Sumário:
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As declarações dos sujeitos passivos apresentadas fora do prazo legal não beneficiam, nos termos do disposto no artigo 75.º, n.º 2, alínea a), da LGT, da presunção de verdade e boa-fé, sendo livremente valoradas.
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Daqui resulta que a entrega extemporânea da declaração não tem como efeito automático a anulação da liquidação oficiosa feita ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC,, sendo para tal necessário que o sujeito, em sede de reclamação ou impugnação, demonstre a inexistência do facto tributário ou a sua errada quantificação.
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Não é exigível, até por um critério de proporcionalidade e praticabilidade, fazer recair sobre a AT o ónus de suportar a total inação do sujeito passivo face a uma realidade que será do seu conhecimento.
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Nos casos em que os registos contabilísticos não estejam devidamente organizados e/ou revelem erros e/ou incorreções, fica largamente comprometida a sua idoneidade para, de per se, servirem de suficiente âncora documental aos elementos declarados.
Decisão Arbitral
I. Relatório
1. A..., Lda., com o número de identificação fiscal ... e sede na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos n.os 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral com vista à pronúncia sobre a legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa por si apresentada visando a anulação da liquidação de IRC n.º 2022 ... e da liquidação de juros compensatórios, no valor global de € 68 062,66.
2. O pedido de constituição foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, tendo seguido a sua normal tramitação.
O Tribunal foi constituído no dia 13 de março de 2023.
A AT, respondeu, por impugnação, defendendo a improcedência do pedido.
A reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT foi realizada no dia 19 de junho de 2023, tendo aí sido tomadas declarações de parte e inquiridas as testemunhas arroladas pela Requerente.
Por requerimento de 21 de junho de 2023, a Requerente solicitou a realização de uma peritagem à declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2020, a qual, ouvida a Requerida, foi indeferida, por despacho de 1 de julho de 2023.
As partes apresentaram alegações escritas.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, ex vi o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 10.º, n.º 1, do RJAT.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, como determinado pelos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não enfermando o processo de quaisquer nulidades, nem existindo obstáculo à apreciação do mérito da causa.
II. Fundamentação
4. Matéria de facto
4.1. Factos Provados
Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
4.1.1. A Requerente tem como atividade principal a construção civil, reabilitação, conservação e manutenção de edifícios, a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, com o CAE 41200.
4.1.2. A Requerente não apresentou a declaração periódica de rendimentos “Modelo 22” de IRC, relativa ao exercício de 2020, dentro do prazo legal.
4.1.3. A AT notificou a Requerente, em 19 de novembro de 2021, através do Aviso n.º..., emitido em 16 de novembro de 2021, de que se encontrava em falta a entrega da declaração de rendimentos e de que o não cumprimento dessa obrigação implicaria a emissão de uma liquidação oficiosa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, a qual teria por base o maior dos seguintes valores: a matéria coletável determinada, com base nos elementos de que a administração tributária disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com a aplicação do coeficiente 0,75; a totalidade da matéria tributável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada; o valor anual da retribuição mínima mensal.
4.1.4. Em 3 de fevereiro de 2022, foi emitida a seguinte liquidação oficiosa n.º... nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º, do Código do IRC, no montante de € 68 062,66:
4.1.5. Na sequência, foi emitida a nota de compensação n.º 2022..., com data de 3 de fevereiro, com o seguinte teor:
4.1.6. No dia 4 de abril de 2022, a Requerente submeteu uma declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2020, na qual apurou imposto a pagar no valor de € 20 174,77.
4.1.7. No seguimento, a Requerente foi notificada, em 6 de abril de 2022, por ofício da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento, no qual constava a seguinte informação:
“(...)
“Os sujeitos passivos de IRC estão obrigados ao envio, por transmissão eletrónica de dados, da declaração periódica de rendimentos modelo 22 a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), nos termos e prazos previstos no artigo 120.º deste diploma.
No âmbito do controlo daquela obrigação declarativa, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) constatou que essa entidade não apresentou a declaração de rendimentos modelo 22 do IRC do período identificado em epígrafe, pelo que procedeu à respetiva notificação para regularizar a falta no prazo aí indicado, sob pena de, para além de sancionada como contra-ordenação nos termos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), implicar a emissão de uma liquidação oficiosa nos termos da alínea b) do n.º1 do artigo 90.º do CIRC.
Não tendo sido regularizada voluntariamente a referida falta no prazo indicado, a AT procedeu à emissão da liquidação oficiosa, da qual foi oportunamente notificado.
Desta liquidação podia reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137.º do CIRC e 70.º e 102.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário.
Esta liquidação só pode ser alterada ou anulada através dos meios de defesa referidos anteriormente e não com base em declaração de rendimentos modelo 22 apresentada posteriormente com imposto inferior àquela.
Nesta conformidade, a declaração modelo 22 identificada em epígrafe não produziu os efeitos pretendidos de uma autoliquidação, ficando marcada como 'não liquidável'.
(...)”.
4.1.8. No dia 11 de abril de 2022, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra a liquidação oficiosa de IRC e de juros compensatórios.
4.1.9. Por ofício da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 29 de junho de 2022, foi a Requerente notificada para o exercício do direito de audição relativamente ao projeto de decisão, no qual se propunha o indeferimento da reclamação graciosa por não terem sido “juntos documentos e registos contabilísticos que comprovem o alegado pela reclamante, tal como lhe competia nos termos do n,º 1 do artigo 74.º da LGT”, constando ainda da análise do pedido a informação de que “na declaração modelo 22 apresentada pela reclamante foi apurado o lucro tributável/matéria coletável no valor de € 76.237,38, resultando IRC a pagar no total de € 20.174,77. No entanto não foram rececionados nos serviços quaisquer comprovativos dos valores declarados”.
4.1.10. Por requerimento de 22 de julho de 2022, a Requerente exerceu direito de audição, tendo juntado balancete de janeiro a dezembro de 2020 e remetido, através de correio eletrónico para o e-mail da Direção de Finanças de Lisboa que constava do ofício pelo qual fora notificada do Projeto de indeferimento da reclamação graciosa, o ficheiro SAF-T, em formato comprimido “*.zip”.
Nesse requerimento a Requerente deixou afirmado “caso a administração tributária não considere suficientes os elementos contabilísticos ora disponibilizados (...) disponibilizar os elementos adicionais que a Administração tributária julgue necessários para o efeito”.
4.1.11. Em 26 de julho de 2022, a Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa remeteu aos mandatários da Requerente um e-mail com o seguinte teor: “Por determinação Superior e na sequência do e-mail infra, rececionado em 2022-07-22, vimos pelo presente informar que, não é possível visualizar o conteúdo dos anexos, devendo os mesmos serem enviados por outro suporte, nomeadamente papel ou PEN DRIVE”.
4.1.12. No dia 27 de julho de 2022, a Requerente remeteu à Direção de Finanças de Lisboa, por correio eletrónico, o ficheiro informático SAF-T, em formato “XML” descompactado.
4.1.13. No dia 1 de agosto de 2022, a Requerente apresentou a declaração de Informação Empresarial Simplificada relativa ao exercício de 2020.
4.1.14. No dia 30 de setembro de 2022, a Requerente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa,
“(...)
I.1 - Atendendo aos fundamentos de facto e de direito constantes do projeto de decisão, foi exarado em 2022-06-24, despacho no sentido do indeferimento do pedido, pela Chefe de Divisão da Justiça Administrativa, por subdelegação, relativamente à liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2022..., materializada na Nota de cobrança n.o 2022..., no montante de € 68.062,66 (Inclui juros compensatórios no valor de € 1.038,36), referente ao exercício de 2020.
I.2 – A reclamante foi notificada na pessoa do seu mandatário, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT, para exercer o direito de audição prévia, no prazo de 15 (quinze) dias, através do ofício n.º..., de 2022-06-29, expedido através do registo CTT RH ... PT, datado de 2022-06-29.
I.3 - Através do ofício n.º..., de 2022-06-29, enviado para o domicílio fiscal da reclamante, foi esta informada da remessa ao mandatário do referido projeto de decisão.
I.4 - Considerando o estatuído no art.º 39.º do CPPT, quanto à perfeição das notificações, a notificação considera-se efetuada em 2022-07-04, pelo que o termo para exercer esse direito ocorreria em 2022-07-19, tendo sido concedido o prazo de 25 dias na sequência, da exposição apresentada a solicitar a prorrogação do prazo para exercício daquela faculdade, remetida por correio em 2022-07-15 com a entrada GPS 2022.... .
I.5 - Através do exercício do direito de audição dentro do prazo concedido, remetido por correio em 2022-07-22, a reclamante vem reiterar o pedido inicial a consideração da declaração enviada em 2022-04-04, e anulação da liquidação oficiosa n.º 2022..., e respetiva liquidação de juros compensatórios, bem como a realização de diligências complementares, nomeadamente a inquirição de testemunhas e junção de outros documentos não apresentados nesta sede.
I.6 - Para o efeito a reclamante juntou aos autos os seguintes elementos:
I.6.1 - Balancete de janeiro a dezembro de 2020.
I.6.2 - Refere ainda, no ponto 6 da petição que: “Atenta a natureza desmaterializada do mesmo, o ficheiro informático SAF-T, em formato XML, foi enviado, hoje, dia 22 de julho, pelas 17 horas e 01 minutos, por correio eletrónico (...).
II – ANÁLISE E PARECER
II.1 - A pretensão da reclamante visa a anulação da liquidação emitida oficiosamente pelos Serviços e, bem assim, a validação do lucro tributável, no montante de € 76.237,38 apurado na declaração de IRC, submetida em 2022-04-04, a qual se encontra na situação “Doc. Não Liquidável”, relativamente ao exercício de 2020.
II.2 - Analisada a reclamação, foi elaborado projeto de decisão no sentido do indeferimento do pedido, porquanto, a reclamante não apresentou qualquer elemento, que permitisse proceder à validação do resultado fiscal apurado.
II.3 – Nesta sede veio a reclamante juntar os elementos supra identificados no ponto I.6, constatando-se que não era possível visualizar o conteúdo dos anexos do e-mail referido no ponto I.6.2, tendo o mesmo sido informado do facto, através de correio eletrónico, enviado em 2022-07-25, contudo não foi rececionado, aquele anexo noutro formato, pelo que o mesmo não foi objeto de análise.
II.4 - Verifica-se que o resultado líquido apresentado pela reclamante (conforme saldo da Conta 818-Resultado Liquido constante do Balancete) apresenta valor coincidente com o valor inscrito na modelo 22 de IRC de 2020 por si apresentada (Campo 701 – 53.331,51), e com o valor inscrito na IES de 2020 (Campo A5025 – 53.331,51) entregue em 2022-08-01, no entanto não apresentou qualquer documento de suporte, nomeadamente, das contas de classe 6 – Custos e Perdas, e das contas da classe 7 – Proveitos e Ganhos, tendo sido identificadas as seguintes divergências:
II.4.1 – IES (Campo A5001) Vendas e Serviços prestados - 409.338,08 Conta 72 - 435.188,30
II.4.2 - IES (Campo A5006) Custo da Mercadorias V.M.C – 55.377,36 Conta 61 - 56.408,47
II.4.3 - IES (Campo A5007) FSE – 168.025,68 Conta 62 – 171.025,72
II.5 - Relativamente ao quadro 07 da Modelo 22, a reclamante registou no campo 724 o valor de € 20.174,77, correspondente ao saldo da conta “8121 – Imposto estimado para o período”, no campo 731 o valor de € 616,32 correspondente ao saldo da conta “68881 – Despesas indevidamente documentadas” e no campo 728 o valor de € € 2.072,93, correspondente ao saldo da conta “68883 – Multas e penalidades”, não tendo apresentado qualquer documento de suporte.
II.6 – Assim, além das divergências verificadas, não tendo a reclamante apresentado qualquer documento de suporte, a mera análise das demonstrações financeiras, de per si, é manifestamente insuficiente, para que seja possível validar o resultado fiscal apurado, pelo que só é possível validar tais registos através dos respetivos documentos de suporte, efetuados em cada conta.
II.7 - Assim, conclui-se que os elementos trazidos aos autos, não constituem prova suficiente, que permita validar os valores da matéria coletável e do imposto declarados na declaração modelo 22, do exercício de 2020, apresentada extemporaneamente.
II.8 - Relativamente à inquirição de testemunhas, reiteramos o já mencionado no projeto de decisão (Pontos V.22, V.23, V.24 e V.25):
II.8.1 – “A al. e) do art.º 69.º do CPPT indica como regra fundamental do procedimento de reclamação graciosa a “limitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham”.
II.8.2 – “Não obstante, a referida alínea prevê também o direito de o órgão instrutor ordenar outras diligências, desde que as mesmas se afigurem como complementares e manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material.”
II.8.3 – “De facto, verifica-se que o art.º 69.º do CPPT não impede a inquirição de testemunhas, porém, estando em causa diligências complementares, afigura-se que apenas deverão ocorrer no caso de subsistirem dúvidas ou de, a posteriori, serem apresentados novos elementos de prova que as justifiquem.”
II.8.4 – “Na petição de reclamação não é justificada a manifesta indispensabilidade das diligências requeridas, nem são invocadas quaisquer circunstâncias supervenientes, que possam fundar o requerido.”
II.9 - Cumpre ainda referir que por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do art.º 43.º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.
(...)”.
Mais se provou que:
4.1.14. Em 18 de maio de 2020, a contabilista certificada da Requerente, a Senhora C..., adoeceu gravemente, tendo falecido no dia 25 de maio de 2020.
4.1.15. A partir de 18 de maio de 2020, o marido da contabilista, o Senhor B..., que coadjuvava a sua mulher na atividade de contabilidade, passou a assegurar temporariamente as tarefas quotidianas da contabilidade, sem proceder à entrega de qualquer declaração fiscal, por não estar habilitado para o efeito, tendo solicitado à Requerente passar a colaborar com outra contabilista certificada, do seu conhecimento.
4.1.16. Após o falecimento da Senhora C..., os lançamentos contabilísticos quotidianos eram realizados pelo Senhor B..., sob supervisão da contabilista certificada.
4.1.17. Em julho de 2020, a Requerente teve conhecimento do falecimento da mãe do Senhor B... e de que este se deslocou a Cabo Verde por ocasião desse óbito.
4.1.18. A Requerente não entregou a Declaração Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2019, no prazo legal.
4.1.18. No decurso do ano de 2021, a Requerente não conseguiu obter do Senhor B... e da contabilista certificada D... os elementos contabilísticos necessários para o cumprimento das suas. obrigações declarativas.
4.1.19. A Requerente contratou, no quarto trimestre de 2021, os serviços do contabilista certificado E... .
4.1.20. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado no dia 3 de janeiro de 2023.
4.2. Factos não provados
4.2.1. A matéria tributável relativa ao exercício de 2020 corresponde a € 76 237,38 e que o IRC devido nesse período corresponde ao valor de € 20 174, 77.
4.3. Fundamentação da matéria de facto
Considerando o disposto nos artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.os 2 a 4, ambos do Código de Processo Civil (por remissão do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT), incumbe ao Tribunal o dever de selecionar a matéria de facto pertinente para a decisão judicativa, tomando em consideração a causa de pedir que sustenta a pretensão dos Requerentes.
No caso sub judice, a decisão sobre os factos provados e não provados radicou, segundo o princípio da livre apreciação da prova, no acervo documental presente nos autos e na prova testemunhal. Foram ainda valoradas as declarações de parte, as quais, em conjunto com a prova testemunhal permitiu dar por assente a factualidade vertida nos pontos 4.1.14 a 4.1.19. dos factos provados.
Para além disso, a decisão da matéria de facto baseou-se no alegado pelos Requerentes que não foi questionado ou controvertido pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Relativamente à prova do envio do ficheiro SAF-T, o tribunal revelou o documento junto pela Requerente e dirigido aos mesmos destinatários do e-mail datado de 22 de julho, rececionado pela AT, não tendo sido questionada a veracidade do mesmo.
Não se provou que o lucro tributável e imposto devido pelo sujeito passivo correspondessem aos valores invocados. Desde logo, por inexistência de qualquer documento de suporte desses montantes. Mais, importa notar que a documentação constante do procedimento mostra existirem divergências entre os elementos contabilísticos fornecidos; por outro lado, a posterior correção do balancete – não assinado – também carece de justificação documental.
5. Matéria de direito
5.1. Questão decidenda
A Requerente sustenta a ilegalidade dos atos impugnados nos seguintes fundamentos: falta de fundamentação, violação do princípio do inquisitório e violação do princípio da capacidade contributiva e do rendimento real.
Por seu turno, a Requerida pugna pela manutenção da liquidação, rejeitando que esta padeça de qualquer vício. Sustenta que a Requerente “não apresentou quaisquer documentos de suporte dos seus registos contabilísticos (nomeadamente de cópias das faturas de custos suportados e dos proveitos obtidos), sendo esta prova documental a que se entende essencial no âmbito do procedimento em questão”.
Vejamos.
5.2. A Requerente sustenta o pedido de anulação da liquidação em diferentes vícios.
Quando tal ocorre, o disposto no artigo 124.º do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, determina que o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, uma mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos e não exista uma relação de subsidiariedade entre os vícios invocados. Apesar de a tutela mais estável e eficaz dos interesses da Requerente impor, em princípio, o conhecimento prioritário dos vícios substanciais ou de fundo em relação aos vícios de forma, designadamente do vício de falta de fundamentação (que não impede a renovação do ato), deve considerar-se que a falta ou vício de fundamentação pode acarretar um equívoco enquadramento factual e jurídico, afetando a correção da análise dos vícios substanciais, razão pela qual se considera primeiramente o vício que vem apontado à fundamentação.
5.2.1. Falta de fundamentação dos atos de liquidação
De acordo com a Requerente, “[d]a análise do teor da notificação dos atos de liquidação recebidos pela Requerente não resulta suficiente a necessária fundamentação, nem de facto, nem de direito, conforme é exigido pelo disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), por forma a justificar a decisão nela incerta”.
Vejamos.
As exigências de fundamentação dos atos e decisões tributárias constam do artigo 77.º da LGT, que corresponde a uma densificação normativa da injunção constitucional proclamada no art.º 268.º, n.º 3 da CRP, sendo de acentuar que a fundamentação, na sua expressão nuclear, tem de ser “expressa e acessível quando afete(m) direitos e interesses legalmente protegidos”. É pela função que cumpre, ou pelos objetivos que deve satisfazer, que se afere, em cada tipo de situação jurídico-factual, a exigência e grau de densidade da “enunciação contextual, expressa, dos motivos de facto e de direito com base nos quais a administração se decidiu praticar o concreto ato administrativo nos precisos termos em que o fez” e a sua apreensibilidade cognitiva por parte do titular dos direitos afetados (Cfr. neste sentido, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 594/2008, disponível no respetivo website).
A fundamentação é consubstanciada pelo discurso verbalizado pela administração como suporte constituinte da decisão administrativa. Nesta perspetiva, estamos perante uma externação formal das razões de facto e de direito ser contemporâneas ou coetâneas da decisão administrativa e constituintes da mesma, não podendo considerar-se como legítimas todas aquelas que, ainda que porventura, com um propósito integrador do sentido da sua anterior declaração, apenas sejam produzidas e invocadas posteriormente. Numa formulação que traduz apenas a síntese do que a doutrina mais autorizada escreveu sobre a matéria, pode repetir-se que a fundamentação se consubstancia num discurso funcional externado pela administração, expresso, formal, explícito, contextual, com capacidade para dar a um destinatário normal, colocado na situação concreta do destinatário do ato as razões “justificantes” e “justificativas” - sob o ponto de vista formal - da concreta decisão administrativa.
No caso, refere-se que a liquidação oficiosa relativa ao período de 2020 é efetuada “nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, por falta de entrega da declaração de rendimentos”, indicando-se o valor da matéria tributável, o valor da coleta e o montante dos juros compensatórios.
A mencionada norma legal dispunha, à data a que se refere o facto tributário, que “[n]a falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o maior dos seguintes montantes: 1) A matéria coletável determinada, com base nos elementos de que a administração tributária e aduaneira disponha, de acordo com as regras do regime simplificado, com aplicação do coeficiente de 0,75; 2) A totalidade da matéria coletável do período de tributação mais próximo que se encontre determinada; e 3) O valor anual da retribuição mínima mensal”.
A menção expressa a esta norma, acompanhada da exposição do pressuposto de facto que determina a sua aplicação e do valor objetivo que resulta da sua aplicação é suficiente para dar por satisfeitos os mínimos de uma fundamentação válida. Com efeito, são explicadas, por um lado, as razões de facto que traduzem o pressuposto de atuação da Autoridade Tributária para a mobilização do regime legal, e, por outro lado, como este implica a fixação de um valor objetivo sem margem para qualquer ponderação, possibilidade de escolha ou discricionariedade administrativa, a indicação desse valor, contextualizada pela referência legal, permite ao destinatário a compreensão das razões de facto e de direito que determinaram a liquidação, encontrando-se o sujeito passivo, consequentemente, em condições para aferir da legalidade dessa liquidação. E isto independentemente do próprio sujeito passivo ter sido preteritamente advertido da possibilidade de realização da referida liquidação oficiosa.
Encontrando-se o critério legal adotado pela AT enunciado de forma inteligível e em termos que permitem a sujeito passivo contestar a bondade da atuação administrativa, não existe falta de fundamentação.
Improcede, em consequência, o alegado quanto a tal vício.
5.2.2. Violação do princípio do inquisitório
No caso concreto, a Requerente considera que “a recusa pela Administração tributária de praticar diligências de prova requeridas (...) ou a não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material” importam a violação do princípio do inquisitório.
Vejamos.
Sob a epígrafe “Da não realização das diligências complementares requeridas”, a Requerente começa por afrontar o facto de a Requerida não ter inquirido as testemunhas arroladas em sede de reclamação graciosa, controvertendo o juízo administrativo de que tal diligência não se afigurava como “manifestamente indispensável para a descoberta da verdade material”. Por seu turno, a Requerida considerou que a inquirição de testemunhas em sede de reclamação graciosa é admitida pelo artigo 69.º do CPPT, mas que, pela sua natureza complementar, deve ocorrer “no caso de subsistirem dúvidas ou de, a posteriori, serem apresentados novos elementos de prova que as justifiquem”.
Tal como indicado no requerimento de reclamação graciosa, as testemunhas foram arroladas para prova dos factos alegados nos artigos 25.º a 36.º do referido documento, os quais se referem ao contexto que determinou a falta de apresentação da declaração Modelo 22 dentro do prazo legal, sendo que a reclamação graciosa fora apresentada “com o intuito de demonstrar, junto da Administração tributária, a sua efetiva situação tributária no exercício de 2020 e ser tributada de acordo com o lucro efetivamente auferido em tal exercício, o qual consta já da declaração modelo 22 de IRC entregue no passado dia 4 de abril de 2022”.
Neste circunstancialismo, a omissão da inquirição das testemunhas por parte da Requerida não se afigura censurável. Com efeito, e em primeiro lugar, a matéria sobre a qual as testemunhas prestariam depoimento não foi controvertida ou questionada pela própria AT, que valorou o alegado pela Requerente, acrescentando que a alegação da ausência de responsabilidade pela falta da obrigação declarativa não afasta o dever de o sujeito passivo efetuar o pagamento das prestações tributárias, o que retira à inquirição o carácter essencial de que se faz depender a concretização dessa diligência probatória; depois, mas concomitantemente, a matéria em causa não foi assumida como ratio decidendi do juízo administrativo: a administração não fundou a sua decisão no circunstancialismo que levou à apresentação tardia da declaração de rendimentos, mas sim no facto de a Requerente não ter feito prova dos valores que fez constar da declaração que entregou em momento posterior à liquidação oficiosa e nada se alegou sobre esses valores nos artigos do requerimento de reclamação graciosa sobre os quais se pretendia que fosse produzida a prova testemunhal.
Desta forma, e relevando também que a Requerente não controvertia a legalidade da existência da própria liquidação oficiosa, a ausência de inquirição de testemunhas não afetou a descoberta da verdade material relativamente à questão da quantificação do valor do imposto no exercício em causa.
Na parte relativa à não inquirição das testemunhas não se vislumbra, consequentemente, violação do princípio do inquisitório por parte da Autoridade Tributária.
5.2.3. Violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real
Na sequência, a Requerente chama à colação o princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real imputando a sua violação à Autoridade Tributária por considerar que, apesar de ter apresentado “todos os elementos necessários para aferir da real e efetiva situação jurídico-tributária”, a AT “ignorou elementos contabilísticos apresentados e que justificavam e comprovavam a [sua] real situação jurídico-tributária”. Por seu turno, a Requerida contrapõe que “a Requerente não apresentou qualquer documento em formato legível que permitisse à AT fazer a confirmação dos elementos por si declarados”, não tendo juntado “a imprescindível documentação contabilística minimamente demonstrativa do alegado”, pelo que, “a total ausência de documentação contabilística que suporte os valores declarados resulta na impossibilidade de a Requerente contraditar a liquidação oficiosa emitida pela AT, da qual resulta o valor a pagar de € 68.062,66, não padece este ato do vício de errónea quantificação que a Requerente lhe imputa”; em suma, considera a Requerida que não existe violação de qualquer princípio – seja do inquisitório, seja da capacidade contributiva – porque, no seu entendimento, a Requerente não juntou, em sede de reclamação ou em sede arbitral, “qualquer elemento que permita apurar o imposto de modo diferente”.
Recortando a matéria em causa, importa assinalar que a violação dos princípios aqui em causa não vem referida ao regime legal previsto no artigo 90.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, ou qualquer outra norma legal, outrossim à existência de um excesso de quantificação associado à desconsideração dos elementos contabilísticos apresentados pelo sujeito passivo.
Uma primeira nota que importa mencionar traduz-se no facto de as declarações dos sujeitos passivos apresentadas fora do prazo legal não beneficiarem, nos termos do disposto no artigo 75.º, n.º 2, alínea a), da LGT, da presunção de verdade e boa-fé, sendo livremente valoradas.
Daqui resulta que a entrega extemporânea da declaração não tem como efeito automático a anulação da liquidação oficiosa, sendo para tal necessário que o sujeito, em sede de reclamação ou impugnação, demonstre a inexistência do facto tributário ou a sua errada quantificação no caso concreto – cf., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de fevereiro de 2021, processo n.º 0416/09.7BECBR. Concomitantemente, “as declarações [apresentadas fora de prazo] apenas poderão ser valoradas pela AT, desde que acompanhadas por outra documentação e meios probatórios que permitam ajuizar sobre a veracidade e aderência à realidade dos dados ali inscritos”, recaindo sobre o sujeito passivo o ónus de prova do excesso da quantificação da matéria tributável, como também se refere no citado aresto.
Neste sentido, a intervenção administrativa suportada no princípio do inquisitório tem uma geometria variável, devendo perspetivar-se em conjunto com outros princípios – v. g., o princípio da colaboração – e com a arquitetura declarativa que recorta a liquidação de uma miríade de impostos no nossos sistema fiscal, porquanto, nos casos em que o valor do imposto deva ser determinado com base em declarações dos próprios sujeitos, estes não poderão deixar de carrear para o procedimento os elementos relevantes para a quantificação da obrigação de imposto, não sendo exigível, até por um critério de proporcionalidade e praticabilidade, fazer recair sobre a AT o ónus de suportar a total inação do sujeito passivo face a uma realidade que será do seu conhecimento, maxime quando este não disponibilize quaisquer elementos contabilísticos que permitam suportar os dados inseridos na declaração Modelo 22.
Consequentemente, tem-se por certo que, não obstante o poder-dever de a AT considerar todos os elementos ao seu dispor para a descoberta da verdade material, se o sujeito passivo não trouxer para o procedimento elementos que estejam na sua esfera de disponibilidade com idoneidade para controverter a liquidação oficiosa, não terá a AT que substituir-se ao sujeito passivo na realização de diligências probatórias tendentes a comprovar a matéria tributária.
No entanto, a partir do momento em que sejam aportados ao procedimento elementos informativos com objetiva idoneidade para preencher o vazio declarativo que fundou a liquidação oficiosa, não pode a administração atuar como se tais elementos não existissem. A existência dessa informação dá sentido prático, concreto e material ao exercício dos poderes-deveres funcionais que vinculam a AT, designadamente quanto à realização de diligências complementares que se mostrassem necessárias à comprovação desses elementos.
A questão subsequente, e derradeira, passará, nos casos em que é apresentada uma declaração subsequente à liquidação oficiosa, pela ponderação da natureza dos elementos a que se deva reconhecer idoneidade para colocar em crise tal ato tributário e modelar, na sequência do referido, a geometria do exercício dos poderes-deveres administrativos, sendo que, no caso concreto, a posição das partes redunda numa cortante cisão: a Requerente pugna pela suficiência dos elementos contabilísticos com base nos quais foi apresentada a declaração modelo 22; já a Requerida exige que seja produzida prova documental dos custos suportados e proveitos obtidos.
A existência de elementos contabilísticos que permitam controlar os elementos declarados constitui condição necessária para que os dados declarados sejam merecedores de análise administrativa já que, sem o conhecimento desses elementos, sempre ficaria comprometida ab initio a possibilidade de reconstrução da matéria tributável e o exercício do inquisitório por parte da administração, por carência de objeto. Com a comunicação dos elementos contabilísticos relevantes para a determinação do imposto fica preenchido, com suporte substantivo, o vazio declarativo que deu causa à liquidação oficiosa, colmatando-se a ausência de informação impeditiva da comprovação dos elementos declarados. Nesta ótica, compreende-se o juízo deixado nos arestos do TCA Sul, de 25 de junho de 2019 e de 11 de março de 2021 (processos n.os 506/14.4BEBJA e 255/10.2BELRS, respetivamente), segundo o qual o juízo presuntivo, que cessa face à entrega tardia da declaração quanto aos dados daí constantes, não se estende, ipso facto, à contabilidade organizada nos termos da lei. Aceita-se este entendimento porquanto os elementos contabilísticos que permitam retratar a realidade fiscalmente relevante não perdem a sua aptidão funcional em função do momento em que é apresentada a declaração, constituindo sempre instrumentos válidos para o fim relativamente ao qual se encontram preordenados. E, para tal efeito, os elementos contabilísticos e de relato financeiro congruentemente organizados, são também condição suficiente para darem por satisfeita a obrigação declarativa “subsequente”, no caso forçosamente acompanhada por aqueles, ditando que a administração não possa abster-se de considerar os elementos declarados e de realizar nesse contexto as diligências necessárias para confirmar ou infirmar os valores declarados, na presença “de elementos da contabilidade que põem em causa o acerto dos pressupostos de facto do ato questionado” (acórdão do TCA Sul de 15 de dezembro de 2021, processo n.º 2399/15.5 BELSB).
Consequentemente, no caso de ser apresentada reclamação ou impugnação de liquidação oficiosa em que seja controvertido o rendimento desta com base em elementos declarados com suporte em registos contabilísticos, o ponto de partida da decisão administrativa encontra-se na valoração dos elementos declarados e contabilisticamente suportados e, não, tout court, nas regras do ónus da prova. Estas não se antecipam ou impedem o exercício dos poderes inquisitórios, estando compreendido nesses poderes o de solicitar ao sujeito passivo os elementos documentais necessários para a valoração dos elementos contabilísticos.
Por outro lado, nos casos em que os registos contabilísticos não possam considerar-se imaculados – convocando a adjetivação mobilizada pelo STA no citado acórdão de 5 de dezembro de 2018 – por não se encontrarem devidamente organizados e/ou revelarem erros e/ou incorreções, fica largamente comprometida a sua idoneidade para, de per se, servirem de suficiente âncora documental aos elementos declarados. Nestas situações, deixando de existir a mediação da contabilidade, a comprovação dos elementos declarados não prescinde da consideração dos documentos que suportam os movimentos evidenciados contabilisticamente.
Referidas as posições das partes e formulado o enquadramento jurídico considerado pertinente, há que ponderar as circunstâncias concretas do caso sub judicio.
No caso concreto, como se deixou comprovado, a Requerente não forneceu inicialmente à administração quaisquer elementos para além da declaração modelo 22 que anexou ao Requerimento. Como tal, não podia ser diferente o projeto de decisão na medida em que nada foi levado ao conhecimento da administração que suportasse os valores ali inscritos e, consequentemente, demandasse da AT a “fiscalização” dos valores declarados.
A junção de elementos veio a ocorrer em sede de exercício de direito de audição, com a junção do balancete, o envio do ficheiro SAF-T, e, mais tarde, com a submissão da IES, após a invocação, pela AT, de que a reclamação não fora acompanhada de “documentos e registos contabilísticos que comprovem o alegado” e que “não foram rececionados nos serviços quaisquer comprovativos dos valores declarados”.
O balancete e a IES foram objeto de apreciação administrativa, a qual concluiu pela existência de divergências entre os valores constantes do balancete – contas 61, 62, 72 – e a informação constante dos campos A5001, A5006 e A5007 da IES. Desta constatação resulta uma inferência basilar: a de que a Requerida não deixou de considerar os elementos contabilísticos fornecidos pela Requerente, reputando-os, porém de insuficientes para, só por si e sem os documentos de suporte, poder ultrapassar as discrepâncias entre valores de gastos e proveitos constantes da documentação contabilística. Não se ignora que não atendeu à informação constante do ficheiro SAF-T, mas mesmo que o tivesse feito não se eliminaria a necessidade de comprovação dos valores divergentemente plasmados na referida documentação.
Ora, projetando o critério desenhado supra, conclui-se que os elementos supervenientes aportados pelo sujeito passivo foram devidamente analisados, não existindo deficit instrutório da AT quanto à valoração dessa informação. Nestes termos, as limitações endógenas dos elementos fornecidos só seriam ultrapassáveis com prova exógena, que não foi produzida, e que se encontrava na esfera de disponibilidade do sujeito passivo.
A incoerência da informação levada ao conhecimento da AT afasta a conclusão de que esta teria ao seu dispor todos os elementos que, retratando fielmente a situação fiscal da Requerente, permitiam àquela promover a adequada quantificação do lucro tributável.
Tal vale por dizer que os documentos aportados em sede administrativa não permitiram comprovar os elementos declarados pela Requerente nem o excesso de quantificação da liquidação oficiosa.
E, mutatis mutandis, idêntico juízo terá que firmar-se em sede arbitral, pois também aqui não foram fornecidos quaisquer elementos probatórios dos valores declarados, sendo que a mera retificação do balancete – que, de resto, não se encontra assinado –, desprovida do suporte documental relativo aos valores em que existia divergência com a IES, não “reabilita” ipso facto o documento de forma a permitir ao tribunal a apreciação da efetiva correção e acerto dos valores dele constantes sem outros elementos de suporte.
Assim, inexistindo, perante a insuficiência dos elementos contabilísticos, prova dos elementos constantes da declaração, não se vislumbra qualquer violação do princípio do rendimento real. Nos sistemas declarativos e de tributação analítica do tipo do nosso, a tributação do rendimento real, no sentido de tributação do rendimento efetivamente obtido, está dependente da comprovação desse rendimento (dentro do critério que atrás se expôs). A presunção de um rendimento, quando assente em razões atendíveis, como sucede perante a necessidade de liquidação de impostos na sequência da violação de deveres de colaboração, e acompanhada da possibilidade de prova em contrário, não viola qualquer norma ou princípio constitucional.
5.2.4. Juros Compensatórios
A Requerente controverte, por fim, a legalidade da liquidação de juros compensatórios invocando falta de fundamentação e erro nos pressupostos de facto, na medida em que, no seu entendimento, inexiste culpa pelo atraso na entrega do imposto devido.
Como resulta do probatório, a AT liquidou os juros compensatórios com referência expressa às normas legais pertinentes e ao circunstancialismo de “retardamento da liquidação” resultante da falta de entrega de declaração de rendimentos, após notificação para o efeito, estando assim mencionados os elementos que fundaram a liquidação e que permitem à Requerente contestá-la, como veio a fazer.
Por outro lado, o factos conhecidos posteriormente à liquidação, já em sede de reclamação graciosa, sendo relevantes para graduar concretamente o tipo de culpa perante o quadro de atuação da Requerente de que resultou o atraso na liquidação, permitem concluir pela inexistência de dolo, mas não da violação de um dever objetivo de cuidado evidenciado não apenas pelo período temporal em que as obrigações de mantiveram por cumprir, mas também pelo facto de o exercício de 2020 ser o segundo consecutivo em que não foi apresentada a declaração modelo 22 e, não menos, pela ausência de resposta ao ofício que motivou a liquidação administrativa. As razões éticas invocadas pela Requerente não afastam, no contexto referido, a sua negligência no cumprimento devido das obrigações tributárias.
Improcede, pois, o alegado pela Requerente.
6. Decisão
Destarte, atento o exposto, este Tribunal Arbitral decide:
-
julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral; e, em consequência, manter a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e as liquidações contestadas, incluindo a dos juros compensatórios;
b) condenar a Requerente nas custas processuais infra determinadas.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 68 062,66.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Notifique-se.
13 de novembro de 2013
Os Árbitros,
Rui Duarte Morais (Presidente)
Jorge Carita
João Pedro Rodrigues (Relator)