Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 328/2023-T
Data da decisão: 2023-10-16   Outros 
Valor do pedido: € 596.164,60
Tema: ASSB - Adicional de solidariedade sobre o sector bancário. Princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Marisa Isabel Almeida Araújo e Dr. David de Oliveira Silva Nunes Fernandes, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 11-07-2023, acordam no seguinte:

 

          1. Relatório

 

A... S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, pessoa coletiva com o número de identificação fiscal..., com sede na Avenida ..., ..., ...-... Lisboa, (“Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação da autoliquidação do Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (“ASSB”) relativo ao ano de 2020, no valor de € 596.164,60.

Subsidiariamente, a Requerente pede o reenvio prejudicial para o TJUE do presente processo quanto à questão relativa à incompatibilidade do ASSB com o Direito da UE, na parte em que é contrário à liberdade de estabelecimento, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 05-05-2023.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 23-06-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 11-07-2023.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 03-10-2023, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. A Requerente é a sucursal portuguesa de uma entidade espanhola que exerce a sua actividade no sector bancário;
  2. A Requerente apresentou em 11-12-2020 a declaração modelo 57, relativa ao ASSB respeitante ao ano de 2020, no montante de € 596.164,60 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Em 12-12-2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra o referido acto de autoliquidação, que deu origem ao processo n.º ...2022... (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. A Requerente procedeu, em 15-12-2020, ao pagamento da totalidade daquele valor (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
  5. A referida reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 30-01-2023, proferido pelo Director do Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  6. Na fundamentação da decisão da reclamação graciosa refere-se, alem do mais, o seguinte:

I. ANÁLISE DA RECLAMAÇÃO

11. Como referido, é pretensão da Reclamante ver anulado o ato tributário identificado, com a natural e respetiva restituição do locupletado, com fundamento na suposta inconstitucionalidade material do «Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário» (ASSB), introduzido no ordenamento jurídico-tributário pelo art.° 18.° da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, diploma que promove várias alterações ao Orçamento de Estado para 2020, pelos motivos sumariamente expostos.

12. A respeito da conformidade constitucional da ASSB, ou de qualquer outra figura tributária diga-se, tem sido a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não se pronunciar sobre a questão e de facto não podia haver outra.

13. Com efeito, a AT, como órgão da administração pública sob direção do Governo, não tem competências no foro da apreciação da conformidade constitucional de normas jurídicas, ou sequer da atividade legiferante, pelo que qualquer pronúncia decisória encontrar-se-ia ela mesma ferida de legalidade institucional.

14. De facto, determina o Decreto-Lei n.º 118/2011 de 15 de dezembro, diploma que aprova a orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, no seu art. 2°, n.° 1, que «[a] AT tem por missão administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos, bem como exercer o controlo da fronteira externa da União Europeia e do território aduaneiro nacional, para fins fiscais, económicos e de protecção da sociedade, de acordo com as políticas definidas pelo Governo e o  Direito da União Europeia». [sic]

15. O n.º 2 do mesmo preceito elenca as diversas atribuições da AT, que no fundo aprofundam apenas o conceito associado à administração dos impostos referido no número anterior, não faz qualquer referência ao controlo legal ou constitucional de normas tributárias, pelo que não cabe tal atribuição nesse conceito.

16. Mas nem tão pouco poderia haver já que é a própria Constituição da República Portuguesa (CRP) que veda essa matéria em exclusivo ao Tribunal Constitucional, conforme o disposto no art.º 280.º, e claro, à própria Assembleia da República.

17. Acrescente-se também que a Administração Pública, da qual a AT faz parte, não goza das mesmas prerrogativas dos tribunais, isto é, de desaplicar uma norma jurídica com fundamento na sua inconstitucionalidade que no fundo será sempre uma suposição até pronúncia por parte do Tribunal Constitucional, conforme o disposto na alínea a), do n.º 1 do art. 280.º da CRP.

18. É de facto uma questão relativamente pacifica que na arquitetura jurídico-administrativa nacional que os órgãos administrativos, pelo dever de obediência (ao Governo) que lhes é imposto pela lei fundamental, não podem rejeitar a aplicação da lei com esse fundamento.

19. A este respeito, veja-se as considerações de Vieira de Andrade, da sua obra "Direito Constitucional", Almedina, 1977, pág. 270:

«Este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a protecção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos {...]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição» [sic]

 E no mesmo sentido vem João Caupers, na sua obra "Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição", Almedina, 1985, pág. 157.

«(...) a Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de

normas cuja constitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207° [hoje, 204. º] e 266°, nº2, da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei. Afigura-se claro que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exactamente da circunstância de se não ter pretendido cometer à Administração a tarefa da fiscalização da constitucionalidade das leis. O desempenho de tal função, por parte daquela tem de ser visto como excepcional» [sic]

20. Deste modo, não obstante possuirmos uma opinião vincada nesta matéria, qualquer pronúncia nossa, favorável ou não aos interesses da Reclamante, pecaria sempre por inutilidade legal da mesma, razão pela qual nos abstemos de quaisquer demais considerações para além das já enunciadas.

21. Assim sendo, deverá ser rejeitada a pretensão formulada.

***

22. Após apreciação dos argumentos invocados pelo Reclamante na sua petição inicial, foi, por parte desta UGC, elaborado o competente "Projeto de Decisão" junto aos autos, consubstanciado na nossa anterior Informação n.° 268-A1R3/2022.

E

23. Através de ofício emanado da UGC, o Reclamante foi devidamente notificado para, querendo, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto na al. b) do n.° 1 do art.° 60.º da LGT, por sua vez conjugado com o preceituado no art.° 122.° do Código do Procedimento Administrativo ("CPA").

24. Decorrido o prazo então concedido para o exercício do seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, que, de acordo com o Art.º  57.º A da LGT, terminou em 21-01-2023, nem o Reclamante, por um lado, veio aos autos acrescentar outros elementos que não tivessem já sido dirimidos aquando do nosso anterior "Projeto de Decisão", pois não exerceu o seu direito, nem esta UGC, por outro, descortinou também quaisquer outros elementos suscetíveis de colocar em causa as conclusões anteriormente propostas.

Nestes termos,

25. Considerando-se a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.

 

VII. CONCLUSÃO

 

Em conformidade com o anteriormente exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior "Projeto de Decisão" e as peças processuais carreadas pelo Reclamante, parece-nos de indeferir o pedido inserto nos autos, em conformidade com o teor do "quadro-síntese" mencionado no introito desta nossa Informação, com todas as consequências legais, designadamente, sendo o caso, no que tange ao preceituado no art.º 163.º do CPA e, bem como, ao cumprimento do determinado pelo art. 0 100.º da LGT.

 

  1. Em 04-05-2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

 

3. Matéria de direito

 

É objecto do presente processo um acto de autoliquidação de ASSB relativo ao ano de 2020.

O regime do ASSB consta do anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, que aprovou alterações ao Orçamento do Estado para 2020.

 

3.1. Posições das Partes

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

– o ASSB não é um adicional de qualquer tributo, designadamente da Contribuição Sobre o Sector Bancário (“CSB”,) mas sim um imposto autónomo e não uma contribuição financeira;

– o ASSB apresenta-se como um imposto inconstitucional porque a sua criação e aprovação consubstanciam um verdadeiro desvio do poder tributário do Estado cujo exercício não pode deixar de trilhar o due process of law incrustado na Constituição, mais especificamente na que vem sendo designada por “constituição fiscal;

– o ASSB enferma de

  • uma Inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, pela criação de um ónus diferenciado e suplementar no financiamento do FEFSS, sem qualquer fundamento material associado;
  • uma inconstitucionalidade material, por violação do princípio da capacidade contributiva, por ausência de uma base racional e discernível para a tributação de rendimento, consumo ou património; 
  • uma inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proporcionalidade, na sua vertente enquanto proibição do excesso, dada a existência de um fenómeno de dupla tributação sectorial, por via da sujeição e não-isenção a CSB e ASSB, em relação ao passivo apurado e aprovado e ainda ao valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado;
  • uma inconstitucionalidade material, por violação do princípio basilar da proibição constitucional de impostos retroactivos; e ainda 
  • uma inconstitucionalidade material Indirecta, por violação do princípio da não-consignação, tal como consagrado na Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, “LEO”), que é uma Lei de Valor Reforçado.

 

– o ASSB é desconforme com o Direito da União Europeia, designadamente com a liberdade de estabelecimento, plasmada nos artigos 18.º e 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição assumida na decisão da reclamação graciosa, dizendo o seguinte, em suma:

– a AT não contesta a qualificação jurídica do ASSB como imposto;

– o ASSB foi criado no contexto da situação excecional de saúde pública e dos seus profundos reflexos na vida social e económica do país resultantes da pandemia COVID-19;

– a sua receita destina-se a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (doravante FEFSS);

– a sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social, sempre em dúvida, é uma preocupação permanente que tem justificado plúrimas iniciativas;

– o sector financeiro beneficia de isenções que distorcem o princípio da igualdade e da tributação com base na capacidade contributiva , pelo que, quando elas são eliminadas  ou atenuadas, favorece-se a reposição daqueles princípios;

– o ASSB tem como objetivo compensar uma vantagem aferida em termos de carga fiscal global incidente sobre o setor das instituições de crédito associada à aplicação da isenção de IVA sobre um conjunto vasto de operações financeiras, que, como se viu, também são em, em certos casos, desoneradas do imposto do selo;

– a incidência do ASSB sobre o setor financeiro, com o intuito de compensar a isenção de IVA que este atualmente aproveita, permite enquadrá-lo no contexto das atuais dinâmicas políticas e legislativas no sentido de reforçar a tributação indireta do setor bancário, tais como a revisão das regras do IVA no setor financeiro, ou como os impostos sobre as atividades financeiras e os impostos sobre as transações financeiras;

– a base de incidência do imposto coincide com o «passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios (…)»;

– a base de incidência do ASSB respeitante ao primeiro semestre de 2020 corresponde ao “passivo apurado e aprovado” pelos sujeitos passivos nas suas contas intercalares, facto tributário que se objetiva e emerge na ordem jurídica com o apuramento e aprovação das contas, necessariamente posteriores à entrada em vigor da Lei nº. 27-A/2020, 24 de julho, e ao início de vigência do regime do ASSB;

– no momento em que entrou em vigor o regime do ASSB, ainda não tinha ocorrido facto que determina o pagamento do imposto, pelo que não se verifica a violação do princípio proibição da retroatividade da lei fiscal (art. 103º n.º 3 da CRP), nem do princípio da proteção da confiança;

– o ASSB é consignado, por lei, ao FEFSS, pelo que é inequívoco que se enquadra na exceção ao princípio da não consignação de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas, contemplada na alínea c) do artigo 16.º da Lei de Enquadramento Orçamental (“LEO”);

– a Assembleia da República concedeu autorização à Administração Tributária para a liquidação e cobrança do ASSB no ano de 2020;

– o ASSB está devidamente autorizado pelo Orçamento de Estado Suplementar de 2020, e suficientemente discriminada uma vez que se trata de uma receita, o que significa que o valor inscrito é uma previsão do valor a arrecadar para o FEFSS;

– o regime do ASSB não comporta um tratamento discriminatório baseado na nacionalidade das instituições de crédito que viola a liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 18.º, 26.º e 49.º do Tratado Sobre o Funcionamento da EU;

– tendo em conta a natureza e finalidade do imposto em causa (compensação da isenção de IVA), seria violador do direito da UE não tributar as sucursais que prestam serviços no território nacional;

– o ASSB não está relacionado com os mecanismos nacionais de financiamento das medidas de resolução;

– não se verifica uma situação de dupla tributação.

 

3.1. Regime do ASSB

 

O artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, aprovou o seu anexo VI, que contém «o regime que cria o adicional de solidariedade sobre o setor bancário».

Esta Lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, nos termos do seu artigo 26.º.

«O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores» (artigo 1.º, n.º 2, do ASSB).

Nos artigos 3ºº e 4.º do ASSB estabelece a incidência objectiva e sua quantificação:

 

Artigo 3.º

 

Incidência objetiva

 

O adicional de solidariedade sobre o setor bancário incide sobre:

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro;

b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.

 

Artigo 4.º

 

Quantificação da base de incidência

1 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, entende-se por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção dos seguintes:

a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios;

b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido;

c) Os depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos;

d) Passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados;

e) Receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas; e

f) Passivos por ativos não desreconhecidos em operações de titularização.

2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, observam-se as regras seguintes:

a) O valor dos fundos próprios, incluindo os fundos próprios de nível 1 e os fundos próprios de nível 2, compreende os elementos positivos que contam para o seu cálculo de acordo com o disposto na parte II do Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012, tendo em consideração as disposições transitórias previstas na parte X do mesmo Regulamento que, simultaneamente, se enquadrem no conceito de passivo tal como definido no número anterior;

b) Os depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos.

3 - Para efeitos do disposto na alínea b) do artigo anterior, entende-se por instrumento financeiro derivado o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente.

4 - A base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.

 

No artigo 21.º da mesma Lei inclui-se uma «disposição transitória» nestes termos:

 

Artigo 21.º

Disposição transitória

 

1 - Em 2020 e 2021, a liquidação e o pagamento do adicional de solidariedade sobre o setor bancário previsto no regime que consta do anexo VI à presente lei efetua-se de acordo com as seguintes regras:

a) A base de incidência apurada nos termos dos artigos 3.º e 4.º do regime é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021, publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas;

b) A liquidação é efetuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada até ao dia 15 de dezembro de 2020 e 2021, respetivamente;

c) O adicional de solidariedade sobre o setor bancário deve ser pago até ao último dia do prazo estabelecido na alínea anterior, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 40.º da lei geral tributária, aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro.

2 - Na ausência da publicação das contas relativas ao primeiro e segundo semestres de 2020, conforme referido na alínea a) do número anterior, a base de incidência é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021, a comunicar pelo sujeito passivo à Autoridade Tributária e Aduaneira até ao dia 15 de dezembro de 2020 e 2021, respetivamente.

3 - Na falta de liquidação do adicional nos termos da alínea b) do n.º 1, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

4 - Não sendo efetuado o pagamento do adicional até ao termo do prazo indicado na alínea c) do n.º 1, começam a correr imediatamente juros de mora e a cobrança da dívida é promovida pela administração fiscal, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário

 

 

3.3. Apreciação das questões

 

A Requerente imputa vários vícios à autoliquidação impugnada.

            Como está ínsito no artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, julgado procedente um vício que assegure a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

 

 

3.3.1. Classificação do ASSB com um imposto

 

O artigo 3.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) estabelece que «os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas».

A classificação do tributo que é objecto de impugnação no processo arbitral releva desde logo, para efeito de competência em razão da vinculação, uma vez que a vinculação da Administração Tributária à jurisdição arbitral se limita a «impostos», como resulta do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Além dos tipos de tributos tradicionais (impostos e taxas), o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), constitucionalizou, como categoria de tributos autónoma, as contribuições financeiras a favor das entidades públicas.

Nos termos do artigo 3.º da LGT, «os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património», «as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares» e «as contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade são consideradas impostos».

Como se refere no Parecer do Senhor Professor Doutor CASALTA NABAIS, junto aos autos:

–  «do ponto de vista estrutural, temos uma distinção primária  de tributos segundo a qual os impostos diferenciam-se das taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades publicas por, nos primeiros, temos prestações pecuniárias unilaterais e, nos segundos,  prestações pecuniárias bilaterais»;

– «enquanto os impostos são tributos sem causa assentes no poder tributário do Estado e na capacidade contributiva dos destinatários deste poder, os tributos bilaterais têm por efectivo suporte uma causa especifica constituída pela prestação pública a que a taxa ou contribuição serve de contraprestação, correspondendo a um poder tributário inerente ao poder dessa prestação pública»;

«Desde logo é evidente que o ASSB não pode ser uma taxa, pois nada tem a ver com qualquer das modalidades de prestação pública que constitui o facto tributário das taxas, a saber: a prestação de um serviço público, a remoção de um obstáculo Jurídico ao comportamento dos particulares e a utilização de um bem do domínio público»;

– «há no ASSB uma ausência total das características apontadas às contribuições financeiras que implica, como é reconhecido, a sua especial ligação a um grupo suficientemente diferenciado da generalidade dos contribuintes, se apresente dotado de um mínimo de homogeneidade, assuma uma especifica responsabilidade ou, de algum modo, os membros do grupo beneficiem de uma utilidade especifica»;

– «O que não é posto e causa pela consignação da receita do ASSB, porquanto,  embora a consignação das receitas constitua uma característica inerente aos tributos bilaterais, a consignação das receitas do ASSB ao FEFSS, para além de ser anómala e juridicamente inaceitável, não revela qualquer relação especial ou específica do sector bancário com a Segurança Social».

 

Como se refere na decisão arbitral do processo 598/2022-T ( [1] ), «ao contrário do que sucede com a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), que foi consensualmente caracterizada como uma contribuição financeira (cfr., por último o acórdão do STA de 25 de janeiro de 2023, Processo n.º 01622/20, e a jurisprudência  nele citada), não pode ser atribuída essa mesma natureza ao ASSB, na medida em que não existe conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário, como também não há uma relação específica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. E, nesses termos, não se verificam os requisitos típicos de homogeneidade, responsabilidade e utilidade de grupo que possam justificar a caracterização do ASSB como contribuição financeira».

Por isso, o ASSB é um imposto especial sobre o sector bancário.

Assim, não sendo designado com contribuição financeira e sendo o ASSB um imposto não há qualquer dúvida sobre a inclusão dos litígios que o têm por objecto no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, definidas no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

De resto, a Autoridade Tributária e Aduaneira aceita que o ASSB tem natureza de imposto e não questiona a inclusão do litígio no âmbito da referida vinculação à jurisdição arbitral.

Por outro lado, é à luz desta natureza de imposto que devem ser apreciadas as questões de inconstitucionalidade do ASSB suscitadas pela Requerente.

 

3.3.2. Questão da inconstitucionalidade por violação da proibição constitucional da criação de impostos retroactivos

 

Relativamente aos vícios de inconstitucionalidade, a Requerente não indica qualquer relação de subsidiariedade, pelo que, tendo em mente o princípio da informalidade, que vigora nos processos arbitrais tributários, por força do disposto no n.º 2 do artigo 29.º do RJAT, se começará por apreciar a questão da violação da proibição constitucional da criação de impostos retroactivos.

O artigo 103.º, n.º 3 , da CRP estabelece que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».

A Requerente imputa à autoliquidação impugnada violação da proibição da criação de impostos retroactivos não só quanto ao primeiro semestre de 2020, mas também quanto a todo o ano de 2020.

No entanto, a autoliquidação impugnada limita-se ao ASSB devido em 2020, que foi calculado «por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020», pelo que apenas está em causa a utilização para quantificação do imposto dos saldos relativos ao primeiro semestre.

A Requerente diz, em suma, que, quando se determina a liquidação e cobrança de ASSB em relação ao primeiro semestre de 2020, está, na realidade, a tributar-se a actividade (rendimentos dela gerados) levada a cabo pelos sujeitos passivos, num período em que não vigorava ainda o regime que cria o ASSB, pois a actividade desenvolvida pelas entidades bancárias sujeitos passivos do imposto durante esses seis meses de 2020 já havia decorrido integralmente quando a Lei n.º 27-A/2020 foi aprovada, publicada e entrou em vigor.

A AT defende, em suma, que o que releva na formação do facto tributário sujeito a ASSB é o momento do apuramento e aprovação das contas e não o «facto material de contabilisticamente ser apurada a existência de passivo» e a base de incidência do ASSB respeitante ao primeiro semestre de 2020 corresponde ao “passivo apurado e aprovado” pelos sujeitos passivos nas suas contas intercalares, facto tributário que se objetiva e emerge na ordem jurídica com o apuramento e aprovação das contas, necessariamente posteriores à entrada em vigor da Lei n.º 27-A/2020,
24 de julho, e ao início de vigência do regime do ASSB.

No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem razão.

Com efeito, como já se decidiu no processo arbitral n.º 504/2021-T:

– «sendo o imposto pago e liquidado até 15 de Dezembro de 2020, a título de ASSB, que é objecto dos presentes autos, apenas tem como fundamento o facto material contabilístico do apuramento de saldos passivos, sem qualquer intervenção da requerente ou dos seus representantes na aprovação desses saldos ou de quaisquer contas que permitam o seu apuramento»;

– «a lei obriga o sujeito passivo a autoliquidar o imposto relativo ao primeiro semestre de 2020 até 15 de Dezembro de 2020, ou seja, muito antes de encerrado o exercício de 2020 e sobretudo antes de aprovadas as respectivas contas»;

– «Por isso, o facto tributário neste caso não é a aprovação de contas, que não existe, nem é forçoso que exista, mas o facto material de contabilisticamente ser apurada a existência de passivo, nos termos dos artºs. 3º. e 4º. do Anexo VI»;

– «Ora, esse facto material ocorreu sempre antes da publicação da Lei nº. 27-A/2020, 24 de Julho (Orçamento suplementar para 2020), quer se entenda que o passivo a ter em conta, seja o que se verifica no fim de cada um dos meses de Janeiro a Junho, individualmente considerados, quer seja o que se verifica contabilisticamente em 30 de Junho no final do 1º. Semestre de 2020, pela determinação da média desses passivos»;

– «Deste modo, o artº. 18º., conjugado com artº. 21º., nº.1, al. c) da Lei nº. 27-A/2020, 24 de Julho, na parte em que prevê a liquidação do ASSB relativamente aos saldos passivos do primeiro semestre de 2020 é inconstitucional por violação do disposto no artº. 103º., nº. 3 da CRP, que estabelece o princípio da proibição da retroatividade fiscal, dado que ocorre uma aplicação retroactiva desse diploma que cria um novo imposto, a factos tributários que já tinham ocorrido na data da sua publicação».

 

Na mesma linha, se decidiu no acórdão arbitral proferido no processo n.º 598/2022-T que :

– «a exigida correspondência entre o saldo médio relativo ao primeiro semestre e  os saldos finais de cada mês considerados nas contas anuais não salvaguarda a retroatividade do imposto, visto que a aprovação das contas referentes a 2020, incluindo as do primeiro semestre, em atenção ao disposto no artigo 65.º, n.ºs 1 e 5, do Código das Sociedades Comerciais, só pode ocorrer após o encerramento de cada exercício anual, e, portanto, após o período de tributação a que respeita o imposto (cfr. PINTO FURTADO, Curso de Direito das Sociedades, 4.ª edição, Coimbra, pág. 481)». 

– «Tendo em consideração que, no que se refere ao adicional devido em 2020, o sujeito passivo deve efetuar a liquidação do imposto até 15 de dezembro de 2020, não será possível ao contribuinte certificar, através das contas anuais, a média de saldo que serviu de base à liquidação, e, sendo assim, não há qualquer dúvida que o facto tributário que origina o imposto é o mero apuramento contabilístico da média dos saldos do passivo  relativamente ao primeiro semestre».

 

Pelo exposto, é de concluir que a norma transitória do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroactividade dos impostos, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, pelo que a liquidação do adicional de solidariedade sobre o sector bancário, relativa ao ano de 2020, enferma de ilegalidade, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.3.3. Questões de conhecimento prejudicado

 

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da autoliquidação que é objecto do presente processo, por vício que impede a renovação do acto, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.

Por outro lado, procedendo o pedido principal, fica prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário de reenvio prejudicial, como decorre do artigo 554.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

4. Reembolso de quantia paga       

 

A Requerente pede reembolso do montante indevidamente pago no valor de € 596.164,60.

É consequência da anulação da autoliquidação o reembolso da quantia paga indevidamente, o que se insere no dever de plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, que se refere no artigo 100.º da LGT e no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT.

 

5. Juros indemnizatórios

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira pronuncia-se na sua Resposta sobre a responsabilidade por juros indemnizatórios.

No entanto, a Requerente não formula qualquer pedido de juros indemnizatórios.

Como resulta do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o Tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Assim, não sendo a apreciação do direito a juros indemnizatórios de conhecimento oficioso, este Tribunal Arbitral não pode apreciar se existe ou não esse direito, sem prejuízo de ele poder ser reconhecido em execução de julgado.

 

 

            6. Decisão      

 

            De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Declarar materialmente inconstitucional a norma transitória do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, na parte em que se refere ao cálculo do imposto relativo ao primeiro semestre de 2020, por violação do princípio da proibição da retroatividade dos impostos, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição;
  3. Anular a autoliquidação do Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário (“ASSB”) relativo ao ano de 2020, no valor de € 596.164,60;
  4. Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia paga e condenar a Administração Tributária à Requerente a quantia de € 596.164,60;
  5. Não tomar conhecimento da questão relativa a direito a juros indemnizatórios.

 

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 596.164,60, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 8.874,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

9. Notificação ao Ministério Público

 

Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, notifique-se o representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul, para efeito do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.

 

Lisboa, 16-10-2023

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Relator)

 

 

 

(Marisa Isabel Almeida Araújo)

 

 

 

(David de Oliveira Silva Nunes Fernandes)

 

 

 



[1] Na esteira de FILIPE DE VASCONCELOS FERNANDES, O (Imposto) Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, AAFDL Editora, Lisboa, 2020.