastos que resultem – ou se contabilizem em decorrência – de relações com terceiros, eles deverão, por regra, ser apoiados ou baseados em documentos de terceiras entidades (v.g., facturas, recibos, extractos, notas de débito, conta-corrente, contratos), exigindo-se, pois, que tais gastos sejam comprovados, em primeira linha, por tais documentos.

A este respeito, veja-se o que o Supremo Tribunal Administrativo sustentou no seu acórdão de 5.7.2012, proc. n.º 0658/11, no qual se decidiu (cfr. o respectivo sumário) o seguinte:

I – Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº 1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.

II – Se a recorrente, além de não ter apresentado documentos externos identificadores das principais características das transacções, se limita a apresentar notas internas contabilizadas (…) sem identificação das principais características das operações efectuadas, tais como, o objecto, o adquirente, o fornecedor e o preço, não podem relevar como documentos comprovativos dos respectivos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº 1, alínea a), e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, preceito segundo o qual para o efeito da determinação do lucro tributável só relevam os encargos devidamente documentados.

III – As exigências formais em sede de comprovação de custos visam propiciar à Administração Fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que (...) à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro, e não se tratando de uma prática isolada, mas de uma prática reiterada e que envolve vários agentes económicos, com e sem contabilidade organizada, aceitar tais notas como documento idóneo a comprovar os respectivos custos, seria fazer tábua rasa da obrigação que impende sobre a recorrente quanto às exigências de contabilidade organizada e, ao mesmo tempo, convidar a ficarem fora do sistema fiscal, múltiplos agentes económicos.

IV – No caso concreto, considerando que os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real não são absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, e que o princípio da justiça não cobre situações como as dos autos, numa ponderação global dos interesses em presença, mediada pelo princípio da proporcionalidade, deve dar-se prevalência à protecção do interesse público no combate à fuga e evasão fiscal, subjacente às exigências de natureza formal”.

 

Como se sublinha neste Acórdão, é pacífico que, em sede de IRC (tendo em atenção as regulações aplicáveis ratione temporis), o formalismo dos documentos probatórios dos gastos não tem de atingir as exigências do CIVA. Mas as operações com terceiros têm de evidenciar, ao menos, base documental que se julgue como elemento mínimo de suporte, eventualmente reforçado por outro tipo de prova, que esclareça ou complemente o indício de que uma certa entidade incorreu num custo. Se forem documentos internos, têm de conter informação bastante para que a informação neles expressa sobre as transacções seja testada, no confronto com as entidades que deles constam como contrapartes.

Outros meios de prova, como a testemunhal, servirão fulcralmente, via de princípio, como elementos auxiliares ou de comprovação suplementar, caso a prova documental permita suscitar ou indagar esse tipo de comprovação adicional ou supletiva.

Assim, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.1.2014, proc. n.º 01632/13, considerou-se que “apesar de lei tributária fazer depender a dedutibilidade do gasto/custo da respectiva comprovação (art. 23° nº 1 e art. 45º nº 1 al. g) do CIRC), não a restringe à resultante da respectiva inscrição contabilística e documento externo de suporte, aceitando-se que, na insuficiência destes, seja, para este efeito (em sede de IRC), feita a prova da ocorrência do custo e da respectiva afectação empresarial, por outros meios de prova”, mas logo se assinalou que “aquela prova documental se deve ter como preponderante na documentação do custo e na sua consequente dedutibilidade”.

Em suma, os documentos - externos e internos - que sustentam custos decorrentes de operações que envolvem terceiras entidades deverão ser sujeitos a um escrutínio particular, até em função do princípio da real capacidade contributiva.

Na doutrina fiscal, a importância cimeira da prova documental dos gastos é também sublinhada. Assim, António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra, 2004, refere (p. 109): “Em matéria de custos, o meio de prova mais importante é, sem dívida, o documental, por motivos que se reconduzem a uma maior adequação à exigência de praticabilidade e às específicas características do contencioso tributário, isto para além da destacada importância que este meio de prova assume na prática usual do comércio e das transacções económicas”. Prossegue o Autor sublinhando que (p. 195): “A jurisprudência não acolhe como regra única o princípio da equiparação entre facturas e documento justificativo do custo…Numa palavra, a exigência de prova documental, nesta sede, não se confunde nem se esgota na exigência de factura”. À questão de saber se o documento justificativo é o meio de prova exclusivo para a “comprovação” do custo, responde o Autor que (p. 202): “A corrente jurisprudencial maioritária vai no sentido de se admitir o recurso a outros meios de prova (designadamente a prova testemunhal) para se comprovar que certo lançamento se reporta a um custo…”.

Por fim, sobre a relação entre prova documental e prova testemunhal, escreve ainda o citado Autor (p. 202): “O STA já teve oportunidade de se pronunciar sobre este tema, separando as questões da substituição de factura por prova testemunhal (não admitida por lei) dos casos em que a prova testemunhal funciona como mero complemento dessa prova documental”.

A questão dos meios alternativos da prova de gastos registados foi também muito recentemente alvo de nova apreciação, por parte do Tribunal Central Administrativo Norte, no acórdão de 14 de Julho de 2014, no processo 02390/05.0BEPRT, em que se decidiu o seguinte: “na ausência de documento externo, que comprove o custo em causa, tem de ser admitida a prova da realização do custo por qualquer meio, desde que adequado a demonstrar as principais características da transacção, o que implica a clara definição das operações em causa e a produção da necessária prova no sentido de ultrapassar a dificuldade apontada relacionada com a falta de documento externo…”, considerando-se ainda que: “Nesta medida resulta elementar que (...) cabia à Recorrida desenhar todo o processo em apreço, especificando as principais características de cada uma das transacções em causa”, “impondo-se evidenciar o processo a montante, ou seja, aquilo que foi contratado entre as partes, as condições fixadas, (...) de forma a tornar clara a leitura do conjunto de situações discutidas nos autos”.

Como se observa, os meios alternativos ou complementares à comprovação documental hão de, ainda assim, ser bastantes para que não fique indeterminação sobre as características materiais das operações. Deve tal comprovação apoiar-se numa factualidade bem precisa e fundada em elementos que confluam numa base sustentável para a admissibilidade de tais gastos.

Deste modo, não poderá ser reputada suficiente a prova testemunhal que se limite a confirmar os lançamentos contabilísticos e a realização dos documentos internos para o efeito, exigindo-se a elucidação e demonstração da materialidade e quantificação das operações subjacentes.

 

30. Por outro lado, importa ter presente que, de acordo com o artigo 74.º, n.º 1 da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

Em consequência, cabe à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua actuação, para o que deve provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão administrativo-tributária com certo conteúdo e com certo sentido. Pelo seu lado, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.

Ora, impõe-se observar que as correcções impugnadas relativas a regularizações de valores relativos a depósitos à ordem, à redução do resultado fiscal quanto à B, a ajustamentos em “Sales Type Lease” e a ajustamentos em saldos de clientes prendem-se com a afirmação de posições e a realização de ajustamentos com repercussão fiscal por parte da Requerente, consubstanciando as liquidações tributárias realizadas, na parte correspondente, o não reconhecimento dessas posições a que se arroga a Requerente, designadamente pela falta de comprovação dos pressupostos subjacentes. Como tal, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, cabe à Requerente a demonstração das bases e situações fácticas em que se sustentam os ajustamentos, desreconhecimentos e regularizações que, por ela, foram promovidos e cuja relevância e consistência tributárias afirma, recaindo, pois, sobre a Requerente o ónus de esclarecer, comprovar e documentar as operações em causa e sua justificação. Isto mesmo, aliás, é expressamente reconhecido pela Requerente que, nas suas alegações (n.º 3), assume que “sobre a Requerente impendia o ónus de prova dos factos constitutivos do direito alegado”.

Nesta sequência, deve, ainda, assinalar-se que resulta do artigo 75.º, n.º 1 da LGT que as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, se presumem verdadeiras. Porém, esta presunção cessa nomeadamente se essas declarações, contabilidade ou escrita, ou os respectivos dados de suporte, apresentarem omissões, erros e inexactidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (art. 75.º, n.º 2, al. a) da LGT). Recorde-se ainda que, nos termos do n.º 3 do art. 75.º da LGT, “[a] força probatória dos dados informáticos dos contribuintes depende, salvo o disposto em lei especial, do fornecimento da documentação relativa à sua análise, programação e execução e da possibilidade de a administração tributária os confirmar”.

Compete, então, sinalizar que a própria Requerente reconhece a existência de deficiências nos seus registos contabilísticos (cfr. art. 15.º da PI onde se declara que: “A Requerente reconhece e não escondeu que, apesar do esforço de regularização acima referido, subsistiram algumas insuficiências e anomalias nos registo contabilísticos transitados da i, principalmente nas áreas de contas a receber”; vd. igualmente a alusão a deficiências na contabilidade nos arts. 19.º da PI), o que, necessariamente, afecta a integral credibilidade da contabilidade. Aliás, conforme facto constante do n.º IV do probatório, isto foi mesmo objecto de escusa de opinião na certificação legal de contas de 2007 relativa à Requerente.

Ora, sempre que se aplique a al. a) do n.º 2 do art. 75.º da LGT, “será sobre o contribuinte que recai o ónus de prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existam dúvidas probatórias”, pelo que “as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas” para os efeitos do n.º 1 do art. 100.º do CPPT (vd. assim Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, vol. II, 6ª ed, 2011, p. 133)

Daí que incida sobre a Requerente o ónus da demonstração efectiva dos factos inscritos e das razões na base dos ajustamentos realizados na contabilidade, não bastando ficar a dúvida sobre a viabilidade da respectiva justificação, porquanto o disposto no n.º 1 do art. 110.º do CPPT tem a sua aplicação fulcral quando é a Administração Tributária a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação (cfr., assim, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11). Deste modo, a prova produzida deve assegurar, com a certeza exigível[3], que as regularizações e ajustamentos realizados possuem consistência e materialidade bastante em face das justificações que lhe presidem.

É esta a grelha analítica que o Tribunal entende dever ser aplicada no âmbito da resolução do caso em apreço. Proceda-se, então, agora, em atenção a estes elementos, à específica subsunção dos factos ao Direito.

 

B) Custos e proveitos registados por contrapartida de operações de regularização de saldos de contas bancárias (2009)

 

31. O trabalho de reconciliação dos valores em contas bancárias registados na contabilidade com aqueles que surgem nos extractos bancários regularmente disponibilizados às entidades empresariais que são titulares desses depósitos constitui, como se sabe, no plano da gestão financeira, peça fundamental no controlo da posição de liquidez efectiva das empresas.

Como sublinham António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues, Elementos de Contabilidade Geral, Áreas Editores, 2010, pp. 247-248 “periodicamente deverão ser conferidos os saldos existentes em cada um dos bancos com os saldos contrários indicados nos extractos de conta enviados pelos bancos…e justificadas as diferenças encontradas.

Trata-se de um dos processos obrigatórios na gestão das contas de depósitos à ordem, pelo que deve ser realizada com uma periodicidade frequente.

Para que as contas estejam efectivamente reconciliadas torna-se necessário que a “diferença na reconciliação” seja nula. Não o sendo deverá ser apresentada justificação para tal facto, sem o que se poderá pôr em causa o controlo das quantias relativas às contas bancárias”.

Ora, o que decorre dos autos é, assim o entende o Tribunal, uma situação que reflecte um conjunto de discrepâncias ou divergências que, no passado mais ou menos distante, se foram acumulando entre os saldos das contas de depósitos bancários evidenciados pelos extractos e aqueles que constavam da contabilidade.

Dado o que ficou provado (vd. n.ºs XIII e XIV dos factos provados), a Requerente não possuía documentação de suporte que, de maneira precisa, permitisse o ajustamento ou reconciliação de tais saldos. Assim, entendeu efectuar correcções globais de diversas contas, por contrapartida de proveitos ou de custos, consoante os casos.

Verifica-se, pois, que a Requerente não comprovou documentalmente tais registos, mas limitou-se a um acerto global, nuns casos registando proveitos, noutros reconhecendo custos, com base apenas em nota interna (cfr. n.º XIV do probatório). A própria Requerente, aliás, entende justificada a não aceitação da diferença entre proveitos e custos, pois o que questiona é que a AT tenha apenas desconsiderado os custos e, para mais, que os sujeite à taxa de tributação autónoma (vd. supra n.º 19).

Pois bem, tendo a Requerente registado proveitos e custos por contrapartida de tais regularizações, é porque lhe pareceu que a contrapartida mais razoável, ou mais exequível, dos movimentos em depósitos que não conseguiu explicar de outro modo, apresentaria uma natureza tal que deveria afectar os resultados do exercício. Os registos contabilísticos terão, como é natural, de servir, entre outras coisas, para que um utilizador externo interprete qual o sentido das decisões de gestão subjacentes a tais registos. Se assim não fosse, a contabilidade perderia muita da sua razão de ser.

Como acima se referiu, o art. 23.º do CIRC, bem como o art. 81.º, n.º 1, in fine do mesmo CIRC, impõem a comprovação dos custos. Ora, em face da prova produzida (cfr. n.ºs XIII e XIV dos factos provados e alínea i) dos factos dados como não provados), verifica-se que os custos registados por contrapartida da regularização de contas bancárias não possuem a base necessária documental para que se considerem comprovados. Assim, diferentemente do pretendido pela Requerente (vd. supra n.º 19) não constituem simplesmente encargos não devidamente documentados (cfr. art. 42.º, n.º 1, al. g) do CIRC), pois, nestes últimos existe um documento, que, todavia, se julga inapropriado ou insuficiente como prova (cfr., a este respeito, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.4.2010, proc. n.º 619/09, no qual se observou que as despesas não devidamente documentadas “são aquelas que se encontram apoiadas em documentos mas estes não demonstram, de forma inequívoca, a materialidade da operação subjacente e os demais elementos indispensáveis à quantificação dos respectivos reflexos”). No caso dos autos, não se vislumbra que os elementos postos a disposição da AT (o documento interno a que se refere o ponto n.º XIV do probatório) constituam provam, ainda que insuficiente ou indevida, de tais custos.

Lembre-se, aliás, que a AT solicitou à Requerente (cfr. o referido no n.º III.2.3.1 do RIT transcrito no ponto n.º XVII do probatório) que identificasse os documentos (meios de pagamento e facturas/ou outros documentos equivalentes), bem como os destinatários dos pagamentos (cheques e transferências bancárias), relacionados com aqueles, o que não aconteceu. Por seu lado, conforme acima descrito (n.º 16) o depoimento da testemunha arrolada pela Requerente D – prova testemunhal esta que, de qualquer forma, não poderia, no caso de espécie, operar como substituto pleno da necessária documentação – o que confirmou foi a inviabilidade de alocar as diferenças nas reconciliações bancárias a um tipo específico de falta de pagamento ou uma falta de recebimento (“não tínhamos base para poder justificar aquela diferença, daí termos regularizado da maneira que regularizámos, pois se soubéssemos o que era tínhamos afectado da maneira correta”).

 Deste modo, configuram-se na situação em presença custos não documentados no montante de €64.533,77, dada a ausência de documentação de suporte das operações subjacentes.

Ora, em presença de despesas não documentadas, determina o art. 81.º, n.º 1 do CIRC (na redacção aplicável ao ano de 2009) que tais despesas “são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como custo nos termos do art. 23.º”.

Esta determinação aplica-se, de pleno, aos custos em causa sem ser necessário dissecar, para a situação em presença, a figura das despesas confidenciais (cfr. o que se refere nas pertinentes alíneas i) a q) das alegações da Requerente), isto é, das despesas que não são especificadas ou identificadas quanto à sua natureza, origem e finalidade, sendo, pela sua própria natureza, não documentadas (cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 5.7.2000, proc. n.º 24.632, bem como, sobretudo, o acórdão do mesmo Supremo Tribunal Administrativo de 28.1.2009, proc. n.º 575/08, no qual se assinalou, em relação à “referência cumulativa a despesas confidenciais e a despesas não documentadas” que “as primeiras serão aquelas relativamente às quais não é revelada a sua natureza, origem e finalidade, enquanto as segundas serão despesas relativamente às quais não existe prova documental, embora não haja ocultação da sua natureza, origem ou finalidade” mas “[t]odas elas, no entanto, serão despesas não comprovadas documentalmente”), porquanto esta figura das despesas confidenciais viu a sua autonomização conceptual ser eliminada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31.12. Na verdade, o que importa assinalar é que, por representarem custos não documentados, os custos contabilizados no montante de €64.533,77 encontravam-se sujeitos a tributação autónoma à taxa de 50% (€ 64.533,77 X 50% = 32.266,89).

Em suma, a correcção efetuada pela AT de acréscimo ao lucro tributável destes custos não documentados é legal, bem como a tributação autónoma que sobre esses custos recaiu, pelo que improcede, nesta parte, o pedido arbitral.

 

32. Acrescente-se que também se tem de excluir a pretensão da Requerente de que deveria ser considerado apenas o valor líquido das regularizações efectuadas, compensando os acertos negativos com os positivos.

É que tendo os proveitos sido considerados pela Requerente na base dos saldos positivos das contas não se alcança como assumir, na ausência de qualquer demonstração, a inexistência de entradas de dinheiro não contabilizadas[4]. É a própria Requerente que contabiliza como proveitos os ajustamentos favoráveis em depósitos – ao debitar, na contabilidade, as contas de bancos, creditou uma conta de proveitos. Isto equivale a um reconhecimento, ainda que implícito, de que as omissões de saldos que a contabilidade evidencia teriam como contrapartida o registo de um ganho.

Deste modo, entende-se que não merece censura o procedimento da AT ao manter esses proveitos como integrantes da base tributável.

 

C) Provisões para dívidas de clientes: B

 

33. Considere-se agora a matéria atinente ao facto de, após adicionamento do valor de €1.709,22 no ano de 2008 do excesso sobre os limites aceites fiscalmente para a provisão com o cliente B, que a Requerente aceita, não ter sido realizado em 2009 e 2010 um ajustamento respeitante à antiguidade das facturas de modo a deduzir no apuramento do resultado tributável os montantes de €1.156,74 e €486,53 respectivamente, o que a Requerente contesta.

Pois bem, em face da exposição dos argumentos esgrimidos pelas partes, entende o Tribunal que o cerne da questão em apreço sobre a pretensão da redução do resultado fiscal de 2009 em €1.156,74 e de 2010 em €486,53 em razão de provisões para dívidas no que concerne à B (que é o único devedor que se encontra em causa na matéria objecto da impugnação da Requerente) respeita ao tipo de elementos que fundamentam a comprovação da manutenção da dívida da referida B.

Alega a Requerente que as listagens de facturas pendentes de cobrança no fim do exercício de 2008 e de 2009 juntas como docs. n.ºs 14, 15 e 16 à PI permitem averiguar a antiguidade dos saldos e considerar - nos anos de 2009 e de 2010 - a dedução da parte da provisão (hoje, como se sabe, designada por imparidade) não aceite em 2008 (correcção esta última que, como a Requerente reconhece nas suas alegações, na conclusão E), “está correta”). Sustenta, pelo seu lado, a AT que os ditos documentos juntos à PI não constituem contas correntes de clientes, e que “meras folhas excel” não cumprem a função probatória que a Requerente sustenta.

Ora, como bem se sabe, um extracto de conta-corrente de clientes permite obter a lista de todos os movimentos a débito (v.g. facturas, notas de débito) e a crédito (v.g., recibos, notas de crédito, saques de letras) realizados num determinado período para um determinado cliente (veja-se, de novo, António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues, Elementos de Contabilidade Geral, Áreas Editores, 2010, pp. 311 e segs.).

Essa conta corrente há-de conter um “saldo inicial”, que representa o saldo do cliente até à data inicialmente indicada na conta corrente. Apresentará também o saldo actual, que evidencia o saldo do cliente na data final indicada, calculado sobre o saldo anterior e o conjunto de todos os movimentos a débito e a crédito verificados entre as datas indicadas. Conterá, ainda, as datas desses movimentos e a descrição das operações, sendo estes registos assentes nos documentos emitidos para os clientes.

Ora, analisando o conteúdo dos documentos 14, 15 e 16 juntos à PI, julga-se que tais listagens não se podem considerar como satisfazendo estes requisitos, pelo que ficam aquém do que se exigiria para que a avaliação da antiguidade dos saldos da B pudesse ser cabalmente dilucidada por via de tais documentos, sendo certo que, como acima se referiu, o ónus probatório incidia sobre a Requerente. Note-se ainda que não foi dado como provado que essas listagens constantes dos documentos 14, 15 e 16 juntos à PI tivessem sido extraídas directamente das contas correntes da contabilidade (vd. alínea ii) dos factos não provados).

Naturalmente, as próprias facturas, de que foram juntas cópias aos autos como docs. n.ºs 13 e 14 pelo requerimento de 20.4.2015, não permitem, só por si, determinar  as que se encontram em dívida e em que termos, não revelando os saldos do cliente.

Assim, o procedimento da AT de não proceder à reversão da provisão acrescida em 2008 não merece censura, pelo que improcede, nesta parte, a pretensão formulada no pedido arbitral de redução do resultado fiscal em 2009 em €1.156,74 e em 2010 de €485,53.

 

D) Provisões para dívidas de clientes: C

 

34. Cabe, seguidamente, apreciar a questão da correcção operada em relação ao exercício de 2009 quanto ao crédito sobre o cliente C, Lda titulado pela factura n.º … de 24.05.2006 no montante de €5.065,25, que foi objecto de acréscimo ao lucro tributável.

Segundo o trecho pertinente do RIT (vd. supra a transcrição do n.º III.1.4.2 do RIT constante do ponto n.º XVII do probatório):

“constatámos que uma das faturas provisionadas foi abatida (write off, lançamento Held back amount) no ano de 2008, ou seja este crédito foi anulado da contabilidade por contrapartida de provisão anteriormente constituída.

A situação descrita está relacionada com a fatura n.º 47 (102047) emitida em 24/05/2006, no valor de € 5.065,25, que consta no ficheiro de aging de 2009, onde é constituída provisão com referência à data de 31/12/2009, no valor da referida fatura ou seja de € 5.065,25.

Porque um crédito resultante da atividade normal de uma empresa não pode suportar a contabilização da sua imparidade por duas vezes:

- Em 2008 foi abatida da contabilidade a dívida do cliente utilizando uma provisão que havia sido constituída (no exercício de 2008, lançamento heldback amount, linha n.º 3652, do ficheiro em excel);

- Em 2009 a dívida do cliente surge novamente na folha de excel, apresentada pela A, discriminativa das faturas em dívida de clientes (aging 2009), e é novamente provisionada.

Acrescemos pois o valor da provisão constituída de € 5.065,25 à matéria coletável de IRC nos termos dos artigos 35.°, 36.° e 39.° do CIRC e do normativo contabilístico, o Plano Oficial de Contabilidade aprovado pelo decreto-lei 410/89 de 21/11”.

 

A questão essencial que a este respeito se coloca prende-se, pois, com a constituição de nova provisão no ano de 2009 em relação à factura anulada no ano de 2008, sendo que, como se viu (n.º 23), a Requerente não questiona a constituição daquela provisão em 2009, mas simplesmente a ocorrência desta anulação em 2008.

Na sequência do que já se referiu no ponto anterior, observa-se, antes de mais, que as listagens juntas como docs. n.ºs 17 (2008) e 18 (2009) à PI não constituem, em si mesmas, extractos de contas correntes, sendo ainda que este Tribunal não deu como provado que tais listagens fossem extraídas directamente das contas correntes da contabilidade (vd. alínea ii) dos factos não provados).

Ora, considerou-se provado no n.º XII do probatório que a factura n.º … emitida em 24.05.2006, no valor de € 5.065,25, do cliente C, Lda foi anulada da contabilidade no ano de 2008 por contrapartida de provisão anteriormente constituída, nos termos do lançamento held back amount, linha n.º 3652, do ficheiro em excel, conforme se conclui do anexo 14 ao RIT, p. 113 verso, e do ficheiro constante do doc. n.º 2 junto ao requerimento de 20.4.2015.

 Deste modo, dado que se considerou provado o pressuposto da correcção efectuada pela AT, segue-se que não procede o pedido de anulação de tal correcção apresentado pela Requerente, porquanto, efectivamente, nos termos do art. 34.º, n.º 2 do CIRC, na redacção aplicável em 2009, “[a]s provisões a que se referem as alíneas a) a d) do número anterior que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos neste artigo consideram-se proveitos do respectivo exercício”.

 

E) Ajustamentos em Sales Type Lease ou Leasing Adjustments

 

35. Proceda-se à apreciação agora das correcções respeitantes a ajustamentos “Sales Type Lease” que incidiram sobre os exercícios de 2008 no montante de €908.752,00, de 2009 no montante de €401.752, e de 2010 no montante de €52.752,00, em que está em causa a não aceitação pela AT dos movimentos de anulação a que a Requerente procedeu, anulações essas que, segundo a Requerente, “demonstram-se necessárias para repor a verdade contabilística dado que o sistema informático da Requerente, ao tratar da mesma maneira contratos antigos e contratos novos está a registar outras vez proveitos que já haviam sido contabilizados no passado”. A Requerente, como se viu, alega que a I, SA o proveito dos contratos de aluguer reconhecia-se pela totalidade à data da assinatura do contrato, diferentemente do que sucedia na A, sendo que o programa informático da Requerente tratou as duas situações distintas (contratos da Requerente e contratos transitados) de forma semelhante, debitando automaticamente contas a receber por crédito de proveitos, pelo que, como nos resultados transitados da I, SA o proveito já tinha sido reconhecido pela totalidade à data da assinatura do contrato, demonstrou-se necessário anular o proveito contabilizado em duplicado (vd., para além do acima descrito no n.º 25, as alegações originais e complementares da Requerente).

Pois bem, o ponto essencial aqui em apreciação em ordem à aferição da legalidade da correcção controvertida prende-se com a documentação de suporte dos ajustamentos em causa (cfr. o ponto n.º VIII do probatório), em que é, evidentemente, imprescindível a comprovação das contabilizações de proveitos efectuadas no passado. Com efeito, para se concluir por uma duplicação de proveitos é indispensável provar a contabilização dos proveitos que seria objecto de duplicação, o que envolve a apresentação dos contratos de aluguer, as facturas emitidas e os registos contabilísticos de tais documentos.

Ora, conforme se referiu acima (n.ºs 16 e 17), em relação ao facto dado como não provado na alínea iii), os elementos apresentados pela Requerente para fundamentar os ajustamentos a que procedeu não permitiram verificar a contabilização dos proveitos na sociedade I, SA pelo que não é possível afirmar que nos resultados transitados da I, SA, os proveitos já tinham sido reconhecidos na sua totalidade com a assinatura do contratos.

Com efeito, não foram apresentados documentos bastantes capazes de fundamentar os reconhecimentos de proveitos associados aos contratos de aluguer que estariam eventualmente na base da sua duplicação subsequente. Destaque-se, a este respeito, que se dá conta na certificação legal de contas de 31.12.2007 referenciada no n.º IV do probatório que: “A Empresa mantém contratos de locação com clientes relacionados com aluguer de equipamento e que são contabilizados no imobilizado corpóreo. Até à data não foi recepcionada informação suficiente que nos permitisse concluir sobre a razoabilidade dos valores capitalizados, amortizações relacionadas e proveitos associados aos contratos de aluguer”.

Deste modo, verifica-se a falta de documentação de suporte das operações que estão na base dos lançamentos contabilísticos em causa, tudo se limitando a informações e afirmações realizadas pela Requerente sem comprovação bastante. Ora, um ajustamento contabilístico deve ser amparado por um documento que, como suporte material do registo, permita compreender os elementos essenciais da operação e as condições da sua realização, de modo à sua efectiva validação.

Lembre-se, na sequência do que já acima se expôs (n.º 29), que o n.º 2, al. a) do artigo 115.º do CIRC determinava que: “Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário”. O lucro tributável para efeitos de IRC tem como suporte o resultado apurado na contabilidade (art. 17.º, n.º 1 do CIRC), o que implica que esta esteja organizada de modo a permitir o respectivo controlo, o que impõe, precisamente, que todos os lançamentos estejam apoiados em documentos justificativos e susceptíveis de apresentação sempre que necessário.

Os registos contabilísticos, para que possam ser compreendidos e aceites, têm que estar devidamente sustentados em documentação que forneça os dados concretos necessários ao perfeito conhecimento da operação ou operações que os justificam na plenitude dos seus elementos constitutivos. Surge aqui o denominado princípio da documentação, que visa assegurar a verificabilidade externa dos registos contabilísticos e dos respectivos suportes.

Para ser aceite fiscalmente o desreconhecimento de proveitos a que a Requerente procedeu era absolutamente indispensável a comprovação e quantificação dos registos contabilísticos originais relativos aos contratos em causa. Sem esses elementos, não é possível validar, para efeitos fiscais, os ajustamentos assim realizados, pelo que não podem os mesmos ser considerados justificados.

Precisamente, essa documentação, não obstante as diversas oportunidades processuais facultadas, não foi apresentada nestes autos.

Não foi, pois, feita prova pela Requerente, cujo ónus lhe cabia (art. 74.º, n.º 1 da LGT), da materialidade da pretensão subjacente aos registos contabilísticos em causa pelo que não merece censura a actuação da Requerida de correcção para efeitos fiscais dos ajustamentos de proveitos assim realizados.

Em face desta decisão, que se prende com a não demonstração do pressuposto lógico e antecedente na base da anulação dos proveitos de a I utilizar o procedimento contabilístico de reconhecer imediatamente com a assinatura de cada contrato de aluguer, como proveito, a totalidade das prestações a receber até ao fim do contrato, torna-se desnecessário apreciar aqui a questão, também suscitada em relação a esta correcção, do respeito do princípio da continuidade contabilística que subjaz ao regime da neutralidade fiscal (cfr. à data dos factos o art. 68.º do CIRC).

Improcede, por isso, neste âmbito, o pedido de pronúncia arbitral.

 

F) Ajustamentos de saldos de clientes-2008

 

36. Considere-se, por fim, a correcção relativa aos ajustamentos de saldos de clientes realizado em 2008 nos termos que constam do ponto n.º IX do probatório.

A Requerente, com efeito, procedeu à utilização de provisões para anular saldos devedores com fundamento na sua incobrabilidade.

Isto mesmo surge referido no Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados das Demonstrações Financeiras de 2008 da Requerente que, em parte dos seus elementos, foram juntas como doc. n.º 15 junto ao requerimento de 22.4.2015, cuja nota 21 faz referência ao seguinte: “Relativamente a dívidas de terceiros, durante o exercício foram revertidos 3.572.236 Euros referentes a dívidas de clientes que transitaram da ex-I, cuja antiguidade e esforços de cobrança não permitiu recuperar os respectivos valores”.

Ora, resulta da circularização que foi efectuada pela Requerida (cfr. o anexo 12 ao RIT a fls. 85 e segs.), que não é correta nem conforme à realidade a pretensão, na base do ajustamento realizado quanto aos saldos de clientes, de que se deparava em termos globais com dívidas incobráveis.

Como se elucida no RIT (cfr. ponto III.2.7, acima reproduzido no ponto n.º XVII do probatório) não se podia considerar em globo que os saldos dos clientes eram incobráveis, porquanto, na sequência de circularização realizada, “as respostas dos clientes revelaram” “Faturas desconhecidas dos clientes, como tal, estas faturas não estavam contabilizadas, nas contas correntes” e “Faturas que estavam pagas, com pagamentos anteriores a 2008 e posteriores a 2008”, nos montantes, respectivamente, de € 295.934,50 e de € 442.888,76.

Daí que a Requerida tenha entendido, conforme se refere no mesmo RIT, que a Requerente “[e]m 2008 nos lançamentos em foco no held back amount e do lançamento 1000690, anulou saldos de clientes não por estar em causa a sua cobrabilidade, mas porque estavam pendentes nas contas correntes, utilizando as provisões que constituíra e que influenciaram os resultados de exercícios anteriores”.

Em face disto, a Requerente sustenta que a conclusão da AT de que a provisão não é necessária e, por isso, deveria ser revertida, não tem suporte realista, pois trata-se de uma suposição resultante de contactos realizados com menos de 0,5% dos clientes da Requerente, a qual significaria, na prática, que “nem um dos milhares de valores a receber de clientes, anulados por contrapartida da respectiva provisão, era de facto um crédito de cobrança duvidosa, o que é manifestamente descabido” (cfr. as conclusões Q) e R) das alegações da Requerente).

Esta argumentação não pode, porém, proceder, porquanto cabia à Requerente demonstrar a subsistência da justificação global da incobrabilidade de créditos que apresentou para a anulação dos saldos com base nas provisões constituídas (cfr. art. 74.º, n.º 1 da LGT). Ora, não só a Requerente não explica as situações detectadas em que se identificaram facturas desconhecidas dos clientes e facturas pagas pelos clientes, como reconhece mesmo existirem “anomalias (...) nas contas a receber de clientes” (conclusão S da alegações da Requerente) e que “tem consciência e não escondeu a existência de problemas relativamente a saldos devedores mais antigos transitados da I, num contexto que (...) incluía 40.000 facturas em aberto” (art. 122.º da PI). Aliás, lembre-se que, conforme facto dado como provado no n.º IV, a certificação legal de contas de 2007 menciona expressamente o seguinte: “Com base no resultado dos procedimentos de auditoria efectuados à conta de dívidas de terceiros, que em 31 de Dezembro de 2007 totalizam 14.789.155 euros (líquido de ajustamentos de 4.386.119 euros), nomeadamente os pedidos de confirmação de saldo, concluímos que a empresa não tem um controle efectivo sobre as contas a receber, existindo diferenças significativas nas reconciliações de saldos efectuados para quais não é possível determinar o seu efeito nas demonstrações financeiras apresentadas”.

Deste modo, em face desta situação, cabia à Requerente proceder à comprovação e quantificação específica dos saldos de clientes cuja incobrabilidade assumiu, mediante apresentação de dados factuais concretos e circunstanciados. Não é legítimo, na verdade, proceder simplesmente a um ajustamento global de saldos de clientes sem demonstração da materialidade das operações subjacentes: a invocação genérica de incobrabilidade não pode prescindir da demonstração dos factos concretos e individualizados pertinentes (cfr. art. 35.º, n.º 1 do CIRC que exige que “o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado”). Pelo seu lado, a AT, ao detectar, em relação ao ajustamento em causa, facturas desconhecidas dos clientes e facturas pagas pelos clientes, cumpriu o seu ónus de comprovar os pressupostos da tributação, porquanto demonstrou os factos-índice (vd. a este respeito o acórdão do STA de 26.2.2014, proc. n.º 0951/11) necessários para sustentar a base de tributação atinente aos ajustamentos em causa e daí que competisse à Requerente provar os concretos factos de incobrabilidade na base da anulação dos saldos de clientes, não tendo, porém, sido carreada prova para o efeito.

E, contra isto, é inaceitável pretender, como a Requerente o faz na pertinente alínea k) das suas alegações, que “a utilização da provisão para anular saldos devedores de clientes (Db POC 28/ Cr POC 21) tem por objectivo eliminar esses valores do balanço, e não anular ou eliminar as facturas em si mesmas” pelo que “caso essas facturas venham a ser posteriormente cobradas, deve ser registado o correspondente proveito”. É que, assim, afinal, aceita-se a cobrabilidade das facturas e logo, justamente, torna-se manifesto a exigência de reversão das provisões que foram constituídas.

Conclui-se, pois, que, atenta a detecção de diversas situações de facturas desconhecidas dos clientes e facturas pagas pelos clientes, que representam factos-índice de legitimação da correcção efectuada, não merece censura a actuação da Requerente de considerar que as provisões constituídas que influenciaram os resultados de exercícios anteriores deveriam ter sido objecto de reversão, mostrando-se suficiente a fundamentação assim invocada para sustentar a correcção efectuada.

Com efeito, nos termos já acima citados do n.º 2 do do art. 34.º, na redacção aplicável em 2008, “[a]s provisões a que se referem as alíneas a) a d) do número anterior que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos neste artigo consideram-se proveitos do respectivo exercício”.

Assim, não se mostra ilegal o acréscimo à matéria tributável do montante de € 3.572.245,29, porquanto este valor deveria ter sido reconhecido em proveitos por via da reversão de provisões consideradas fiscalmente em exercícios anteriores.

Cabe, em consequência, declarar improcedente, também nesta parte, o pedido de pronúncia arbitral deduzido.

 

G) Dos juros indemnizatórios

 

 37. Peticiona, por fim, a Requerente nestes autos (cfr. arts. 136.º a 138.º da PI) a devolução das quantias que foram liquidadas pela Administração Tributária e a cujo pagamento procedeu, acrescidas de indemnização calculada à taxa dos juros indemnizatórios sobre o montante total dos valores pagos a mais (vd. supra n.º 4).

Prescreve a alínea b) do art. 24.º do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito, o que se deve entender, em conformidade com o art. 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, como abrangendo o pagamento de juros indemnizatórios, em consonância, aliás, com o disposto no n.º 5 deste mesmo art. 24.º do RJAT.

Determina o art. 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estabelecendo o n.º 4 do art. 61.º do CPPT, que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

 

38. Em primeiro lugar, dado que se verificou nos presentes autos, conforme acima referido no n.º 5, a revogação parcial, nos termos do n.º 1 do art. 13.º do RJAT, do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2012 …, na parte que se reporta à correcção, no valor de €641.453,13, relativa ao abate de existências do exercício de 2008, e não obstante a declaração, constante da notificação efectuada pela Requerida ao CAAD nos termos do n.º 1 do art. 13.º do RJAT, de que, em execução daquele ato revogatório, os serviços iriam proceder “às diligências necessárias à imediata e plena reconstituição da legalidade”, impõe-se necessariamente a este Tribunal, em atenção ao peticionado pela Requerente (cfr. supra n.ºs 4 e 5), reconhecer-lhe, em conformidade com os arts. 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT e 100.º da LGT, o direito ao reembolso do montante do imposto pago em relação à indicada correcção de €641.453,13, e aos juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia em causa desde 9.3.2014 (cfr. facto provado sub n.º XVI), à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, até integral reembolso do montante pago.

No mais, no que concerne aos outros fundamentos invocados, tendo em conta que, nos termos acima expostos, os actos tributários impugnados não padecem dos vícios de violação de lei que lhe são imputados no pedido de pronúncia arbitral, improcedendo, assim, nessa parte, o pedido de declaração da respectiva ilegalidade, necessariamente improcede o pedido de juros indemnizatórios, que é suscitado como consequência das ilegalidades invocadas.

 

V. Decisão

 

Termos este Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter os actos tributários impugnados nos autos no que concerne às correcções em litígio atinentes a: regularizações de valores relativos a depósitos à ordem (2009); provisões para dívidas de clientes em contencioso da B (2008 a 2010) e da empresa C, Lda (2009); ajustamento em “Sales Type Lease” (2008, 2009 e 2010) e ajustamentos de saldos de clientes (2008).

b) Condenar a Requerida ao reembolso do montante do imposto pago em relação à correcção relativa a abate de existências no ano de 2008 no valor de €641.453,13, e nos correspondentes juros indemnizatórios, calculados sobre o montante relevante desde 9.3.2014 à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, até integral reembolso do montante pago;

c) Condenar a Requerente e a Requerida nas custas do processo, na proporção de 89/100 para a primeira e 11/100 para a segunda.

 

VI. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de €1.756.550,28.

 

VII. Custas

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €23.256,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente e da Requerida na proporção de 89/100 para a Requerente e 11/100 para a Requerida, dada a revogação parcial da liquidação de IRC n.º 2012 …, relativa ao exercício de 2008, no que concerne à correcção, respeitante a abate de existências, no valor de €641.453,13, e a improcedência no mais do pedido de pronúncia arbitral.

 

 Notifique-se.

 

Lisboa, 4 de Maio de 2015.

 

Os Árbitros

 

 

Jorge Lopes de Sousa

(Presidente)

 

 

 

António Martins

 

 

 

João Menezes Leitão



[1] Refira-se que, nas alegações complementares que apresentou, a Requerente consigna que a duplicação de proveitos originada pelo programa contabilístico se iniciou em 2007, mas foi apenas identificada em 2008, tendo o levantamento da situação sido efetuado pela LL. Esta afirmação é, porém, incompreensível, atento, não só o teor, mas o próprio facto de o Relatório da LL datar de 31.5.2007. Aliás, no seu requerimento de junção de documentos de 22.4.2015 a Requerente afirma que este Relatório foi elaborado por solicitação da G NV.

[2] Veja-se, sobre esta distinção entre documentos de natureza externa e interna, António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues, Elementos de Contabilidade Geral, Áreas Editora, 19.ª edição, 2001, p. 64 e também José Braz Machado, Contabilidade Financeira, Edição Protocontas, 1998, p. 160-161.

[3] Como escrevem ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra, 2.ª edição, pp. 435-436, “A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”.

[4] Vale a pena mencionar, a este propósito, que a testemunha arrolada pela Requerida F, interrogada pela Ilustre Mandatária da Requerente, sobre as entradas de dinheiro que poderiam corresponder a estes registos, referiu o seguinte: “depois das análises que fiz a saldos de clientes e circularizações de clientes até consigo imaginar que possam ter a ver com alguns dos pagamentos que os clientes disseram que foram efetuados e que a A nunca registou”, mas que “cabia à A esclarecer a que correspondiam aquelas entradas”.