SUMÁRIO:
1-No indeferimento tácito, pela sua própria natureza, não há intervenção da administração. Este não é um verdadeiro ato administrativo sujeito às menções obrigatórias do artigo 151º do CPA e nomeadamente ao dever de fundamentação previsto no nº 1 do artigo 77º da LGT, já que se limita a ser uma ficção jurídica destinada a possibilitar ao contribuinte poder exercer o direito à abertura da via contenciosa administrativa, arbitral ou judicial.
2-Em sede de procedimento impugnatório de reclamação graciosa compete ao sujeito passivo o ónus de alegar e demostrar os erros de facto e de direito da liquidação impugnada nos termos do nº 1 do artigo 74º da LGT.
3- A presunção de veracidade de declaração de substituição decorrente do nº1 do artigo 75º da LGT cede face à alínea a) do nº 2 do artigo 75º da LGT e do nº 2 do artigo 59º do CPPT.
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DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. No dia 10 de julho de 2023, A..., contribuinte fiscal nº..., “requerente”, apresentou pedido de constituição de tribunal e pronúncia arbitral ao abrigo da alínea d) do nº. 2 do artigo 95º da LGT, dos artigos 99º e seguintes do CPPT, e da alínea a) do nº. 1 do artigo 10º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, respeitante à liquidação de IRS relativa ao ano de 2020 com nº. 2021..., no montante de €65.347,91, por entender que o ato de indeferimento tácito de reclamação graciosa é inválido por falta de fundamentação legalmente exigida e por violação do princípio da decisão e pela violação do direito a uma pronúncia sobre o pedido requerido.
É requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA e ADUANEIRA (doravante AT).
2. No dia 12 de julho de 2023, foi aceite o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.
3. No dia 19 de setembro de 2023, foi constituído o Tribunal Arbitral.
4. Em 19 de setembro de 2023, foi a requerida notificada nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, para no prazo de 30 dias, apresentar Resposta.
5. Em 23 de outubro de 2023, a requerida juntou aos autos o processo administrativo e apresentou a sua Resposta.
6. Em 25 de outubro de 2023, foi proferido despacho em que foi dispensada a reunião do Tribunal Arbitral a que se refere o artigo 18º do RJAT, bem com a apresentação de alegações, fundamentado no facto do processo não se mostrar especialmente complexo no plano da tramitação processual, não terem sido suscitadas exceções de que caiba conhecer preliminarmente, e por a matéria de facto relevante para a decisão da causa poder ser fixada com base na prova documental, tornando-se desnecessária a realização de outras diligências instrutórias.
7. Em 27 de Outubro de 2023, a requerente juntou aos autos requerimento para exercício do direito ao contraditório.
II. Saneamento
O Pedido de Pronúncia Arbitral é tempestivo. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regulamente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1 alínea a), 5º n.º 1 e 2 do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
III. Matéria de Facto
III. A. Factos Provados
1. A requerente no que diz respeito ao ano fiscal de 2020 submeteu uma declaração modelo 3 em 2021-06-30, a qual deu origem à liquidação nº 2021... com valor a pagar no montante de € 65.347,91.
2. A requerente em 21.12.2022 submeteu declaração de substituição da declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano fiscal de 2020 através da declaração de substituição nº. 2020-...-... -..., recebida pelos serviços a 21/12/2022.
3. Da declaração de substituição submetida pela requerente resultam alterações ao Anexo C, a saber:
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No quadro 5, (DISCRIMINAÇÃO POR ATIVIDADES, como rendimentos obtidos na ATIVIDADES PROFISSIONAIS, COMERCIAIS E INDUSTRIAIS COM EXCEÇÃO DA ATIVIDADE DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTOS DE ALOJAMENTO LOCAL NA MODALIDADE DE MORADIA OU APARTAMENTO, campo 501, inscreveu um prejuízo fiscal de € 16.120,66, e no campo 502 não inscreveu qualquer rendimento, enquanto na primitiva declaração tinha inscrito como lucro tributável o montante de € 175.297,97;
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Inscreveu no campo 506 um lucro tributável de € 191.418,63, obtido no exercício de ATIVIDADES AGRÍCOLAS, SILVÍCOLAS E PECUÁRIAS, quando na primitiva declaração não inscreveu qualquer rendimento;
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No quadro 5A, campo 507, com o nº de anos ou fração a que respeitam os gastos imputados, inscreveu (09), e no campo 508, como Lucro tributável (explorações silvícolas plurianuais),59º inscreveu o montante de € 191.418,63, quando na primitiva declaração não tinha preenchido este quadro.
4. A declaração de substituição foi aceite pela AT, tendo ficado no estado “declaração não liquidável”, uma vez que foi submetida após o prazo previsto no nº 1 do artigo 60º e no nº 1 do artigo 76º do CIRS.
5. A declaração de substituição em 02.02.2023, nos termos do nº5 do artigo 59º do CPPT, foi convolada em reclamação graciosa.
6. A reclamação graciosa foi objeto de arquivamento por despacho da AT do Chefe do SF Lisboa 2, em 12/09/2023, fundada em inutilidade superveniente da lide por ter sido instaurado processo arbitral
7. A requerida foi notificada do arquivamento da reclamação graciosa em 19.09.2023.
III.B- Factos que não se consideram provados
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
III. C. – Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
1. Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo (PA).
2. Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123.º, 2, do CPPT e arts. 596.º, 1 e 607.º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e arts. 5.º, 2 e 411.º do CPC).
3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16.º, e) do RJAT, e art. 607.º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, 1, e) do RJAT).
4. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607.º, 5, do CPC, ex vi art. 29.º, 1, e) do RJAT).
5. Além disso, não se deram como provadas nem não foram provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
IV. Sobre o Mérito da Causa
IV. A - Posição da Requerente
A requerente sustenta no PPA a ilegalidade da liquidação de IRS relativa ao ano de 2020 com o nº 2021..., no montante €65.347,91. Para o efeito alega que dentro do prazo legal, nos termos do II da alínea b) do nº 3 do artigo 59º do CPPT e do nº 2 do artigo 140º do CIRS, procedeu à entrega de declaração de substituição modelo 3 de IRS relativo ao ano fiscal de 2020.
Declaração que no seu entender, nos termos do nº 1 do artigo 75º da LGT, se presume verdadeira e de boa-fé, a qual foi, nos termos do nº 5 do artigo 59º do CPPT, convolada em reclamação graciosa. Impugnação administrativa, via reclamação graciosa, que, não tendo sido alvo de decisão dentro do prazo instituído no nº 5 do artigo 57º da LGT, determinou a ocorrência do indeferimento tácito.
Indeferimento tácito que a requerida entende por inválido por falta de fundamentação legalmente exigida (artigo 77º da LGT e artigo 37º nº 1 do CPPT) e simultaneamente anulável por violação do princípio da decisão e pela violação do direito da requerente a uma pronúncia sobre o por si requerido nos termos da lei, designadamente, no âmbito do procedimento que licitamente instaurou (artigo 59º nº. 1 do CPPT), devendo presumir-se por verdadeira e de boa-fé a declaração de substituição entregue pela requerente nos termos do artigo 75º nº1 da LGT.
Assim, sendo o ato impugnado por declarar uma obrigação de imposto não correspondente à situação material subjacente, padece de vício de violação de lei, sendo anulável nos termos do artigo 163º nº. 1 do CPA, invalidade que a requerente para todos os efeitos legais igualmente invoca.
IV. B. Posição da Requerida
A requerida na sua resposta contesta a posição e argumentação da requerente. Entende a requerida que a mera entrega de declaração de substituição “per se” não é condição suficiente para a anulação e restituição do imposto que a mais tenha sido liquidado em virtude do erro constante da primeira declaração. Defende a requerida que a declaração de substituição é convolada em reclamação graciosa, cabendo ao sujeito passivo ora requerente o ónus de alegar e demonstrar tal erro, nos termos previstos no nº 1 do artº 74º da LGT.
Entende que o prazo de quatro meses para concluir o procedimento de reclamação graciosa previsto no nº 5 do artº 57º da LGT, reveste natureza meramente ordenadora ou disciplinadora, e a sua violação não tem como consequência a ilegalidade do ato em formação no procedimento.
Considerando ainda que não pode ser acolhido o argumento da presunção da veracidade da declaração de substituição da requerente, porquanto cabia à requerente o ónus de alegar e demonstrar tal erro, nos termos previstos no nº 1 do artº 74º da LGT, face à existência de erro na primeira declaração apresentada, relevando que a requerente não juntou aos autos de reclamação, nem agora em sede de tribunal arbitral, qualquer documento/elemento que demonstre o alegado erro que sofria a primitiva declaração de rendimentos apresentada, limitando-se a entregar, apenas, a declaração de substituição.
Concluindo a requerida que os elementos constantes da declaração de substituição apresentada e convolada em reclamação graciosa, padecem de comprovação, a efetuar pela requerente, face ao disposto no nº 1 do artº 74º e nº 2 do artº 75º da LGT, pelo que, não o tendo feito, o pedido não merece provimento. Pelo que, face ao exposto, não enferma a liquidação controvertida de qualquer vício que ponha em causa a sua legalidade e validade, devendo em consequência ser julgado improcedente o PPA.
IV.C. Do Direito
Tendo em atenção as pretensões e posições da requerente e da requerida constantes das suas peças processuais, são as seguintes as questões que o Tribunal Arbitral deve apreciar (sem prejuízo de a solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões - cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT):
Saber se o ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa convolada em resultado da entrega da declaração de substituição nos termos do nº 5 do artigo 59º do CPPT, se encontra ferida por falta de fundamentação e por violação do princípio da decisão, gozando a declaração de substituição convolada em reclamação graciosa da presunção de verdade nos termos do nº1 do artigo 75º da LGT.
Feito o relato da posição das partes, é o momento do Tribunal Arbitral tomar posição.
No nosso regime jurídico-tributário vigora o denominado princípio da declaração, que se consubstancia que no facto de na generalidade dos tributos o procedimento de liquidação do imposto ser efetuado com base nas declarações do contribuinte. De facto, a obrigação de apresentação de declarações é uma das obrigações acessórias dos sujeitos passivos, estando contemplada no nº 2 do artigo 31º da LGT, sendo que, no caso do IRS, conforme o disposto no nº 1 do artigo 57º do CIRS, os contribuintes têm o dever de submeter anualmente a declaração em modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano. Será com base na declaração do contribuinte que o procedimento de liquidação é instaurado (artigo 59º nº 1 do CPPT), efetuando-se o apuramento da matéria tributável com base na declaração do contribuinte, desde que este a apresente nos termos previstos na lei e forneça à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária.
Tendo em conta os propósitos da verdade material, da tributação de acordo com a real capacidade contributiva, o legislador possibilita por iniciativa do contribuinte a substituição da declaração em caso de erro de facto ou de direito, podendo esta ser efetuada dentro do prazo legal da respetiva entrega (alínea a) do nº 3 do artigo 59º do CPPT), ou sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional que ao caso couber, quando desta declaração resultar imposto superior ou reembolso inferior ao anteriormente apurado (alínea b) do nº 3 do artigo 59º do CPPT) nomeadamente até ao termo do prazo legal de reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação, para a correção de erros ou omissões imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto de montante inferior ao liquidado com base na declaração apresentada ( II alínea b) do nº 3 do artigo 59º do. CPPT). Declaração de substituição que, nos termos do nº5 do artigo 59ºdo CPPT, quando a administração tributária não proceda à sua liquidação, é convolada em reclamação graciosa. Possibilidade de convolação que apenas se verifica nos casos em que a declaração de substituição seja apresentada no prazo legal da reclamação graciosa, pelo que o contribuinte não necessita de apresentar qualquer meio de impugnação administrativa ou contenciosa, pois a administração tributária deverá instaurar oficiosamente reclamação graciosa com base na declaração de substituição.
Foi o que sucedeu no caso dos autos, em que a requerente submeteu dentro do prazo legal previsto no nº 2 do artigo 140º do CIRS a declaração de substituição de IRS. Declaração de substituição que foi convolada em reclamação graciosa por despacho de 02.02.2023, devidamente notificado à requerente.
A reclamação graciosa prevista nos artigos 68º a 77º do CPPT é um meio de impugnação administrativa, em que se solicita a quem praticou o ato a anulação do mesmo, fundada em ilegalidade formal ou material. Está reservada para a contestação dos denominados atos tributários em sentido restrito, ou seja, os atos de liquidação. Apesar do nº 1 do artigo 68º do CPPT expressamente mencionar que o seu objetivo é anulação de atos tributários, o que restringia o seu âmbito às ilegalidades consequentes do vício da anulação, a expressão “anulação” deverá ser entendida de forma lata, abrangendo os casos quer de inexistência jurídica ou de nulidade. Assim, com a reclamação graciosa consagra-se um instrumento administrativo votado ao controlo das questões de legalidade dos atos tributários em sentido restrito, independentemente do vício existente. Encontramos neste meio impugnatório uma identidade de fundamentos entre a reclamação graciosa e a impugnação judicial como consagração de um controlo interno de legalidade de primeiro nível equivalente. Reclamação graciosa que, nos termos da alínea e) do artigo 69º do CPPT, limita a sua fundamentação a meios probatórios documentais e aos elementos oficiais de que os serviços disponham, sem prejuízo do direito de o órgão instrutor ordenar outras diligências complementares manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material. Reclamação graciosa em que compete ao sujeito passivo o ónus de alegar e demostrar os erros de facto e de direito da liquidação impugnada nos termos do nº 1 do artigo 74º da LGT.
Pelo que, com a convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa, como ocorreu no caso dos presentes autos, o seu prepósito seria a anulação da liquidação de IRS de 2020 liquidada com base na declaração primeiramente apresentada.
Vigora no procedimento tributário (artigo 56º LGT) à semelhança do procedimento administrativo (vide artigo 13º do CPA), sob os pressupostos da boa-fé e da colaboração, o denominado princípio da decisão que determina o dever da administração tributária pronunciar-se sobre todos os assuntos que sejam da sua competência que lhe sejam apresentados pelos cidadãos-contribuintes. Pelo que, consequentemente, a administração tributária encontra-se subordinada à tomada de posição, sobre a apresentação de um meio administrativo de impugnação, como seja a reclamação graciosa.
Para o efeito da concretização do princípio da decisão sob o paradigma da celeridade, o nº 1 do artigo 57º da LGT estabelece para o procedimento tributário um prazo de quatro meses. Porém, este prazo assume uma natureza meramente ordenadora ou disciplinadora, pelo que, em caso de não observância, não tem em regra como efeito imediato e direto o deferimento do pedido do contribuinte. Assim, caso a reclamação graciosa não seja decidida no prazo previsto no nº1 do artigo 57º da LGT, ao contribuinte são admitidos dois caminhos alternativos: continuar a aguardar uma resposta da administração tributária, que não obstante a ultrapassagem do prazo de quatro meses não fica dispensada de elaborar uma decisão expressa; ou em alternativa presumir o indeferimento tácito nos termos do nº 5 do artigo 57º da LGT para poder optar pela prepositura de recurso hierárquico, impugnação judicial, ou, como é o caso dos presentes autos, optar pela arbitragem tributária.
Conforme refere o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo nº 047495, de 03.02.2003
I - O indeferimento tácito não é um verdadeiro ato administrativo já que se limita a ser uma ficção jurídica destinada a possibilitar a abertura da via contenciosa. Deste modo, a não prolação atempada do acto administrativo não exime a Administração do poder-dever de proferir decisão expressa, pelo que quando esta é proferida ela passa a ser o único ato impugnável.”
No caso dos autos, a requerente legitimamente utilizou a faculdade prevista no nº 5 do artigo 57º da LGT, deitando a mão à figura do indeferimento tácito para poder de imediato optar pela impugnação através da arbitragem tributária.
Vem a requerente alegar que “o indeferimento tácito é desde logo naturalmente inválido por falta de fundamentação legalmente exigida (artigo 77 da LGT e artigo 37º nº1 do CPPT).”
De facto, o direito à fundamentação dos atos tributários reconduz-se a um dos direitos nucleares do cidadão, com proteção e amplitude constitucional conforme postulado no nº 2 do artigo 268º da CRP, que estabelece que os atos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos. Obrigação constitucional reconduzida no procedimento tributária no artigo 77º da LGT. Segundo este, a decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. Com a fundamentação assegura-se o direito ao cidadão-contribuinte conhecer o itinerário legal, factual e cognitivo da administração tributária que desembocou na decisão do procedimento. Pretende-se com a fundamentação, esclarecer, mas também permitir o convencimento da necessidade e legalidade do ato, junto do cidadão contribuinte, facilitando-se a aceitação e diminuindo a eventual litigiosidade e conflitualidade.
Porém, no caso em apreço estamos no âmbito de um ato de indeferimento tácito.
Como refere Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo nº 410/15.9BEFUN, de 15.12.2021:
I. O indeferimento tácito, por ser ficção de ato, não tem fundamentação, destinando-se tal presunção a facultar ao lesado o acesso à via judicial perante a omissão do dever de decisão.”
No indeferimento tácito, pela sua própria natureza não há intervenção da administração. Este não é um verdadeiro ato administrativo sujeito às menções obrigatórias do artigo 151º CPA e, nomeadamente, ao dever de fundamentação previsto no nº 1 do artigo 77º da LGT, já que se limita a ser uma ficção jurídica destinada a possibilitar ao contribuinte poder exercer o direito à abertura da via contenciosa administrativa, arbitral ou judicial. Pelo que não tem acolhimento o pedido da requerente de falta de fundamentação do ato de indeferimento tácito.
É certo que na lei fiscal, apesar da regra geral do indeferimento tácito, encontramos excecionalmente alguns casos de deferimento tácito, como sejam: deferimento tácito da reclamação graciosa em casos de pagamento por conta após o prazo de 90 dias (artigo 133º nº4 do CPPT); deferimento tácito da informação vinculativa urgente (artigo 68º nº8 LGT); ausência de decisão no prazo de seis meses em procedimento de ilisão de presunções (artigo 64 nº3 CPPT); pedido de sancionamento do relatório final da inspeção tributária tacitamente deferido se não houver resposta da administração no prazo de seis meses (artigo 64º nº3 do RCPIT). Mas nenhuma das exceções supra identificadas tem enquadramento na situação dos presentes autos.
Conforme refere a requerida, a simples entrega de declaração de substituição, com a sua consequente convolação em reclamação graciosa com vista a corrigir eventuais erros da primeira declaração, não tem o efeito “per se” de anulação e restituição do imposto.
Competiria ao reclamante, no caso a requerente, em sede de reclamação graciosa nos termos do artigo 74 nº 1 da LGT, o ónus de alegar e demostrar os erros presentes na primeira declaração, que justifiquem a correção efetuada na declaração de substituição. Relembre-se que, nos termos do nº 2 do artigo 59º do CPPT, o “apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária.” Sendo que a requerente quer nos autos de reclamação graciosa, quer no processo arbitral, não juntou qualquer documento que comprove o erro da declaração primitiva e a veracidade dos dados constantes da declaração de substituição. Não tendo sequer solicitado, em sede de PPA a produção de prova testemunhal para prova dos erros da declaração de IRS primitiva, que justifiquem a ilegalidade da liquidação impugnada.
É certo que as declarações de substituição apresentadas nos termos legais presumem-se verdadeiras, presunção esta que apenas pode ser afastada pela AT nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 75.º da LGT. Nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 75º da LGT, a presunção da veracidade da declaração do contribuinte cessa quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.”
Conforme referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa: “ Se as declarações ou a contabilidade e escrita apresentarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem a matéria tributável real do sujeito passivo, deixam de valer aquelas presunções. Por isso a prova dos factos que são objeto da contabilidade fica sujeita às regras do ónus da prova estabelecidas no artigo 74º da LGT”[1].
No caso em apreço, tendo em conta os erros da declaração primitiva, nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 75º da LGT supra mencionada, e do nº 2 do artigo 59º do CPPT, que refere que “ o apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária”, era à requerente, nos termos do nº 1 do artigo 74º da LGT, a quem competia o ónus da prova de demostrar os erros de facto ou de direito da declaração primitiva e a veracidade dos dados constantes da declaração de substituição. Ónus da prova que não foi conseguido pela requerente face à inexistência de elementos probatórios nos autos (documentais ou outros) que sustentam a sua posição.
Se assim não fosse, poderia dar-se o caso que sempre que uma declaração de substituição fosse convolada numa reclamação graciosa, esta não fosse decidida pela AT no prazo do procedimento previsto no nº5 do artigo 57º da LGT, e o contribuinte invocasse a figura do indeferimento tácito como mecanismo legítimo para via contenciosa, administrativa, arbitral ou judicial, face a uma suposta total presunção de veracidade da declaração de substituição, para que o indeferimento tácito se transformasse obrigatoriamente num deferimento tácito.
Pelo que, face ao exposto, julga-se improcedente o PPA da requerente.
VI. Decisão
Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:
1- Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
2- Condenar a requerente nas custas do processo.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 65.347,91, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela requerente, uma vez que o pedido foi julgado improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 9 de Novembro de 2023
Os Árbitros
(Carlos Alberto Fernandes Cadilha- Árbitro Presidente)
(Clotilde Celorico Palma- Árbitro Adjunto)
(António Cipriano da Silva - Árbitro Adjunto e relator)
[1] Cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa - Lei Geral Anotada e Comentada, 4º edição. Encontro da Escrita, 2012, pág. 664.