Sumário
Estando em causa a situação de facto prevista no nº 2 do artigo 64º do CIRC, o nº 7 do artigo 139º do CIRC estabelece uma excepção dilatória de inimpugnabilidade judicial do acto de liquidação, de conhecimento oficioso, quando não seja alegado pelo sujeito passivo que ocorreu a apresentação prévia do procedimento do nº 3 do artigo 139º do CIRC, o que impede o Tribunal de conhecer do mérito da causa (alínea i) do nº 4 do artigo 89º do CPTA)
I – Relatório
-
A..., NF..., residente na Rua ..., nº ..., ...-... ... — Braga, adiante designada por “Requerente”, veio nos termos do artigo 2.º e 10º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de laneiro), “Requerente”, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (PPA) com vista à apreciação da legalidade da liquidação de IRS nº 2022..., decorrente do procedimento de inspeção, credenciado pela ordem de serviço nº 012022... resultando o valor a pagar 12.722,93 €. Termina pedindo:
-
“que se declare nulo todo o procedimento de liquidação, por ausência de notificação prévia legalmente exigível da Requerente, omissão de fundamentação legalmente exigida e prescrição do facto tributário e caso assim não se entenda,
-
... que seja revogado o ato de liquidação efetuado, por inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva”.
-
É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por Requerida ou AT.
-
A Requerente fundamenta o pedido de pronúncia arbitral (PPA) nos seguintes termos:
Factos
-
Foi “notificada de um procedimento de Inspeção que desconhecia e de um ato de liquidação, sem que lhe tenha sido dada a oportunidade de exercer um direito de audiência prévia, bem como, de compreender os rendimentos e valores que originaram o valor agora apresentado por via de uma notificação e fundamentação por parte da entidade administrativa” “porém, até ao momento, a entidade administrativa não procedeu à resposta ou alteração das circunstâncias apresentadas, pelo que, não alterando a sua posição e convicção, não vê ... outra forma de assegurar os seus direitos, senão pela presente via”.
-
Pelo que em 2022-12-22 “desconhecendo o teor do procedimento de inspeção e a respetiva fundamentação constante no relatório final por não ter sido notificada para o efeito, e sem qualquer oportunidade de pronúncia por uma outra via, apresentou a sua Reclamação Graciosa” contra a liquidação.
Nulidade do acto administrativo
-
Refere que “ao ser confrontada com uma liquidação sem que, anteriormente, lhe tenha sido notificada e apresentada a via da sua defesa, viu absolutamente vedado o seu direito pleno ao contraditório na modalidade de audiência prévia, bem como a possibilidade de questionar a origem e formação dos valores que determinaram o valor peticionado pela entidade administrativa” uma vez que “in casu, ... não foi notificada para o exercício de qualquer um dos seus direitos, quer para a audiência prévia, quer para a substituição ou apresentação da declaração em falta”.
Caducidade
-
“In casu, o facto tributário relativo à alienação de direitos reais pela sociedade B...— Sociedade de Advogados, SP RL, ocorreu em 12 de Junho de 2018. Assim, o facto tributário surgiu em Junho de 2018, pelo que, subsumindo o facto à norma, prevê-se que, se a liquidação notificada disser respeito ao facto tributário identificado no ponto anterior, a Requerente foi notificada da liquidação em novembro de 2022, ou sela, volvidos mais de quatro anos da existência do facto tributário de alienação de direitos reais. Deste modo, verifica-se um vício de caducidade do direito à liquidação, cujo reconhecimento se requer”.
Erro sobre o imposto liquidado
-
“Assumindo hipoteticamente que o ato de liquidação que aqui se discute se relaciona com o que se tratou na sequência da Ordem de Serviço com o nº 012020... para a continua defesa da aqui Requerente, esta não prescinde da posição de que não tem forma de saber a origem do tributo nem o facto tributário em causa, pelo que desconhece totalmente o alcance da liquidação que lhe é feita de imposto”.
Violação do princípio da capacidade contributiva, da legalidade, justiça e imparcialidade
-
“Supõe ... que Direção de Finanças de Braga, procedeu à alteração de rendimentos declarados do Requerente relativamente ao ano de 201 8, apurando um rendimento tributável global de 45.342,58 €, tendo, consequentemente, emitido o ato tributário de liquidação de IRS e de Juros Compulsórios que constituem o objecto da presente reclamação, e dos quais resulta o valor total a pagar de 12.722,93. Sucede que, não consta da notificação, tão pouco da sua fundamentação, que nunca foi notificado à Requerente, prova ou indícios de que o referido acréscimo patrimonial ou mais-valias foram efetivamente recebidas pelo Requerente, bem pelo contrário já que se apura que nenhum acréscimo patrimonial este teve, sendo certo que, o sujeito passivo não pode ser tributado por rendimentos que não auferiu, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva”.
-
Porque “ficou comprovado na Inspeção de que a ... Requerente tem conhecimento por parte da sociedade B... — Sociedade de Advogados. SP RL. que esta não obteve quaisquer mais valias ou acréscimos patrimoniais” “e que tal mais valia é apenas decorrente da interpretação que a Autoridade Tributária faz do artigo 44º n.º 2 do CIRS, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, presumindo/ficcionando que a venda do imóvel é feita pelo seu Valor Patrimonial Tributário”, mas a verdade é que a AT “alcançou ... que tal não ocorreu, e que a venda efetuada foi pelo mesmo valor da sua aquisição”.
-
E acrescenta que “mesmo que tivesse existido tal acréscimo patrimonial ou mais-valia, não implicava que a mesma tivesse sido recebida pela Requerente” uma vez que “a entrega da quantia à Requerente é o facto autónomo e independente daquela e carece de prova por parte da Autoridade Tributária. E, na ausência de comprovação de que a Requerente auferiu as mais-valias/acréscimo imputado pela Autoridade Tributária, tem de se dar por não provado tal recebimento”. Com efeito,
-
“não obstante a sociedade profissional em causa possuir regime de transparência fiscal, tal não implica que a Requerente tenha efetivamente auferido a referida quantia, o que fica por provar e esclarecer (sendo até claro e evidente que não recebeu)”.
-
Com efeito, “o tributo proveniente de IRS só pode incidir sobre o valor anual dos rendimentos que tenham sido obtidos pelo sujeito passivo, estando esta incidência pessoal sujeito ao princípio da legalidade tributária, nos termos do artigo 8º da Lei Geral Tributária” pelo que “não pode a Requerente ser sujeito de IRS por rendimentos que não obteve, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, o que inquina a legalidade da liquidação efetuada, designadamente, o princípio da capacidade incorpora o critério material da igualdade absoluta e relativa dos impostos, enquanto reflexo do princípio da igualdade, o princípio da tributação pelo rendimento real que impõe que o tributo deve pautar-se pela adequação, necessidade e proporcionalidade ao abrigo do princípio da proporcionalidade, o princípio da igualdade e universalidade e ainda o princípio da proteção da confiança e segurança jurídica”.
Liquidação de juros compensatórios
-
Refere que “em momento nenhum, anterior ao da prática e notificação do ato de liquidação de juros compensatórios, foi a Requerente notificada sobre qualquer projeto de relatório nos termos do qual evidenciasse que a Administração Tributária pretendia liquidar esses juros, ou feita qualquer referência a que o, suposto, retardamento da liquidação do imposto tenha resultado de facto imputável ao Requerente, sendo, portanto, devidos juros compensatórios. Tão pouco ainda, resulta da notificação rececionada, ou foi alegado em qualquer ato prévio que, o retardamento da liquidação ocorreu por culpa da Requerente. Destarte, também aqui se verifica a preterição de formalidade legal essencial prevista nos artigos 60º nº 1 alínea a) da Lei Geral Tributária e artigo 60º do Regime Complementar de Inspeção Tributária”.
-
Pelo que será de concluir “que a liquidação de juros ... está inquinada de vício de forma por falta de fundamentação”.
Inconstitucionalidade da liquidação
-
A liquidação está ferida de “de inconstitucionalidade posto que o tributo em causa tem como efetivo objeto o lucro ou mais-valia que podia ter sido obtido pela sociedade B...— Sociedade de Advogados SP RL, com o NIPC ... com a transmissão de direitos reais, o que inexistiu. Isto porque, apurou a Requerente o seguinte:
-
a aquisição do imóvel foi feita pela sociedade B...- Sociedade de Advogados, SP., RL., com o NIPC ... em sede de Processo de Insolvência, tendo requerido a adjudicação do imóvel apreendido à ordem dos autos de insolvência;
-
a referida adjudicação foi feita pelo valor de (quarenta mil euros);
-
o imóvel foi alienado pelo montante de 40.000,00€ (quarenta mil euros).
ou seja, a sociedade B...- Sociedade de Advogados, SP., com o NIPC..., adquiriu por 40.000,00€ (quarenta mil euros) um imóvel que de seguida alienou por 40.000,00€ (quarenta mil euros), exatamente o mesmo valor, com o que não obteve nenhum ganho patrimonial efetivo”.
-
A Requerida apresentou Resposta em 02.10.2023, juntou 4 documentos e o PA, referindo em resumo o seguinte:
Factos
-
“Em 2022-04-15 iniciou-se o procedimento inspetivo interno OI2022... o qual culminou com as correções aritméticas aos rendimentos da Requerente provenientes da imputação da sua quota (40,34%) da matéria coletável da sociedade transparente B... SOCIEDADE DE ADVOGADOS SP RL NIF ... – correção linha 401 do anexo D de €30.000,00 para €42.436,38.
O projeto de relatório foi notificado em 2022-09-03, através do ViaCTT. A Requerente não exerceu o seu direito de audição conforme disposto no artigo 60.º da LGT e no artigo 60.º do RCPITA.
Em 2022-10-09, foi a Requerente notificada através do ViaCTT do relatório final do procedimento inspetivo, neste é referido que serviços da AT procederão à correspondente notificação da liquidação.
Em 2022-11-03 foi emitida a liquidação em causa nos autos.
Inconformada, apresentou Reclamação Graciosa, a qual foi, intentada sob o nº ...2023... .
Esta Reclamação não tem decisão final, contudo a Requerente foi notificada, VIACTT, para efeitos do exercício do direito de participação, de uma proposta de indeferimento”.
Caducidade
-
Refere que “sendo, tanto o IRC como o IRS imposto periódicos, o termo do ano em que ocorreu o fato tributário não é, manifestamente, no decurso de 2018 como alega a Requerente”, pelo que “uma leitura simples da lei aponta para o prazo de caducidade a terminar em 2022-12-31. Logo, o prazo que não foi ultrapassado porquanto a notificação foi validamente efetuada em novembro de 2022”.
Quanto ao regime de transparência fiscal
-
Em regime de transparência fiscal “calculada a matéria tributável esta é considerada como rendimento dos sócios da referida sociedade consoante a sua participação. Portanto, não se podem aplicar as regras previstas no CIRS para calcular o rendimento obtido com a alienação de bens imóveis por pessoas singulares”.
-
Ou seja, quando a Requerente alega que “a entrega da quantia à Requerente é o facto autónomo e independente daquela e carece de prova por parte da Autoridade Tributária”, “tal não podia estar mais incorreto”.
-
Ora, “a alienação em causa foi efetuada pela entidade jurídica B... SOCIEDADE DE ADVOGADOS SP RL NIF ... e não pela Requerente. Neste sentido, falece o argumento de que a mais-valia não foi recebida pelo requerente, uma vez que o ganho tem de ser imputado ao período de tributação em que sejam obtidos, independentemente do seu recebimento, ou seja, entra para o cálculo da matéria tributável no ano de 2018 quando o ganho foi obtido” conforme artigo 18º do CIRC.
-
E conclui: “portanto, não releva para o cálculo do rendimento imputável ao sócio da sociedade transparente o seu recebimento ou não”, “falecendo igualmente qualquer alegada violação de princípios constitucionais, porquanto a atuação da AT decorre cristalinamente da lei, para todos os sujeitos passivos”.
Juros compensatórios
-
“São devidos uma vez que é imputado ao contribuinte o facto de não ter declarado rendimentos nos termos descritos, o que implica que o contribuinte motivou o atraso da liquidação, uma vez que não declarou, no momento próprio todos os rendimentos sujeitos a tributação”.
-
Termina pugnando pela improcedência do PPA e pela sua absolvição de todos os pedidos.
-
Por despacho do Tribunal Arbitral Singular (TAS) de 28.08.2023 foi a Requerida notificada para contestar, tendo respondido em 02.10.2023, juntou 4 documentos e o PA contendo 77 laudas.
-
Por despacho do TAS de 02.10.2023 foi convidada a Requerente a pronunciar-se pela necessidade da produção de prova testemunhal e para o exercício do contraditório quanto aos documentos juntos.
-
A Requerente respondeu em 17.10.2023 indicando os factos a que as testemunhas deveriam depor e justificou a necessidade da sua audição.
Quanto aos documentos juntos com a Resposta da AT a Requerente deduziu impugnação genérica quanto aos mesmos.
-
Em 06.11.2023 realizou-se a reunião de partes com inquirição da testemunha C..., advogado, casado com a Requerente e que tem um processo semelhante a correr no CAAD. Respondeu aos factos dos artigos 37º a 40º, 65º, 66º, 68º e 73º do PPA.
-
Em 21.11.2023 a Requerente apresentou alegações escritas, mantendo o que já havia referido em sede de PPA e juntou ainda o RIT relativo à Ordem se Serviço 012020... referente à sociedade “B... Sociedade de Advogados SP RL NIPC ... .
Nas alegações, a Requerente coloca o enfoque na desconformidade da correcção efectuada pela AT, face aos princípios constitucionais, quando a levou a efeito, para efeito de determinação das mais-valias, pelo VPT, por ser superior ao preço pelo qual foram efectivamente vendidos.
-
A Requerida não usou da faculdade de apresentar alegações no prazo fixado.
-
O pedido de constituição do tribunal arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228. ° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular (TAS) o signatário desta decisão, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas da designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6. ° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular (TAS) foi constituído em 28 de Agosto de 2023, pelo que se encontra regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
-
Os factos relevantes para a decisão da causa são os seguintes:
-
Em 17.11.2017, no âmbito do processo falimentar P. ../15...T8VIS-D, que correu termos e Viseu – Juízo Comércio – Juiz 2 do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, foi emitido título de transmissão, pelo Administrador Judicial adjudicando definitivamente a B... Sociedade de Advogados SP RL, NIPC..., do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo U-...B, freguesia de ..., descrito na CRP sob a ficha ..., concelho de Moimenta da Beira, pelo preço de € 40 000,00 – conforme folhas 13 a 24 do Documento junto pela Requerente com as alegações em 21.11.2023;
-
Em 12.06.2018 B... Sociedade de Advogados SP RL, NIPC..., vendeu o imóvel atrás referido a D... Lda. NIPC..., pelo preço de 40 000,00 euros referindo-se que tinha um valor patrimonial tributário de € 69 665,61, transmissão isenta de IMT por se tratar de prédio para revenda – conforme Anexo II do Documento junto pela Requerente com as alegações em 21.11.2023 e folha 5 do RIT relativo ao procedimento referido na alínea seguinte em que se aceita ser de € 40 000,00 o valor efectivo da venda;
-
A sociedade B... Sociedade de Advogados SP RL NIPC..., sujeita ao regime de transparência fiscal, a coberto da Ordem de Serviço OI2020... foi objecto de um procedimento de Inspecção Tributária iniciado em 13.09.2021 e termo em 12.11.2021, relativamente ao IRC de 2018, em cujo RIT se concluiu o seguinte:
“8. Nas transmissões de imóveis efetuadas pelo sujeito passivo em 2018 verifica-se o seguinte:
|
Compra
|
|
|
Venda
|
Correção
2) – 1)
|
|
imóvel
|
Escritura
|
Valor de compra
|
Valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto
|
1)
Diferença positiva.
Valor para
IMT/Valor CMP
Art. 64º nº 3 b)
|
Escritura
|
Valor
Venda
|
Valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT)
OU
Que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto
|
2)
Diferença positiva
Valor para
IMT/Valor Venda
Art. 640 n.3
a)
|
|
|
|
1 80710 - 2140 B
|
17-11.2017
|
40.000,00
|
40.000,00
(Nota 1)
|
0,00
|
12-062018
|
40 .000,00 (Nota 2)
|
69.665,61
|
29.665,61
|
29.665,61
|
|
O imóvel foi adquirido pelo SP no âmbito de Transmissões integradas em Planos de insolvência ou de pagamentos ou no âmbito da liquidação da massa insolvente (Processo de Insolvência no .../15...T8VlS-J2);
O CIMT artigo 120 regra 160 refere que o valor que serve à liquidação no caso de bens adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa, é o preço constante do ato ou do contrato;
III — Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas
9. Nos termos do no 1 do artigo 640 do Código do CIRC
Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
10. Refere o no 2 do artigo 640 do Código do CIRC
Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
11. Sendo que, nos termos da alínea a) do no 3 do referido artigo
O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato.
Posto que nos termos da legislação citada, o SP deveria ter efetuado uma correção positiva ao resultado fiscal de 2018 no montante de 29.665,61 EUR (correção a efetuar na respetiva modelo 22 de IRC, quadro 07, campo 745), o que não fez,
-
E ainda nos termos da alínea b) do no 3 do referido artigo
O sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.
De referir que o valor patrimonial tributário definitivo que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto, na aquisição do imóvel alienado em 2018, nos termos da regra 16a do art 120 do GIMT, atendendo que o imóvel foi adquirido mediante arrematação judicial ou administrativa, é 0 preço constante do ato ou do contrato. Desta forma, o SP não tem direito a nenhuma dedução efetuar na respetiva modelo 22 de IRC, quadro 07, campo 772.
13. Desta forma, é necessário efetuar correç6es positivas ao lucro tributável no montante de 29.665,61 EUR”.
- conforme folhas 6 e 7 do Documento junto pela Requerente com as alegações em 21.11.2023 e artigo 5 da Resposta da AT;
-
Na sequência do RIT atrás referido, em 2022-04-15 iniciou-se o procedimento inspetivo interno, relativamente à Requerente, com base na OI2022..., quanto ao IRS de 2018, o qual culminou na elaboração de um projecto de RIT que foi considerado notificado em 03.09.2022 para audição prévia e também foi considerado notificado, na sua versão final, em 08.10.2022, não tendo sido exercido o direito de audição prévia – conforme artigo 1º do PPA, nº 4 da resposta da AT e folhas 1 a 26 do PA junto pela AT com a resposta;
-
Nos pontos IV e V do RIT atrás referido consta o seguinte:
“IV. Descrição da análise efetuada
4. Foram analisadas as bases de dados da AT, nomeadamente de Rendimento e Património, e confrontados os dados com os rendimentos declarados pelos sujeitos passivos.
5. Foram tidas em consideração as conclusões retiradas do procedimento inspetivo realizado ao período de 2018, ao abrigo da credencial nº OI2020..., à sociedade B... Sociedade de Advogados SP, RL NIPC... .
V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades
Regime de Transparência Fiscal – Sociedades de profissionais
6. Em procedimento inspetivo realizado ao período de 2018, ao abrigo da credencial nº OI2020... à sociedade B... Sociedade de Advogados SP, RL NIPC..., confirmou-se, conforme declaração modelo 22 entregue pela referida sociedade, que a mesma preenche os pressupostos legais para ser considerada uma sociedade de profissionais, atendendo que exerce atividades da lista anexa ao artigo 151º do CIRS (códigos 6010-advogados e 6011 Jurisconsultos) e todos os sócios exercem essas atividades, devendo, por isso, ser tributada pelo regime da transparência fiscal a que se refere o artigo 6º do Código do IRC
7. No âmbito do referido procedimento foram efetuadas correções positivas ao lucro tributável da referida sociedade no montante de 29.665,61EUR, pelo que o montante da matéria coletável foi corrigido de 75.531,16 EUR para 105.196,77 EUR.
Embora na declaração de IRS de 2018, entregue sem opção pela tributação conjunta, com o número ... – 2018 - ... -..., no Anexo D do modelo 3, da sócia A..., com NIF ..., nos termos do artigo 20º do CIRS tenha sido imputado no rendimento coletável o montante de 30.000,00 EUR referente à sua quota parte (40,34%) na matéria coletável da referida sociedade transparente, tendo em consideração as correções efetuadas à matéria coletável, o valor considerado no rendimento coletável deve ser no montante de 42.436,38 EUR, ou seja, um acréscimo ao rendimento coletável para efeitos de IRS de 12.436,38 EUR”. – conforme lauda 21/77 do PPA e artigo 5º da resposta da AT;
-
Em 28.10.2022 foi emitida a demonstração de liquidação de IRS nº 2022 ... e em 03.11.2022 foi emitido o acerto com o fundamento em "apuramento proveniente de liquidação de IRS decorrente do procedimento de inspeção, credenciado pela ordem de serviço nº 012022..., no âmbito do qual foi remetida a respectiva fundamentação, constante no relatório final de Inspeção Tributária", resultando um valor a pagar de IRS de € 12.722,93, incluindo juros compensatórios – conforme artigos 1º e 2º do PPA, Documento nº 1 em anexo ao PPA e artigo 9 da resposta da AT;
-
Em 29.12.2022, por carta registada desta data, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, que tomou o nº ...2023..., que ainda não tem decisão final, tendo a Requerente sido notificada do projecto de decisão de indeferimento e exercido o direito de audição prévia em 19.07.2023, não tendo ainda sido notificada da decisão final – conforme artigos 9 e 10 do PPA e folhas 55 a 77 do PA junto pela AT com a Resposta;
-
A Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral em 2023.06.15 – conforme registo no SGP do CAAD.
Factos não provados
Não há factos não provados que possam ser considerados relevantes para a decisão da causa.
Motivação da fixação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos factos articulados no PPA e na Resposta da AT que estão em conformidade com a posição assumida por ambas as partes e bem assim com base nos documentos juntos com o PPA e os incluídos no PA que não mereceram reparo das partes. O Tribunal relevou o documento junto com as alegações da Requerente (RIT da sociedade transparente fiscalmente) uma vez que o RIT da inspecção à Requerente, reproduz apenas parcialmente, o que nele consta.
O depoimento da testemunha ouvida foi também muito relevante no sentido se situar os factos e o dissídio no tempo e de os enquadrar face à prova documental.
Não se provou que a Requerente tenha requerido a abertura do procedimento previsto no nº 3 do artigo 139º do CIRC.
Matéria de direito
A norma legal que fundamentou a liquidação de IRS
O nº 2 do artigo 64º do CIRC versus o artigo 139º do CIRC
-
Como se retira dos factos assentes a liquidação de IMT tem como fundamento legal invocado pela AT para promover a liquidação, a norma do nº 2 do artigo 64º do IRC que tem a seguinte redacção: “sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável”.
Foram encetados dois procedimentos de inspecção: um dirigido à Sociedade fiscalmente transparente e outro à Requerente, resultando dois RIT com uma única fundamentação que é, em ambos, a norma do nº 2 do artigo 64º do CIRC.
Não se provou, em sede do RIT, que a Sociedade transparente fiscal, ou algum dos seus sócios, tenham encetado o procedimento legal para ilidir a presunção do nº 2 do artigo 64º do CIRC (ou no nº 6 do artigo 44º do CIRS), previsto no artigo 139º do CIRC.
Em sede de processo arbitral não se invocou que a Requerente deitou mão ao procedimento do artigo 139º do CIRC, por si ou através da sociedade de transparência fiscal (enquanto excepção processual).
O TAS “não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e alegação das regras de direito” (nº 3 do artigo 5º do CPC – artigo 29º do RJAT)
Ao ler-se o projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentado pela Requerente (alínea G) dos factos provados), não se alude à sua inadmissibilidade nos termos do nº 7 do artigo 139º do CIRC e nos fundamentos propostos para o indeferimento nada se refere face à eventual falta, por parte da sociedade transparente fiscal (ou dos eus sócios por força do artigo 44º-6 do CIRS) do cumprimento do disposto no nº 3 do mesmo dispositivo legal, o que também a Requerente não cita, nem invoca, no texto da reclamação.
A norma que sustenta os RIT, quer da Sociedade transparente, quer da Requerente e bem assim a sequente liquidação de IRS é, pois, tão-só a presunção do nº 2 do artigo 64º do CIRC. Esta norma, face ao artigo 73º da LGT estabelece uma presunção que admite prova em contrário.
Neste sentido, escreveu-se no Acórdão do STA de 06-02-2013, proferido no processo 0989/12, que: “a consideração do VPT para efeito de determinação do lucro tributável em IRC, quando o valor constante do contrato seja inferior, constitui uma presunção de rendimentos. Essa presunção, se assumisse a natureza de presunção inilidível, aliás expressamente vedada pelo art. 73.º da LGT (dispõe o art. 73.º da LGT: «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário».), poderia suscitar problemas quanto à sua conformidade constitucional, designadamente, por violação do princípio da tributação do rendimento real consagrado no art. 104.º, n.º 2, da Constituição da República (diz o art. 104.º, n.º 2, da CRP: «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real».).”.
No entanto,
De acordo com as disposições conjugados do nº 1 do artigo 95º do CPTA e do artigo 608º do CPC, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua procedência lógica.
É que, o artigo 124º do CPPT, apenas alude á ordem de conhecimento aos vícios dos actos impugnados, ou seja, às desconformidades face lei substantiva, que não as excepções dilatórias previstas na lei.
Na alínea i) do artigo 89º do CPTA refere-se que a “inimpugnabilidade do acto impugnado” constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa.
Refere o nº 7 do artigo 139º do CIRC que “A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa”.
Conforme se escreveu v.g. na decisão CAAD P. 650/2020-T (a que aderimos) “O legislador consagrou, no artigo 139.º do Código do IRC, um mecanismo administrativo próprio para que os contribuintes possam ilidir a presunção legal do artigo 64º do mesmo diploma (e acrescente-se do artigo 44º-6 do CIRS), considerado como condição prévia da impugnabilidade do ato a liquidar que daí resulte. Sem que esse mecanismo seja acionado pelo contribuinte vê-se o mesmo interdito a aceder à via contenciosa contra o ato de liquidação que daí resultar”.
Ora, no presente caso, verifica-se a ocorrência da excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto de liquidação, de conhecimento oficioso obrigatório (mesmo não alegada pela AT), por não ter sido alegado e provado, pela Requerente, que ocorreu a apresentação prévia do procedimento do nº 3 do artigo 139º do CIRC, o que impede o TAS de conhecer do mérito da causa.
-
Decisão
De harmonia com o exposto, este TAS decide julgar verificada a excepção de inimpugnabilidade do acto de liquidação, o que o impede de conhecer do mérito da causa, absolvendo a Requerida da instância.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 12 722,93, que não foi contestado pela Requerida, pelo que nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT, fixa-se em € 12 722,93 o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 918,00, ficando a cargo da Requerente em função do decaimento.
Notifique.
Lisboa, 29 de Dezembro de 2023
Tribunal Arbitral Singular (TAS),
Augusto Vieira