Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 212/2014-T
Data da decisão: 2015-02-24  IUC  
Valor do pedido: € 589.857,79
Tema: IUC – incidência subjetiva
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DECISÃO ARBITRAL[1]

 

 

Os árbitros Dr. José Pedro Carvalho (árbitro-presidente), Profª. Doutora Maria do Rosário Anjos e Prof. Doutor Guilherme Oliveira Martins, designados pelo Conselho Deontológico de Arbitragem Administrativa para constituir o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

I RELATÓRIO

 

1. A SA, com sede no … Azambuja, titular do número único de pessoa colectiva e de registo na Conservatória do Registo Comercial de Azambuja n.º …, abrangida pela área de incidência territorial do Serviço de Finanças de Azambuja, veio apresentar o PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL dirigido a obter a anulação das liquidações de Imposto Único de Circulação (IUC) - num total de 4015 liquidações respeitantes aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, todas identificadas pelas respectivas 4015 notificações ora juntas em anexo como doc. n.º 1, especificadas por número de documento, matrícula, período de tributação e montante do imposto, no valor global de €589.857,792.

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 04-03-2014.

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal colectivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do correspondente encargo no prazo aplicável.

4. Em 17-04-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.ºe 7.º do Código Deontológico.

5. Assim, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 07-05-2014.

6. Em 20-05-2014, a Requerida apresentou requerimento a pedir, para além do mais, o prolongamento do prazo para reponder, em função da junção de documentos juntos pela Requerente, após a apresentação do Requerimento inicial, o que foi objecto de despacho, a 22-05-2014.

7. Por requerimento apresentado a 23-06-2014, a Requerente arguiu, para além do mais, a extemporaneidade da resposta da Requerida.

8. Por Requerimento apresentado a 04-07-2014, a Requerida respondeu à extemporaneidade arguida pela Requerente.

9. No dia 05-09-2014 teve lugar a primeira reunião do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada ata da mesma, que igualmente se encontra junta aos autos.

10. Na sequência da produção de prova, o Tribunal notificou a requerente e a requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 45 dias, sendo que o prazo para a requerida começou a contar com a notificação da junção das alegações da requerente, ou do termo do prazo concedido para o efeito sem que as mesmas tenham sido apresentadas.

11. Com as suas alegações a Requerida juntou 820 novos documentos, pelo que, relativamente a tal circunstância, foi proporcionado o contraditório à Requerente, que o exerceu por meio de requerimento apresentado 13-01-2015.

12. Por despacho de 13-01-2015, nos termos e para os efeitos do art.º 21.º/2 do RJAT, e tendo presente o disposto no art.º 17.º-A do mesmo diploma, prorrogou-se o prazo a que se refere o n.º 1 daquele art.º 21.º, por dois meses, uma vez que, atentas as vicissitudes da tramitação processual até à data, não foi possível disponibilizar decisão final naquele prazo.

13.Por despacho de 19-01-2015, o Tribunal decidiu a manutenção nos autos da documentação apresentada pela Requerida nas suas alegações e indicou que a decisão final seria proferida nos 30 dias seguintes.

14. O referido prazo foi prorrogado por duas vezes, a primeira, em 18-02-2015, até 23-02-2015, e a segunda, em 23-02-2015, até 24-02-2015.

15. Os fundamentos do pedido da Requerente são os seguintes:

- Os actos de liquidação de IUC contestados, em número de 4015, foram notificados à Requerente com base em fundamentação do seguinte teor: «Liquidação efectuada nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, conjugado com os artigos 3.º, 4.º, 6.º e 10.º, todos do Código do Imposto Único de Circulação, por não ter sido liquidado nem pago, até à data de liquidação e no mês referidos no quadro, o imposto referente ao veículo identificado neste documento» (cf. doc. n.º 1 cit.).

- Desta referida conjugação de normas invocada pela AT, que nada esclarece em que termos são conjugadas, nem em que se fundamenta em concreto a conclusão da atribuição da responsabilidade à Requerente, efectivamente não resulta que a Requerente possa ser legalmente responsabilizada pela liquidação e pagamento do IUC em causa.

- O Código do IUC estabelece que os sujeitos passivos são os proprietários dos veículos, considerando como tais as pessoas «em nome das quais os mesmos se encontrem registados». (cfr. artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC).

- O facto gerador do imposto, nos temos do mesmo Código é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional (cf. artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC); e o imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação (artigo 6.º, n.º 3, do Código do IUC) - que corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula (cfr. artigo 4.º, n.º 2, do Código do IUC).

- No ano da matrícula ou registo do veículo em território nacional - como é o caso das liquidações contestadas - o imposto é liquidado pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respectivo registo (artigo 6.º, n.º 3, do Código do IUC), ou seja, 60 dias após a matrícula.

- Apenas na ausência de registo de propriedade do veículo efectuado dentro do prazo legal, diz-nos ainda o legislador do Código do IUC, o imposto devido no ano da matrícula do veículo é liquidado e exigido ao sujeito passivo do imposto sobre veículos com base na declaração aduaneira do veículo, ou com base na declaração complementar de veículos em que assenta a liquidação desse imposto, ainda que não seja devido (artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do Código do IUC).

- Desta última disposição resulta que, no caso haver registo de propriedade do veículo efectuado dentro do prazo legal - como é o caso - o imposto devido no ano da matrícula do veículo é liquidado e exigido ao respectivo titular desse registo.

- E havendo registo de propriedade do veículo efectuado dentro do prazo legal, parece poder retirar-se com toda a segurança a contrario, que o imposto é inexigível a pessoa diferente do titular desse registo (salvo prova em contrário), seja o titular da DAV ou pedido de matrícula, ou qualquer outra pessoa diferente do proprietário registado - que há que encontrar em função desse registo e nesse prazo, ainda que já tenha ocorrido o facto gerador do imposto.

- Sublinhe-se que a AT nunca esclareceu minimamente em que pressuposto se baseou para fundamentar a alegada propriedade da Requerente à data da matrícula (nem a relevância deste facto): se na existência da DAV, ou pedido de matrícula, ou no registo inicial a favor da Requerente… o que constitui vício de fundamentação em ofensa do disposto nos artigos 268.º da CRP e 77.º da LGT, que aqui expressamente se argui para todos os efeitos legais.

- Em qualquer caso, ambos esses pressupostos na base da actuação da AT estariam errados no caso concreto.

- Se a AT actuou exclusivamente com base na DAV ou pedido de matrícula (este último efectuado pela Requerente a pedido dos proprietários) - em violação do artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC - a verdade é que, à data da matrícula a Requerente já não era proprietária de qualquer dos veículos aqui em causa.

- Se, pelo contrário, a AT actuou com base no registo inicial a favor da Requerente, a verdade é que à data da matrícula, invocada pela AT, a Requerente ainda não era titular de registo inicial a seu favor, que apenas vigoraria posterior e temporariamente (e de forma inexacta, como se demonstrou) - até ao registo a favor do verdadeiro proprietário.

- Em qualquer caso, a Requerente nunca seria legalmente responsável pelo IUC do ano da matrícula dos veículos aqui em causa, conforme já se anteviu e passa a demonstrar-se:

Em primeiro lugar, qualquer que tenha sido o critério - diferente dos critérios legais - em que se baseou a AT, a Requerente nunca foi proprietária de qualquer dos veículos em causa, como se demonstrou e provou nos factos, senão anteriormente à data da data da matrícula (numa altura em que ainda inexistia facto tributário gerador do imposto), pelo que a propriedade, como condição de incidência subjectiva, inexistiu na esfera da Requerente em qualquer dos casos aqui em análise.

- O que constitui motivo bastante para se concluir que os actos de liquidação contestados padecem, na íntegra, de vício de violação de lei - designadamente do artigo 3.º do Código do IUC invocado pela AT - e razão suficiente para que as liquidações contestadas não possam subsistir na ordem jurídica, devendo em consequência ser integralmente anuladas.

- Em segundo lugar, ainda que a AT tivesse baseado a sua actuação na lei, e atendesse ao registo inicial a favor da Requerente, o que a AT nunca explicou, também nunca poderia considerar a Requerente como proprietária, quer porque existe registo posterior a favor dos verdadeiros proprietários, quer porque o registo inicial a favor da Requerente não corresponde à realidade material, como se provou.

- Efectivamente, o registo constitui uma presunção de que a propriedade pertence à pessoa em nome da qual está registada, admitindo-se porém prova em contrário - e em especial para efeitos da incidência subjectiva do IUC, conforme jurisprudência já firmada sobre esta matéria, nomeadamente a jurisprudência uniforme e reiterada pelos tribunais arbitrais, designadamente as decisões proferidas em 19 de Julho de 2013 no processo P26/2013-T, em 10 de Setembro de 2013 no processo P27/2013-T, e em 15 de Outubro de 2013, no processo nº 14/2013-T, atendendo ainda ao disposto no artigo 73.º da LGT quanto às presunções em matéria de incidência de impostos.

- Com efeito, as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário (artigo 73.º da LGT).

- Como resume exemplarmente a primeira decisão citada (19 de Julho de 2013 no processo P26/2013-T) proferida justamente em matéria de incidência subjectiva do IUC (destacado da Requerente):

«Os adquirentes dos veículos tornam-se, assim, proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele.

(…)

Neste contexto, cabe lembrar que, face ao disposto no nº 1 do art.º 408º do CC, a transferência de direitos reais sobre as coisas, no caso, veículos automóveis, é determinada por mero efeito do contrato, sendo certo que, nos termos do disposto na alínea a) do art.º 879º do referido CC, entre os efeitos essenciais do contrato de compra e venda, avulta a transmissão da coisa ou a titularidade do direito, no caso dos veículos.»

Ora, como se provou nos factos, relativamente à totalidade das liquidações contestadas, os veículos em causa foram todos vendidos aos concessionários e empresas de rent-a-car, anteriormente à data dos factos tributários e da exigibilidade do imposto.

- Acresce que, no caso presente, foi oportunamente promovido o registo a favor dos verdadeiros proprietários.

- Do que antecede resulta que o IUC do ano da matrícula dos veículos em causa nunca poderia ser legalmente exigido à Requerente, mas apenas aos clientes finais que adquiriram os veículos aos concessionários, e às empresas de rent-a-car, com base no respectivo registo de propriedade, como impõe a lei - e como aliás foi o procedimento normal da AT relativamente aos restantes veículos - da ordem da centena de milhares!... matriculados pela Requerente no período aqui em causa.

- ou, eventualmente, em caso de inexactidão desse registo a favor dos verdadeiros proprietários - inexactidão que não se verifica, nem a AT o invoca - aos concessionários e às mesmas empresas de rent-a-car, com base na efectiva propriedade, anterior à data da matrícula, ou pelo menos desde a data da matrícula, como atestam as facturas juntas aos autos relativas à totalidade dos veículos aqui em causa, sem excepção (cf. doc. n.º 11).

- Cumpre ainda recordar que a liquidação do imposto é da competência da AT, e feita pelo próprio sujeito passivo através da Internet, sendo obrigatória para as pessoas colectivas (artigo 16.º, n.º 2, do Código do IUC) e que as liquidações aqui em causa não foram disponibilizadas à Requerente, nem a Requerente tinha motivo para crer que lhe devessem ser disponibilizadas.

- Por outro lado, posteriormente à data da matrícula - e ao registo inicial em nome da Requerente - todos os veículos aqui em causa foram registados a favor dos respectivos proprietários no prazo de liquidação do imposto, ou mesmo antes - maioritariamente - do início deste prazo.

- Ou seja, também por esta razão - existência de registo a favor do efectivo proprietário - sistematicamente ignorado pela AT no caso concreto, incorrendo aqui em violação do artigo 3.º n.º 1, do Código do IUC, por erro exclusivamente a si imputável (AT), as liquidações aqui em causa devem ser integralmente anuladas.

- Acresce que o Código do IUC estabeleceu de forma expressa, logo no seu artigo 1.º, que o IUC obedece ao princípio da equivalência - procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

- E não pode ignorar-se que este princípio constituiu um pilar da reforma da tributação automóvel de 2007, que assentou em objectivos precisos, distinguindo claramente a tributação na FASE DE IMPORTAÇÃO (ISV) e na FASE DE CIRCULAÇÃO (IUC): desde logo, «incentivar a aquisição de veículos com menos emissões de dióxido de carbono» (cf. mais desenvolvidamente, Fernanda Alves e Nuno Victorino, o Balanço da Reforma da Fiscalidade Automóvel, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 424, p. 29-68).

- Estes princípios e objectivos concretizam-se na estrutura de taxas aplicáveis, de acordo com o estabelecido no Código do IUC, nomeadamente com respeito à categoria B (cf. 10.º do Código do IUC) agravadas em função da emissão de CO2.

- Ora, a interpretação das disposições do Código do IUC preconizada pela AT no caso concreto, designadamente o invocado artigo 3.º - ao imputar sistematicamente a qualidade de sujeito passivo à Requerente, desconsiderando terceiros como titulares do registo de propriedade (ainda que sujeitos passivos presumidos - posto que estes podem, por sua vez, podem ilidir tal presunção), é totalmente contrária aos princípios e objectivos do IUC.

- A concretização das características do IUC afigura-se impossível de alcançar com o procedimento da AT na base das liquidações contestadas, em que a AT cobra o imposto a uns proprietários - os sujeitos passivos cumpridores, e se desinteressa de o cobrar a outros, os sujeitos passivos faltosos (seja a falta imputável a estes, ou a erro dos próprios Serviços) acabando por agir sobre terceiros, como é no caso a Requerente, sem qualquer relação de propriedade ou uso com os veículos aqui em causa.

Efectivamente, é na fase de circulação que relevam as características do veículo que determinam a tributação mais ou menos gravosa em sede de IUC, e que dependem da escolha - e da utilização - do cliente final, e não do importador ou de qualquer intermediário.

- Afigura-se que este princípio não pode ser ignorado mediante uma interpretação das normas de incidência de que resulte a sujeição sistemática a imposto de intermediários sem relação com o veículo na fase de circulação, como sucedeu com a Requerente relativamente à totalidade dos veículos em causa.

- Efectivamente, os referidos princípios e objectivos da reforma da tributação automóvel não podem ser respeitados ao fazer incidir o IUC - imposto reservado à fase de circulação - sobre os intermediários sem qualquer escolha das características, mais ou menos poluentes, escolha essa da exclusiva responsabilidade dos adquirentes/utilizadores dos veículos na fase de circulação.

- Estes princípios são incompatíveis com a imposição da tributação sistemática em IUC - reservada à fase de circulação - ao sujeito passivo do ISV.

- Se o procedimento normal seguido pela AT - liquidação do IUC do ano da matrícula aos adquirentes finais de veículos novos - se harmoniza com este princípio, o mesmo já não sucede com o procedimento excepcional levado a cabo pela AT aqui em crise, desconsiderando o registo de propriedade a favor do cliente final, numa tentativa de imposição do IUC, afinal, ao sujeito passivo do ISV na fase de importação.

- E se no caso presente se pode compreender que a AT, embora incorrendo em erro, ao atribuir relevo à data da matrícula em detrimento do registo, desconhecia o proprietário à data da matrícula, o mesmo não sucede quanto à possibilidade de exigir o imposto ao proprietário registado, nos termos da lei (o adquirente final, ou as próprias empresas de rent-a-car, no caso destas) a favor de quem foi registada a propriedade até ao início do prazo legal de liquidação do imposto, ou no decurso do mesmo prazo, facto que é necessariamente do conhecimento oficioso da AT, atento o disposto no artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC.

- Também por esta razão, por violação das normas de incidência, designadamente por violação do artigo 3.º do Código do IUC e interpretação conforme aos princípios que lhe estão subjacentes, designadamente o princípio da equivalência que informa todo Código do IUC, as liquidações aqui contestadas devem ser integralmente anuladas.

- E tal interpretação, conduzindo a que a AT possa onerar ou não, conforme entender, os operadores de distribuição automóvel em função do incumprimento de obrigações dos respectivos aquirentes, sem qualquer critério ou base legal, ofende também princípios constitucionais, designadamente o princípio da igualdade (cf. artigo 13.º da CRP), e em especial em matéria tributária, seja por incidir sobre a respectiva propriedade, seja - acima de tudo - pela vocação ambiental característica do imposto, visando onerando os consumos ambientalmente indesejáveis (cf. artigo 103.º, n.os 3 e 4 da CRP).

- Recorde-se que Código do IUC estabeleceu, precisamente, que no ano da matrícula ou registo do veículo em território nacional, o imposto é liquidado pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respectivo registo (artigo 17.º, n.º 1 do Código do IUC).

- No caso do primeiro IUC - aqui exclusivamente em causa - este prazo é também o que se compatibiliza com o tempo necessário ao processamento da documentação dos veículos, nomeadamente o que os concessionários dispõe para promover o registo a favor dos clientes finais, com quem negoceiam contratos de compra e venda que frequentemente envolvem também a contratação de operações de financiamento, tal como sucede com as empresas de rent-a-car (cf. doc. n.º 15).

- Sendo assim, afigura-se que procedimento normal adoptado pela AT acima descrito - liquidação e cobrança do primeiro IUC ao cliente final - é o único que não contende os princípios subjacentes ao imposto, ao contrário do que sucede com o procedimento excepcional aqui em causa, em que foi visada a Requerente como suposta proprietária dos veículos em causa, o que aliás não corresponde à realidade, como se provou.

- Existindo registo de propriedade no prazo legal - como é o caso - o primeiro IUC é inexigível a pessoa distinta do respectivo titular, salvo prova em contrário, e não com base em critérios distintos dos critérios legais, nomeadamente fazendo recair o encargo do imposto ao sujeito passivo do ISV ou apresentante da respectiva Declaração Aduaneira.

- De resto, no caso concreto a AT nem sequer fundamentou em que se baseou para concluir - erradamente - que a Requerente era ‘proprietária’ à data da matrícula - data em que ainda nem sequer havia registo de propriedade a favor da Requerente…

- De todo o exposto resulta que o procedimento excepcional da AT na base das liquidações contestadas - seja atendendo ao pedido de matrícula, seja ao registo apenas inicial, aliás inexacto, em nome da Requerente - mas em qualquer caso ignorando sistematicamente, ao arrepio o disposto no artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC, o registo de propriedade subsequente a favor de titular distinto da Requerente, efectuado tanto no prazo daquele primeiro registo, como no prazo de liquidação do IUC do ano da matrícula, deve ser apreciado neste contexto, e ter-se por verificado erro imputável aos Serviços da AT, o que não pode deixar de ter consequências.

- A Requerente peticiona ainda juros indemnizatórios, com fundamento no disposto artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

 

16. Em resposta ao pedido da Requerente, a AT, para além da defesa por excepção:

- Da conjugação nos normativos legais, mormente do disposto nos Arts.º 3.º, 6.º, e 17.º todos do CIUC, quer ainda dos procedimentos encetados no âmbito da importação e posterior venda aos concessionários e às empresas de rent-a-car, não é responsável pelo IUC não sendo sujeito passivo de imposto.

- Deste modo, defende a Requerente que o procedimento da entidade Requerida, seja atendendo ao pedido de matrícula seja ao registo inicial, viola o disposto no n.º 1 do art.º 3 do CIUC.

- Sendo o registo efectuado tanto no prazo do primeiro registo como no prazo para liquidação do IUC do ano da matrícula, conclui a Requerente pela existência de erro imputável à entidade Requerida relativamente aos 4.015 actos de liquidação de IUC.

- Todavia, os argumentos que a Requerente esgrime não têm qualquer apoio ou guarida na letra da lei, como de seguida se passará a demonstrar.

- Conforme reiterado nos autos, a Requerente dedica-se à comercialização e importação de automóveis novos para as suas redes de concessionários, clientes finais ou para empresas de rent-a-car.

- No âmbito do Art.º 17.º do Código de Imposto sobre veículos (doravante CISV), a introdução no consumo e liquidação de imposto sobre os veículos que não possuam matrícula nacional é titulada pela emissão de uma Declaração Aduaneira de Veículos (DAV).

- Tal emissão constitui o facto gerador do imposto nos termos e para os efeitos no disposto no Art.º 5.º do CISV.

- Nos termos do disposto no n.º 4 do Art.º 117.º do Código da Estrada, a matrícula é pedida ao IMTT pela entidade que proceder à admissão ou introdução no consumo.

- Por outro lado, determina o disposto no Artigo 24.º do Regulamento de Registo de Automóveis, aprovado pelo Dec Lei 55/75 de 12 de Fevereiro, e na redacção dada pelo Dec. Lei 178-A/2005 de 28 de Outubro, cuja epígrafe contende com os Documentos para registo inicial de propriedade, que “1 – O registo inicial de propriedade de veículos importados, admitidos, montados, construídos ou reconstruídos em Portugal tem por base o requerimento respectivo e a prova do cumprimento das obrigações fiscais relativas ao veículo”.

- Em sede de IUC, estabelece o n.º 1 do Art.º 3.º do CIUC que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”

- No que concerne ao facto gerador e à exigibilidade do imposto, estatui o Art.º 6.º do CIUC que “1 - O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional.

2 - É ainda considerado facto gerador do imposto a permanência em território nacional por período superior a 183 dias de veículos não sujeitos a matrícula em Portugal e que não sejam veículos de mercadorias de peso bruto igual ou superior a 12 toneladas.  

3 - O imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no n.º 2 do artigo 4.º 

4 - Sem prejuízo do referido nos números anteriores, quando seja acoplado motor ou aumentada a potência motriz dos veículos da categoria F, o imposto é devido e torna-se exigível nos 30 dias seguintes à alteração.” (destacado nosso)

Quanto ao prazo de liquidação estabelece o disposto no Art.º 17.º do CIUC que: “No ano da matrícula ou registo do veículo em território nacional, o imposto é liquidado pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respectivo registo. 

2 - Nos anos subsequentes o imposto deve ser liquidado até ao termo do mês em que se torna exigível, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º 

3 - Na reactivação de matrícula cancelada o imposto deve ser liquidado no prazo de 30 dias a contar da data da reactivação. (Aditado pela Lei n.º55-A/2010, de 31 de Dezembro)

4 - Nas situações previstas no n.º 4 do artigo 6.º, o imposto deve ser liquidado no prazo de 30 dias a contar da alteração”.

Da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorrem inequivocamente do Art.º 6.º do CIUC as situações jurídicas que geram o nascimento da obrigação de imposto, ou seja a matrícula ou o registo em território nacional.

- Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que “o imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no n.º 2 do artigo 4.º”.

- Ou seja, o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação directa com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo. (Confronte-se o disposto no nº 2 do artigo 4º e no nº 3 do artigo 6º, ambos do CIUC, no nº 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro e no artigo 24º do Regulamento do Registo de Automóveis.)

- Aqui chegados, e por força da conjugação das normas expressas e em especial atenção ao disposto no Art.º 24.º do Regulamento de Registo de Automóveis (RRA), aprovado pelo Dec Lei 55/75 de 12 de Fevereiro, e na redacção dada pelo Dec. Lei 178-A/2005 de 28 de Outubro, subjaz que o registo inicial de propriedade, de veículos admitidos (como é o caso dos autos), tem por base o requerimento respectivo e a prova do cumprimento das obrigações fiscais relativas ao veículo.

- Ou seja, a emissão de certificado de matrícula implica a apresentação de uma DAV por parte da Requerente e o pagamento do correspondente imposto ISV, e origina automaticamente o registo da propriedade do veículo ao abrigo do Art.º 24.º do RRA em nome da entidade que procedeu à sua importação do veículo e pedido de matrícula, ou seja a Requerente.

- Logo, o primeiro registo de cada veículo é concretizado em nome da entidade importadora, neste caso da Requerente.

- Tal facto encontra-se bem patente nos procedimentos encetados pela entidade Requerida e que se encontram subjacentes aos 4.015 actos de liquidação de IUC, nos quais é peremptório que a Requerente figura como proprietária dos veículos melhor identificados no documento n.º 1 do pedido de pronúncia.

- Logo, é peremptório que nos termos do Art.º 24.º do RRA, o importador figura no registo como primeiro proprietário do veículo e nesse sentido é, de acordo com o estatuído no Art.º 3.º e Art.º 6.º ambos do CIUC, sujeito passivo de imposto.

Conforme aludimos, o facto gerador em sede de IUC, é aferido nos termos do Art.º 6 do CIUC pela matrícula ou pelo registo em território nacional.

- Como é consabido o facto gerador da relação de imposto será aquele que conjugou os pressupostos previstos na lei tributária, ou seja, é a realidade com vigor jurídico bastante que lhe advém da lei para pôr em movimento, para combinar, os pressupostos tributários, considerados estes como aquelas situações, pessoais e reais, previstas expressa ou tacitamente, pelas normas de incidência tributária.

- A atribuição à Requerente de um certificado de matrícula consubstancia nos termos do disposto do Art.º 6.º do CIUC, o facto gerador do imposto pelo que, tendo a Requerente solicitado a emissão de certificado de matrícula encontrando-se o mesmo registado em nome desta, encontram-se reunidos os pressupostos do facto gerador do IUC, bem como da sua exigibilidade, sendo a Requerente sujeito passivo do imposto.

- Sustenta a Requerente no âmbito do pedido de pronúncia que as vendas efectuadas aos seus concessionários através da emissão da correspondente factura foram efectuadas antes da atribuição da matrícula – apenas identificados através do n.º de chassis – e relativamente às empresas de rent-a-car, a data da factura coincide com a data da matrícula (v.d. documentos juntos pela Requerente 11 e 12).

- Todavia, tal entendimento não encontra o mínimo de correspondência com a letra da lei para além violar frontalmente o princípio da legalidade, da igualdade, da capacidade contributiva e da certeza e segurança jurídicas.

II - SANEAMENTO

 

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.
  2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º, nº 2, do DL nº 10/2011 e artigo 1º, da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março.
  3. O processo não enferma de nulidades que o invalidem e não foram suscitadas excepções que obstem ao julgamento do mérito da causa, pelo que o Tribunal está em condições de proferir a decisão arbitral.

 

 

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

 

A)    Factos Provados

 

  1. Como matéria de facto relevante para a decisão a proferir, o Tribunal dá por assente os seguintes factos:
  2.  A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de veículos automóveis, representando diversas marcas, nomeadamente …, …, …, …, …, e …;
  3. No âmbito da sua actividade a Requerente procede à importação e introdução no mercado português dos veículos automóveis das marcas supra referidas, no estado de novos, adquirindo-os directamente ao fabricante;
  4. Os veículos objecto das liquidações contestadas inserem-se na actividade habitual da Requerente de venda de veículos novos, nuns casos às suas redes de concessionários para satisfação dos respectivos clientes finais, noutros a empresas de rent-a-car;
  5. A Requerente actua como intermediária entre os fabricantes das marcas que representa, e as suas redes de concessionários no âmbito de contratos de concessão ou por contrato de fornecimento entre a Requerente e empresas de rent-a-car, no âmbito de acordos de fornecimento - (Cfr. doc. n.º 2 e 3 juntos à PI);
  6. Os automóveis, uma vez introduzidos em território nacional, são de imediato vendidos à rede de concessionários ou às empresas de rent-a-car, que por sua vez os vendem aos clientes finais;
  7. As transmissões para os concessionários, bem assim como para as rent-a-car são tituladas por facturas emitidas nos termos legais e que, normalmente ocorre no dia imediatamente a seguir à sua admissão e recepção em Portugal – Cfr. docs. nºs 11, 12 (DAVs), 13 (Quadro síntese);
  8. As viaturas logo que entram em Portugal são depositadas nas instalações dos concessionários ou das rent-a-car, é processado o correspondente Imposto sobre Veículos (ISV) que se repercute no preço final a pagar pelos adquirentes, promovendo, então, a respectiva matrícula em Portugal;
  9. Resulta assim que, de acordo com este procedimento, no momento em que é efectuada a matrícula dos veículos, a Requerente já os vendeu a terceiros, efectuando só então a matrícula em conformidade com a prática comercial no sector e em cumprimento das regras legais em vigor – Cfr.: depoimento das testemunhas inquiridas nos autos, artigos 53º e ss da PI e art. 111º da Resposta da AT;
  10. Assim, resulta que, em regra, quando a Requerente efectua a matrícula dos veículos num momento em que estes já foram transmitidos aos respectivos adquirentes, em cumprimento dos acordos de fornecimento e de acordo com o plano de entregas estipulado; - Cfr: Docs. Nºs 13, 14, 15 e 11 a 18 juntos pela Requerente;
  11. Resulta ainda deste procedimento que o primeiro titular do registo automóvel da viatura é a ora Requerente, sendo que em todos os casos se procedeu nos dias ou semanas subsequentes ao registo a favor do adquirente do automóvel;
  12. Todos os veículos constantes das liquidações impugnadas nos presentes autos têm titular da propriedade registado, logo após o primeiro registo em nome da Requerente; - Cfr. Doc. 19 junto pela Requerente e Doc. nº 1 junto em anexo às alegações apresentado pela Requerida;
  13. A situação supra descrita abrange todos os veículos referenciados nas 4.015 liquidações impugnadas nos presentes autos;
  14. A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento de 4015 liquidações de imposto único de circulação, relativamente aos anos de 2009 a 2012, referentes aos veículos com as matrículas devidamente identificadas nas liquidações de IUC juntas aos autos como documentos nºs 1 a 4.015 em anexo ao pedido arbitral – Cfr. Doc. Nº 10 junto pela Requerente;
  15. A Requerente mantém contratos de concessão e acordos de fornecimento com um elevado número de entidades, nomeadamente as constantes da Listagem que juntou como documento nº4 e que se dá por integralmente reproduzida;
  16. Os 4015 veículos em causa foram todos comercializados pela Requerente no âmbito dos referidos contratos de concessão ou acordos de fornecimento, de acordo com o procedimento supra descrito;
  17. O mesmo procedimento ocorreu com todos os restantes veículos matriculados pela Requerente no período em causa, relativamente aos quais a Requerente não liquidou nem pagou o IUC do ano da matrícula, nem este imposto lhe foi exigido pela AT;
  18. Na sua actividade normal, a Requerente não liquida nem paga IUC, excepto no caso de viaturas que adquire para uso da própria empresa, ou em casos muito particulares em que tal lhe compete (como sejam viaturas de demonstração, ou recompra de veículos), ou em situações de veículos que permanecem registados a seu favor para além do prazo de liquidação do imposto, o que não foi o caso de nenhuma das viaturas referenciadas nas 4.015 liquidações impugnadas;
  19. Relativamente aos veículos supra mencionados a Requerente juntou aos autos as respectivas facturas de venda e comprovativos do registo de propriedade automóvel (Doc. nº 11 a 19), bem como uma listagem em que se encontram relacionados, para cada viatura, a data da matrícula, data da factura e data da transferência, bem assim como a identificação da respectiva liquidação de IUC impugnada – Cfr. Doc. 13 junto pela Requerente;
  20. As liquidações de imposto emitidas e notificadas para pagamento à Requerente, as quais totalizam o valor global de €589.857,79;
  21. A Requerente efectuou o pagamento de todas as liquidações de imposto impugnadas nos autos, o que se comprova pelo documento nº 10 junto em anexo ao pedido arbitral;
  22. Os adquirentes das viaturas em causa nos autos procederam ao oportuno registo em seu nome das viaturas; - Cfr. Doc. nº 19, cit.;
  23. Com referência às liquidações impugnadas, foi a Requerente notificada para exercer o direito de audição;
  24.  A Requerente exerceu o seu direito de audição com vista a demonstrar que por não ser a proprietária dos veículos em questão, ao tempo do respectivo facto tributário, não era sujeito passivo da obrigação de imposto único de circulação (IUC);
  25. A Requerida manteve, apesar disso, o seu propósito inicial e promoveu a emissão das respectivas liquidações oficiosas de IUC;
  26.  À data dos actos tributários de liquidação a AT dispunha de todos os elementos de informação suficientes sobre a situação contratual das viaturas em causa nos presentes autos, quer dos que inicialmente dispunha quer dos que lhe foram entregues pela Requerente com o exercício do direito de audição.

 

 

B)    FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

 

  1. A decisão sobre a matéria de facto nos termos supra descritos tem por base a prova documental que as Partes juntaram ao presente processo, mormente a Requerente, em anexo ao pedido formulado e no Processo Administrativo, junto aos autos pela Autoridade Tributária e, ainda, a prova testemunhal produzida nos autos.
  2. O Tribunal considerou em especial, que a realidade factual subjacente às situações negociais respeitantes aos diversos veículos, comprovados pelos documentos juntos em anexo ao pedido arbitral e ainda na informação constante do processo administrativo carreada nos autos pela Requerida AT.

 

C)    FACTOS NÃO PROVADOS

 

  1. Não existem outros factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

 

IV- QUESTÕES PRÉVIAS A DECIDIR

 

  1. Atendendo às posições das Partes assumidas nos argumentos apresentados, ao Tribunal cumpre decidir as seguintes questões prévias:

a)      Da excepção por ilegalidade da cumulação dos pedidos;

b)      Da violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes por apresentação de documentos em momento posterior ao da apresentação do pedido arbitral.

c)      Extemporaneidade da apresentação da resposta pela requerida AT.

 

Cumpre, assim, decidir em primeiro lugar as questões prévias suscitadas pela Requerida.

 

  1. Quanto à primeira questão suscitada, a AT, na sua resposta, como questão prévia ao conhecimento do mérito, suscita a cumulação ilegal de pedidos, alegando que “No caso vertente não se encontra verificada a existência das mesmas circunstâncias de facto”, como pressuposto pelo artigo 3.º/1 do RJAT.

Ressalvado o respeito devido, entende-se que no caso a razão pende para o lado da Requerente.

 

  1. Com efeito, dispõe o art.º 3.º/1 do RJAT: “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.”.
  2. Do preceito em causa resulta que são pressupostos da admissão da cumulação de pedidos, em sede do processo arbitral tributário, que a procedência dos pedidos dependa essencialmente:

a) da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e,

b) da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

  1. Ora, ressalvada melhor opinião, dizer que a cumulação será admissível quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto, não é o mesmo que dizer que aquela só será admissível quando a procedência dos pedidos dependa da apreciação dos mesmos factos, que é aquilo a que a interpretação pugnada pela AT se reconduz.
  2. Efectivamente, a utilização do advérbio essencialmente e da expressão “circunstâncias de facto”, e não, meramente, “factos”, terá de ter um significado, e esse será o de remeter para uma juízo de analogia entre os factos sub iudice, do qual resulte que aqueles factos detêm, entre si, naquilo que é juridicamente relevante, uma relação de semelhança que implique que o juízo a fazer sobre os mesmos seja de idêntica natureza.
  3. Ora, em concreto, estando em causa a venda de diversos automóveis (e não as facturas, uma vez que o facto tributário será a venda, e factura mero meio de prova) não se pode concluir de outra forma, que não seja ser esse o caso. Assim sendo, ter-se-á de considerar que os pedidos formulados relativamente às diversas liquidações de IUC em causa nos autos, dependem essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto, bem como da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, pelo que a cumulação dos correspondentes pedidos anulatórios é admissível, nos termos do disposto no artigo 3.º/1 do RJAT, devendo ser, por isso, admitida.

 

 

*

 

  1. Na sua resposta, a AT integrou uma parte em que, sob a epígrafe “DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA IGUALDADE DAS PARTES CONSIGNADO NAS ALÍNEAS A) E B) DO ART.º 16.º DO RJAT”, alega, em suma, que a decisão que admitiu a junção dos documentos apresentados pela Requerente após a apresentação do Requerimento inicial, e enquanto decorria o prazo para resposta, “para além de não posicionar, processualmente, as partes de forma igual, é claramente violadora dos mais elementares princípios do contraditório e da igualdade das partes consignado nas alíneas a) e b) do Art.º 16.º do RJAT.”

 

  1. Tendo a referida questão sido já apreciada e decidida pelo despacho de 22-05-2014, formou-se caso julgado formal na matéria nada mais havendo a determinar na matéria.

 

  1. Em todo o caso, e sem prejuízo do que vem de se dizer, não se pode deixar de registar a contraditoriedade do comportamento processual da AT que, não obstante sustentar vigorosamente, entre o mais e por exemplo, que “a apresentação ulterior e sucessiva de documentos consubstancia um entorpecimento de um processo cuja tramitação se quer e se deseja célere”, e que “a admissão tardia de documentos ofende o princípio da parificação do posicionamento dos sujeitos e da igualdade de meios, como seguidamente se demonstrará, colocando a Requerida na desvantajosa situação de não poder pronunciar-se sobre eles de uma forma intelectualmente honesta”, veio, com a sua última intervenção no processo – as alegações finais – juntar 820 documentos.

 

*

 

  1. Notificada da resposta da AT, a Requerente suscitou a extemporaneidade da mesma, alegando, em suma que se lhe afigura “inaplicável a invocada presunção a que se refere o artigo 248.º do CPC, de mera aplicação subsidiária, atendendo a que o procedimento desmaterializado do presente processo prevê ao recurso aos sistemas Via CTT e de gestão processual do CAAD, a que as partes têm acesso, a menos que se considere, sob pena de preterição do princípio da igualdade de meios, tal presunção igualmente aplicável à notificação dos contribuintes, que todavia se considera efectuada mediante o acesso à caixa postal”, e que “reconhecendo a Requerida que foi efectivamente notificada no dia 7 de Maio de 2014 (cf. artigos 3.º e 9.º da resposta da AT), e devendo em consequência a sua resposta ter sido apresentada até ao dia 6 de Junho de 2014 - o que apenas veio a suceder a 11 de Junho de 2014 - afigura-se, salvo outro motivo que todavia não se vislumbra, extemporânea a apresentação da resposta da Requerida.”.

 

  1. A AT, por sua vez, na sua resposta, sobre esta matéria, cautelarmente, havia alegado que “Nos termos do disposto no Art.º 248.º do CPC na redacção dada pela Lei 42/2013 de 26 de Junho, os mandatários que pratiquem actos processuais através pelos meios previstos no n.º 1 do Artigo 132.º, presumem-se efectuadas no 3.º dia posterior ou no 1.º dia seguinte a esse, quando o não seja.” e que “Na mesma esteira tem sido entendimento assente na jurisprudência que a expedição por via electrónica beneficiará da mesma dilação correspondente à do registo na via postal, reiterando-se que a presunção só poderia ser ilidida pelo próprio notificado, nos termos estabelecidos pelo nº. 6 do Art. 254º do CPC, provando que não tinha sido efectuada ou ocorrido em data posterior à presumida.”.

 

*

 

  1. Como se teve oportunidade já de referir neste mesmo processo, no âmbito do processo arbitral tributário vigora o princípio da livre condução do processo pelos árbitros, conforme resulta do artigo 16.º/1/c) do RJAT, não sendo, portanto, de aplicação automática qualquer norma de natureza processual que não as que, expressamente, resultem daquela lei.

 

  1. Não quer, evidentemente, o que vem de se dizer significar que as normas processuais ordinárias não contenham conteúdos normativos directamente transponíveis para o processo arbitral, mas tal transposição é sempre, e em qualquer caso, mediada pelo prudente critério dos árbitros, sempre “com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas.” (artigo 16.º/1/c) da LAT).

 

  1. As normas processuais em primeira linha transponíveis para a regulação de questões processuais serão, obviamente, as do processo tributário, na sua maioria condensadas no Código de Procedimento e Processo Tributário, que, no respectivo artigo 2.º nos diz, para além do mais, que “São de aplicação supletiva ao procedimento e processo judicial tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos: (...) e) O Código de Processo Civil.”.

 

  1. Também o RJAT, no seu artigo 29.º/e) reitera que “São de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos: (...) e) O Código de Processo Civil”. De todo o exposto, resulta então, em suma, que a relação processual arbitral tributária é regulada de acordo com o prudente critério dos árbitros “com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas”, tendo por base as normas processuais tributárias gerais, bem como as do Código de Processo Civil.

 

  1. Em 1 de Setembro de 2013 entrou em vigor o novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013. De acordo com o artigo 248.º desse Código, “Os mandatários são notificados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no 3.º dia posterior ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”.

 

  1. Verifica-se, assim, que a referência da anterior redacção do Código de Processo Civil de que a presunção de notificação em causa apenas poderia ser ilidida “pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.”, contida no n.º 6 do respectivo artigo 254.º, não transitou para a nova redacção daquele Código.

 

  1. Deste modo, e tendo em conta a natureza confessória do reconhecimento pela própria AT, quer na própria resposta, quer no requerimento apresentado a 20 de Maio de 2014, e junto ao processo a 23 de Maio de 2014, de que havia sido notificada a 7 de Maio de 2014, haver-se-ia de considerar a presunção do actual artigo 248.º do Código de Processo Civil, in casu, ilidida.

 

  1. Contudo, como também já se disse, as normas do Código de Processo Civil vigente não serão de aplicação automática ao processo arbitral tributário, devendo antes ser mediadas pelos princípios próprios da jurisdição arbitral, nomeadamente, e no caso, os princípios da informalidade, da verdade material, do contraditório e da obtenção de uma decisão de mérito em prazo razoável.

 

  1. No caso concreto, tendo em conta que:

 

- a extensão da documentação junta pela Requerente, com o seu requerimento inicial e subsequentemente, ao processo coloca dificuldades ao seu processamento jurídico;

- a resposta da AT tem um valor próprio ao nível da dinâmica processual concreta, sendo significativamente relevante de um ponto de vista da operacionabilidade do contraditório;

- a admissibilidade da Resposta da AT não afecta, em concreto, de maneira relevante, a sua posição da Requerente processual;

- no processo arbitral tributário, pela sua própria natureza, estará vedada a aplicabilidade do disposto no artigo 145.º/5 do Código de Processo Civil, o que facultaria à Requerida a sanação do atraso verificado;

- a falta de resposta pela AT, no processo arbitral tributário, deve ser entendida como não tendo quaisquer efeitos preclusivos ou confessórios por ausência de impugnação especificada (cfr. artigo 110.º/6 do CPPT);

- a admissão da resposta, ainda que para lá do prazo, com a ponderação dos argumentos esgrimidos pela AT, valoriza inquestionavelmente a apreciação do mérito da causa na decisão final dos presentes autos;

 

entende este tribunal, de acordo com o seu prudente arbítrio e tendo em vista os interesses, acima expostos, que lhe incumbe tutelar no processo, não ser de aplicar as normas do direito processual civil indicadas e, como tal, manter no processo a resposta da AT.

*

 

            Decididas as questões prévias e reunidos que estão os pressupostos processuais cumpre decidir a questão de fundo.

 

 

 

V – FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

  1. Fixada a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito suscitada pela Requerente, a qual consiste em apreciar os termos da configuração da incidência subjetiva do IUC à luz do disposto no artigo 3º do Código do Imposto Único de Circulação (CIUC), nomeadamente, a questão de saber se a incidência subjetiva assenta estritamente na inscrição da titularidade do veículo no Registo Automóvel, ou se, o registo opera apenas como uma presunção de incidência tributária, ilidível, em conformidade com o disposto no art. 73.º, da Lei Geral Tributária. Sobre esta matéria é já abundante e bastante definida a jurisprudência arbitral vertida em diversas decisões arbitrais.

 

A)    Da incidência subjectiva: o facto gerador de imposto e os efeitos do registo automóvel em sede de incidência de IUC

 

  1. Os 4015 actos de liquidação de IUC impugnados foram notificados à Requerente nos seguintes termos:

 

Liquidação efectuada nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º, conjugado com os artigos 3.º, 4.º, 6.º e 10.º, todos do Código do Imposto Único de Circulação, por não ter sido liquidado nem pago, até à data de liquidação e no mês referidos no quadro, o imposto referente ao veículo identificado neste documento.

 

Do conteúdo das referidas notificações para audição, constata-se que identificam a matrícula de cada veículo em causa, e assentam numa mesma (e única) fórmula: «Com base nos elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira dispõe, V. Ex.ª era o proprietário/locatário do veículo com a matrícula (…), da categoria (…), em […]; (…)

«Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea b), conjugado com os artigos 3.º, 4.º e 6.º, todos do Código de Imposto Único de Circulação, e por aplicação da taxa prevista no artigo 10.º do CIUC, é devido o imposto respeitante ao(s) ano(s) de (…). O imposto em causa, não foi liquidado nem pago até à(s) respetiva(s) data(s) limite, ocorrida(s) em (…)”

 

 

  1. Alega a Requerente que esta conjugação de normas invocada pela AT, não “esclarece em que termos são conjugadas, nem em que se fundamenta em concreto a conclusão da atribuição da responsabilidade à Requerente, efectivamente não resulta que a Requerente possa ser legalmente responsabilizada pela liquidação e pagamento do IUC em causa.

Acrescenta que a interpretação das disposições do Código do IUC preconizada pela AT no caso concreto, designadamente o invocado artigo 3º, ao imputar sistematicamente a qualidade de sujeito passivo à Requerente, desconsiderando terceiros como titulares do registo de propriedade (ainda que sujeitos passivos presumidos, dado que estes podem, por sua vez, ilidir tal presunção), é totalmente contrária aos princípios e objectivos do IUC. Alega, ainda a Requerente que a concretização das características do IUC afigura-se impossível de alcançar com o procedimento da AT na base das liquidações contestadas, em que “a AT cobra o imposto a uns proprietários - os sujeitos passivos cumpridores, e se desinteressa de o cobrar a outros, os sujeitos passivos faltosos (seja a falta imputável a estes, ou a erro dos próprios Serviços) acabando por agir sobre terceiros, como é no caso a Requerente, sem qualquer relação de propriedade ou uso com os veículos aqui em causa.”

É na fase de circulação que relevam as características do veículo que determinam a tributação mais ou menos gravosa em sede de IUC, e que dependem da escolha - e da utilização - do cliente final, e não do importador ou de qualquer intermediário. Afigura-se que este princípio não pode ser ignorado mediante uma interpretação das normas de incidência de que resulte a sujeição sistemática a imposto de intermediários sem relação com o veículo na fase de circulação, como sucedeu com a Requerente relativamente à totalidade dos veículos em causa.

 

  1. Por último, alega a Requerente que resulta do que a própria AT alega nas notificações que reconhece que a liquidação e pagamento deveria ter ocorrido até aos 90 dias após a matrícula, o que até coincide com prazo legal de 30 dias após os 60 dias subsequentes à data da matrícula. Ora, em nenhuma das notificações faz qualquer referência aos registos de propriedade efectuados durante esse período.

Por último alega ainda a Requerente que os princípios subjacentes à reforma da tributação automóvel são incompatíveis com a imposição da tributação sistemática em IUC - reservada à fase de circulação - ao sujeito passivo do ISV, pelo que no entendimento da Requerente “se o procedimento normal seguido pela AT - liquidação do IUC do ano da matrícula aos adquirentes finais de veículos novos - se harmoniza com este princípio, o mesmo já não sucede com o procedimento excepcional levado a cabo pela AT aqui em crise, desconsiderando o registo de propriedade a favor do cliente final, numa tentativa de imposição do IUC, afinal, ao sujeito passivo do ISV na fase de importação.”

 

E, se no caso presente se pode compreender que a AT, embora incorrendo em erro, ao atribuir relevo à data da matrícula em detrimento do registo, desconhecia o proprietário à data da matrícula, o mesmo não sucede quanto à possibilidade de exigir o imposto ao proprietário registado, nos termos da lei (o adquirente final, ou as próprias empresas de rent-a-car, no caso destas) a favor de quem foi registada a propriedade até ao início do prazo legal de liquidação do imposto, ou no decurso do mesmo prazo, facto que é necessariamente do conhecimento oficioso da AT, atento o disposto no artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC.

 

Posto isto:

 

  1. A questão a decidir tem estritamente a ver com os pressupostos de incidência de IUC, referentes ao caso concreto e, nessa medida, impõe-se conhecer da alegada ilegalidade por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos que conduziu a AT a emitir as liquidações impugnadas.

Assim, analisada a matéria de facto carreada nos autos, o regime jurídico aplicável resultante das disposições conjugadas do CIUC, do ISV e do Código da Estrada, impõe-se aferir da sua aplicação ao caso concreto para poder concluir se as liquidações de IUC impugnadas são ou não ilegais.

 

  1. Em primeiro lugar, há que ter em conta que o CIUC estabelece, como regra de incidência, que os sujeitos passivos são os proprietários dos veículos, considerando como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados. O quadro jurídico fundamental aplicável nesta matéria é o previsto nos artigos 1º a 6º, do CIUC, aprovado pela Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho.

 

  1. O artigo 1º do CIUC define a incidência objectiva do imposto, distinguindo os veículos por categorias especificadas, norma que se afigura clara e sem dificuldades de aplicação.

Porém, o mesmo já não sucede com a norma de incidência subjectiva contida no nº1, do artigo 3º do CIUC, a qual está na origem do presente litígio e constitui, assim, questão a decidir no caso em apreciação. A análise de ambos os preceitos (artigos 1º e 3º) permitem concluir que no funcionamento do IUC o registo automóvel tem um papel fundamental, mas a correcta aplicação do regime proposto pelo legislador impõe o recurso a outros elementos interpretativos.

 

  1. O que importa, pois, é determinar qual o sentido e alcance da norma de incidência subjectiva, constante do artigo 3º, nº 1, do CIUC e da eventual existência ou não de uma presunção ilidível, conexionada com a questão dos efeitos jurídicos do registo automóvel, suscitada pela Requerente. Sobre esta questão, as posições das partes supra expostas resumem-se do seguinte modo:

 

- para a Requerente esta não pode ser considerada sujeito passivo de IUC, porquanto não era proprietária dos referidos veículos ao momento em que ocorreu o facto tributário, por ter alienado os referidos veículos em data anterior à própria matrícula; além do mais, todos os adquirentes registaram a aquisição da propriedade dos veículos; mas, ainda que, no ano a que se reportam os IUC em causa, a transmissão dos referidos veículos não estivesse devidamente registada junto da Conservatória do Registo Automóvel, a Requerente também não poderia ser considerada devedora do imposto, já que o registo, ou a sua falta não podem ser considerados elemento determinante da responsabilização tributária da Requerente;

- para a Requerida o artigo 3º, nº1, do CIUC consagra uma norma de incidência tributária e não mera presunção ilidível, pelo que sendo esta a primeira titular do registo automóvel é, sem mais considerandos, a devedora do IUC no ano em causa.

 

  1. Ora, dispõe o artigo 3º do CIUC que:

“ARTIGO 3º

 

INCIDÊNCIA SUBJECTIVA

 

1 – São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

2 – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.

 

Estabelece o nº1, do artigo 11º, da LGT que:

 

“Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”.

 

 

  1. A interpretação e aplicação da norma jurídica, pressupõe a realização de uma actividade interpretativa, a qual deve ser objectiva, equilibrada, e conforme com a letra e o espírito da lei. Qualquer texto, e a lei não é excepção, comporta múltiplos sentidos e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras. Por essa razão, embora a letra da lei seja “o fio condutor” do intérprete, ela há-de ser interpretada tendo em conta os objectivos subjacentes, “a ratio” ou a motivação do legislador ao estabelecer a norma em análise. A estes elementos acresce um outro segundo o qual a interpretação da norma jurídica deve respeitar a “unidade do sistema jurídico”, a sua coerência e lógica intrínseca.

O artigo 9º, do Código Civil (CC), fornece as regras e os elementos fundamentais para a interpretação da norma jurídica, ao qual também obedece a interpretação da lei fiscal deve obedecer ao disposto naquele normativo, o qual começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo”.

 

  1. A estes princípios gerais acrescem, ainda, os princípios constantes da LGT, nomeadamente no artigo 73º, que estabelece que as presunções contidas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

Ainda, no que se refere à questão em análise, há que salientar o contributo das decisões arbitrais já proferidas nos processos nºs 14/2013-T, de 15 de Outubro, 26/2013-T de 19 de Julho, 27/2013-T, de 10 de Setembro, 217/2013-T de 28 de Fevereiro e, mais recentemente, nas decisões proferidas nos processos 286/2013-T, de 2 de Maio de 2014, 293/2013-T, de 9 de Junho de 2014, 46/2014-T de 5 de Setembro, 250/2014 – T, de 17 de Novembro de 2014 e 43/2014 – T, as quais, entre outras, revelam uma apurada reflexão sobre a questão fundamental em apreciação.

 

É, pois, neste quadro de fundo, utilizando os princípios hermenêuticos fundamentais acabados de referir, acolhidos pela Jurisprudência dos nossos tribunais superiores, que devemos procurar encontrar a interpretação adequada aos normativos em presença.

 

  1. Regressando à análise do caso concreto, o facto gerador do imposto, nos temos do CIUC é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional, no ano da sua importação ou introdução no mercado nacional (artigo 3.º, n.º 1, do CIUC).

O imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação (artigo 6.º, n.º 3, do Código do IUC), o qual corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula (cfr. artigo 4.º, n.º 2, do Código do IUC).

 

  1. Ora, no caso dos presentes autos constata-se que no ano da matrícula se efectuou também o registo do veículo em território nacional, tendo sido liquidado o respectivo imposto sobre veículos pelo sujeito passivo do imposto nos 30 dias posteriores ao termo do prazo legalmente exigido para o respectivo registo (artigo 6.º, n.º 3, do Código do IUC), ou seja, 60 dias após a matrícula. Constatou-se também que todos os veículos foram vendidos aos concessionários ou rent-a-car antes da matrícula, tendo sido devidamente facturados, e logo após a finalização do procedimento comercial usual nestes casos. Assim, o primeiro registo foi efectuado em nome da ora Requerente (já esta não era a proprietária dos veículos), mas logo de imediato foi efectuada o registo a favor dos legítimos proprietários.

 

  1. Ora, apenas na ausência de registo de propriedade do veículo efectuado dentro do prazo legal, o imposto devido no ano da matrícula do veículo é liquidado e exigido ao sujeito passivo do imposto sobre veículos (ISV) com base na declaração aduaneira do veículo, ou com base na declaração complementar de veículos em que assenta a liquidação desse imposto, ainda que não seja devido (artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do CIUC. Desta última disposição resulta que, no caso de haver registo de propriedade do veículo efectuado dentro do prazo legal o imposto devido no ano da matrícula do veículo é liquidado e exigido ao respectivo titular desse registo.

 

  1. Ora, da factualidade provada nos autos conclui-se que no caso das viaturas constantes das 4015 liquidações ora impugnadas, foi isso mesmo que sucedeu. Ou seja, embora os veículos em causa tivessem um primeiro registo a favor da ora Requerente (como se compreende pelo procedimento legalmente estabelecido e ao qual está sujeito o importador) os veículos já eram, àquela data propriedade de outrem, a favor de quem foram registados na Conservatória do Registo Automóvel. – Cfr. Doc 13 junto ao pedido arbitral que condensa toda a informação relativa à data da venda/transferência, data da matrícula e registo; Cfr., ainda, Doc. nº 1 junto à resposta da AT, o qual confirma e exemplifica o que acabou de se descrever.

 

  1.  Assim, se a Requerente não era a sua efectiva proprietária à data da ocorrência dos factos que determinam a obrigação de imposto, dado terem os mesmos sido já vendidos aos respectivos concessionários e/ou empresas de rent-a-car, em data anterior à própria matrícula das viaturas, conforme facturação emitida, que junta como elemento probatório, não se compreende nem justifica a liquidação do IUC ao importador e ora Requerente.

 

  1. Esta conclusão decorre, também, da interpretação das normas do n.º 1 do artigo 17.º e do artigo 18.º do CIUC, relativas ao prazo de pagamento do imposto e liquidação oficiosa, respectivamente, os quais assentam no pressuposto de que "no ano da matrícula o sujeito passivo do IUC é o proprietário do veículo na data em que findarem aqueles 60 dias contados da data da atribuição da matrícula, que o deverá liquidar e entregar ao Estado nos 60 dias subsequentes."

E, sendo assim, no caso dos presentes autos, resulta demonstrado que o sujeito passivo não era a ora Requerente.

 

  1. Aliás, outro entendimento seria ir manifestamente contra os princípios subjacentes à reforma do IUC e até contra a sua natureza de imposto sobre a circulação da viatura automóvel.

Na verdade, na actividade desenvolvida pela ora Requerente, na qualidade de importadora, a transmissão da propriedade dos veículos opera, normalmente, antes mesmo da data da matrícula. Isto porque a Requerente procede à admissão em território português de veículos novos, que, em momento anterior ao da respectiva matrícula, transmite aos seus clientes, concessionários e/ou rent-a-car, facto que comprova através dos respectivos contratos, planos de negócios e objectivos e facturação junta aos autos.

 

  1. Todavia, por força das normas legais aplicáveis, o registo dos veículos em causa é

efectuado em nome da Requerente, ainda que, no momento em que se efectiva, não seja esta já a sua proprietária. Este procedimento, aliás, resulta do disposto nos artigos 117.º, n.º4, do Código da Estrada, que atribui à pessoa, singular ou colectiva, que proceder à admissão, importação ou introdução no consumo em território nacional, a obrigatoriedade de requerer a matrícula dos veículos, bem assim como, do disposto no artigo 24.º, n.º 1, do Regulamento do Registo Automóvel, que determina que o registo inicial de propriedade de veículos importados, admitidos, montados, construídos ou reconstruídos tem por base o respectivo requerimento.

 

  1. Das referidas normas resulta, pois, que a Requerente, na qualidade de operador registado que procede à admissão de veículos novos em território nacional, necessariamente figura no respectivo registo inicial como sua proprietária, ainda que no momento em que este se efectua, a propriedade dos mesmos tenha sido já transmitida a terceiros. E, se assim é, por imposição do legislador, tal visa o controlo da actividade pelas autoridades competentes de forma a controlar quem vem a adquirir tais viaturas e quando. Disto decorrem, entre outras, diversas obrigações fiscais.

 

  1. Na óptica da Requerida "tendo a Requerente solicitado a emissão de certificado de matrícula, encontrando-se o mesmo registado em nome desta, encontram-se reunidos os pressupostos do facto gerador do IUC, bem como da sua exigibilidade (…)”. Claro que nada refere quanto às consequências da existência de registo imediatamente a seguir a favor dos verdadeiros proprietários ou adquirentes. Esta desconsideração deve-se, nitidamente, ao facto de ter sido mais fácil à AT promover as 4015 liquidações contra o mesmo sujeito passivo, a ora Requerente, em termos de acautelar o prazo de caducidade em relação a algumas das viaturas, nomeadamente quanto ao ano de 2009.

 

  1. Diversamente, entende este tribunal que tal procedimento assenta num erro sobre os pressupostos de facto e de direito sobre os quais se erige o imposto único de circulação. Assim, a norma de incidência subjectiva deste tributo consagra uma presunção legal de propriedade, susceptível de elisão mediante prova em contrário. Já na óptica da Requerida não estamos perante uma presunção ilidível. 

Nesta conformidade estamos perante a questão de saber se está em causa a interpretação do artigo 3º, nº1, do CIUC, no sentido de se determinar se a mesma consagra, ou não, uma presunção relativa à qualificação como proprietário, e consequentemente, como sujeito passivo deste imposto, a pessoa, singular ou colectiva, em nome da qual a propriedade do veículo se contra registada e, caso de conclua nesse sentido, a sua elisão com base dos elementos probatórios que o integram.

 

  1. Não obstante o Código do IUC erigir como princípio estruturante deste tributo o princípio da equivalência, entendido como compensação pelos efeitos nefastos em termos ambientais e energéticos resultantes da circulação de veículos, o referido Código elege, no tocante à incidência subjectiva, o proprietário do veículo, considerando como tal a pessoa em nome da qual o mesmo se encontre registado (art. 3.º, n.º 1, do CIUC). Mas, apesar disso, o legislador ressalvou alguns casos particulares em que a propriedade formal ou jurídica do veículo foi secundarizada pela utilização do mesmo, imputando a este último a obrigação de pagamento do IUC, como sucede com os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direito de opção de compra por força de contrato de locação (art.3.º, n.º 2, do CIUC).[2]

 

  1. Certo é que a norma de incidência, ao remeter para os elementos do registo automóvel, não distingue entre o registo inicial do veículo e os registos posteriores: o sujeito passivo do imposto é o proprietário do veículo, considerando-se como tal a pessoa, singular ou colectiva em nome da qual o veículo se encontrar registado. É, pois sobre a interpretação da norma do n.º 1 do artigo 3.º que, como já referido, se evidenciam as diferentes posições expressas pela Requerente e pela Requerida.

 

  1. Segundo a Requerente, a referida norma estabelece uma presunção de propriedade, com base no registo, ilidível nos termos gerais e, em especial, por força do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária.

Para a Requerida, estabelecendo o CIUC a sujeição passiva bem como o facto gerador da obrigação de imposto, por referência aos elementos constantes do registo automóvel, conforme decorre dos artigos 3º e 6º do CIUC e sendo a Requerente a solicitar a emissão do certificado de matrícula e encontrando-se os veículos registados em seu nome no períodos de tributação "encontram-se reunidos os pressupostos do facto gerador do IUC, bem como da sua exigibilidade, sendo a Requerente sujeito passivo do imposto com referência ao período em causa." Nada diz quanto ao facto desse mesmo registo ter sido de imediato alterado para o nome dos verdadeiros e adquirentes dos veículos automóveis, no mesmo período de tributação, certamente por desconsiderar tal facto como relevante o que, á partida entra em contradição com o valor que ela própria defende atribuir ao registo automóvel.

 

  1. Esta matéria tem sido objecto de diversas decisões arbitrais que, reiterada e uniformemente, se têm pronunciado no sentido de considerar que a norma do nº 1, do artigo 3º do CIUC estabelece um presunção, ilidível, nos termos gerais e, em especial, for força do disposto no artigo 73.º da LGT. Também este tribunal seguirá de perto essa orientação.[3]

Com efeito, o recurso ao registo automóvel como elemento estruturante do sistema de liquidação deste tributo evidencia-se ao longo de todo o respectivo Código. Mas impõe-se atender ao disposto no seu artigo 6º, relativo à definição do facto gerador da obrigação de imposto, cujo nº 1 dispõe que é facto gerador da obrigação de imposto “a propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional".

 

Deste preceito decorre que os veículos automóveis que não estejam, nem devam estar, registados em território português, apenas ficam abrangidos pela incidência objectiva deste tributo se no mesmo permanecerem por período superior a 183 dias, conforme dispõe o nº 2 do mesmo artigo. Não há dúvida que é por recurso ao elemento registral que o legislador estabelece, simultaneamente, o facto gerador do imposto, bem assim como a determinação do momento do início do período de tributação e a constituição da obrigação tributária e, de uma maneira geral, todos os elementos necessários à liquidação do imposto em causa, como, de resto, bem acentuado vem na resposta elaborada pela AT.

 

  1.  Apesar do supra exposto quanto à dependência do regime de tributação do IUC em relação ao registo automóvel não se pode extrair, como imediata conclusão, que a norma de incidência subjectiva, no segmento em que considera como proprietário a pessoa em nome da qual o veículo se encontre registado, não constitua uma presunção de incidência. Segundo noção contida no artigo 349º do C. Civil, presunções são as ilações que a lei ou o julgador, tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Acresce que, estabelece o artigo 341º do Código Civil que as presunções constituem meios de prova, tendo esta por função a demonstração da realidade dos factos, de tal modo que, quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (cfr. nº1 do art. 350º do Código Civil).

 

  1.  Dito isto, acresce que as presunções, que podem ser explícitas ou implícitas, salvo nos casos em que a lei o proibir, podem ser ilididas, mediante prova em contrário, como aliás resulta expressamente do disposto no nº 2, do artigo 350º do Código Civil. Por fim, tratando-se de presunções de incidência tributária, estas são sempre ilidíveis, conforme expressamente dispõe, o artigo 73º, da LGT.

A controvérsia em torno desta questão veio a surgir no âmbito na nova lei, porquanto a expressão “presumindo-se” foi substituída pela expressão “considerando-se”. No mesmo sentido, estabelece o art. 3.º, n.º 1, do Regulamento dos Impostos de Circulação e Camionagem, aprovado pelo DL n.º 116/94, de 3/05, que são sujeitos passivos destes tributos "os proprietários dos veículos presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas singulares ou colectivas em nome das quais os mesmos se encontrem registados."

 

  1. Diversamente da posição expressa pela AT, entendemos que se está perante uma mera questão semântica, que não altera minimamente o conteúdo da norma em questão.

Assim, quanto à questão de saber, face ao teor literal do disposto no nº1, do artigo 3º, do CIUC, qual o alcance da expressão “considerando-se como tais”, dado que na actual versão o legislador não usou o termo “presumem-se” (o qual constava do extinto Regulamento do Imposto Sobre Veículos), entende o Tribunal que só pode ser o seguinte: o legislador presume (considera) que os proprietários são as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados. Significa isto que, tal presunção, implícita, é naturalmente ilidível nos termos previstos no artigo 73º da LGT.

 

  1. A presunção estabelecida no artigo 3º, nº1, do actual CIUC, já estava consagrada nas versões anteriores dos códigos abolidos com a entrada em vigor do CIUC. O artigo 3.º do Regulamento do Imposto Sobre Veículos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 143/78) estabelecia que: “o imposto é devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontrem matriculados ou registados”.

Do mesmo modo, o art. 2.º, do Regulamento dos Impostos de Circulação e de Camionagem (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 116/94) estabelecia que: “são sujeitos passivos do imposto de circulação e do imposto de camionagem os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas singulares ou colectivas em nome das quais os mesmos se encontram registados”.

 

  1. Na verdade, na versão actual do Código apenas mudou o verbo, optando agora o legislador pela expressão “considerando-se”. Certo é que, entre as versões legislativas anteriores e a actual entrou em vigor a LGT, que consagrou, expressamente, o princípio contido no artigo 73º, do qual resulta que em matéria de incidência tributária qualquer presunção admite sempre prova em contrário. Logo, torna-se indiferente a adopção de uma presunção expressa ou implícita, porquanto, uma como a outra são igualmente ilidíveis.

Assim, entende-se que o facto de o legislador, na actual versão do CIUC, ter optado por uma presunção implícita (usando a expressão “considerando-se”) em vez de uma presunção expressa (com recurso à expressão “presumindo-se”), como acontecia anteriormente, não traduz uma alteração substancial no que respeita à incidência subjectiva do imposto. Não é, pois, a titularidade constante do registo automóvel condição, por si só determinante de incidência tributária, mas sim a propriedade tal qual resulta do registo, o que resulta numa mera presunção ilidível.

 

  1. Acresce que, contrariamente ao que vem alegado pela Requerida, podemos facilmente apontar diversos exemplos, extraídos do ordenamento jurídico tributário, em que o legislador optou pela utilização do verbo “considerar”, com sentido presuntivo. Além do que, como já se disse supra, tratando-se de norma de incidência tributária, nunca seria admissível a consagração de uma presunção inilidível. Como afirmam, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na anotação ao nº 3, do artigo 73º, da LGT, “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real”.[4]

 

  1.  E, são muitos os exemplos de normas em que é utilizado o verbo “considerar” para estabelecer presunções ilidíveis, como sucede com o disposto nº 2 do artigo 21º do CIRC, no artigo 89-A da LGT ou no artigo 40º, nº1 do CIRS entre outros. Alega, porém, a Requerida na resposta apresentada, que este mesmo vocábulo “considerando-se” também é normalmente utilizado, pelo ordenamento jurídico fiscal, para definir situações distintas de presunções. Ora, tal afigura-se normal, nomeadamente, no caso de outras normas fiscais em que o legislador utilizou a fórmula “considera-se” ou “consideram-se”, mas atribuindo-lhe outro sentido, já que se trata de expressões que, dependendo do contexto, podem assumir uma pluralidade de sentidos, sem que daí possa extrair-se a conclusão que pretende a Requerida.

 

  1. Tendo em conta que o sistema jurídico deve formar um todo coerente, os exemplos acima referidos, bem como a doutrina e jurisprudência indicadas, permitem concluir que não é só quando é usado o verbo “presumir” que estamos perante uma presunção, mas também o uso de outros termos ou expressões, como o termo “considera-se” podem servir de base a presunções. E, como se referiu supra, sendo o elemento literal o primeiro instrumento de interpretação da norma jurídica, em busca do pensamento legislativo, importa confrontá-lo com os demais elementos de interpretação, nomeadamente o elemento racional ou teleológico, o elemento histórico e o sistemático.

 

 

  1. E, também, nesta linha de reflexão o Tribunal não pode acompanhar a argumentação aduzida pela Autoridade Tributária. No que toca ao elemento histórico, há que referir, que desde a origem do imposto de circulação, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 599/72 de 30 de Dezembro, foi, explicitamente, consagrada uma presunção, relativamente aos sujeitos passivos do imposto como sendo aqueles em nome de quem os veículos se encontravam matriculados ou registados. Essa versão da lei usava a expressão literal “presumindo-se como tais”.

 

  1. Porém, atendendo aos fins do imposto em presença, há que reconhecer que o uso da expressão “considera-se”, na atual versão, contempla uma expressão com um efeito semelhante àquela, consubstanciando, igualmente, uma presunção. Isso mesmo sucede na formulação contida no nº 1, do art.º 3º, do CIUC, em que se consagrou uma presunção, revelada por via do uso da expressão “considerando-se”, de significado semelhante e de valor equivalente à expressão “presumindo-se”, em uso desde a criação do imposto em questão. O uso da expressão “considerando-se” justifica-se por se afigurar, porventura, mais em sintonia com o reforço conferido à propriedade do veículo, que passou a constituir o facto gerador do imposto, nos termos constantes do artigo 6º do CIUC.

 

  1. Pelo que, à luz do elemento literal da interpretação, nada obsta ao entendimento de que, o disposto no nº1, do art. 3.º, do CIUC, consagra uma presunção ilidível.

Assim, quanto à incidência subjetiva do imposto, é de concluir que não se verificam alterações relativamente à situação anteriormente em vigor no âmbito do Imposto Municipal sobre Veículos, Imposto de circulação e Imposto de Camionagem, como aliás é amplamente reconhecido pela doutrina, continuando a valer uma presunção ilidível nesta matéria. 

 

  1. Este entendimento é, ainda, o único que se afigura adequado e conforme ao princípio da verdade material e da justiça, subjacentes às relações fiscais, com o objetivo de tributar o real e efectivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário, por constar do registo automóvel, como sucede no caso concreto com a Requerente, por força da sua actividade de importadora e para cumprimento das regras legalmente aplicáveis à matrícula dos veículos novos importados e introduzidos no território nacional.

 

  1. Neste sentido, também as decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 150/2014-T e 220/2014-T, confirmam o mesmo entendimento já plasmado em decisões arbitrais anteriores, no sentido de que: “(…) se o legislador tivesse, como pretende a Requerida, estabelecido na lei uma qualificação não presuntiva sobre quem é proprietário dos veículos (uma ficção legal), estaria com isso a estabelecer, através de uma diferente formulação, uma regra em tudo idêntica à regra hipotética referida. Estaria a fazer assentar a incidência subjectiva do imposto numa ficção legal, em total desconexão com uma qualquer substância económica como base da incidência subjectiva. (…) E, se assim é, forçoso será também concluir que o artigo 3º, n.º 1, só pode estabelecer uma presunção de propriedade do veículo, mesmo com todas as consequências negativas que essa conclusão acarretará, decerto, em termos de eficiência da administração do imposto.”

 

 

  1. Sobre a questão em análise, é, pois, unanime o entendimento que tem vindo a ser defendido nas sucessivas, diversas e numerosas decisões arbitrais proferidas.

Por ser assim, tem de se permitir ao titular inscrito no registo automóvel a possibilidade de apresentar elementos probatórios bastantes para a demonstração de que o efetivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo, e que inicialmente, e em princípio, se supunha ser o verdadeiro proprietário. Caso contrário, aceitar-se-ia a supremacia da verdade formal do registo sobre a verdade material, e seria admitir a violação grosseira dos princípios fundamentais fiscais enunciados e, ainda, do princípio contido no artigo 73º, da LGT segundo o qual não existem presunções inilidíveis em matéria de incidência fiscal.

 

  1. A tudo o que se deixa supra exposto acresce que, outro entendimento, traduziria a violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça, bem como o do inquisitório, consagrados, respectivamente, nos artigos 55º e 58º da LGT.

De resto, é possível extrair, ainda, um outro argumento do disposto no artigo 7º do Código de Registo Predial (o qual constitui a base jurídica fundamental em matéria de registo de propriedade) o qual dispõe que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.” À luz do princípio da uniformidade e coerência intrínseca do sistema jurídico, nenhum fundamento se afigura aceitável para que o princípio vigente no registo de propriedade em geral, sofresse uma inflexão ou mesmo “atropelo” injustificado em matéria de registo automóvel.

 

  1.  Mas, se alguma dúvida persistisse, sempre se diria que, quanto aos elementos de interpretação de pendor racional ou teleológico, a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 118/X de 07/03/2007, subjacente à Lei nº 22-A/2007, de 29/06, é bastante expressiva ao esclarecer que a reforma da tributação automóvel é concretizada por via da deslocação de parte da carga fiscal do momento da aquisição dos veículos para a fase de circulação e visa “formar um todo coerente” que, embora destinado à angariação de receita pública, pretende que a mesma seja angariada na “medida dos custos ambientais que cada indivíduo provoca à comunidade”, acrescentando-se, a propósito do imposto em causa e dos diferentes tipos e categorias de veículos, que “como elemento estruturante e unificador (…) consagra-se o princípio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária”, referindo, ainda, ser “(…) este princípio que dita a oneração dos veículos em função da respectiva propriedade e até ao momento do abate (…)”.

 

  1. Assim, a lógica e racionalidade do novo sistema de tributação automóvel pressupõe e almeja um sujeito passivo coincidente com o proprietário do veículo, no pressuposto de ser esse, e não outro, o real e efectivo sujeito causador dos danos ambientais, tal como decorre do princípio da equivalência inscrito no art.º 1º, do CIUC. Este princípio da equivalência, que informa o actual imposto único de circulação, tem subjacente o princípio do poluidor - pagador, e concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar. Trata-se, afinal, de alcançar as externalidades ambientais negativas que advêm da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários e/ou pelos utilizadores, como custos que só eles deverão suportar.

 

  1. A este propósito, a posição vertida na recente Decisão Arbitral nº 286/2013-T de 2 de Maio de 2014, é bastante esclarecedora ao afirmar que: “É este princípio (da equivalência) que dita a oneração dos veículos em função da respectiva propriedade e até ao momento do abate, o emprego comum de uma base tributável específica, a revisão do quadro de benefícios fiscais vigente e a afectação de uma parcela da receita aos municípios da respectiva utilização.

Ora, pretender, como o faz a Requerida, que o legislador, no art. 3.º, n.º 1 do CIUC, fixou, seja qual for o meio técnico subjacente, a incidência subjetiva do imposto nas pessoas em nome de quem os veículos se encontram registados, com total independência de serem ou não, no período tributário relevante, titulares do direito de utilização do veículo, maxime da sua propriedade, implicaria desprezar aquela finalidade que preside à normatividade tributária, bem manifestada na incidência objectiva e na base tributável associada às diversas categorias de veículos (cfr. arts 2.º e 7.º do CIUC). É que uma inscrição registral, sem correspondência com a titularidade subjacente, nenhuma valia possui para dar satisfação e cumprimento a tal finalidade, pois não são as pessoas em nome de quem os veículos se encontrem inscritos quando não sejam titulares de direitos sobre a sua utilização que provocam custos ambientais e viários, mas antes tais custos ambientais e viários são causados pelos efetivos utilizadores dos veículos, nos termos das situações jurídicas substantivas pertinentes, mesmo que não constem, como deviam, do registo automóvel. O registo, na verdade, em nada depõe ou serve quanto ao princípio da equivalência estabelecido no art. 1.º do CIUC. Aliás, assumir que o elemento determinativo da incidência tributária subjetiva é simples e exclusivamente o registo automóvel também não permite afirmar uma ligação com uma qualquer manifestação de capacidade contributiva relevante, o que, via de regra, nos tributos não estritamente comutativos, é imprescindível, já que deve existir, sem prejuízo de exigências de praticabilidade, uma qualquer ligação efetiva entre o imposto e um pressuposto económico materialmente relevante capaz de fundamentar o tributo. A razão de ser da figura tributária afasta, pois, a ideia de que a incidência respectiva se prende estrita e exclusivamente com a própria inscrição registral da titularidade dos veículos tributários e não com as situações substantivas atributivas do direito de utilização dos veículos (art. 3.º, nºs 1 e 2 do CIUC) a que o registo se destina a dar publicidade (cfr. art. 1.º e art. 5.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro, com as alterações posteriores, que regula o registo automóvel).” 

 

  1. Acresce, ainda, salientar que o DL n.º 54/75, de 12/02, que disciplina o registo de veículos automóveis, não prevendo qualquer norma acerca do carácter constitutivo do registo da propriedade automóvel, estabelece, no n.º 1 do seu artigo 1.º que o registo automóvel visa apenas dar publicidade à situação jurídica dos bens. De acordo com o artigo 7.º do Código do Registo Predial, supletivamente aplicável ao registo automóvel, por remissão do artigo 29.º daquele diploma, determina que o registo apenas "(...) constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define." Pronunciando-se sobre esta matéria, o STJ, em acórdão de 19-02-2004, proferido no processo n.º 3B4369, conclui que "(...) o registo não surte eficácia constitutiva, pois que se destina a dar publicidade ao acto registado, funcionando (apenas) como mera presunção, ilidível (presunção "juris tantum") da existência do direito (arts- 1.º, n.º 1, e 7.º, do CRP84 e 350.º, n.º2, do C. Civil) bem como da respectiva titularidade, nos termos dele constantes (...)".

 

  1. Quanto aos efeitos do registo, resulta claro do disposto nos artigos 1.º e 7º do Código de Registo Predial (CRP), que o registo tem uma dupla finalidade: dar publicidade à situação jurídica dos bens e constituir presunção de que o direito existe e pertence ao titular nele inscrito. Estas presunções são, porém, ilidíveis mediante prova em contrário, como resulta expressamente do disposto artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil (CC) e, em matéria tributária, reforçado pelo artigo 73º da LGT.

 

  1.  É pacífico para a doutrina e para a jurisprudência dos nossos tribunais superiores que o registo não é condição de validade dos negócios a ele sujeitos ou subjacentes, dele não depende a transmissão da propriedade e não pertence ao transmitente o ónus de promover o registo, pelo que nenhuma sanção lhe pode ser imposta pelo não cumprimento dessa obrigação por parte do adquirente (este sim obrigado a promover o registo). [5]

 

  1. Assim, acompanhando-se a reiterada jurisprudência arbitral, supra mencionada, relativa a situações idênticas, não pode deixar de se entender que a expressão "considerando-se como tais" constante da referida norma, configura uma presunção legal[6], e que esta é ilidível, nos termos gerais, e, em especial, por força do disposto no artigo 73.º da LGT que determina que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 

  1. Esta é, também, a posição do tribunal arbitral nos presentes autos, sufragando as posições já anteriormente plasmadas nas diversas decisões arbitrais supra mencionadas, pelo que, se entende que a presunção ilidível, inscrita no nº1, do art.º 3º, do CIUC, corresponde à interpretação mais ajustada à prossecução dos objectivos almejados pelo legislador.

 

 

A)    Da Interpretação conforme à Constituição

 

 

  1. Mas a este propósito a Requerida suscitou ainda, na sua resposta, e reiterou nas suas alegações, a questão da interpretação conforme à Constituição, invocando os princípios da legalidade, da tipicidade, da justiça e da capacidade contributiva (artigos 103.º, 104.º e 13.º da CRP). Pois bem, por tudo o que se deixa exposto, entende este tribunal que a interpretação conforme à Constituição é a que aqui se deixa vertida e não a que a Requerida pretende. Dito de outro modo, evitando repetições inoportunas, o respeito pelos princípios jurídico constitucionais em presença impõe que se tribute de acordo com a realidade factual e não meramente formal, mormente quando são conhecidos todos os elementos relevantes para cumprir o propósito do legislador, que no caso, é o de tributar ao IUC ao proprietário do veículo, por ser o seu utilizador por si ou por aquele em quem consente essa utilização. É, pois, no sentido do conceito legal de presunção e no respeito dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva que o legislador atribui plena eficácia à presunção derivada do registo automóvel acolhendo-a, como tal, na definição da incidência subjectiva deste tributo estabelecida no nº1, do art. 3º, do CIUC.

 

  1. Ora, por tudo o que se deixa exposto supra, resulta também que este tribunal arbitral não acompanha a Requerida nesta alegação. Importará, ainda assim, acrescentar a todos os argumentos já expostos, um último extraído da própria jurisprudência do Tribunal Constitucional (TC). Assim, refira-se que, contrariamente ao alegado pela Requerida, a consideração de que o disposto no art. 3.º, n.º 1, do CIUC consagra uma presunção ilidível representa a melhor interpretação e a mais conforme à Constituição, resulta do próprio Acórdão do TC com o n.º 348/97, de 29.4.1997, posição reiterada no acórdão n.º 311/2003, de 28.4.2003, os quais declaram a inconstitucionalidade do “estabelecimento pelo legislador fiscal de uma presunção “juris et de jure” já que “veda por completo aos contribuintes a possibilidade de contrariarem o facto presumido, sujeitando-os a uma tributação que pode fundar-se numa matéria colectável fixada à revelia do princípio da igualdade tributária”.

 

Nesta conformidade, não se vislumbra que a alegação da Requerente possa ter acolhimento.

 

 

B)    Da Elisão da Presunção

 

  1. Chegados aqui resta decidir a terceira e última questão suscitada nos autos e que é a de saber se, estando perante uma presunção ilidível por prova em contrário, a Requerente logrou essa elisão.

 

  1. As presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento

contraditório próprio previsto no artigo 64.º do CPPT ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos actos tributários que nelas se baseiem. No caso dos autos, a Requerente não utilizou aquele procedimento próprio, tendo antes optado pelo presente pedido de decisão arbitral que, assim, constitui meio próprio para ilidir a presunção de incidência subjectiva do IUC em que se suportam as liquidações tributárias cuja anulação constitui o seu objecto, pois que se trata de matéria que se situa no âmbito da competência material deste tribunal arbitral (arts. 2.º e 4.º do DL 10/2011).

 

  1. Para ilidir a presunção derivada da inscrição do registo automóvel, a Requerente oferece, como meio de prova, os contratos com os concessionários e com as empresas de rent-a-car (Docs. Nºs 2, 3 e 4 juntos à PI), um quadro síntese com menção de cada factura respeitante à venda de cada uma das viaturas e respectiva data de matrícula (Doc. nº 13 junto à PI) e a facturação emitida com referência à transmissão dos veículos a que respeitam as liquidações questionadas (Docs. Nºs 11 e 12 juntos à PI).

 

  1. O entendimento do tribunal, avaliada a prova produzida pela Requerente, é no sentido de decidir que esta prova é suficiente para atestar a venda de todas as viaturas constantes das 4015 liquidações de imposto aos respectivos adquirentes, de modo que ao tempo do facto tributário e do primeiro registo de propriedade efectuado esta já não era a sua proprietária. Aliás, diga-se que a AT e ora Requerida em momento algum, nem na Resposta nem nas Alegações juntas aos autos questionou essa documentação, a ocorrência efectiva das transmissões ou o valor probatório da documentação junta. Questionou, isso sim, a sua junção em momento posterior ao envio do Pedido Arbitral, a qual já se encontra decidida a título de questão prévia.

 

  1. Diverge-se, assim, do entendimento da Requerida, segundo a qual, “à luz das normas legais é manifestamente irrelevante a venda aos seus concessionários antes da atribuição da matrícula.”, uma vez que, mesmo não podendo circular ou ser introduzida no consumo, a viatura existe, material e juridicamente, antes da matriculação, podendo, naturalmente, ser objecto de direitos e relações jurídicas.

 

  1. Por outro lado, não relevará, de igual modo, a circunstância, também apontada pela Requerida nas suas alegações de, nalguns casos (discriminados no artigo 90.º das suas alegações), o segundo registo (a favor do comprador da viatura à Requerente) ter ocorrido para lá dos prazos fixados nos artigos 42.º do RRA e 17.º do CIUC. Com efeito, e desde logo, trata-se do segundo registo, e não do primeiro, pelo que não se verifica a previsão da invocada alínea a), do artigo 18.º/1 do CIUC, na medida em que existiu registo dentro daquele prazo (o primeiro, a favor da Requerente). Depois, porque, como se viu, o registo, tal como a matriculação, são meros índices, da presunção integrada na norma de incidência em questão.

 

  1. Não releva igualmente, no caso, a jurisprudência do Ac. 55/2014T do CAAD, citado também pela Requerida nas suas alegações, porquanto as situações em causa, ali e nos presentes autos, são substancialmente diferentes, na medida em que naquele aresto estavam em causa transmissões ocorridas no decurso do prazo que a lei concede ao operador para efectuar o registo (cfr. ponto 53., transcrito pela Requerida nas suas alegações), ou seja, após a atribuição da matrícula, enquanto que, no presente caso, as transmissões ocorreram antes ou até esse momento[7].

 

  1. Questiona, outrossim, a Requerida, mormente nas suas alegações como poderia ser tributado o IUC do ano correspondente ao da matrícula e do primeiro registo (este em nome da Requerente) em todos os casos em que o registo de propriedade a favor dos adquirentes e efectivos proprietários ocorre alguns dias depois, com particular incidência para todos os casos em que o momento do segundo registo ocorre no ano seguinte ao da matrícula e primeiro registo.

 

  1. Pois bem, a AT e ora Requerida sabe bem a resposta a esta questão, a qual, aliás, se afigura muito simples: o IUC é devido em qualquer caso, incluindo os que aponta nas suas alegações em que existe esse desfasamento temporal fruto do normal desenvolvimento das trocas ocorridas nos últimos dias do ano civil, sempre e apenas ao adquirente da viatura. Para o fazer dispõe de toda uma vasta informação, desde logo, a constante do registo.

 

  1. Aliás, é muito curiosa mas totalmente falaciosa a forma como a Requerida coloca a questão, depois de ter questionado a razão (que entendeu como muito estranha) da Requerente proceder ela própria à apresentação a registo das viaturas transacionadas. Mas a resposta a esta questão é, também, simples e resulta conforme a todas as recentes recomendações da Provedoria de Justiça e do próprio legislador, que recentemente introduziu a possibilidade de ser o próprio vendedor a promover o registo da viatura alienada. Ou seja, a Requerente promove o registo e muito bem, no seu próprio interesse, garantindo que não sucedam liquidações ilegais e equívocas como as que sucederam nos presentes autos por mera conveniência ou eficácia de cobrança.

 

  1.  Mas, acresce que, as dúvidas na AT explanadas nas suas alegações em relação aos casos que particulariza têm ainda uma resposta mais directa e evidente, qual seja a de os tributar tal como fez em relação a todas as demais viaturas (mais de 100.000 por ano de referência) em que procedeu à correcta liquidação do imposto ao verdadeiro e único sujeito passivo: o adquirente. Ou ainda, procedesse como já procedera no passado em relação a idêntico procedimento descrito no pedido arbitral pela Requerente (e que a Requerida não questiona ou desdiz), pois que, desde pelo menos esse momento esteve em condições de tributar o verdadeiro sujeito passivo do IUC em relação a cada uma das viaturas em causa. Por último, mas de fundamental importância, sabendo a Requerida que a Requerente opera como importadora e conhecedora do procedimento legal a que está sujeita, poderia seguir a informação do registo automóvel e promover a liquidação do IUC ao adquirente, já que em relação a todas as viaturas esse registo ocorreu de imediato e apenas com alguns dias ou semanas de diferença em relação ao primeiro registo.

 

  1. Por último, mas claramente indicador de que o argumento da Requerida nesta matéria não poderá proceder, diga-se que a tese da inevitabilidade em tributar o IUC do ano da matrícula ao importador (Requerente) cai perante o argumento de que o período de tributação, no regime actual do IUC, não coincide com o ano civil. Com efeito, se um veículo for matriculado a 30 de Dezembro de determinado ano (ano N, na hipótese da Requerida), não será devido um imposto nesse ano (por dois dias), e outro de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro do seguinte. Antes, o período de tributação N vai, não de 30 a 31 de Dezembro, mas de 30 de Dezembro até 29 de Dezembro seguinte, sendo absolutamente irrelevante, sob o ponto de vista do regime legal em causa, a passagem do ano civil.

 

  1. Não se pode deixar de notar, ainda e a este respeito, o incumprimento do próprio sistema de liquidação e cobrança da AT, o qual nunca disponibilizou na área própria do portal do contribuinte as respectivas liquidações. Ou seja, se é como diz e alega extensivamente em relação a todas as viaturas que menciona nas suas alegações como justifica a falha do sistema de cobrança com referência ao primeiro ano de registo? Ora, da correspondência junta aos autos (cfr. doc. nº 7 junto à PI) é bem evidente a preocupação da ora Requerente em relação a saber se existem algumas liquidações pendentes ou em processamento com referência a viaturas transaccionadas. Tais interrogações nunca tiveram resposta.

 

  1. Como bem alega a Requerente este procedimento gerador das liquidações, cuja ilegalidade pretende ver declarada, não ocorreu pela primeira vez. Tendo sucedido no passado algo idêntico, a verdade é que a AT reconheceu o erro e não avançou com as liquidações contra a Requerente. No caso dos autos agiu de modo diferente, porém assente em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que consubstancia violação de lei e inquina de ilegalidade todas as liquidações.

 

  1.  Em suma, nenhum dos 4015 veículos aqui em causa era, à data da matrícula propriedade da Requerente. Ao que acresce a existência de registo de propriedade a favor do verdadeiro proprietário, pelo que, a Requerente não autoliquidou, nem pagou o imposto - nos anos de matrícula em causa (2009 - 2012), nem tal liquidação alguma vez lhe foi disponibilizada nos termos legais.

 

  1. Não colhe, pois, o argumento do desconhecimento de quem eram os verdadeiros titulares da propriedade das viaturas desde o ano da matrícula, porquanto, quer em sede de audiência prévia quer por força da realidade vertida no próprio registo automóvel a Requerida teve pleno conhecimento, ou possibilidade de o alcançar, de quem eram os verdadeiros proprietários e, consequentemente, os sujeitos passivos de imposto.

 

  1. Nesta conformidade, conclui-se que toda a documentação junta aos autos pela Requerente bem assim como a que foi aduzida pela Requerida comprovam com suficiente grau de certeza quem eram os proprietários e sujeitos passivos de imposto, pelo que se considera ilidida a presunção decorrente do primeiro registo automóvel efectuado.

 

  1. Acrescente-se, ainda, que na situação em análise, se está perante contratos de compra e venda, relativos a coisa móveis, que não estando sujeitos a quaisquer formalismos especiais (C. Civil, art. 219.º), operam a correspondente transferência de propriedade por mero efeito do contrato e tradição da coisa. (C. Civil, art. 408.º, n.º 1). No entanto, estando em causa um contrato de compra e venda que tem por objecto um veículo automóvel, em que o registo é obrigatório, o seu cumprimento pontual pressupõe a emissão da declaração de venda necessária à inscrição no registo da corresponde aquisição a favor do comprador, conforme vem sendo entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores.[8]

 

  1. Tal declaração, relevante para efeitos de registo, poderá constituir prova da transacção, embora não seja o único ou exclusivo meio de prova de tal facto. E, para efeitos registrais, também não é exigível qualquer formalismo especial, bastando a apresentação à entidade competente de requerimento subscrito pelo comprador e confirmado pelo vendedor, que, através de declaração de venda confirma que a propriedade do veículo foi por aquele adquirida por contrato verbal de compra e venda. Ora, nos presentes autos ficou demonstrado (a própria AT o confirma) que todo esse formalismo foi cumprido, e que a Requerente, ela própria, cuida de garantir a apresentação a registo em prazo célere.

 

 

  1. Ora, tal procedimento não deve ser considerado estranho (como alega a AT) mas sim de louvar pelo rigor subjacente e que interessa à própria Administração Fiscal. Na situação em análise, estamos perante transacções comerciais, efectuadas por uma entidade empresarial no âmbito da actividade que constitui seu objecto social. Nesse âmbito, a empresa está vinculada ao cumprimento de normas contabilísticas e fiscais específicas, em que a facturação assume especial relevância, bem assim como manter uma situação fiscal regularizada e sem incidentes de incumprimento fiscal.

 

 

  1. Desde logo, por força de normas fiscais, a entidade transmitente dos bens está obrigada a emitir uma factura relativamente a cada transmissão de bens qualquer que seja a qualidade do respectivo adquirente, sob forma legalmente exigida (artigos 29.º, n.º 1, alínea b) e 36º do CIVA). É com base nesse documento emitido pelo fornecedor dos bens que o adquirente, quando se trate de um operador económico - como é o caso - irá deduzir o IVA a que tenha direito e contabilizar o gasto da operação (art. 19º do CIVA e arts. 23º, nº 6 e 123º, nº 2 do CIRS).

 

  1. Desde que emitidas na forma legal e constituam elementos de suporte dos lançamentos contabilísticos em contabilidade organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, os dados que delas constem são abrangidos pela presunção de veracidade a que se refere o artigo 75.º, n.º 1, da LGT. Presunção abrange não só os livros e registos contabilísticos, mas também os respectivos documentos justificativos, conforme, de resto, constitui entendimento pacífico da própria administração tributária e da jurisprudência firmada dos tribunais superiores.[9]

 

  1. A presunção de veracidade das facturas comerciais emitidas nos termos legais pode ser afastada sempre que as operações a que se referem não correspondam à realidade, sempre que a Administração Tributária recolha e demonstre indícios fundados desse facto como resulta do disposto no art. 75.º, n.º 2, al. a), da LGT. [10]Tal não sucedeu no caso dos presentes autos, em que a Requerida não impugnou, nem suscita qualquer dúvida, quanto às operações tituladas pelos contratos e facturas apresentadas pela Requerente, pelo que, forçoso é concluir que a prova documental junta pela Requerente aos autos constitui, só por si, prova bastante das transmissões invocadas pela Requerente, acompanhando-se, nesta matéria, a jurisprudência arbitral maioritária.

 

  1. Considerando-se, assim, provada documentalmente a transmissão do direito de propriedade dos veículos em causa, há apenas que determinar a data em que, segundo a respectiva factura, a mesma se terá verificado, atendendo a que a exigibilidade do imposto, relativamente a veículos terrestres novos, ocorre no primeiro dia do período de tributação, que se inicia na data da matrícula, conforme prevê o artigo 6.º, n.º3, do CIUC, sendo esse o momento em que se define a relação jurídica tributária. Com base nos documentos que integram o presente processo verifica-se que, à data da exigibilidade do imposto, a situação dos veículos aí identificados já não eram propriedade da Requerente em virtude de, por esta, terem sido transmitidos a terceiros. Nestes termos, considera-se ilidida a presunção de propriedade derivada do registo automóvel acolhida no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, relativamente aos veículos e períodos a que se reportam todas liquidações questionadas, com referência aos veículos nelas identificados, conforme lista anexa ao presente pedido de pronúncia arbitral (Doc. nº13).

 

  1. Assim, o entendimento subjacente às liquidações impugnadas nos presentes autos, segundo o qual os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo e sem admissão de prova em contrário, as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar os elementos probatórios para identificação dos efectivos e verdadeiros utilizadores e actuais proprietários dos veículos, conduziu à liquidação ilegal do IUC, assente na errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do Imposto Único de Circulação. Tais liquidações afiguram-se, pois, ilegais o que impõe a anulação dos correspondentes actos tributários.

 

  1. Nestes termos, atendendo ao disposto no art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do CIUC, conclui-se que se mostra ilidida a presunção contida no nº 1 e que, por isso, a Requerente não constitui sujeito passivo do IUC, liquidado em relação aos anos de 2009 a 2012, quanto aos veículos identificados nos autos. Em consequência de todo o supra exposto, resulta que todas liquidações impugnadas são ilegais, padecem do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pelo que, devem ser objecto de anulação, procedendo-se, consequentemente, ao reembolso à Requerente do montante indevidamente pago a crescido dos juros à taxa legal.

 

 

C)    Quanto ao pedido juros

 

 

  1. Dispõe a alínea b), do nº 1, do art.º 24º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito. Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no art.º 100º, da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do nº 1, do art.º 29º, do RJAT, no qual se estabelece que: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

 

  1.   Dispõe, por sua vez, o artigo 43º, nº1, da Lei Geral Tributária que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

  1. Da análise dos elementos probatórios constantes dos presentes autos, nomeadamente do Processo Administrativo, é possível inferir que, pelo menos desde o exercício do direito de audição, a AT tinha conhecimento dos elementos factuais, no essencial, relevantes para proceder à correcta liquidação do imposto. Isso mesmo resulta da informação constante do PA junto aos autos. Pelo que, teve a possibilidade de revogação dos actos tributários ilegalmente praticados, que poderia ter efectuado no prazo para resposta ao presente pedido de pronúncia arbitral, o que não sucedeu.

 

  1. Não resta dúvida que a AT se encontrava na disponibilidade dos elementos informativos suficientes sobre a situação concreta das viaturas constantes dos autos, de modo que teve a possibilidade de emendar o erro e de evitar a prática dos actos tributários lesivos e ilegais. Nisso mesmo consiste o erro pelo qual está obrigada a indemnizar.

 

  1. Por força do supra exposto e sem necessidade de mais considerandos, o tribunal não pode sufragar a alegação da Requerida quer quanto ao afastamento da obrigação de pagar juros indemnizatórios quer, por idêntica razão, no que toca à alegação em matéria de responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.

 

  1. Assim sendo, atento o disposto no artigo 61º, do CPPT e considerando que se encontram preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do art.º 43º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a quantia de €589.857,79, a contar da data em que foi efectuado o pagamento até ao seu integral reembolso.

 

 

VI - Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar improcedentes às questões prévias suscitadas pela Requerida;

b) Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação das 4015 liquidações de imposto e de juros compensatórios por padecerem do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e e de direito subjacentes, relativamente a todos períodos de tributação e a todos veículos identificados nos presentes autos;

c) Condenar Requerida a reembolsar a Requerente de todo o montante pago, no valor de €589.857,79, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal até integral pagamento;

d) Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

Valor do processo: € 589.857,79

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 8.874,00.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2015

 

Os Árbitros,

 

 

________________________________________

Dr. José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente)

 

 

 

 

 

 

________________________________________

(Prof. Dra. Maria do Rosário Anjos - Relatora)

 

 

 

 

 

 

 

__________________________________

(Prof. Dr. Guilherme d’ Oliveira Martins)

 



[1] A presente decisão é redigida de acordo com a ortografia antiga.

[2] Vd. Sérgio Vasques, "Os Impostos Especiais de Consumo", Almedina, 2000 e Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 118-X, que deu origem à Lei n.º 22-A/2007, de 29/05 (reforma da tributação automóvel).

[3] Neste sentido, cfr.: Decisões Arbitrais de 19.7.2013, Proc. 26/1013-T, de 10.9.2013, Proc. 27/2013-T, de 15.10.2013, Proc. 14/2013-T, de 5.12.2013, Proc. 73/2013-T, de 14.2.2014, Proc. 170/2013-T, de 30.4.2014,

Proc. 256/2013-T, de 2.5.2014, Proc. 286/2013, de 16.6.2014, Proc. 289/2013-T, de 14.7.2014, Proc.43/2014-T, de 6.6.2014, Proc. 294/2013-T, de 15.9.2014, Procs. 63/2014-T e 220/2014 e proc. 250/2014 – T de 7/11.

[4]  Cfr. Jorge de Sousa, CPPT, 6.ª Edição, Áreas Editora. Lisboa, 2011, págs. 586; ainda neste sentido cfr. Ac. STA, Acs. de 29.2.2012 e de 2.5.2012, Procs. 441/11 e 381/12.

[5] Neste sentido, vd, entre outros, os seguintes Acórdãos do STJ: Ac. STJ de 31.05.1966, in Proc. nº 060727 (Relator: Conselheiro Lopes Cardoso), decisão especificamente referente ao registo automóvel; Ac. STJ de 5.05.2005 (Relator: Conselheiro Araújo Barros) e Ac. STJ de 14.11.2013, in Proc. nº 74/07.3TCGMR.G1.S1(Relator: Conselheiro Serra Baptista) exímios na afirmação do predomínio do princípio da substancia sobre a forma, valendo a prova, por qualquer meio idóneo, de quem é substantivamente titular do direito de propriedade, a qual faz ilidir a presunção do registo.

[6] Aliás, a própria Requerida, afirma, mais do que uma vez que “o facto gerador do imposto é aferido pela matrícula ou pelo registo”, o que implica, necessariamente, o reconhecimento do caracter presuntivo do regime em causa. Com efeito, se “o facto gerador do imposto é aferido pela matrícula ou pelo registo”, é poruqe, naturamente, o “facto gerador do imposto” não é nem a matrícula, nem o registo! Estes serão factos-índice, dos quais se retira aquele, estando-se, perante e de forma inquestionável, perante uma presunção.

[7] No sentido de compreender a relevância desta distinção poderá ser consultado o acórdão proferido no processo 250/2014T do CAAD.

[8] Cfr. STJ, Acs. de 23.3.2006 e de 12.10.2006, Procs. 06B722 e 06B2620.

[9] Cfr. Parecer do Centro de Estudos Fiscais, homologado por despacho do Director-Geral dos Impostos, de 2 de Janeiro de 1992, publicado em Ciência e Técnica Fiscal n.º 365. Ainda neste sentido, Cfr. STA, Ac. de 27.10.2004, Proc. 0810/04, TCAS, Ac. de 4.6.2013, Proc. 6478/13 e TCAN, Ac. De 15.11.2013, Proc. 00201/06.8BEPNF, entre outros.

[10] Cfr. STA, Acs. de 24.4.2002, Proc. 102/02, de 23.10.2002, Proc. 1152/02, de 9.10.2002, Proc 871/02, de 20.11.2002, Proc. 1428/02, de 14.1.2004, Proc. 1480/03, entre muitos outros.