Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 246/2023-T
Data da decisão: 2023-10-11  IRS  
Valor do pedido: € 1.475,42
Tema: IRS – acto de liquidação – inutilidade superveniente da lide.
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SUMÁRIO:

  1. A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixa de interessar, por impossibilidade de atingir o resultado visado pelo facto de ele já ter sido atingido por outro meio.

DECISÃO ARBITRAL[1]

Requerente – A...

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 19-06-2023, decidiu o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., titular número de identificação fiscal ..., residente fiscal na Rua ..., nº ..., em Lisboa (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 05-04-2023, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

  1. A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral peticionando “(…) a anulação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2022..., apresentado na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS n.º 2022..., respeitante ao período de tributação de 2020, com todas as consequências legais, designadamente a imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 06-04-2023 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

  1. Em 29-05-2023, dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

  1. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

  1. Em 19-06-2023, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral, na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

  1. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

  1. A Requerida, em 07-09-2023, apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação no sentido de concluir que “(…) deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido”.

 

  1. Adicionalmente, na Resposta apresentada, a Requerida suscitou uma questão prévia relativa ao valor do processo porquanto alega que “a Requerente atribuí ao processo o valor de € 1.540,11” mas, “(…) quando seja impugnada a liquidação, o valor do processo é o da importância cuja anulação se pretende”, pelo que “atendendo a que a Requerente pretende a anulação da liquidação de IRS (…) referente ao ano de 2020, no valor de que foi reembolsado de € 1.372,58 deve ser este o valor do processo, pelo que deve o mesmo ser retificado (…)”.

 

  1. Por despacho arbitral de 11-09-2023, tendo em consideração “(i) O teor da Resposta apresentada pela Requerida, em 07-09-2023, na qual se defendeu por impugnação e suscitou uma questão prévia relativa ao valor que a Requerente atribuiu ao processo (EUR 1.540,11) (…)”, “atendendo a que a Requerente pretende a anulação da liquidação de IRS n.º 2022 ... referente ao ano de 2020, no valor de que foi reembolsado de € 1.372,58 deve ser este o valor do processo, pelo que deve o mesmo ser retificado (…)”; (ii) O facto de a posição das Partes estar plenamente definida nos Autos; (iii) O facto de a questão controvertida nos presentes autos ser exclusivamente de direito; (…)”, o Tribunal Arbitral “(…) ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (…), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis (…)” determinou a dispensa “(…) da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT (…)” e que o processo prosseguisse “(…) com alegações escritas, facultativas, a apresentar no prazo simultâneo de 10 dias, a contar nos termos legais” e que a Requerente se pronunciasse “(…) querendo, no prazo das alegações escritas (…), sobre a questão do valor da acção suscitada pela Requerida na sua Resposta”, tendo sido agendada “(…) a prolação da decisão arbitral para o dia 04-10-2023”.

 

  1. Por último, no Referido despacho, o Tribunal Arbitral mandou ainda notificar “(…) a Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD. (…)”.

 

  1. A Requerente apresentou, em 27-09-2023, as suas alegações escritas, no sentido de referir que a “(…) ora Requerida, só manteve o ato posto em crise nestes autos arbitrais relativamente à não aplicação do regime dos ex-residentes, por adotar um interpretação errónea, que desvirtua por completo o objetivo do regime em causa” mas confirma que “(…) tal como peticionado pela Requerente, a AT reconhece que validou a declaração de IRS de substituição submetida pela Requerente e emitiu uma nova nota de liquidação de IRS, que reflete as consequências que resultam do regime fiscal dos ex-residentes (…) i.e., uma exclusão de tributação de 50% dos rendimentos do trabalho dependente (…)”, sendo que “(…) a Requerente já recebeu o reembolso de IRS no valor de € 1.350,01, que concretiza a liquidação de IRS n.º 2023 ...”, concluindo que “atendendo a que a atuação da AT já concretiza o requerido pela Requerente (…) e que a sua pretensão se encontra satisfeita, verifica-se a inutilidade superveniente da lide”, “pelo que deverá considerar-se a Autoridade Tributária e Aduaneira como sendo responsável pela presente ação para efeitos de custas, uma vez que foi esta a dar-lhe causa”.

 

  1. Assim, conclui a Requerente as suas alegações escritas no sentido de requerer “(…) a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, com as devidas consequências legais, devendo a Requerida ser condenada em custas”.

 

  1. A Requerida não apresentou alegações escritas.

 

  1. Por despacho arbitral de 29-09-2023, foi a Requerida notificada para, no prazo de 5 dias, se pronunciar quanto à inutilidade superveniente da lide, suscitada pela Requerente, e suas consequências.

 

  1. Adicionalmente, foram as Partes notificadas da necessidade de adiamento da prolação da decisão arbitral (previamente agendada para 04-10-2023) para o dia 11-10-2023.

 

  1. A Requerida nada veio dizer quanto á questão da inutilidade superveniente da lide.

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

2.1.    A Requerente começa por esclarecer que “é uma cidadã portuguesa, residente fiscal em Portugal desde 02.09.2019 (…)” e que “no dia 10.05.2021, (…) submeteu a sua declaração Modelo 3 de IRS, declarando os rendimentos auferidos no ano de 2020 (…)”.

 

2.2.    Esclarece ainda que tendo verificado que “(…) existiram alguns lapsos no preenchimento do Quadro 4 do Anexo A da sua declaração de IRS” que identifica:

“(i) No Quadro 4A, a Recorrente indicou como Código dos Rendimentos o número 401, sendo que deveria ter indicado o número 410;

(ii) No Quadro 4E, a Recorrente deveria ter preenchido o ano em que se tornou residente em Portugal – i.e., 2019 e ter indicado a letra A no campo “Titular”.

 

2.3.    Refere ainda que, “para corrigir esta situação, a Requerente submeteu, em 05.06.2021, uma declaração Modelo 3 de IRS de substituição (…)” e, “atendendo a que a Declaração de Substituição se encontrava com “anomalias”, a Requerente submeteu, a 30.12.2021, uma questão no seu e-balcão, solicitando que a mesma fosse processada pelos serviços”.

 

2.4.    Prossegue referindo que “foi (…) com grande surpresa que a Requerente recebeu a resposta da AT, nos termos da qual foi entendido (…)” que “a declaração de substituição do ano de 2020 est[ava] errada, uma vez que não reun[ia] as condições para ser considerada ex residente em Portugal, uma vez, nesse período que foram apresentadas declarações de IRS como residente”.

 

  1. Esclarece a Requerente que “não podendo concordar com o entendimento da AT, (…) apresentou, em 05.08.2022, através do e-balcão, uma reclamação graciosa contra a liquidação de IRS n.º 2022 ... referente ao mesmo exercício, para que a situação em causa pudesse ser apreciada e retificada (…)”, tendo sido notificada “através de Ofício datado de 22.08.2022, (…) do projeto de indeferimento da reclamação graciosa”, nos termos do qual a AT entendeu que “a reclamante não reúne os requisitos previstos no artº 12-A do CIRS para poder beneficiar do estatuto de ex-residente, pelo que não poderá ser atendida a sua pretensão, devendo a presente reclamação graciosa ser indeferida”.

 

  1.  Prossegue referindo que “apesar de (…) ter apresentado o seu direito de audição, demonstrando inequivocamente que preenche os requisitos para beneficiar do referido estatuto fiscal, a reclamação graciosa veio a ser indeferida (…)” pelo que apresentou “em 07.11.2022, (…) o respetivo recurso hierárquico reiterando o seu direito a beneficiar do regime fiscal dos ex-residentes (…)”, tendo sido “(…) notificada através do Ofício n.º..., de 28.11.2022, para exercer o direito de audição relativamente à proposta de indeferimento do recurso hierárquico (…)”.

 

  1. Como fundamento para o indeferimento proposto foram invocadas duas novas razões:
  1. A AT invocou que impendia sobre a recorrente a obrigação, a fim de exercer o seu direito ao benefício, nomeadamente, a sua invocação na declaração anual de rendimentos de IRS [de 2019], o que não se verificou; e que,
  2. (ii) A Requerente deveria ter invocado “a sua qualidade de ex-residente regressada a território português e abrangida pelo regime do artigo 12.º-A do Código do IRS, à sua entidade devedora dos rendimentos, para que esta procedesse à retenção na fonte do IRS apenas sobre parte do rendimento sujeita e à taxa que lhe corresponder na respetiva Tabela de Retenção”.

 

  1. Prossegue a Requerente referindo que “em 19.12.2022, (…) exerceu o competente direito de audição reiterando o seu direito ao regime dos ex-residentes e demonstrando de forma inequívoca que os novos argumentos invocados pela Administração Tributária no projeto de decisão não encontravam qualquer amparo legal (…)” mas, “não obstante, em 09.01.2023 a Requerente foi notificada decisão final do recurso hierárquico, que manteve o seu indeferimento, sem sequer se pronunciar sobre os argumentos invocados em sede de direito de audição (…)”.

 

  1. Segundo entende a Requerente, da simples leitura da lei pode concluir-se “(…) que a Recorrente está abrangida pelo regime fiscal aplicável a ex-residentes” (cuja aplicabilidade analisa, alegando que “(…) a conduta da Administração Tributária é em absoluto inadmissível, porquanto reconheceu ao longo do procedimento administrativo descrito que a Requerente reúne os requisitos de aplicação do regime fiscal dos ex-residentes para, inexplicavelmente, impedir que esta possa beneficiar das regras tributárias aplicáveis”.

 

  1. Assim, alega a Requerente que “não pode (…) conformar-se com uma tal decisão pelo que deduz o presente pedido de pronúncia arbitral”, concluindo o mesmo peticionado que seja concedido “(…) provimento ao presente pedido de pronúncia arbitral, determinando, a anulação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2022..., apresentado na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS n.º 2022..., respeitante ao período de tributação de 2020, com todas as consequências legais, designadamente a imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”.

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida, na Resposta apresentada, começa por sintetizar o pedido arbitral apresentado pela Requerente e levantar uma questão prévia relativa à quantificação do valor do pedido, com a qual não concorda.

 

3.2.    De seguida, a Requerida impugna o pedido com fundamento no facto de após a Requerida ter consultado o sistema informático ter constatado:

3.2.1.     Que “(…) a Requerente residia na Holanda com data de produção de efeitos a 01/05/2015, contudo foi residente em Portugal até 30/04/2015“ e,

3.2.2.     Que “a Requerente não pediu a sua inscrição como residente não habitual”.

 

3.3.    Não obstante, refere a Requerida que “na declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2019 [a Requerente] não preencheu o campo referente ao artigo 12º-A do CIRS, ou seja, como residente não habitual, pelo que não beneficiou daquele regime aplicável aos ex-residentes no ano de 2019” pelo que “estando aqui em causa os rendimentos do ano de 2020, verifica-se que não se encontra preenchido o requisito de não ser considerada residente nos três anos anteriores (2019, 2018 e 2017)”.

 

3.4.    Com efeito, segundo alega a Requerida, “sendo a primeira vez que é solicitada a aplicação deste regime do artigo 12º-A do CIRS – ano de 2020 – a Requerente não reúne os requisitos para que o mesmo lhe seja considerado, pois não se encontra reunido o requisito previsto na al. a) do nº 1 do artigo 12º-A do CIRS”, para “além de que deveria a Requerente ter comunicado á entidade devedora dos rendimentos para que a tributasse apenas sobre parte dos rendimentos sujeitos á retenção na fonte, ou seja, referente a 50% sobre o rendimento e à taxa que lhe corresponder na respetiva tabela de retenção na fonte conforme artigo 99º-F do CIRS”.

 

3.5.    Adicionalmente, alega a Requerida que “(…) sobre a declaração da Requerente existe a presunção de veracidade e de boa-fé, princípio este consagrado no artigo 75º da LGT, sendo que, o afastamento da presunção ocorre nos termos do artigo 75º, no seu nº 2 e nas alíneas a) e b)”, “pelo que, cabe á Requerente nos termos do artigo 74º, nº 1 da LGT o ónus de comprovar que se verificaram os pressupostos para a aplicação do regime constante do disposto no artigo 12º-A do CIRS, o que o não fez”.

 

  1. Em conclusão, alega a Requerida que “(…) não se verificando os pressupostos para aplicação do regime fiscal previsto para os ex-residentes, nos termos do artigo 12º-A do CIRS, não se verifica qualquer ilegalidade na liquidação ora contestada”, “(…) requerendo a dispensa da reunião e [que] se passe diretamente à decisão da causa”.

 

  1. SANEADOR

 

4.1.    O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[2]

 

4.4.    No que diz respeito ao valor do pedido, a Requerente indicou EUR 1.540,11 e a Requerida, na Resposta apresentada, suscitou uma questão prévia relativa ao valor do processo porquanto alegando que “(…) quando seja impugnada a liquidação, o valor do processo é o da importância cuja anulação se pretende”, pelo que “atendendo a que a Requerente pretende a anulação da liquidação de IRS (…) referente ao ano de 2020, no valor de que foi reembolsado de € 1.372,58 deve ser este o valor do processo (…)”.

 

4.5.    A Requerente, devidamente notificada para o efeito, nada veio referir ao processo.

 

4.6.    Neste âmbito, refira-se que para efeitos de fixação do valor do pedido arbitral, deve ser considerado o disposto no artigo 97º-A, nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento das Custas nos processos de arbitragem tributária, nos termos do qual, “os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende; (…)”.

 

4.7.    Com o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticiona a anulação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2022..., apresentado na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS n.º 2021..., respeitante ao período de tributação de 2020 (liquidação esta cujo montante de imposto liquidado ascende a EUR 1.475,42), “(…) com todas as consequências legais, designadamente a imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”.

 

4.8.    Nestes termos, face ao acima exposto, quantifica-se o valor do pedido arbitral em
EUR 1.475,42.

 

4.9.    A Requerente nas suas alegações escritas veio referir que a Requerida emitiu uma nova nota de liquidação de IRS, que reflete as consequências que resultam do regime fiscal dos ex-residentes (ou seja, aplica a exclusão de tributação de 50% dos rendimentos do trabalho dependente), pelo que “atendendo a que a atuação da AT já concretiza o requerido pela Requerente (…) a sua pretensão se encontra satisfeita (…)”, verificando-se assim “(…) a inutilidade superveniente da lide”, devendo “(…) considerar-se a Autoridade Tributária e Aduaneira como sendo responsável pela presente ação para efeitos de custas, uma vez que foi esta a dar-lhe causa”.

 

4.10.  A Requerida, devidamente notificada para o efeito, nada veio dizer ao processo quanto à excepção suscitada.

 

4.11.  Assim, a análise da excepção da inutilidade superveniente da lide uja análise será efectuada, preliminarmente, no Capítulo 6. Matéria de Direito.

 

4.12.  Não foram suscitadas na Resposta quaisquer outras excepções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.    Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.    A Requerente tornou-se residente fiscal em Portugal, no ano de 2019, em 02-09-2019.

 

  1. A Requerente não foi considerada residente em território português nos três anos anteriores, ou seja, em 2016, 2017 e 2018.

 

  1. A Requerente foi residente em território português antes de 31-12-2015.

 

  1. A Requerente não solicitou a sua inscrição como residente não habitual.

 

  1. A Requerente apresentou, em 10-05-2021, a declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2020, contendo os Anexos A, B, H e J, nela tendo declarado os rendimentos auferidos naquele ano de 2020, no montante total de EUR 14.842,32.

 

  1. Da referida declaração de rendimentos resultou uma nota de liquidação de IRS (a nº 2021 ...), no montante de EUR 1.475,42 (colecta líquida) mas, tendo em consideração o montante de retenções efetuado sobre os rendimentos auferidos
    (EUR 2.848,00), foi emitida a nota de reembolso nº 2021..., no valor de
    EUR 1.372,58.

 

  1. O reembolso de IRS referido no ponto anterior foi recebido pela Requerente, por transferência bancária, em 08-06-2021.

 

5.10.  Em virtude de lapsos que a Requerente identificou na declaração modelo 3 de IRS entregue, a Requerente apresentou, em 02-06-2021, uma declaração modelo 3 de IRS de substituição, referente ao ano de 2020, tendo junto os mesmos Anexos A, B, H e J, na qual a Requerente procedeu ás seguintes alterações:

- No Quadro 4A, a Requerente tinha indicado como Código dos Rendimentos o número 401, passando a indicar o número 410;

- No Quadro 4E, a Recorrente não tinha preenchido com o ano em que se tornou residente em Portugal, passando agora a indicar o ano 2019 e não tinha indicado a letra A no campo “Titular”, passando agora a assinalar devidamente o titular dos rendimentos.

 

  1. Dado que a declaração modelo 3 de IRS de substituição apresentava “anomalias” pelo que a Requerente, em 30-12-2021, apresentou uma questão/pedido no seu e-balcão, solicitando que a referida declaração fosse processada pelos serviços competentes.

 

  1. A Requerente foi notificada da resposta da Requerida à sua questão/pedido, nos termos da qual foi entendido que “a declaração de substituição do ano de 2020 est[ava] errada, uma vez que não reun[ia] as condições para ser considerada ex residente em Portugal, uma vez, nesse período que foram apresentadas declarações de IRS como residente”.

 

  1. A Requerente apresentou, em 09-08-2022 a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação nº 2021 ... (RG nº ...2022...).

 

  1. A Requerente foi notificada através de Ofício datado de 22-08-2022, do projeto de indeferimento da reclamação graciosa, nos termos do qual a Requerida entendeu que a Requerente não reunia os requisitos previstos no artigo 12º-A do Código do IRS para poder beneficiar do estatuto de ex-residente, pelo que não poderia ser atendida a sua pretensão, devendo a reclamação graciosa ser indeferida.

 

  1. Adicionalmente, a Requerente foi notificada pelo mesmo Ofício para exercer, no prazo de 15 dias, o seu direito de audição.

 

  1. Em 09-09-2022 a Requerente exerceu o correspondente direito de audição, no sentido de demonstrar que preenchia os requisitos para beneficiar do referido estatuto fiscal.

 

  1. A Requerente foi notificada de Ofício C-..., de 03-10-2022, relativo ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa.

 

  1. A Requerente apresentou, em 07-11-2022, Recurso Hierárquico (nº ...2022...) contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, reiterando o seu direito a beneficiar do regime fiscal dos ex-residentes.

 

  1. A Requerente foi notificada do projecto de indeferimento do Recurso Hierárquico através do Ofício nº..., de 28-11-2022, e para exercer o direito de audição relativamente à proposta de indeferimento daquele recurso.

 

  1. A Requerente exerceu, em 19-12-2022, o direito de audição reiterando o seu direito ao regime dos ex-residentes, no sentido de procurar demonstrar que os argumentos invocados pela Administração Tributária no projeto de decisão não encontravam qualquer suporte legal.

 

  1. A Requerente foi notificada, em 09-01-2023, do despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico (datado de 28-12-2023), que manteve o seu indeferimento, sem se pronunciar sobre os argumentos invocados em sede de direito de audição pela Requerente.

 

  1. A Requerente, por não poder concordar com a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto relativamente ao despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, nem com a liquidação adicional de IRS identificada no ponto 5.8., supra, porquanto entende serem ilegais, apresentou, em 05-04-2023, o presente pedido de pronúncia arbitral com fundamento em erro nos pressupostos de facto e violação de lei por erro sobre os pressupostos de Direito, peticionando a anulação daquela liquidação de IRS, bem como da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico.

 

  1. Em consequência da entrega da declaração modelo 3 de IRS de substituição (referida no ponto 5.10., supra) relativa ao ano de 2020, foi emitida nova nota de liquidação de IRS (a nº 2023 ..., de 18-07-2023), na qual foram considerados rendimentos no montante total de EUR 7.421,16, tendo sido apurada uma colecta líquida de EUR 125,41 mas, tendo em consideração o montante de retenções na fonte efetuado sobre os rendimentos auferidos (EUR 2.848,00), foi emitida a nota de reembolso nº 2023..., no valor de EUR 2.722,59.

 

  1. Tendo em consideração o acerto de contas nº 2023..., no qual foi considerado o estorno da Liquidação 2021 ... (a qual havia dado origem a reembolso no montante de EUR 1.372,58), o valor “líquido” a reembolsar, em consequência, foi a diferença entre as duas liquidações, ou seja, EUR 1.350,01.

 

  1. O reembolso de IRS referido nos dois pontos anteriores foi recebido pela Requerente, por transferência bancária, em 21-07-2023.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

  1. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e pela Requerida (processo administrativo).

 

Dos factos não provados

 

  1. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.    No caso, o objecto do processo reporta-se (i) a uma liquidação de IRS (a nº 2021..., respeitante ao ano de 2020, no montante de EUR 1.475,42), na qual não foi aplicado o Regime dos Residentes Não Habituais (RNH) à Requerente, por alegada inobservância dos respectivos requisitos legais, em conformidade com a fundamentação da Requerida e (ii) ao despacho de indeferimento do recurso hierárquico apresentado relativamente à decisão de indeferimento da reclamação graciosa interposta contra aquela liquidação de IRS.

 

6.2.    Preliminarmente, é indispensável analisar se se verifica ou não a inutilidade superveniente da lide, suscitada pela Requerente nas suas alegações escritas, tendo em consideração que a Requerida emitiu nova nota de liquidação (a nº 2023..., de 18-07-2023) que veio anular a que é objecto do pedido (porque anterior), originando um novo reembolso à Requerente.

 

Questão prévia – da inutilidade superveniente da lide

 

6.3.    A Requerente com o pedido de pronúncia arbitral apresentado veio peticionar “(…) a anulação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2022..., apresentado na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS n.º 2022..., respeitante ao período de tributação de 2020, com todas as consequências legais, designadamente a imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”.

 

6.4.    Da análise da documentação constante do processo administrativo anexado aos autos, pela Requerida, com a sua Resposta, o Tribunal Arbitral obteve evidência de que a liquidação de IRS objecto do pedido de pronúncia arbitral (a nº 2021...) havia sido substituída pela liquidação de IRS nº 2023..., de 18-07-2023, originando uma inutilidade superveniente da lide, excepção que a Requerente veio suscitar nas suas alegações.

 

6.5.    Dado que em ambas as liquidações identificadas no ponto anterior tinham sido apuradas situações de reembolso, tendo em consideração que o reembolso apurado na liquidação substituta (no montante de EUR 2.722,59) foi superior ao apurado na declaração substituída (no montante de EUR 1.372,58), o valor “líquido” a reembolsar, em consequência, foi a diferença entre as duas liquidações, ou seja, EUR 1.350,01, efectivado por transferência bancária à Requerente em 21-07-2023.

 

6.6.    Como resulta dos factos provados, com a substituição da liquidação impugnada nos autos por outra na qual se reconheceu a pretensão da Requerente, a pretensão impugnatória da Requerente ficou totalmente satisfeita, pelo que se torna inútil o prosseguimento da presente lide, na medida em que do seu prosseguimento não resultará qualquer efeito sobre a relação jurídica material controvertida.

 

6.7.    Com efeito, verifica-se a inutilidade superveniente da lide quando, por facto ocorrido na pendência da causa, a solução do litígio deixe de ter interesse e utilidade, o que justifica a extinção da instância (cfr. artigo 277º, al. e), do Código de Processo Civil).

 

6.8.    Citando o Acórdão Arbitral proferido no âmbito do processo nº 299/2020-T, de 10-11-2021, “como referem LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA, RUI PINTO, a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio”.

 

6.9.    Assim, se, por virtude de factos novos ocorridos na pendência do processo, “parte do escopo visado com a pretensão deduzida em juízo já foi atingido por outro meio, pelo que a decisão a proferir não envolve efeito útil, ocorre, nesse âmbito, inutilidade superveniente da lide”.

 

6.10.  Nestes termos, este Tribunal Arbitral entende verificar-se a inutilidade superveniente parcial da lide no que diz respeito ao pedido de anulação do acto tributário, o que implica a extinção da correspondente instância nos termos do disposto no artigo 277º, alínea e) do CPC (aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.11.  De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral” sendo que:

 

6.11.1.   Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito;

6.11.2.   Nos termos do nº 2 do referido artigo concretiza-se a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.12.  No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, impõe-se que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 e 22º, nº 4 do RJAT e artigo 4º, nº 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, uma vez que a inutilidade superveniente da lide lhe é imputável.

 

  1. DECISÃO

 

7.1.    Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

7.1.1.     Declarar a inutilidade superveniente da lide e, em consequência, absolver a Requerida da instância;

7.1.2.     Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

Valor do processo: Tendo em consideração o acima exposto nesta decisão, bem como o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 1.475,42.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 306,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 11 de Outubro de 2023

 

O Árbitro,

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] Nesta matéria, refira-se que a Requerente foi notificado do acto de liquidação de IRS em crise (o nº 2021 ...), no qual se apurou uma colecta líquida de 1.475,42, com um reembolso de EUR 1372,58, tendo em consideração as retenções na fonte efectuadas por terceiros, no montante de EUR 2.848,00. Por não concordar com o mesmo, a Requerente apresentou, em 09-08-2022, reclamação graciosa (nº ...2022...) contra a referida liquidação a qual acabou por ser indeferida por despacho de indeferimento notificado por ofício de 03-10-2022. A Requerente apresentou, em 07-11-2022, Recurso Hierárquico (nº ...2022...) contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o qual acabou por ser indeferido por despacho de 28-12-2022, notificado por ofício datado de 09-01-2023. A Requerente apresentou este pedido de pronúncia arbitral em 05-04-2023, ou seja, no prazo de 90 dias a contar daquela notificação.