Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 166/2023-T
Data da decisão: 2023-11-22  IRS  
Valor do pedido: € 20.962,42
Tema: Impossibilidade Superveniente da Lide – Revogação do ato tributário
Versão em PDF

 

Decisão Arbitral

 

Sumário:

1. No caso de revogação dos atos tributários objeto de apreciação arbitral, revogação essa ocorrida já após a constituição do respetivo tribunal, a instância extingue-se porque se tornou supervenientemente impossível o seu prosseguimento.

2.verificado este facto, o tribunal não conhece do mérito do PPA formulado, antes se limitando a declarar a extinção daquele.

 

Requerente: A... (doravante denominados por “Requerente”)

Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” e/ou “Requerida”)

 1. Relatório

A... (adiante a 'Requerente'), solteira, com residência atual em ... .., ...-... Póvoa de Santa Iria, NIF..., submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) pedido de constituição e de pronúncia arbitral (PPA) com vista à anulação da decisão silente de indeferimento da Revisão Oficiosa, a qual tinha por objeto a liquidação de IRS n.° 2020..., a que coube o documento n.° 2020..., respeitante ao período de 2019, no montante de € 41.924,8.

 

A Requerente fundamenta a ilegalidade dos atos tributários, assente, em termos sintéticos, no seguinte:

- Não aplicação do regime de mais-valias previstas no artigo 43º do CIRS, desaplicação essa que reputa como violadora do artigo 63º do Tratado da União Europeia;

- Falta de fundamentação da Liquidação, violando assim o disposto no artigo 77º da LGT;

Peticionando assim no sentido da restituição do imposto e acrescido indevidamente pago e bem assim o pagamento pela Requerida de juros indemnizatórios.

Em 16.03.2023 foi aceite o pedido do PPA apresentado pela Requerente, não tendo a Requerida procedido à revogação dos atos tributários arbitralmente impugnados.

 O árbitro único foi designado em 08.05.2023.

Nesta decorrência, foi este Tribunal Arbitral constituído em 26.05.2023.

 

Notificada a Requerida para, querendo, apresentar Resposta, veio esta a informar em 29.05.2023, que por despacho da Subdiretora-Geral para a área da Gestão Tributária-IR, foi revogado o ato de liquidação objeto de impugnação arbitral, conforme consta processo n.º ...2023...

 

Notificada a Requerente para, querendo, se pronunciar sobre o despacho de revogação do ato tributário de liquidação, esta nada veio a aduzir.

 

A prolação de decisão arbitral foi definida para ocorrer até 26.11.2023, em conformidade com despacho proferido 14.11.2023.

 

 2. Saneamento

O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT. 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

     3. Fundamentação de Facto:

3. 1. Factos Provados:

Analisada a prova documental produzida e o posicionamento das partes, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

  1. Em 18 de Outubro de 2022 deu entrada no Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira-... pedido de Revisão Oficiosa a qual tinha por objeto a liquidação de IRS n.° 2020..., respeitante ao período de 2019, no montante de € 41.924,8.
  2. A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IRS em apreço.
  3. A AT não veio a decidir a Revisão Oficiosa supra, pelo que em 15.03.2023, veio a Requerente a submeter junto do CAAD o PPA que deu origem aos presentes autos.
  4. Em 26.05.2023 foi este tribunal arbitral singular constituído.
  5. Notificada a Requerida para, querendo, apresentar Resposta, veio esta a informar, por requerimento introduzido no SGP em 29.05.2023, que por despacho da Subdiretora-Geral para a área da Gestão Tributária-IR, foi revogado o ato de liquidação objeto de impugnação arbitral, conforme consta processo n.º ...2023..., cuja cópia se encontra junta a estes autos e de cuja informação que serviu de base a tal decisão consta, entre o mais, o seguinte:

Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser aplicada na liquidação o disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 43º do CIRS considerando-se o saldo das mais-valias imobiliárias em apenas 50% do seu valor, restituindo-se o imposto pago a mais, assim como o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios, no entanto, deverá ser corrigida, na declaração, a data referente à aquisição do imóvel, indicando-se o ano de 2012/10, ao invés do ano de 2013/10.”.

  1. Notificada a Requerente para se pronunciar sobre a versada revogação do ato tributário em causa, esta não veio a oferecer qualquer contraditório.
  2. A revogação do ato tributário de liquidação de IRS de 2019 supra melhor identificado foi comunicada a estes autos em data posterior à constituição deste.

 No que se refere aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pela Requerente e Requerida e no posicionamento das partes em relação à mesma.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

3.2. Factos Não Provados:

 Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

4. Do Direito:

4.1. Da revogação dos atos tributários objeto destes autos:

Como se evidenciou supra, veio a Requerida a proceder à revogação do ato tributário de liquidação de IRS de 2019, do mesmo despacho constando a decisão de pagamento de juros de juros indemnizatórios a favor da Requerente.

Tal revogação veio apenas a ser dada a conhecer a estes autos na pendência os mesmos, isto é, quando já se encontrava o presente tribunal arbitral singular constituído, nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

O que o mesmo é dizer que a liquidação de IRS de 2019 que estava na base e constituía o objeto imediato da Revisão Oficiosa  identificada em “factos provados” e o objeto mediato destes autos arbitrais e cuja ilegalidade em concreto foi suscitada pela Requerente desapareceu da ordem jurídico-tributária, por via da revogação dada a conhecer após a constituição deste tribunal arbitral singular.

A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, atualmente prevista no art.º 277.º al. e), do CPC, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo.

Isto é, quando «por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.» - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0875/14, de 30.07.2014, do qual se colhe igualmente que:

«I – A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio

Nesta mesma linha de entendimento, note-se ainda o aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 07433/14, de 10.04.2014, nos termos do qual:

1. Entre as causas de extinção da instância do processo declarativo, as quais são aplicáveis à execução supletivamente, conforme dispõe o artº.551, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, vamos encontrar a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (cfr.artº.277, al.e), do C.P.Civil).

2. Esta causa de extinção da instância contém dois requisitos que necessitam estar verificados para a sua aplicação. São eles, a inutilidade da lide, e que essa inutilidade decorra de facto posterior ao início da instância, para poder dizer-se que é superveniente, a qual dá lugar à mesma extinção da instância sem apreciação do mérito da causa.

3. Também neste sentido segue a doutrina e a jurisprudência, ao referirem que a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide se dá quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo ou, por outro lado, porque encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a causa deixa de interessar - além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios.

4. Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente.»

Destarte, num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio – neste sentido, vejam-se os ensinamentos de José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, I Volume, 2ª Edição, Almedina, 2003 anotação 3 ao art.º 287.º, p. 512.

Deste modo, a instância extingue-se porque se tornou inútil ou impossível o seu prosseguimento: verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito do PPA formulado, antes se limitando a declarar aquela extinção.

Em qualquer caso, o facto suscetível de determinar a extinção da instância por inutilidade ou impossibilidade da lide deve ser superveniente, ou seja, a sua verificação deve ter lugar após a constituição da instância. Não é suficiente, portanto, a existência de um facto que torne a lide inútil.

No caso dos presentes autos, dúvidas não subsistem quanto à superveniência da causa extintiva da lide – revogação pela Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira ocorrida por decisão dada a conhecer posteriormente à data em que o este tribunal arbitral singular se considera constituído.

Não se podendo olvidar que, nos termos do n.º 1 do artigo 165º do CPA, a revogação do ato administrativo determina a cessação de efeitos desse mesmo ato, sendo a notificação dos atos administrativos obrigatória, impedindo que sejam desencadeados efeitos jurídicos ablativos enquanto o ato administrativo não tiver sido notificado àqueles que por ele são atingidos na sua esfera jurídica.

Nos presentes autos, dúvidas inexistem quanto ao facto de tal oponibilidade da decisão revogatória – via notificação - ter ocorrido em momento temporalmente posterior ao da constituição do tribunal arbitral singular.

Ante o exposto, fica evidenciado que com a revogação da ordem jurídico-tributária do ato tributário de liquidação de IRS de 2019 já supra melhor identificados e nos termos constantes da respetiva informação e despacho exarados, torna impossível o prosseguimento da presente lide, por falta de objeto e determina a extinção da instância.

Não porque a pretensão processual da Requerente quanto à anulação do ato tributário, no segmento cuja legalidade tributária foi arbitralmente sujeita a apreciação,  se encontrar alcançada, mas por tal revogação acarretar um absoluto esvaziar do objeto de apreciação arbitral que havia sido suscitado pela Requerente, vazio esse de objeto que inviabiliza a apreciação de qualquer matéria acessoriamente aduzida por esta, como seja a eventual condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios (efeito também alcançado via despacho de revogação) ou a eventual restituição de quantias a este título indevidamente pagas.

Isto porque, desaparecendo da ordem jurídico-tributário o objeto principal do litígio arbitral – atos tributários de liquidação – fica excluída da jurisdição arbitral, nos termos do n.º 1 do artigo 2º do RJAT e da alínea a) do n.º 4 do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, a apreciação por este tribunal arbitral, a título principal, de atos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação.

Destarte, tendo o ato tributário de liquidação, enquanto objeto mediato da decisão silente do pedido de Revisão Oficiosa sido objeto de revogação, tem-se, pois, por verificada a impossibilidade da lide, a qual determina a extinção da instância arbitral (art. 277º, al. e) do CPC), aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

5. DECISÃO:

Nestes termos e com a fundamentação que se deixa exposta, decide este tribunal arbitral singular determinar a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide por revogação dos atos tributários nos termos e para os efeitos do artigo 277.º, alínea e) do CPC.

  1. Valor do Processo:

Assim, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 20.962,42  (vinte mil novecentos e sessenta e dois euros e quarenta e dois cêntimos), valor este invocado pela Requerente e não contraditado pela Requerida.

  1. Custas:

De acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último, fixam-se as custas no montante de € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), as quais vão a cargo da Requerida, dado a revogação ter ocorrido na pendência do processo arbitral.

Notifique-se esta decisão arbitral à Requerente e à Requerida e, oportunamente, arquive-se o processo.

Lisboa, 22 de Novembro de 2023.

O árbitro singular

(Luís Sequeira)

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 131º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.